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Trechos de livros
Leia trechos de obras, entrevistas, palestras dos principais filósofos.
Responsável - Equipe de ensino do Instituto Packter.
(11/Ago) A Evolução Criadora - H. Bergson |
(trecho sobre a negação)
Para começar pelo segundo ponto, notemos que negar consiste sempre em afastar uma afirmação possível. A negação é só uma atitude tomada pelo espírito face a uma afirmação eventual. Quando digo: esta mesa é negra, é sim da mesa que falo: eu a vi negra, e meu juízo traduz o que vi. Mas se digo esta mesa não é branca, não exprimo seguramente alguma coisa que percebi, por que vi negro e não uma ausência de branco. Não é, pois, no fundo, a respeito da própria mesa que faço esse juízo, mas, antes, sobre o juízo que a declararia branca. Julgo um juízo e não a mesa. A proposição esta mesa não é branca implica que você poderia acreditá-la branca, que você acreditaria que é tal, ou que eu iria acreditá-la como tal: eu o previno, ou advirto a mim mesmo, de que esse juízo deve ser substituído por um outro (que deixo, é verdade, indeterminado). Assim, enquanto a afirmação se refere diretamente à coisa, a negação visa a coisa só indiretamente, através de uma afirmação interposta. Uma proposição afirmativa traduz um juízo referido a um objeto; uma proposição negativa traduz um juízo referido a um juízo. A negação difere pois da afirmação propriamente dita por ser uma afirmação de segundo grau: afirma alguma coisa de uma afirmação que afirma alguma coisa de alguma coisa de objeto. Mas se segue primeiro daí que a negação não é o fato de um puro espírito, quero dizer, de um espírito separado de todo o móvel, posto em face dos objetos e só querendo tratar deles. Quando se nega, faz-se a lição para os outros ou para si mesmo. Atacamos um interlocutor, real ou possível, que se engana e que prevenimos. Ele afirmava alguma coisa: prevenimo-lo de que deverá afirmar outra coisa (sem especificar, contudo, a afirmação que seria preciso substituir a primeira). Não há mais simplesmente então uma pessoa e um objeto em presença um do outro, há em face do objeto, uma pessoa falando com uma pessoa, combatendo e ajudando-a, ao mesmo tempo; há um começo de sociedade. A negação visa alguém, e não somente, como a pura operação intelectual, alguma coisa. É de essência pedagógica e social. Corrige ou, antes, adverte a pessoa advertida e corrigida, podendo aliás ser, por uma espécie de desdobramento, a mesma que fala. Eis quanto ao segundo ponto. Chegamos ao primeiro. Dizíamos que a negação não é nunca senão a metade de um ato intelectual do qual se deixa a outra metade indeterminada. Se enuncio o proposição negativa esta mesa não é branca, entendo por isso que você deve substituir seu juízo a mesa é branca por outro juízo. Eu lhe faço uma advertência e a advertência se refere a uma necessidade de uma substituição. Quanto ao que você deve substituir por sua afirmação, não lhe digo nada, é verdade. Talvez porque ignore a cor da mesa, mas é também, mas é mesmo mais porque a cor branca é a única que nos interessa no momento e, então, eu tenho simplesmente que lhe anunciar que outra cor deverá substituir a branca, sem ter que lhe dizer qual.. Um juízo negativo é pois um juízo que indica que se trata de substituir um juízo afirmativo, não estando aliás especificada a natureza desse segundo juízo, as vezes porque o ignoramos, o mais das vezes porque não oferece interesse atual, com a tenção se referindo só a matéria do primeiro. Assim, todas as vezes que uno um não a uma afirmação, todas as vezes que nego, cumpro dois atos bem determinados: 1º interesso-me pelo que um dos meus semelhantes afirma, ou por aquilo que ele ia dizer, ou por aquilo que teria podido dizer um outro eu que previno: 2º anuncio que uma segunda afirmação, cujo conteúdo não especifico, deverá substituir aquela que acho diante de mim. Mas nem em um nem no outro desses dois atos encontraremos coisa diversa da afirmação. O caráter sui generis da negação vem da superposição do primeiro ao segundo. É pois em vão que se atribuiria a negação o poder de criar idéias sui generis, simétricas as que a afirmação criou e dirigidas em sentido contrário. Nenhuma idéia sairá dela, por que não tem outro conteúdo senão o do juízo afirmativo que ela julga. |
