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Oráculo

Responsável - Lúcio Packter, filósofo formado pela PUC-Fafimc, de Porto Alegre.


Podemos separar mecanicamente a ética em geral e específica?

 
Leia a resposta de Álvaro L. M. Valls em O que é Ética:

Didaticamente, costuma-se separar os problemas teóricos da ética em dois campos: num, os problemas gerais e fundamentais (como liberdade,consciência, bem, valor, lei e outros); e no segundo, os problemas específicos, de aplicação concreta, como os problemas específicos, de
aplicação concreta, como os problemas de ética profissional, de ética política, de ética sexual, de ética matrimonial, de bioética, etc. É um procedimento didático ou acadêmico, pois na vida real eles não vem assim separados.


Leonardo Boff faz alguma diferença entre moral e ética?

 
Leia o que Boff escreve em Ética e moral: a busca dos fundamentos, a seguir:

A ética é parte da filosofia. Considera concepções de fundo acerca da vida,do universo, do ser humano e de seu destino, estatui princípios e valores que orientam pessoas e sociedades. Uma pessoa é ética quando se orienta
por princípios e convicções. Dizemos, então, que tem caráter e boa índole.

A moral é parte da vida concreta. Trata da prática real das pessoas que se expressam por costumes, hábitos e valores culturalmente estabelecidos. Uma pessoa é moral quando age em conformidade com os costumes e valores consagrados.

Estes podem, eventualmente, ser questionados pela
ética. Uma pessoa pode ser moral (segue os costumes até por
conveniência) mas não necessariamente ética (obedece a convicções e princípios).


Schopenhauer teve influências mais fortes em Kant?

 
Leia o entendimento de Thomas Mann a respeito das influências ocidentais mais contundentes do filósofo.

Com predileção, cedo estudou Platão e Kant (em Gottingem
1809-1811). A todos os pensadores preferia esses dois, tão afastados no espaço e no tempo. Tomou-lhes emprestado o que podia ser-lhe útil e, para o seu temperamento tradicionalista, foi grande satisfação poder utilizá-lo tão
perfeitamente; mas, transformou-o totalmente, conforme a sua própria natureza, que era inteiramente diferente, muito mais moderna, mais impetuosa e mais dolorosa.

Tomou as "Idéias" e a "Coisa em si". Mas, com esta, ousou temerária tentativa, quase interdita, cuja necessidade, porém, sentia, profundamente, com o ardor de possante convicção: definiu-a, chamou-a por seu nome,
afirmou - posto que após Kant fosse impossível saber qualquer coisa a respeito - que sabia o que ela é: a Vontade. Seria a causa primeira e ir redutível do ser,
sua base mais profunda, a fonte de todos os fenômenos, a potência presente e operante em cada um deles, a criadora de todo o mundo visível e de toda a vida, porque seria o querer-viver. Ela o seria a ponto que dizer "vontade" seria
falar precisamente da vontade de vida e servir-se da fórmula mais explícita,enunciar de fato um pleonasmo. Jamais a vontade quereria outra coisa senão a
vida. E por que a quereria? Por que a achasse desejável? Por que tal era o resultado de alguma investigação objetiva sobre o valor da vida? Oh? Não! A esse querer, qualquer conhecimento continuaria a ser perfeitamente estranho;
seria algo que não dependeria absolutamente dela, algo de primordial e de incondicionado, um impulso cego, um instinto absolutamente gratuito, duma profundeza sem fundo e dependeria tampouco de quaisquer juízos sobre o
valor da vida que, ao contrário, seriam estes juízos que dependeriam inteiramente do grau de potência do querer-viver.


Como foi a vida pessoal de Cícero?

 
Leia o que escreveu Plutarco no encarte a seguir:

Sonhava Cícero escrever a história de seu país, enriquecendo-a com muitas tradições gregas e
narrações das primeiras idades. Foi, porém, desviado do seu intento por uma série de ocupações públicas
e particulares, por acontecimentos desagradáveis e outros que o atribularam, ao que parece, quase todos
por sua própria culpa. Primeiro que tudo, repudiou sua mulher Terência, porque, durante a guerra, se
ocupara muito pouco com ele e, quando ele partiu, deixara que faltassem as coisas mais necessárias para
a viagem, e também porque, à sua volta à Itália, dela não recebera nenhuma prova de afeição.
Encontrando-se ele em Brindis durante muito tempo, Terência não procurou vê-lo e quando sua filha,
que era extremamente jovem, aí foi juntar-se a ele sua mulher não lhe deu nem um séquito conveniente
para um percurso tão longo, nem com que prover aos seus gastos, como era necessário. Terência, enfim,
abandonara a casa de Cícero, deixando-a vazia e desprovida, carregada de dívidas consideráveis. Tais são
os pretextos mais honestos que apresentou para o seu divórcio. Terência negava que houvesse verdade
nessas acusações e o próprio Cícero - é preciso confessar - deu-lhe um excelente meio de justificação,
desposando, pouco tempo depois, uma moça cuja beleza o havia seduzido, ao que dizia Terência. Tiron,
porém, liberto de Cícero, afirma que ele se casara em virtude da riqueza da noiva, pois precisava pagar as
suas dívidas. Essa moça era, com efeito, muito rica, e Cícero possuía seus bens em fideicomisso, por
testamento do pai, até à sua maioridade. Como, porém, ele devesse somas consideráveis, deixou-se
persuadir por seus amigos e parentes de que devia desposá-la, apesar da desproporção da idade, a fim de
que, com sua fortuna, se livrasse dos credores. Antônio, no seu discurso em resposta às Filípicas, fala
desse casamento, asseverando que Cícero repudiara uma mulher ao lado da qual envelhecera, dizendo
com graça que ele tinha sido um homem pássaro, que jamais se havia afastado de sua casa, nem tinha
estado na guerra para servir à causa pública.
Algum tempo depois do seu casamento, Cícero perdeu a sua filha Túlia, morta de parto na casa de
Lêntulo, que ela desposara após a morte de Pison, seu primeiro marido. Os filósofos acorreram, de todos
os lados, à casa de Cícero, a fim de consolá-lo. Essa infelicidade, porém, afetou-o tão profundamente,
que foi até ao repúdio da sua nova mulher, pois estava convencido de que ela se alegrara com a morte de
Túlia.


