Você está em Material de apoio

Trechos de livros

Leia trechos de obras, entrevistas, palestras dos principais filósofos.

Responsável - Equipe de ensino do Instituto Packter.

(19/Jun) A Cabeça Feita, de Edgar Morin
(Sobre a Universidade)

A Universidade, conserva, memoriza, integra, ritualiza uma herança cultural de saberes, idéias, valores, regenera essa herança ao reexaminá-la, atualizá-la, transmiti-la: gera saberes , idéias e valores que passam, então, a fazer parte da herança. assim ela é conservadora, regeneradora,geradora. A esse título, a Universidade tem uma missão e uma função transeculares, que vão do passado ao futuro, passando pelo presente; conservou uma missão transnacional, apesar da tendência ao fechamento nacionalista das nações modernas. Dispõe de uma autonomia que lhe permite executar essa missão.


Segundo os dois sentidos do termo "conservação", o caráter conservador da Universidade pode ser vital ou estéril. A conservação é vital quando significa salvaguarda e preservação, pois só se pode preparar um futuro salvando um passado, e estamos em um século onde múltiplas e poderosas forças de desintegração cultural estão em atividade. Mas a conservação é estéril quando é dogmática, cristalizada, rígida. Assim, a Sorbonne do século XVII condenou todos os avanços científicos de sua época, e, até o século seguinte, grande parte da ciência moderna foi formada fora das universidades.

No século XIX, a Universidade soube responder ao desafio do desenvolvimento das ciências, ao realizar sua grande transformação, a partir da reforma que Humboldt introduziu em Berlim, em 1809. Tornou-se laica, quando instituiu sua liberdade interna frente à religião e ao poder; abriu-se à grande problematização, surgida com o Renascimento, que interroga o mundo, a natureza, a vida, o homem, Deus. A Universidade, tornou-se, de fato, o espaço da problematização característica da cultura européia moderna; está mais profundamente inserida em sua missão transecular e transnacional, e aberta às culturas extra-européias.

(10/Jun) Pensamento e Linguagem, de L.S. Vigotski
O fato mais importante revelado pelo estudo genético do pensamento e da fala é que a relação entre ambos passa por várias mudanças. O progresso da fala não é paralelo ao progresso do pensamento. As curvas de crescimento de ambos cruzam-se muitas vezes; podem atingir o mesmo ponto e correr lado a lado, e até mesmo fundir-se por algum tempo, mas acabam se separando novamente. Isso se aplica tanto à filogenia como à ontogenia.

Nos animais a fala e o pensamento têm origens diferentes e seguem cursos diferentes no seu desenvolvimento. Este fato é confirmado por estudos recentes que Koehler, Yerkes e outros realizaram com macacos antropóides. As experiências de Koehler provaram que o aparecimento de um intelecto embrionário nos animais - isto é, do pensamento no sentido próprio do termo - não está, de forma alguma, relacionado com a fala. As "invenções" desses macacos, ao fazerem e utilizarem instrumentos, ou ao encontrarem formas alternativas para a solução de problemas, apesar de serem, sem duvida, um pensamento rudimentar, pertencem a uma fase pré-linguística da evolução do pensamento.

