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Oráculo
Responsável - Lúcio Packter, filósofo formado pela PUC-Fafimc, de Porto Alegre.
É possível a uma pessoa propiciar alegria e não ter nela alegria? Parece um paradoxo. |
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Uma pessoa pode propiciar alegrias ao contar uma história, fazer uma música, acariciar etc. Tais ações independem de possuir felicidade. Acompanhe o trecho a seguir de Sidarta, de Hermann Hesse.
"...todos amavam Sidarta. A todos causava ele alegrias. Para todos, era fonte de prazer. Mas a si mesmo Sidarta não se dava alegria. Para si, não era nenhuma fonte de prazer. Enquanto passeava pelas sendas rosadas do figueiral, enquanto se mantinha sentado na penumbra azulada do bosque da contemplação, enquanto abluía o corpo no cotidiano banho expiatório ou fazia sacrifícios rituais no mangueiral envolto em sombras profundas, fazendo gestos de primorosa correção, despertando amor em toda gente, deliciando a todos, não sentia, ainda assim, nenhuma satisfação em sua própria alma. Visões acometiam-no e também pensamentos irrequietos, brotados das águas do rio, a faiscarem nos astros da noite, a fundirem-se sob os raios do sol. Devaneios assomavam-lhe aos olhos. O desassossego do coração invadia-o, vindo da fumaça dos sacrifícios, do som assoprado dos versos do Rig-Veda, dos ensinamentos dos brâmanes anciãos. Sidarta começava a abrigar em suas entranhas o descontentamento. Começava a sentir que nem o amor do pai, nem o da mãe, nem tampouco o do dedicado Govinda teriam sempre e a cada momento a força de alegrá-lo, de tranqüilizá-lo, de nutri-lo, de bastar-lhe. Começava a vislumbrar que seu venerando pai e seus demais mestres, aqueles sábios brâmanes, já lhe haviam comunicado a maior e a melhor parte dos seus conhecimentos: começava a perceber que eles tinham derramado a plenitude do que possuíam no receptáculo acolhedor que ele trazia em seu íntimo. E esse receptáculo não estava cheio; o espírito continuava insatisfeito; a alma andava inquieta; o coração não se sentia saciado. As abluções, por proveitosas que fossem, eram apenas água; não tiravam dele o pecado; não curavam a sede do espírito; não aliviavam a angústia do coração.” |
A Filosofia pode ser utilizada como autoajuda, como aconselhamento prático para o cotidiano? |
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Isso ocorre desde o surgimento da Filosofia, desde Sócrates, e ultimamente ganhou elementos práticos para segmentos como a indústria, os bancos etc. Leia um encarte da obra Nietzsche para Estressados, de Allan Percy, como exemplo.
Quando perdemos de vista nossos objetivos fundamentais, somos dominados pelo estresse e pela desorientação. A sensação de "trabalhar muito para nada” e o esgotamento que dificulta a concentração podem ser combatidos com a definição de uma meta clara, que ofereça sentido ao que estamos fazendo nos bons e nos maus momentos. Para o psicólogo Viktor Frankl, se o indivíduo encontra um sentido para sua vida, é capaz de superar a maior parte das adversidades. A logoterapia, criada por ele, busca exatamente isto: em vez de escavar o passado do paciente, tenta explorar o que é possível fazer com o que ele tem aqui e agora. Em outras palavras, devemos encontrar um motivo para nos levantar da cama todas as manhãs. O problema de muitas pessoas insatisfeitas com sua existência é que elas não pensam na vida que gostariam de viver. E a primeira condição para encontrar-se é saber aonde se quer chegar. Como fez Frankl meio século mais tarde, Nietzsche destaca a importância de se buscar uma "razão de viver”. Quando nossa vida se torna plena de sentido, de uma hora para outra os esforços já não são cansativos, e sim passos necessários em direção à meta que estabelecemos ... Nós, seres humanos do século XXI, estamos "desnaturalizados” e isso muitas vezes nos faz parecer extraterrestres em nosso próprio planeta. Mesmo acreditando que a cultura e a civilização tenham suprido nossa porção mais animal e instintiva, ainda precisamos manter contato com o mundo natural. Para tratar quadros de ansiedade que nascem do excesso de trabalho e de uma longa permanência na selva de pedra, escapadas de dois ou três dias para a natureza podem ser mais eficientes do que a ingestão de medicamentos. Ao sentir o cheiro de terra fresca, o ar limpo e o silêncio, que só é quebrado pelas pequenas criaturas ao redor, reencontramos nossa essência por tanto tempo abandonada. Como diz Nietzsche, na cidade precisamos representar um papel porque estamos muito preocupados com o que pensam de nós. Mas, ao voltar à natureza, podemos nos dar ao luxo de sermos nós mesmos. Não precisamos nos vestir bem, falar ou atuar de maneira especial. Basta nos deixarmos levar pelo mundo natural em direção ao nosso interior, onde um manancial de tranquilidade nos espera. |