(09/Ago) Ensaios (livro III), Montaigne |
(sobre nossa função social) A maior parte de nossos ofícios são farsados. É preciso representar devidamente nosso papel, mas como papel de um personagem emprestado. Da máscara e da aparência não é preciso fazer uma essência real, nem do estranho o próprio. Não sabemos distinguir a pele da camisa. É bastante enfarinhar o rosto, sem enfarinhar o peito. Vejo os que se transformam e se transubstanciam em tantas novas figuras e novos seres quanto cargos que assumem e que se enfarpelam até o fígado e os intestinos e arrastam seu oficio até seu guarda-roupa. Não posso ensiná-los a distinguir as barretadas que dizem respeito a eles e eles das que visam sua comissão ou séquito, ou sua mula. Inflam e engrandecem sua alma e seu discurso magistral à altura de sua cátedra magistral. O Prefeito e Montaigne sempre foram dois, com uma separação bem clara. Para ser advogado ou financista, não é de se desconhecer a patifaria que há em tais ofícios. Um homem honesto não é contador do vício ou insensatez de sua profissão, e não deve, contudo, recusar seu exercício; é o uso de seu país e há vantagem. É preciso viver do mundo e prevalecer-se dele, tal como o encontramos. Mas o juízo de um Imperador deve estar acima de seu império, e vê-lo considerá-lo como acidente estrangeiro; e deve saber gozar de si à parte e comunicar-se como Jacques e Pierre, ao menos a si mesmo. |
(04/Ago) Aprendendo a Viver, de Sêneca |
De fato, o corpo precisa de muitas coisas para estar bem; o espírito, ao contrário, cresce por si mesmo, se alimenta e se exercita sozinho. Os atletas precisam de muita comida, muita bebida, muito óleo, enfim, de muito exercício. Tu podes ter a virtude sem nenhum aparato nem despesa. O que quer que te faça virtuoso já está contigo.
De que precisas para tornar-te bom? Apenas de vontade! O que, pois, tu mais deves querer do que se libertares desta servidão que oprime a todos, que até os escravos, que estão em condições extremas, nascidos na sordidez, desejam de todo o modo se libertar? Gastam todo seu dinheiro, mesmo tendo que passar fome, para obter a liberdade; e tu, que pensas ter nascido livre, não desejas ter a todo custo a liberdade? Por que olhas para o cofre? A liberdade não pode ser comprada. Assim, é inútil colocar o nome de liberdade em documentos: não pode ser comprada nem vendida. Esse bem deve dar a ti mesmo, peça-o para ti. Primeiro, livra-te do medo da morte, pois ela nos impõe o seu jugo, e, depois, deves perder o medo da pobreza. |
(21/Jul) Introdução à Filosofia, de B. Mondim (sobre o Socialismo Marxista) |
Karl Marx (1818 - 1883) fundador do socialismo científico, propõe-se a fundir uma sociedade em que seja abolida a exploração do homem pelo homem e onde a todos seja assegurada a satisfação de suas necessidades materiais e espirituais (Comunismo).
Marx vê na posse privada dos meios de produção o princípio de todo o mal, não só o econômico, mas também o individual e social. Dessa privatização nasce a relação salarial pela qual o operário vende o próprio trabalho, por um salário sobre o qual o empresário lucra injustamente a "mais-valia", isto é, o lucro. Segundo ele a luta de classe, isto é, a luta pela conquista da propriedade coletiva dos meios de produção por parte do proletariado explorado pelos capitalistas é um fato inelutável da história, que deve conduzir a eliminação da classe patronal. Suprimida essa última, nascerá um novo tipo de humanidade, sem classes nem egoísmos: homens que viverão numa sociedade de homens "comuns", voltados para o bem dos outros, talvez até mais do que para o seu próprio. Marx lançou em 1848, uma conclamação a todos os operários com o "Manifesto do Partido Comunista", assinado também por Engels, no qual o proletariado era chamado a tomar consciência da própria condição e da própria individualidade, para tornar-se uma força social contra a exploração. |
(04/Jul) Filosofia da Ciência, de Rubem Alves |
Esse espanto perante a ordem é a primeira inspiração da ciência. Quando um cientista enuncia uma lei ou uma teoria, ele está contando como se processa a ordem, está oferecendo um modelo de ordem. Agora ele poderá prever como a natureza vai se comportar no futuro. É isto que significa testar uma teoria: ver se, no futuro, ela se comporta da forma como o modelo previu.