(06/Abr) Tratado da Correção do Intelecto, de Spinoza
Onde existe o maior engano é quando acontece que algumas coisas que se oferecem
na imaginação estejam também no intelecto, isto é, sejam concebidas clara e distintamente; então, enquanto não se separa do confuso o distinto, a certeza, ou seja, a idéia verdadeira se mistura com as não distintas. Por exemplo, alguns estóicos por acaso ouviram o nome da alma e também que é imortal, as quais coisas imaginavam apenas confusamente; imaginavam também e ao mesmo tempo inteligiam que os corpos sutilíssimos penetravam todos os mais e por nenhum outro eram penetrados. Como imaginassem tudo isso junto, acompanhado da
certeza deste axioma, logo se convenciam de que a mente é esses corpos sutilíssimos e aqueles corpos sutilíssimos não se dividem, etc. Também disso, porém, nos livramos, enquanto nos esforçamos por examinar todas as nossas percepções conforme a norma de uma existente idéia verdadeira, precavendo— nos, como dissemos no começo, do que temos pelo ouvido ou pela experiência vaga. Acresce que tal engano provém de que concebem as coisas de um modo excessivamente abstrato, pois é bastante claro por si que aquilo que concebo em
seu verdadeiro objeto não posso aplicar a outra coisa. Nasce, por último, também de que não inteligem os primeiros elementos de toda a Natureza; donde, procedendo sem ordem e confundindo a Natureza com as coisas abstratas, embora sejam verdadeiros axiomas, a si mesmos se confundem e pervertem a ordem da Natureza. Nós, contudo, se procedermos o menos abstratamente possível e começarmos, logo que possamos, pelos primeiros elementos, isto é, pela fonte e origem da Natureza, de nenhum modo devemos temer esse engano.

(01/Abr) Trecho de O Olho e o Espírito, de Merleau-Ponty
Entretanto, Descartes não seria Descartes se houvesse pensado eliminar o enigma da visão. Não há visão sem pensamentos. Mas não basta pensar em ver: a visão é um pensamento condicionado; nasce por ocasião daquilo que sucede no corpo, é excitada a pensar por ele. Não escolhe nem ser ou não ser, nem pensar isto ou aquilo. Deve trazer em seu coração esse peso, essa dependência que não podem advir-lhe por uma intromissão de fora. Tais acontecimentos do corpo são instituídos pela natureza para nos darem a ver isto ou aquilo. O pensamento da visão funciona segundo um programa e uma lei que ele não se deu; não está de posse de suas próprias premissas; não é pensamento todo presente, todo atual, todo atual; há em seu centro um mistério de passividade. É, portanto, esta a situação: tudo o que se diz e se pensa da visão faz dela um pensamento. Quando, por exemplo se quer compreender como é que vemos a situação dos objetos, não há outro recurso senão supor a alma, que sabe onde estão as partes de seu corpo capaz de "transferir daí sua atenção" a todos os pontos do espaço que estão no prolongamento dos membros.

(13/Mar) Marco Aurélio fala de seu pai
As qualidades que eu admirava no meu pai eram a sua brandura, a sua firme recusa em se desviar de qualquer decisão a que tinha chegado, a sua completa indiferença às falsas honrarias; o seu esforço, a sua perseverança e vontade de ouvir atentamente qualquer projecto para o bem comum; a sua invariável insistência em que as recompensas devem depender do mérito; o seu hábil sentido de oportunidade para puxar ou soltar as rédeas; e os esforços que fazia para suprimir a pederastia. Ele tinha consciência de que a vida social tem as suas exigências: os seus amigos não tinham qualquer obrigação de se sentarem à sua mesa ou de o acompanhar nas suas viagens oficiais, e quando eles eram disso impedidos por outros compromissos, isso não lhe fazia qualquer diferença. Todas as questões que lhe eram submetidas em conselho eram examinadas meticulosa e
pacientemente; nunca ficava satisfeito em despachá-las apenas com uma primeira impressão apressada. As suas amizades eram duradouras; não eram caprichosas nem extravagantes. Estava sempre à altura das circunstâncias; alegre, mas com uma visão de alcance suficiente para mandar discretamente cumprir os seus planos até ao mais pequeno pormenor. Estava sempre atento às necessidades do império, conservando prudentemente os seus recursos e suportando as críticas daí resultantes. Não era supersticioso frente aos deuses; e frente aos seus concidadãos nunca se rebaixava para alcançar popularidade nem namorava as massas, mas prosseguia o seu caminho calma e firmemente, desprezando tudo o que lhe soasse a ostentação ou moda. Aceitava sem complacência ou compunção os bens materiais que a sorte pusera à sua disposição; quando estavam à mão aproveitava-os, e quando não estavam, não sentia qualquer mágoa.