A Filosofia de Farias Brito traz um cunho moral? |
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Vários filósofos e pesquisadores, como Leonel Franca mostraram esta ênfase em seus diversos aspectos. Leia o que segue:
Lançando um olhar em derredor de si vê o filosofo o mundo a debater-se na mais terrível das crises que ainda o convulsionaram. Crise intelectual, manifestada pela anarquia de idéias, pela implacável critica demolidora que tudo destrói e nada reedifica, pelo ceticismo estéril e escarninho. Crise moral, provocada pelo interesse erigido em norma suprema de ação, pelo utilitarismo invasor, pelo predomínio do egoísmo sobre o amor e a dedicação. Crise social que avulta na grande revolução por todas as causas anteriores e que nos ameaça, terrível e eminente como cataclismo destruidor. Crise religiosa, enfim, acusada pelo esmorecimento geral da fé nos povos e nos indivíduos. Qual a causa deste estado anormal das coisas? "Toda essa confusão e desordem da sociedade contemporânea, a ignorância do nosso destino moral, o esquecimento de nossos deveres para com os sofrimentos de nossos semelhantes...tudo isto não é senão produto inevitável, a consequência necessária, fatal da impiedade moderna, o resultado prático da vitória do materialismo do qual só pode ser logicamente deduzido como critérios das ações o interesse. Mais remotamente, estes frutos de morte são de árvores que prende suas raízes no solo agitado pelos grandes abalos que abriram a época moderna: na reforma e na revolução que geraram a democracia contemporânea insuficiente e mentirosa e na sua célebre fórmula - liberdade, igualdade, fraternidade. "Veio primeiro a Renascença, e como consequência desta a Reforma. Veio depois o livre pensamento e como consequência deste a revolução". As tentativas de reconstrução ensaiadas até hoje abortaram todas. Marx com seu socialismo coletivista, errou caminho pretendendo resolver a questão social, politicamente, em nome do interesse. Spencer, na sua teoria naturalista, cometeu o grande equivoco de querer estudar a sociedade como um organismo, à maneira da história natural. Augusto Comte, com a sua ditadura científica, abalançou-se à empresa absurda de organizar a sociedade sem Deus, porque "positivismo é ateísmo" e "negar a Deus é negar a ordem moral". "Uma reforma, pois, se faz necessária... mas isto é o que só deve e só pode ser feito em nome de um grande principio, de uma grande idéia moral capaz de regeneram o mundo". "Onde é, porém, que deve ser procurado esse princípio? A resposta só pode ser esta: na filosofia". Eis, pois, a missão da filosofia - regenerar a sociedade. Eis o fim moral a que visa Farias Brito: concorrer com seu esforço para por cobro à faína demolidora e iniciar a grande obra reconstrutiva. |
Kant se afasta da Psicologia Racional? |
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Kant dirige uma crítica a um segmento da metafísica que entende a alma como elemento simples, imortal. Leia o que escreve a respeito Manuel Garcia Morente:
Kant faz ver que nós não podemos predicar da alma absolutamente nada; porque a alma não pode ser objeto a conhecer, não pode ser fenômeno dado na experiência. Na experiência, no tempo, que é onde se dão os fenômenos anímicos, a única coisa que obtemos quando olhamos para nós mesmos é uma série constantes de vivências que vão substituindo-se umas às outras (agora uma vivência, logo outra vivência, depois esta outra) e que, ademais, cada uma das vivências tem em si, dentro de si, um sinal duplo: é de um lado, vivência de um eu, e de outro lado, vivência de uma coisa; mas não encontramos nenhuma vivência que possa ser considerada como isto que chamamos alma. Portanto, não podemos, sem transgredir as leis essenciais do conhecimento, considerar a alma como uma coisa a conhecer. Teríamos que extrair, tirar o tempo, que é o caminho ou o trilho geral por onde discorrem nossas vivências, para encontrar fora do tempo isto que chamamos de alma, substância simples, imortal. Mas nós não podemos sair do tempo, visto que o tempo é, juntamente com o espaço, a primeira das condições de todo o conhecimento possível. Assim, a psicologia metafisica comete uma transgressão, comete uma totalização indevida, apresentando-nos a substância "alma" como algo fora do tempo. |
