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Trechos de livros

Leia trechos de obras, entrevistas, palestras dos principais filósofos.

Responsável - Equipe de ensino do Instituto Packter.

(18/Out) A Revolução dos Bichos
O Homem é o nosso verdadeiro e único inimigo. Retire-se da cena o Homem e a causa principal da fome e da sobrecarga de trabalho desaparecerá para sempre.

O Homem é a única criatura que consome sem produzir. Não dá leite, não põe ovos, é fraco demais para puxar o arado, não corre o que dê para pegar uma lebre. Mesmo assim, é o senhor de todos os animais. Põe-nos a mourejar, dá-nos de volta o mínimo para evitar a inanição e fica com o restante. Nosso trabalho amanha o solo, nosso estrume o fertiliza, e, no entanto, nenhum de nós possui mais que a própria pele. As vacas, que aqui vejo à minha frente, quantos litros de leite terão produzido neste ano? E que aconteceu a esse leite, que poderia estar alimentando robustos bezerrinhos? Desceu pela garganta dos nossos inimigos. E as galinhas, quantos ovos puseram neste ano, e quantos se transformaram em pintinhos? Os restantes foram para o mercado, fazer dinheiro para Jones e seus homens. E você, Quitéria, diga-me onde estão os quatro potrinhos que deveriam ser o apoio e o prazer da sua velhice. Foram vendidos com a idade de um ano --nunca mais você os verá. Como paga por seus quatro partos e por todo o seu trabalho no campo, que recebeu você, além de ração e baia?

(06/Out) O Olho e o Espírito, de Maurice Merleau-Ponty
A ciência manipula as coisas e renuncia a habitá-las. Fabrica para si modelos internos delas e, operando sobre esses índices ou variáveis as transformações permitidas por sua definição, só de longe em longe se defronta com o mundo atual. Ela é, sempre foi, esse pensamento admiravelmente ativo, engenhoso, desenvolto, esse parti pris de tratar todo o ser como "objeto em geral", isto é, a um tempo como se ele nada fosse para nós, e, no entanto, se achasse predestinado aos nossos artifícios.

Mas a ciência clássica guardava o sentimento da opacidade do mundo, era a este que ela pretendia juntar-se por suas construções, e por isto é que se acreditava obrigada a procurar para suas operações um fundamento transcendente ou transcendental. Há, hoje em dia - não na ciência, e sim numa filosofia das ciências assaz difundida -, isto de inteiramente novo: que a prática construtiva se torna e se dá por autônoma, e que o pensamento deliberadamente se reduz ao conjunto das técnicas ou tomada de captação, que ele inventa. Pensar é ensaiar, operar, transformar, sob a única reserva de um controle experimental onde só intervém fenômenos altamente "trabalhados", e que os nossos aparelhos produzem, em vez de registrá-los. Daí toda sorte de tentativas desordenadas. Nunca, como hoje, a ciência foi sensível às modas intelectuais. Quando um modelo foi bem sucedido numa ordem de problemas, ela o experimenta em toda a parte.

(15/Set) Tratado do encadeamento das idéias fundamentais nas ciências e na história, de Cournot
A idéia da Natureza é a idéia de um poder e de uma arte divinos inexprimíveis, sem comparação ou medida com o poder e a indústria do homem, que imprime em suas obras um caráter próprio de majestade e graça, que opera todavia sob o domínio de condições necessárias, que tende fatal e inexoravelmente a um fim que nos ultrapassa, de maneira contudo que essa cadeia de finalidade misteriosa, da qual não podemos demonstrar cientificamente nem a origem, nem o termo, aparece a nós como um fio condutor com a ajuda do qual a ordem é introduzida nos fatos observados e que nos coloca no rastro dos fatos a pesquisar. A idéia da natureza, esclarecida assim tanto quanto pode ser, não passa da concentração de todos os clarões que a observação e a razão nos fornecem sobre o conjunto dos fenômenos da vida, sobre o sistema dos seres vivos.

(03/Set) Tratado do encadeamento das idéias fundamentais nas ciências e na história, de Cournot
A idéia da Natureza é a idéia de um poder e de uma arte divinos inexprimíveis, sem comparação ou medida com o poder e a indústria do homem, que imprime em suas obras um caráter próprio de majestade e graça, que opera todavia sob o domínio de condições necessárias, que tende fatal e inexoravelmente a um fim que nos ultrapassa, de maneira contudo que essa cadeia de finalidade misteriosa, da qual não podemos demonstrar cientificamente nem a origem, nem o termo, aparece a nós como um fio condutor com a ajuda do qual a ordem é introduzida nos fatos observados e que nos coloca no rastro dos fatos a pesquisar. A idéia da natureza, esclarecida assim tanto quanto pode ser, não passa da concentração de todos os clarões que a observação e a razão nos fornecem sobre o conjunto dos fenômenos da vida, sobre o sistema dos seres vivos.