Você conseguiu descobrir alguma ordem em meio aos absurdos aparentes? Veja: nada está solto. As coisas são nos céus como são no homem. Tudo é um cosmos, ordem. Microcosmos e macrocosmos estão ligados por relações de analogia. O homem é o microcosmos. Modelo do universo, próximo de todos, visível, conhecido. Baseado em uma visão da ordem do universo, ele enuncia suas conclusões: "O número dos planetas é necessariamente, sete". Não seja injusto para com o autor. Numa época em que os instrumentos para o teste de hipóteses eram raros, é compreensível que lhe sobrasse a imaginação. Nossos textos de ciência, no futuro, serão provavelmente citados como superstições primitivas. A magia dos azande de forma idêntica, se constrói sobre uma visão de natureza como uma ordem em que as coisas estão integradas e nada acontece por acaso. Tudo se encaixa perfeitamente. E na ordem natural não existe lugar para a enfermidade. Como pode a ordem gerar a desordem? O indesejável, o não-previsto, o maléfico só podem ser produtos de um fator estranho a essa mesma ordem, a feitiçaria. Você não concordaria que dada a premissa dos azande sobre a ordem da natureza, suas conclusões sobre a feitiçaria se seguem de forma necessária? E o quebra-cabeça? Frequentemente os alunos respondem que irão encaixar as peças umas nas outras até dar certo. Mas não é verdade. Ninguém procede assim. Isso pode funcionar se o quebra-cabeças tiver dez peças. Mas se tiver mil? Tal procedimento violenta tanto o senso comum como a ciência. Ele não faz uso de um modelo. Como procedemos? Partimos de um pressuposto: deve haver uma ordem no quebra-cabeça. Ele deve formar um padrão conhecido: paisagem, mapa, texto, rosto. Basta dar uma olhadela nas peças para fazer uma hipótese (palpite) acerca do modelo. Letras? Texto. Uma boa técnica aqui será separar as peças com letras maiúsculas. Elas indicam inícios. Cores variadas? Talvez uma paisagem. E numa paisagem as cores não aparecem embaralhadas. Os verdes estão juntos (pastagens, árvores). Também os azuis (céu, mar). Em qualquer dos casos, você separará as peças com os lados retos. Elas formam os limites do quebra-cabeça e indicarão onde as outras deverão se encaixar. Procedemos de forma ordenada porque pressupomos que haja ordem. Sem ordem não há problema a ser resolvido. Porque o problema é exatamente, construir uma ordem ainda invisível de uma desordem visível e imediata |
(02/Jul) O Paraíso é Uma Questão Pessoal, de Richard Bach |
Segundo os filósofos, aquilo em que um homem acredita, acaba sendo a sua realidade. Durante anos eu disse que não era mecânico e não era mecânico. Ao dizer que não sabia sequer distinguir uma ferramenta de outra, fechava-se as portas de um mundo de luz. Tinha de haver alguém para consertar os meus aviões para que eu pudesse voar.
Ai, comprei um louco e velho biplano, com um motor circular e demodê no focinho, e não demorei a descobrir que aquele motor, não ia tolerar um piloto que não soubesse nada sobre a personalidade de um Wright de 175 cavalos, ou algo sobre reparos em estruturas de madeira e tela encerada. Foi assim que aconteceu a coisa mais estranha de toda a minha vida... mudei de maneira de pensar. Aprendi a mecânica dos aviões. O que todo o mundo sabia há muito tempo, para mim foi como uma aventura. Por exemplo, um motor aberto e espalhado sobre uma bancada, é apenas uma coleção de peças de formas diferentes, apenas ferro frio. Não obstante, essas mesmas peças, reunidas e montadas numa fria fuselagem, transformam-se num novo ser, numa escultura acabada numa forma de arte digna de qualquer galeria. E, como nenhuma outra escultura na história da arte, o motor e a fuselagem criam vida da mão do piloto e unem a sua vida à dele. Separados, o ferro, a madeira, o pano e os homens estão presos ao solo. Juntos, podem se erguer no céu, explorar lugares onde nenhum de nós já esteve. Foi, para mim, uma surpresa aprender isso, pois sempre julgara que mecânica se resumia a metal partido e pragas em voz baixa. |
(29/Jun) Do socialismo utópico ao socialismo científico, Friedrich Engels |
O socialismo moderno é, em primeiro lugar, por seu conteúdo, fruto do reflexo na inteligência, de um lado dos antagonismos de classe que imperam na moderna sociedade entre possuidores e despossuidos, capitalistas e operários assalariados, e, de outro lado, da anarquia que reina na produção. Por sua forma teórica, porém, o socialismo começa apresentando-se como uma continuação, mais desenvolvida e mais conseqüente, dos princípios proclamados pelos grandes pensadores franceses do século XVIII. Como toda nova teoria, o socialismo, embora tivesse suas raízes nos fatos materiais econômicos, teve de ligar-se, ao nascer, às Idéias existentes. Os grandes homens que, na França, iluminaram os cérebros para a revolução que se havia de desencadear, adotaram uma atitude resolutamente revolucionária. Não reconheciam autoridade exterior de nenhuma espécie. A religião, a concepção da natureza, a sociedade, a ordem estatal: tudo eles submetiam à crítica mais impiedosa; tudo quanto existia devia justificar os títulos de sua existência ante o foro da razão, ou renunciar a continuar existindo. |
(29/Jun) Dos Delitos e das Penas, Cesare Beccaria |
A MORAL política não pode proporcionar à sociedade nenhuma vantagem durável, se não for fundada sobre sentimentos indeléveis do coração do homem.