Quais os erros que Jaspers aponta nas tipologias?

 
Leia os três erros identificados pelo filósofo.

Em primeiro lugar, o homem não se esgota, com tipo algum, este podendo, sim, servir para conceber, nítido, um lado ou aspecto de sua manifestação. Em segundo lugar, cada esquema tipológico é, no todo, esquema relativo, possível entre muitos outros. Por fim, o caráter está sempre na situação de suas possibilidades absolutamente inacessíveis a qualquer conhecimento, está sempre em desenvolvimento, inconcluso. Científica e humanamente é impossível limitar com um traço um homem, fazer um balanço e saber o que ele é.


Na fenomenologia de Merleau-Ponty qual a concepção de corpo?

 
Leia o que escreve José Maurício de Carvalho sobre o assunto:

Merleau-Ponty deparou-se com diferentes categorias com as quais outros filósofos, alguns fenomenólogos, falam da condição humana. A referência a estratos distintos foi, por exemplo, a estratégia utilizada por Husserl para ajustar aspectos distintos da realidade como: espírito, alma, matéria, vida, coletividade. A solução de Husserl não agrada Merleau-Ponty, ele prefere estabelecer um estrato fundante ao qual agrega categorias consideradas por Husserl próprias de outros estratos. Como fará isto?
Merleau-Ponty não deseja abandonar as instituições de Husserl, mas quer usar o conceito de corpo como fundamento dos demais. Fenomenólogos como Nicolai Hartmann e Delfim Santos conseguiram efeito semelhante ao desejado por Ponty ao estabelecer uma hierarquia nos estratos, colocando o mundo sensível na base dos demais e reconhecendo simultaneamente a autonomia dos outros componentes da realidade como: vida, alma e espírito. Ponty prefere corpo à matéria, apesar das dificuldades que se referir ao sensível usando este conceito representa em face do que postula a tradição filosófica. No livro O visível e o invisível, o filósofo explica que toma corpo como base porque é ele que percebe o mundo, e através dele que cada pessoa se situa no tempo e espaço, embora percepção envolva a experiência ampla e a história do sujeito. Ele esclarece suas idéias do seguinte modo (1984): "Quando falamos na fé perceptiva, não subentendemos, com isso, somente as condições físicas ou fisiológicas que delimitam a percepção” (p. 155).
Um uso tão específico do conceito de corpo levou o filósofo a atribuir-lhe categorias que outros fenomenólogos usavam em outras regiões da realidade. Merleau-Ponty emprega conceitos equivalentes ao de corpo que o ajudarão a fundamentar a presença do existente no mundo e em interação com ele. Esclarece o filósofo o que pretende:

"É a perspetiva de meu corpo que sustenta aqui e garante a explicação perceptiva e, longe de ser, ela própria conhecimento das relações intramundanas ou intersubjetivas entre meu corpo e as coisas exteriores, está pressuposta em toda noção de objeto, sendo ela que realiza a abertura primeira para o mundo” (idem, p. 46).