(24/Ago) A Filosofia Contemporânea, de Emanuele Severino
(sobre O devir e o super-homem)

O pensamento de Nietzsche exprime de um modo radical a diferente atitude que o homem moderno assume face ao devir.

A atitude tradicional do homem europeu consiste para Nietzsche na preparação de um remédio e de uma defesa contra a ameaça e o terror do devir. E o sentimento de segurança é o elemento decisivo para a preparação de tal abrigo e defesa. O desejo de segurança produz, de fato, a vontade de verdade, isto é, a vontade de que exista uma ordem verdadeira no mundo que se espelhe nos princípios da metafísica ( ou seja, da epistéme), da moral e do cristianismo.

Contudo, quando a existência se torna menos perigosa e o medo regride, nasce então o prazer da insegurança, da incerteza e da temeridade, que se une à consciência cada vez mais clara de que o remédio foi pior do que o mal. O gigantesco edifício construído pela cultura e pela civilização ocidentais para proteger o homem do caos e da irracionalidade do devir - edifício esse que culmina e se resume no conceito de Deus - acabou, pois, por sobrecarregar a existência do homem, dotando-a de um peso ainda mais insuportável do que aquele que é constituído pela própria ameaça do devir.

Por outro lado, o prazer da insegurança ( a felicidade de constatar incerteza e temeridade em toda a parte) está bem longe de ser uma atitude de massas: apenas os grandes descobridores nela participam e isso requer um novo tipo de humanidade - um superhomem, como diz Nietzsche - que não recue nem procure proteger-se do devir da vida, mas que o aceite incondicionalmente e de forma feliz: é o dizer sim à vida, mesmo nos seus aspectos mais terríveis, obscuros e ásperos, ou seja o prazer da insegurança, que acaba por abarcar o prazer da nossa anquilação.

Por outras palavras, enquanto o homem - tradicional, o gregário cujas necessidades foram herdadas e expressas pelos filósofos --, face à por da vida, atinge a sua salvação considerando-a como aparência da verdadeira vida que está para além da aparência, já o super-homem sabe que a verdadeira vida é horror e dor e nem por isso se retrai ou foge dela, como tinha proposto Schopenhauer, baseado nas características do budismo, aceitando-a e amando-a alegremente.

A critica que Nietzsche faz a qualquer verdade definitiva e a toda a estrutura permanente e imutável da realidade tem como fundamento, por um lado, a consciência particularmente aguda do pensamento nietzschiano de que cada forma definitiva, permanente e imutável tende a petrificar e a negar a continua inovação e diferenciação do devir.


(21/Ago) Filosofia da Mente, de João de Fernandes Teixeira
O artigo de Skinner Why I am not a Cognitive Psychologist (1977), contendo forte ataque ao mentalismo cognitivista contribuiu ainda mais para aumentar os preconceitos de ambos os lados. Skinner entendia que a ciência cognitiva nada mais seria do que o cognitivismo clássico ou o paradigma simbólico defendido pela inteligência artificial. Na verdade, este era o horizonte dos anos 70 e, infelizmente, Skinner não viveu o suficiente para acompanhar os desenvolvimentos posteriores da ciência cognitiva. Se o tivesse, certamente teria também renegado suas críticas.

Com efeito, a ciência cognitiva anticartesiana que surge a partir dos anos 90 está muito distante daquela que Skinner criticava, abrindo uma nova perspectiva para superar este diálogo de surdos que vem ocorrendo nas últimas décadas. A metáfora da mente como um software abstrato independente da estrutura física na qual ele seria instanciado começa a ser definitivamente abandonada - e, com ela, o dualismo cartesiano que foi o pressuposto da ciência cognitiva dos anos 70. O fim da metáfora computacional da mente (ou do paradigma simbólico da inteligência artificial) marca o retorno da busca pelas bases cerebrais dos fenômenos mentais e o aparecimento de movimentos inovadores na ciência cognitiva como é o caso da nova robótica e da neurociência cognitiva. Neles, o comportamento recobra sua importância no estudo da cognição e passa a ser visto como um de seus componentes principais.

(18/Ago) Antropologia Cultural, de Reinholdo Aloysio Ullmann
(sobre o homem como agende de cultura)

Se, por um lado, o homem cria cultura, esta, por sua vez, é criadora do homem, é condicionadora da vida do homem em sociedade. Ao nascer, o ser humano assemelha-se, em seu comportamento, ao dos irracionais: não conhece freio para seus ímpetos, ignora de todo em todo o comportamento social, isto é de sua sociedade. Por logo tirocínio de aprendizagem, no convívio com os membros mais velhos, aprende, penosamente a dominar seus impulsos, a ordenar seus desejos, a atualizar suas potencialidades.