Não lhe podiam ser apontados quaisquer vestígios dos sofismas dos casuístas,
do atrevimento do adulador, ou do escrúpulo exagerado do pedante; todos os
homens lhe reconheciam uma personalidade madura e acabada que era insensível à lisonja e perfeitamente capaz de se orientar a si próprio e aos outros. Além disso, tinha grande respeito por todos os filósofos genuínos; e embora abstendo-se de criticar os outros, preferia passar sem a sua orientação. Na convivência era afável e atencioso, mas sem exageros. Os cuidados que dispensava ao corpo eram razoáveis; não havia nele qualquer ansiosa preocupação de prolongar a existência, ou em embelezar a sua aparência, contudo estava muito longe de ser descuidado em relação a esta, e de facto cuidava tão bem de si próprio que raramente precisava de cuidados médicos ou de medicamentos. Não se notava nele o mais pequeno vestígio de inveja no seu pronto reconhecimento de qualidades notáveis, quer em discursos públicos, quer nos domínios da lei, da ética ou qualquer outro, e esforçava-se por dar a cada pessoa a oportunidade de conquistar reputação no seu próprio campo.

Embora todas as suas acções fossem guiadas pelo respeito pelo precedente
constitucional, nunca abandonava o seu caminho para buscar o reconhecimento
público disso. Também não gostava da agitação e da mudança e tinha uma rreigada preferência sempre pelos mesmos lugares e sempre pelas mesmas actividades. Depois de uma das suas enxaquecas, voltava logo aos seus deveres sem perda de tempo, com novo vigor e completo domínio das suas capacidades. Os seus documentos secretos e confidenciais não eram muitos, e os raros temas neles tratados referiam-se exclusivamente a assuntos do estado.

Revelava bom senso e comedimento na exibição de espectáculos, na construção de edifícios públicos, na distribuição de subsídios, etc., tendo sempre mais em vista a necessidade dessas medidas do que o aplauso que elas provocavam. Os seus banhos não eram a horas inconvenientes; não tinha a obsessão de construir; não era nada esquisito em relação à sua alimentação, nem ao corte e às cores das suas vestes, nem à apresentação daqueles que o rodeavam. As suas roupas eram-lhe enviadas da sua casa de campo em Lorium, e a maior parte das sua coisas eram de Lanuvium. A famosa maneira como ele tratou um inspector em Tusculum era típica do seu comportamento, pois a falta de cortesia, bem como a brusquidão ou a jactância, eram estranhas à sua natureza; nunca ficava encalorado, como diz o povo, ao ponto de transpirar; era seu hábito analisar e pesar todos os incidentes, devagar, calma, metódica, decisiva e consistentemente. Aquilo que se diz de Sócrates, não é menos aplicável a ele: que tinha a capacidade de se permitir ou negar a si próprio indulgências que a maioria das pessoas são incapazes de recusar por fraqueza, ou de apreciar, pelos seus excessos. Ser assim tão forte para, à sua vontade, se
conter ou ceder revela uma alma perfeita e indómita como Máximo também
demonstrou no seu leito de doente.

(28/Fev) Introdução à Filosofia da Arte, de Benedito Nunes
Para Platão, só dois atos miméticos (imitação) fundamentais existem: a imitação primeiro realizada pelo Demiurgo, que criou as coisas sensíveis, tomando por modelo as essências imutáveis (lembre-se que ele concebe dois mundo: o sensível, em que vivemos e o ideal, de onde viriam todas as coisas), e a imitação moral, que a alma, desejosa de reinvestir-se de sua condição espiritual perdida, faz do Bem e da Beleza, no intuito de assemelhra-se àquilo que contempla intelectualmente. O pintor e o escutor imitam as coisas desse mundo, que o Demiurgo já copiou da realidade perfeita (o mundo ideal). O mérito desses artistas é minuto e mesmo nulo. Que adianta, pergunta Platão, reproduzir aquelas formas que são inferiores, terranas e sensíveis, quando há outras, supremas, que justificam o esforço do conhecimento intelectual? (...) A mente do artesão, que concebe a forma de um leite, fazendo-a passar a uma dada matéria, está mais em contato com a idéia universal, de que participam todos os leitos possíveis, do que o pintor, que reproduz a figura singular de um desses objetos existentes.

