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Trechos de livros

Leia trechos de obras, entrevistas, palestras dos principais filósofos.

Responsável - Equipe de ensino do Instituto Packter.

(19/Mar) A Evolução Criadora, de Henri Bergson
Não existe matéria mais resistente nem mais substancial (o tempo). Porque a nossa duração não é apenas um instante a seguir ao outro; se fosse, nunca haveria mais nada além do presente - nenhum prolongamento do passado na atualidade, nenhuma evolução, nenhuma duração concreta. A duração é o progresso contínuo do passado que morde o futuro e vai inchando à medida que avança. E, como o passado cresce sem parar, não há nenhum limite à sua preservação. A memória não é uma faculdade de arrumar recordações numa gaveta, ou de inscrevê-las num registro. Na realidade, o passado preserva-se a si mesmo, automaticamente. Provavelmente acompanha-nos na sua totalidade a cada instante.

(07/Mar) O Mundo como Vontade e Representação, de Arthur Schopenhauer
O Mundo é a Minha Representação O mundo é a minha representação. Esta proposição é uma verdade para todo o ser vivo e pensante, embora só no homem chegue a transformar-se em conhecimento abstracto e reflectido. A partir do momento em que é capaz de o levar a este estado, pode dizer-se que nasceu nele o espírito filosófico. Possui então a inteira certeza de não conhecer nem um sol nem uma terra; mas apenas olhos que vêem este sol, mãos que tocam esta terra; numa palavra, ele sabe que o mundo que o cerca existe apenas como representação, na sua relação com um ser que percebe, que é o próprio homem.

Se existe uma verdade que se possa afirmar à priori é bem esta, pois ela exprime o modo de toda a experiência possível e imaginável, conceito muito mais geral mesmo que os de tempo, espaço e causalidade que o implicam. Com efeito, cada um destes conceitos, nos quais reconhecemos formas diversas do princípio de razão, apenas é aplicável a uma ordem determinada de representações; a distinção entre sujeito e objecto é, pelo contrário, o modo comum a todas, o único sob o qual se pode conceber uma qualquer representação, abstracta ou intuitiva, racional ou empírica. Nenhuma verdade é pois, mais certa, mais absoluta, mais evidente do que esta: tudo o que existe, existe para o pensamento, isto é, o universo inteiro apenas é objecto em relação a um sujeito, percepção apenas, em relação a um espírito que percebe, numa palavra, é pura representação.

(05/Mar) Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marquez
...trouxeram o ímã. Um cigano corpulento, de barba rude e mãos de pardal*, que se apresentou com o nome de Melquíades, fez uma truculenta demonstração pública daquilo que ele mesmo chamava de a oitava maravilha dos sábios alquimistas da Macedônia. Foi de casa em casa arrastando dois lingotes metálicos, e todo o mundo se espantou ao ver que os caldeirões, os tachos, as tenazes e os fogareiros caíam do lugar, e as madeiras estalavam com o desespero dos pregos e dos parafusos tentando se desencravar, e até os objetos perdidos há muito tempo apareciam onde mais tinham sido procurados, e se arrastavam em debandada turbulenta atrás dos ferros mágicos de Melquíades. "As coisas têm vida própria", apregoava o cigano com áspero sotaque, "tudo é questão de despertar a sua alma." José Arcadio Buendía, cuja desatada imaginação ia sempre mais longe que o engenho da natureza, e até mesmo além do milagre e da magia, pensou que era possível se servir daquela invenção inútil para desentranhar o ouro da terra.

(20/Fev) Iniciação ao Filosofar, de Jaspers
O pendor para o auto-esquecimento é inerente à condição humana. O homem precisa de se arrancar a si próprio para não se perder no mundo e em hábitos, em irreflectidas trivialidades e rotinas fixas.
Filosofar é decidirmo-nos a despertar em nós a origem, é reencontrarmo-nos e agir, ajudando-nos a nós próprios com todas as forças.
Na verdade a existência é o que palpavelmente está em primeiro lugar: as tarefas materiais que nos submetem às exigências do dia-a-dia. Não se satisfazer com elas, porém, e entender essa diluição nos fins como via para o auto-esquecimento, e, portanto, como negligência e culpa, eis o anelo de uma vida filosóficamente orientada. E, além disso, tomar a sério a experiência do convívio com os homens: a alegria e a ofensa, o êxito e o revés, a obscuridade e a confusão. Orientar filosoficamente a vida não é esquecer, é assimilar, não é desviar-se, é recriar intimamente, não é julgar tudo resolvido, é clarificar.
São dois os seus caminhos: a meditação solitária por todos os meios de consciencialização e a comunicação com o semelhante por todos os meios da recíproca compreensão, no convívio da acção, do colóquio ou do silêncio.