O estudo da percepção e do modo como se dá a presença humana no mundo mostrou-lhe que as relações do homem com sua circunstância não são perfeitamente captáveis pelo pensamento ou pela linguagem. Eis como se refere às relações que a pessoa estabelece com o que a envolve: "Os momentos da soneta, os fragmentos do campo luminoso, aderem um ao outro por uma coesão sem conceito, do mesmo tipo da que une as partes do meu corpo ou o meu corpo com o mundo” (idem, p. 146). Esta afirmação é tanto mais significativa se consideramos as questões existenciais estudadas na filosofia clínica porque Merleau-Ponty partiu dos estudos da Gestaltheorie para meditar os problemas da percepção. Como trajetória de vida, ele percorreu caminho inverso ao de Karl Jaspers, mas com o mesmo tipo de preocupação: entender o que significa a realidade na qual nos situamos e sem a qual não temos como entender quem somos.
A maneira como se refere ao corpo obrigou Merleau-Ponty a ir adiante do aspecto físico, tomando-o pelo contato com o ser. Este aspecto do seu pensamento ainda que fundamental para o entendimento de suas idéias não será aqui aprofundado em virtude de nosso objetivo. Cabe esclarecer, resumidamente, que sua orientação em direção ao ser, do mesmo modo que ocorre com Heidegger, significa um aprofundamento da noção de consciência transcendental, tomada não mais nos termos do kantismo, mas numa condição existencial que se abre ao mundo sensível. É como o interpreta Sônia Maciel (1997), a nosso juízo corretamente:

"Ontologia fundamental, para Merleau-Ponty, significa a exploração de certas características do ser humano enquanto ser-no-mundo, enquanto corpo, enquanto carne, de onde emanam elementos de caracter transcendental que visam a solução do problema do conhecimento” (p. 119).

A solução dada por Merleau-Ponty ao problema do mundo vivido concebido por Husserl, o caminhar em direção a um modo de ser que fundamenta a percepção e o conhecimento, esteve orientada pela preocupação em mostrar que a fenomenologia existencial não termina na metafísica ou na ontologia. As dificuldades do filósofo decorrem de seus objetivos e parecem ser um problema do seu tempo. Contudo, a filosofia de Merleau-Ponty abre espaço para a compreensão de uma vida situada e dos aspectos que envolvem a percepção, diferenciando-a da representação do mundo.


Para Foucault a França, Paris, foi um dos berços naturais dos manicômios?

 
Leia o que o filósofo escreveu em sua História da Loucura:

É sabido que no século XVII criou vastas casas de internamento; não é menos que um habitante de cada cem da cidade de Paris, viu-se fechado numa delas por alguns meses. É bem sabido que o Poder Absoluto fez uso de cartas régias e de medidas de prisões arbitrárias é menos sabido qual é a consciência jurídica que poderia animar esta prática.
A partir de Pinel, Truke, Wagnitz, sabe-se que os loucos durante um século e meio, foram postos em regime de internamento, e que um dia serão descobertos na sala do Hospital Geral, nas celas das "casas de força”, percebe-se também que estavam misturados com a população dos Workhouses ou Zuchthansern.
Mas nunca apareceu que seu estatuto nelas estar claramente determinado, nem qual sentido tinha essa vizinhança que parecia atribuir uma mesma pátria, aos pobres, aos desempregados, aos corregionários e aos insanos__ não esqueçamos__ que eles os deixarão, não sem antes se vangloriarem por terem-nos "libertado”. A partir do século XVIII, a loucura estava ligada a essa terra de internamentos que se designava essa terra como o seu local natural.


Discurso e poder tiveram relações curiosas durante a Idade Moderna. Houve um conflito?

 
Leia trecho do livro de Alfredo Bosi sobre o problema das ideologias e seus antagonistas:

O combate acendeu-se à medida que o conhecimento científico precisou enfrentar a ditadura do magister dixit aristotélico relançada pela Contrarreforma. A ciência cumpria então o objetivo de instaurar os métodos confiáveis da experiência e da indução e os procedimentos da dedução matemática. Para tanto, era necessário dissipar a névoa cerrada dos falsos conceitos que impediam o exercício do olhar racional da nova Astronomia e da nova Física.
Remover o princípio de autoridade foi a tarefa que se propuseram Erasmo e Rabelais, precedidos pela perícia filológica dos humanistas italianos do século XV. Lorenzo Valla, entre outros tentos, examinou documentos medievais e desmentiu a versão canônica da doação das terras vaticanas que o imperador Constantino teria feito ao bispo de Roma. A sua análise linguística provou que o latim do diploma de doação era "bárbaro"; um texto forjado, portanto, cuja língua não correspondia ao estilo oficial romano do século IV.
A denúncia das correntes hegemônicas, expressa em geral em tom satírico, terá sido o primeiro passo para constituir uma noção crítica de ideologia, antes mesmo do aparecimento do termo, que é do fim do século XVIII. O Dictionnaire Étymologique de Albert Dauzat dá como seu criador o filósofo Destutt de Tracy, em 1796.
A ruptura de um grupo intelectual ou de um movimento político com o estilo de pensar dominante abre neste a ferida do dissenso. Um pensamento de oposição traz consigo o momento da negatividade, contesta a autoridade, tida por natural, do poder estabelecido, acusa as suas incoerências e, muitas vezes, assume estrategicamente o olhar de um outro capaz de erodir a pseudovalidade do discurso corrente. Os períodos de crise cultural engendraram a suspeita de que pode não ser verdadeiro ou justo o sistema de valores que "toda gente" admite sem maiores dúvidas.




   

Como referenciar: "Oráculo" em Só Filosofia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 22/11/2024 às 13:40. Disponível na Internet em http://filosofia.com.br/oraculo_resposta.php?pg=6