Logo, para Platão: O artista imita por deficiência de conhecimentos. Se fosse verdadeiro sábio, não trocaria a realidade pela aparência. Sua práxis, supérflua, é apenas um jogo, uma atividade gratuita, que nada tem de séria, e que pode, contudo, aumentando a sedução equívoca da matéria sobre a sensibilidade, enredar a alma na trama de falsos sentimentos e emoções, facilmente suscitados pela música e pela poesia. Não à toa, ele expulsou todos os poetas da sua sociedade ideal! Já pensou que mundo terrível?

(14/Fev) Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels
A burguesia desempenhou na História um papel eminentemente revolucionário.
Onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia calcou aos pés as relações feudais, patriarcais e idílicas. Todos os complexos e variados laços que prendiam o homem feudal a seus superiores naturais ela os despedaçou sem piedade, para só deixar subsistir, de homem para homem, o laço do frio interesse, as duras exigências do pagamento à vista.

Afogou os fervores sagrados do êxtase religioso, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismo pequeno-burguês nas águas geladas do cálculo egoísta.
Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca; substituiu as numerosas liberdades, conquistadas com tanto esforço, pela única e implacável liberdade de comércio. Em uma palavra, em lugar da exploração velada por ilusões religiosas e políticas, a burguesia colocou uma exploração aberta, cínica,
direta e brutal.

A burguesia despojou de sua auréola todas as atividades até então reputadas veneráveis e encaradas com piedoso respeito. Do médico, do jurista, do sacerdote, do poeta, do sábio fez seus servidores assalariados.

A burguesia rasgou o véu de sentimentalismo que envolvia as relações de família e reduziu-as a simples relações monetárias.

A burguesia revelou como a brutal manifestação de força na Idade Média, tão admirada pela reação, encontra seu complemento natural na ociosidade mais completa. Foi a primeira a provar o que pode realizar a atividade humana: criou maravilhas maiores que as pirâmides do Egito, os aquedutos romanos,
as catedrais góticas; conduziu expedições que empanaram mesmo as antigas invasões e as Cruzadas.

A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, como isso, todas as relações sociais. A conservação inalterada do antigo modo de produção constituía, pelo contrário, a primeira condição de
existência de todas as classes industriais anteriores. Essa revolução contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas,
com seu cortejo de concepções e de idéias secularmente veneradas; as relações que as substituem tornam-se antiquadas antes de se ossificar. Tudo que era sólido e estável se esfuma, tudo o que era sagrado é profanado, e os homens são obrigados finalmente a encarar com serenidade suas condições de existência e suas relações recíprocas.