(19/Fev) Minima Moralia, de T. Adorno
No plano material, a substituibilidade é o já possível, e a insubstituibilidade é o pretexto que o impede; na teoria, à qual cabe compreender esse quid pro quo, a substituibilidade ajuda o aparelho a prolongar-se ainda até onde reside a sua oposição objectiva. Só a insubstituibilidade poderia contrabalançar a inserção do espírito na área do emprego. A exigência, admitida como evidente, de que toda a realização espiritual se deve deixar dominar por qualquer membro qualificado da organização faz do mais obtuso técnico científico a medida do espírito: onde iria ele buscar a capacidade para a crítica da sua própria tecnificação?

A economia suscita assim a nivelação do que, em seguida, se indigna com o gesto do "Agarra, que é ladrão!" A demanda da individualidade tem de se projectar de forma nova na época da sua liquidação. Quando o indivíduo, como todos os processos individualistas de produção, surge historicamente antiquado e na retaguarda da técnica, chega-lhe de novo, enquanto sentenciado, o momento de dizer a verdade perante o vencedor. Pois só ele conserva, de um modo geralmente distorcido, o vestígio daquilo que concede o seu direito a toda a tecnificação, e de que esta elimina, ao mesmo tempo, a consciência.



(04/Nov) A Rebelião das Massas, de Jose Ortega y Gasset
Somos aquilo que nosso mundo nos convida a ser, e as feições fundamentais de nossa alma são impressas nela pelo perfil do contorno como por um molde. Naturalmente: viver não é mais que tratar
com o mundo. O semblante geral que ele nos apresenta será o semblante geral de nossa vida.

Por isso insisto tanto em fazer notar que o mundo de onde nasceram as massas atuais mostrava uma fisionomia radicalmente nova na história. Enquanto no pretérito viver significava para o homem médio encontrar a sua volta dificuldades, perigos, escassez, limitações de destino e dependência, o mundo novo aparece
como um âmbito de possibilidades praticamente ilimitadas, sem dúvida, onde não se depende de ninguém. À volta desta impressão primária e permanente vai se formar cada alma contemporânea, como em volta da oposta se formaram as antigas. Porque esta impressão fundamental se converte em voz interior que murmura sem cessar umas como palavras no mais profundo da pessoa e lhe insinua
tenazmente uma definição da vida que é, ao mesmo tempo, um imperativo. E se a impressão tradicional dizia: "Viver é sentir-se limitado e, por isso mesmo, ter de contar com o que nos limita", a voz novíssima grita: "Viver é não encontrar limitação alguma; portanto, abandonar-se tranqüilamente a si mesmo.
Praticamente nada é impossível, nada é perigoso e, em princípio, ninguém é superior a ninguém".

(30/Out) Introdução ao Pensamento Filosófico, de Jaspers
Ganho essa independência exatamente quando e onde pareço completamente dependente, ou seja, quando reconheço que em minha liberdade, em meu amor, em minha razão fui dado a mim mesmo. Nenhuma dessas coisas está sob o meu poder, eu não as faço surgir.

Se atinjo o ponto que sou dado a mim mesmo, distancio-me de todas as coisas e, inclusive de mim. Como que de um plano de observação externo a mim- em verdade, inatingível- contemplo o que acontece e o que faço. É como se me fosse preciso atingir aquele plano para mergulhar na realidade histórica. De lá jorra a luz que faz crescer minha liberdade interior. Torno-me independente na medida em que vejo as coisas a essa luz.

Essa independência é uma quietude, sem violência e sem orgulho. Tanto menos soberba, quanto mais segura de si mesma. Evidencia-se permanecendo em obscuridade. Na independência, a liberdade não permanece vazia. Limitar-se a si mesmo não seria independência. A independência quer participar do mundo. Age. Ouve e responde aos apelos da sorte. Não foge às exigências do dia. Quando o destino parece deter as rédeas, ousa envolver-se em situações de risco, na esperança de vir a dominá-las.

(18/Out) O Grande Gatsby, S. Fitzgerald
Sinto-me inclinado a guardar para mim todos os meus juízos, hábito esse que fez com que muitas naturezas curiosas se abrissem comigo, mas que também me tornou vítima de muitos maçadores inveterados.

A mente anormal percebe-a rapidamente e sente-se atraída por essa qualidade, quando ela aparece numa pessoa normal, e, assim, aconteceu que, na universidade, eu fui injustamente acusado de ser um político, por saber guardar as mágoas secretas de indivíduos violentos, desconhecidos. Quase todas as confidências eram espontâneas, eu fingia, não raro, que estava dormindo, que me achava preocupado ou, então, revelava uma leviandade hostil, ao perceber, por certos sinais inconfundíveis, que uma revelação íntima palpitava no horizonte - pois que as revelações íntimas dos jovens ou, pelo menos, os termos em que eles as exprimem, têm, habitualmente, muito de plágio e, o que é pior, de plágios desfigurados por evidentes supressões. Reservar para nós os nossos juízos, é coisa que proporciona infinitas possibilidades.

   

Como referenciar: "Trechos de livros" em Só Filosofia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 28/09/2024 às 22:32. Disponível na Internet em http://filosofia.com.br/trecho.php?pg=6