Na medida em que incorpora as normas de sua sociedade, a criança se endocultura, ou, como querem outros, se encultura. O que quer dizer isto? Quer dizer que assimila, incorpora, absorve a maneira de pensar, agir e sentir, própria da cultura em que nasceu. É um lento ajustamento à vida social, regidas por costumes regados pela tradição. Por outra, o ajustamento é fruto de internalização dos princípios que regem determinada sociedade. Internalizando tais princípios e a eles se ajustando, na vida prática, plasma-se a imagem do homem requerido por esta ou aquela cultura.

Dupla consequência advém do que deixamos dito: em primeiro lugar, garante-se a estabilidade cultural, porque a internalização da cultura constitui um penhor de que o passado está sendo vivido no presente. Em segundo lugar, se há uma linha sem solução de continuidade, na transmissão da cultura, não é menos verdade existirem modificações, as quais como que se tecem sobre o fluxo contínuo de cultura que vem do mais recôndito dos tempos e ruma para o porvir.

Como se dá esse processo de modificação cultural? Pode verificar-se na própria sociedade, pelo surgimento de inventos ou porvir de fora, pelo difusionismo de novas idéias. A mudança cultural, evidentemente, nunca renova todos os aspectos de uma cultura. Para aferir se houve mudança ou não, é mister haja aspectos estáveis. Aqui se faz necessário advertir que a interferência dos civilizados nas culturas primitivas quase sempre é desintegradora, porque é demasiado súbita, inesperada e violenta.

Vêm, a propósito, neste momento, duas considerações, em torno da mudança cultural, que aclaram mais o já referido. DE duas maneiras ela pode dar-se: a) por acumulação b) por substituição. Algumas palavras sobre cada uma delas. As invenções e descobertas, no âmbito da técnica, sucedem-se, dia-a-dia. Podem consistir em aperfeiçoamento do que já existe. Exemplifica-o a TV, a qual,, de inicio, se apresentava em preto e branco e, depois, permitiu ver as imagens coloridas. A acumulação pode, ademais, consistir em inventos nunca dantes imaginados, como é o caso do computador, de mil e uma utilidades. Por ser aperfeiçoamento, supõe-se que algo já existente é base para o respectivo aperfeiçoamento. As vantagens auferidas de todos os engenhos, propostos pela tecnologia, são perceptíveis diretamente, são tangíveis e manipuláveis. Por mais rápidas que sejam as mudanças pelo processo cumulativo, o homem consegue adaptar-se a elas com bastante facilidade e presteza, porque não entra em jogo algo totalmente novo a ser enfrentado. Quando se trata de substituição, na mudança cultural, o problema é mais complexo. A substituição atinge, de pleno, valores e idéias. Substituição significa, por natureza abalar e destruir os fundamentos, desarraigar o pré-existente e, em lugar dele, implantar algo totalmente novo. São raras tais substituições. Cá e lá, no entanto, acontecem, como, por exemplo, na Filosofia e na Política.

(13/Ago) Razão e Revolução, de Herbert Marcuse
(sobre Filosofia Política)

A teoria do direito de Hegel se ajusta claramente às tendências progressistas da sociedade moderna. Antecipando desenvolvimentos posteriores da jurisprudência. Hegel rejeita todas as doutrinas que situam o direito no âmbito da decisão judicial, em lugar de o situar na universalidade da lei, e critica ponto de vista que fazem dos juízes permanentes legisladores, ou entregam ao seu discernimento a decisão final de uma questão. (86). No temo de Hegel as forças sociais que estavam no poder não tinham ainda chegado admitir que a universalidade abstrata abstrata da lei, como também outros fenômenos do liberalismo, interferia com seus desígnios, havendo necessidade de um instrumento de governo mais direto e eficiente. O conceito hegeliano de lei se adapta à fase mais primitiva da sociedade civil, àquele caracterizada pela competição entre indivíduos mais ou menos dotados do ponto de vista material, cada um constituindo um fim em si... e as outras pessoas meios para obtenção dos fins de cada um. (87) Dentro deste sistema, diz Hegel, mesmo o interesse comum, o universal, surge como um meio.

Tal é o esquema social de que se originou a sociedade civil. O esquema não se pode perpetuar, a não ser que harmonize os interesses antagônicos que o constituem, em uma forma que seja mais racional e calculável que as operações de mercado que o governam. A competição irrestrita requer um mínimo de proteção equivalente para os competidores e garantia digna de fé para contratos e serviços. Este mínimo de harmonia e integração, entretanto, só pode ser alcançado se se fizer abstração da existência concreta de cada individuo e das suas diferenças. O direito não trata de determinações específicas do homem. Seu fim não é promover e proteger o homem com respeito às suas necessidades e intenções e esforços específicos (como por exemplo, sua sede de conhecimento, ou sua vontade de preservar a vida, a saúde, etc.)

   

Como referenciar: "Trechos de livros" em Só Filosofia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 28/09/2024 às 20:44. Disponível na Internet em http://filosofia.com.br/trecho.php?pg=7