(11/Fev) trecho de D. Quixote (sobre pais e filhos)
"Os filhos, senhor" respondeu D. Quixote - são pedaços das entranhas de seus pais, e sejam bons ou maus, sempre se lhes há-de querer como às almas que nos dão vida; aos pais cumpre encaminhá-los desde pequenos pela senda da virtude, da boa criação e dos bons e cristãos costumes, para que sejam bordão da velhice de seus pais e glória da sua posteridade, quando forem crescidos; e enquanto a forçá-los que estudem esta ou aquela ciência não o tenho por acertado, ainda que o persuadir-lho não será danoso; e, quando não se tem de estudar para pane lucrando, sendo o estudante tão venturoso, que recebesse do céu pais que lhe deixem haveres, seria eu de parecer que o não impedissem de seguir a ciência para que se inclina, e ainda que a da poesia é menos útil do que deleitosa, não é das que desonram os que a possuem. A poesia, no meu entender, senhor fidalgo, é como uma donzela meiga, juvenil e formosíssima, que se desvelam em nriquecer, polir e adornar outras muitas donzelas, que são todas as outras ciências, e todas com ela se hão-de autorizar; mas esta donzela não quer ser manuseada, nem arrastada pelas ruas, nem publicada nas esquinas das praças, nem pelos desvãos dos palácios. É feita por uma alquimia de tamanha virtude, que quem souber tratá-la pode mudá-la em ouro puríssimo; não a há-de deixar correr quem a tiver
por torpes sátiras e desalmados sonetos; não se há-de vender de nenhum modo, a não ser em poemas heróicos, em lamentáveis tragédias ou em comédias alegres e artificiosas; não se há-de deixar tratar pelos truões, nem pelo vulgo ignorante, incapaz de conhecer nem de estimar os tesouros que nela se encerram. E não penseis, senhor, que chamo aqui vulgo somente à gente plebéia e humilde, que todo aquele que não sabe, ainda que seja senhor e príncipe, pode e deve ser
contado entre o vulgo; e assim, quem cuidar a poesia com estes requisitos, terá fama e nome estimado em todas as nações civilizadas do mundo. E enquanto ao que dizeis, senhor, de vosso filho não ter em grande estima a poesia castelhana, entendo que não anda nisso com muito acerto, e a razão é esta: o grande Homero não escreveu em latim, porque era grego; nem Virgílio escreveu em grego, porque era latino. Enfim, todos os poetas antigos escreveram na língua que beberam com o leite e não foram procurar os idiomas estrangeiros para manifestar a alteza dos seus conceitos; e, sendo isto assim, era razoável que este costume se estendesse por todas as nações, e que se não menosprezasse o poeta alemão que escreve na sua língua, nem o castelhano, nem o próprio biscainho que escreve na sua; mas vosso filho, senhor, ao que imagino, não estará de mal com a
poesia moderna, mas sim com os poetas que são meros versejadores castelhanos, sem saberem outras línguas, nem outras ciências que adornem, despertem e auxiliem o seu natural impulso; e ainda nisto pode haver erro, porque, segundo opiniões sensatas, o poeta nasce poeta, e com essa inclinação que o céu lhe deu, sem mais estudo nem artifício, compõe coisas que fazem verdadeiro
quem disse: est Deus in nobis. Também digo que o poeta natural, que se auxiliar com a arte, se avantajará muito ao poeta que só por saber a arte o quiser ser. O motivo disto é que a arte não vence a natureza, mas aperfeiçoa-a; de forma que a natureza e a arte, mescladas, produzirão um perfeitíssimo poeta. Em conclusão, senhor fidalgo, entendo que Vossa Mercê deve deixar seguir seu
filho a estrela que o chama, que, sendo ele tão bom escolar como deve de ser, e tendo já subido felizmente o primeiro degrau das ciências, que é o das línguas, com elas subirá por si ao cúmulo das letras humanas, que tão bem parecem num cavaleiro de capa e espada, e o adornam, honram e engrandecem, como as mitras aos bispos, ou como as garnachas aos jurisconsultos peritos. Ralhe Vossa Mercê com seu filho, se fizer sátiras que prejudiquem as honras alheias, e castigue-o e rasgue-lhas; mas, se fizer prédicas à moda de Horácio, em que repreenda os vícios em geral, como ele tão elegantemente o fez, louve-o, porque é lícito ao poeta escrever contra a inveja e dizer nos seus versos mal dos invejosos, e contra os outros vícios, sem designar pessoa alguma; mas há poetas que, para dizerem uma malícia, se arriscam a ser degredados para as ilhas do Ponto. Se o poeta for casto nos seus costumes, sê-lo-á também nos seus versos; a pena é a língua da alma: como forem os conceitos que nela se gerarem, assim serão os seus escritos; e quando os reis ou príncipes vêem a milagrosa ciência da poesia em sujeitos prudentes, virtuosos e graves, honram-nos, estimam-nos e enriquecem-nos, e ainda os coroam com as folhas da árvore que o raio não ofende, como em sinal de que por ninguém hão-de ser ofendidos os que virem com os seus lauréis honrada e adornada a sua fronte.

   

Como referenciar: "Trechos de livros" em Só Filosofia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 29/09/2024 às 00:33. Disponível na Internet em http://filosofia.com.br/trecho.php?pg=9