O que é o "gênio Maligno" em Descartes? |
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Leia uma explicação simples sobre o tema apresentada por Manuel Garcia Morente, a seguir:
Descartes expressa isto de uma maneira muito particular sua. Como Descartes é um filósofo que gosta de expressar-se em termos acessíveis a todo o mundo, a linguagem das pessoas bem educadas, evita, no possível, o que ele chama termos da escola; e para dar a entender isto que acabo de expressar aqui, ou seja, que em nenhum pensamento, por claro e distinto que seja, há a menor garantia da existência do seu objeto, para dizer isto, faz um rodeio, algo estranho, que é a hipótese de que algum geniozinho maligno e todo-poderoso está empenhado em enganar-me; põe na mente pensamentos de uma clareza e de uma simplicidade, de uma evidência indubitável, e , todavia, estes pensamentos, apesar de sua evidência, talvez sejam falsos, porque este geniozinho todo-poderoso, maligno e burlão tem o prazer de botar na minha mente pensamentos evidentes e sem embargo, falsos. Claro que esta é uma maneira metafórica de falar. O que quer dizer, aqui, Descartes é que um pensamento não contém nunca, na sua estrutura como pensamento, nenhuma garantia de que o objeto pensado corresponda a uma realidade fora do pensamento. |
Para Bobbio existiria uma crise de valores em nosso tempo? |
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Sim, para ele existe um abalo forte que é parte de nosso desenvolvimento. Sobre isso, leia o que Norberto Bobbio escreveu em seus ensaios:
A própria palavra "crise" é bem mais a expressão de um movimento do espírito que de um juízo fundado em argumentos extraídos da razão ou da experiência. Entre outras coisas, não há período histórico que não tenha sido julgado, de uma parte ou de outra, como um período de crise. Ouvi falar de crise em todas as fases de minha vida: depois da Primeira Guerra Mundial, durante o fascismo e o nazismo, durante a Segunda Guerra Mundial, no pós-guerra, bem como naqueles que foram chamados de anos de chumbo. Sempre duvidei que o conceito de crise tivesse qualquer utilidade para definir uma sociedade ou uma época. Se não temos dados suficientes para fazer uma avaliação do tempo presente, os temos menos ainda para exprimir um juízo sobre épocas passadas, e fazer uma comparação. |
O que tem a dizer Rollo May sobre a perda de nosso senso trágico, de nossa fadiga em vida? |
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Leia um trecho de O Homem em Busca de Si Mesmo, a seguir.
Arthur Miller, no prefácio de sua peça "A morte do Caixeiro Viajante"", faz reveladores comentários sobre a falta do sentido trágico de nossos tempos. O personagem trágico, escreve, " é aquele que está pronto a entregar sua vida, se preciso for, para garantir senso da própria dignidade" E "O direito trágico é uma condição da vida, segundo a qual a personalidade humana é capaz de florescer e realizar-se". Tais condições existiam nos períodos da história ocidental em que grandes tragédias foram escrita. Basta considerar a Grécia do século V, quando Ésquilo e Sófocles produziram as vigorosas tragédias de Édipo, Agamenon e Orestes, ou a Inglaterra da época Elizabetana, quando Shakespeare criou Hamlet. Mas em nossa era vazia as tragédias são relativamente raras. Ou, quando surgem, seu aspecto trágico ressalta o fato mesmo de que a vida humana é tão oca. Como no drama de Eugene O'Neill ( O geleiro bate à porta). A ação transcorre num bar e seu personagens - alcoólatras, prostitutas e, como protagonista, um homem que durante a peça torna-se psicopata - lembravam vagamente o período de sua vida em que ainda acreditavam em alguma coisa. E este eco de dignidade humana ressoando num grande vazio que empresta ao drama o poder de evocar as emoções de compaixão e terror, características da tragédia clássica. "A Morte do Caixeiro Viajante", de Arthur Miller, que mencionamos anteriormente, é em si mesma uma das poucas verdadeiras tragédias a respeito das pessoas comuns - nem alcoólatras, nem psicopatas - que constituem a classe social da qual a maioria de nós se originou neste país. |
Qual o lugar da razão na Filosofia? |
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Leia uma resposta retirada da obra Caminhos da Razão no Ocidente, de Tiago Adão Lara.