Toda lei que não for estabelecida sobre essa base encontrará sempre uma resistência à qual será constrangida a ceder. Assim, a menor força, continuamente aplicada, destrói por fim um corpo que pareça sólido, porque lhe comunicou um movimento violento. Consultemos, pois, o coração humano; acharemos nele os princípios fundamentais do direito de punir. Ninguém fez gratuitamente o sacrifício de uma porção de sua liberdade visando unicamente ao bem público. Tais quimeras só se encontram nos romances. Cada homem só por seus interesses está ligado às diferentes combinações políticas deste globo; e cada qual desejaria, se fosse possível, não estar ligado pelas convenções que obrigam os outros homens. Sendo a multiplicação do gênero humano, embora lenta e pouco considerável, muito superior aos meios que apresentava a natureza estéril e abandonada, para satisfazer necessidades que se tornavam cada dia mais numerosas e se cruzavam de mil maneiras, os primeiros homens, até então selvagens, se viram forçados a reunir-se. Formadas algumas sociedades, logo se estabeleceram novas, na necessidade em que se ficou de resistir às primeiras, e assim viveram essas hordas, como tinham feito os indivíduos, num contínuo estado de guerra entre si. As leis foram as condições que reuniram os homens, a princípio independentes e isolados sobre a superfície da terra. Cansados de só viver no meio de temores e de encontrar inimigos por toda parte, fatigados de uma liberdade que a incerteza de conservá-la tornava inútil, sacrificaram uma parte dela para gozar do resto com mais segurança. A soma de todas essas porções de liberdade, sacrificadas assim ao bem geral, formou a soberania da nação; e aquele que foi encarregado pelas leis do depósito das liberdades e dos cuidados da administração foi proclamado o soberano do povo. Não bastava, porém, ter formado esse depósito; era preciso protegê-lo contra as usurpações de cada particular, pois tal é a tendência do homem para o despotismo, que ele procura sem cessar, não só retirar da massa comum sua porção de liberdade, mas ainda usurpar a dos outros. Eram necessários meios sensíveis e bastante poderosos para comprimir esse espírito despótico, que logo tornou a mergulhar a sociedade no seu antigo caos. Esses meios foram as penas estabelecidas contra os infratores das leis. Disse eu que esses meios tiveram de ser sensíveis, porque a experiência fez ver quanto a maioria está longe de adotar princípios estáveis de conduta. Nota-se, em todas as partes do mundo físico e moral, um princípio universal de dissolução, cuja ação só pode ser obstada nos seus efeitos sobre a sociedade por meios que impressionam imediatamente os sentidos e que se fixam nos espíritos, para contrabalançar por impressões vivas a força das paixões particulares, quase sempre opostas ao bem geral. Qualquer outro meio seria insuficiente. Quando as paixões são vivamente abaladas pelos objetos presentes, os mais sábios discursos, a eloqüência mais arrebatadora, as verdades mais sublimes, não passam, para elas, de um freio impotente que logo despedaçam. Por conseguinte, só a necessidade constrange os homens a ceder uma parte de sua liberdade; daí resulta que cada um só consente em pôr no depósito comum a menor porção possível dela, isto é, precisamente o que era preciso para empenhar os outros em mantê-lo na posse do resto. O conjunto de todas essas pequenas porções de liberdade é o fundamento do direito de punir. Todo exercício do poder que se afastar dessa base é abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito (8); é uma usurpação e não mais um poder legítimo. As penas que ultrapassam a necessidade de conservar o depósito da salvação pública são injustas por sua natureza; e tanto mais justas serão quanto mais sagrada e inviolável for a segurança e maior a liberdade que o soberano conservar aos súditos. |
Como referenciar: "Trechos de livros" em Só Filosofia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 22/11/2024 às 21:56. Disponível na Internet em http://filosofia.com.br/trecho.php?pg=8