A problemática relativa ao valor e os limites do conhecimento humano não teve origem na modernidade. Podemos até dizer que ela tem a idade da filosofia. É, contudo, na Idade Moderna, que ela adquire uma agudeza ímpar, justamente porque, nesse período, o homem descarta, conscientemente, a possibilidade de apoiar-se em algo que não seja ele mesmo. É do centro de si que o homem lança os olhos ao redor, à procura do horizonte da racionalidade. Todo horizonte é, a um tempo, possibilidade e limites. Nas horas de entusiasmo, são as possibilidades da razão que emergem na reflexão filosófica; nas horas mais tranquilas, ou, quiçá, de depressão, os limotes vêm à tona com mais facilidade. É a hora, então, do ceticismo, da dúvida, das posições mais cautelosas, a respeito da real capacidade humana para a verdade. Racionalismo e empirismo, como vimos, são as tendências filosóficas que marcam os séculos da Idade Moderna. No embate com a cultura medieval, eles acordavam no sentido de procurar, no homem, o fundamento da nova cultura. Discordavam, porém, sobre a maneira de encarar o homem. Durante o século XVII, as duas tendências mostram-se igualmente fortes, embora dividindo, geograficamente, a sua hegemonia. Na Inglaterra, o predomínio do empirismo; no continente europeu, a predominância do racionalismo. No século XVIII, tanto o racionalismo como o empirismo continuam a desdobrar as consequências dos seus princípios. Defrontam-se e corrigem-se, mutuamente. Afloram, então, os limites da razão humana. David Hume e Emmanuel Kant podem ser apresentados com exemplos típicos de momentos céticos. Hume, fiel ao princípio empirista de aderência aos fatos, vê, nesses, o horizonte intransponível, para além do qual, não resta ao homem nada, a não ser ilusões. Kant, mais ligado ao racionalismo, descobre para a razão humana, possibilidades de transcendência. Era-lhe, contudo, impossível fazer ouvidos moucos às instâncias das críticas humeana. Kant vê-se, então, obrigado a submeter a razão a uma crítica impiedosa, que ele chamou pura. No final da mesma, ele concluí que os fatos não são tudo. É a razão que os explica e os ordena, e isso a partir de um movimento todo seu. Constituem, no entanto, os fatos certo limite à razão teórica, pois os princípios dessa só valem no âmbito daqueles. Com esta solução, Kant interditava a metafísica, mas dava pleno acolhimento à ciência. A física, de recente formação, saía justificada e via abrir-se-lhe diante um caminho largo e seguro, para se impor como a única racionalidade insuspeita. Ainda mais que Kant mandava para a decisão da razão prática ou para a intuição do sentimento estético os grandes temas da metafísica tradicional. Se quisermos usar imagens ou comparações, poderíamos dizer que Hume faz da razão humana uma mendiga da verdade, em meio a brutalidade dos fatos. Kant, eleva-a à dignidade de princesa, encarcerada, embora, nos limites do próprio domínio. São duas visões de homem. Em ambas emergem os limites. O século XVIII, contudo, é o século do entusiasmo iluminístico. A burguesia está prestes a consumar o seu processo revolucionário. O liberalismo é a ideologia que se impõe. Mais que limites, os homens do século vêem, na luz da razão,, no progresso da ciência, no amor ao natural, no repúdio a transcendências perigosas, amplidões de pesquisas e caminhos de libertação. O fervor com que se descrevem os inventos humanos, nas páginas da Enciclopédia, traduz a sensação de otimismo; e não de dúvidas e incertezas. É por isso que, talvez, seja Hegel o tradutor fiel ao momento histórico da Revolução. Ele parece (ao menos parece) não reconhecer limites à razão. Ela é tudo, abarca a totalidade, ou melhor, é a totalidade; nada se lhe anteponha no caminho. Para Hegel, a razão é uma deusa. Uma deusa, contudo, desvestida da pureza da transcendência e imersa no processo dialético. Hegel marcava, assim, com seu idealismo, momentos de decisão histórica. Consumava o processo da modernidade, submetendo tudo à razão: processo cósmico e histórico. Ao mesmo tempo, o hegelianismo esgotava e explodia a modernidade, no ato de acabar com a transcendência da razão, tornando-a imanente. Abriam-se novos horizontes, para a cultura ocidental. |
Como referenciar: "Oráculo" em Só Filosofia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 22/11/2024 às 18:11. Disponível na Internet em http://filosofia.com.br/oraculo_resposta.php?pg=7