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Oráculo

Responsável - Lúcio Packter, filósofo formado pela PUC-Fafimc, de Porto Alegre.


Como os sonhos poderiam ser mais reais, mais próximos do que chamamos de realidade?

 
Leia uma resposta em Pascal, retirada de Pensamentos.


Se sonhássemos todas as noites a mesma coisa, isso nos afetaria tanto como os objetos que vemos todos os dias. E, se um artista estivesse seguro de sonhar todas as noites, durante doze horas, que é um rei, creio que seria quase tão feliz como um rei que sonhasse todas as noites, durante doze horas, que era um artista... Mas, porque os sonhos são todos diferentes, e porque mesmo um se diversifica, o que se vê neles afeta bem menos que o que se vê acordado, por causa da continuidade, que não é contudo tão contínua e igual que não mude também, mas menos bruscamente, a não ser raramente, como quando se viaja; e então diz-se: "Parece-me que sonho”; pois a vida é um sonho um pouco menos inconstante.


Há fanatismos que não percebemos, são sociais. Poderia me dar exemplos?

 
Leia a resposta de Bertrand Russell em A Última Oportunidade do Homem.


A essência do fanatismo consiste em considerar determinado problema como tão importante que ultrapasse qualquer outro. Os bizantinos, nos dias que precederam a conquista turca, entendiam ser mais importante evitar o uso do pão ázimo na comunhão do que salvar Constantinopla para a cristandade. Muitos habitantes da península indiana estão dispostos a precipitar o seu país na ruína por divergirem numa questão importante: saber se o pecado mais detestável consiste em comer carne de porco ou de vaca. Os reacionários americanos preferiram perder a próxima guerra do que empregar nas investigações atômicas qualquer indivíduo cujo primo em segundo grau tivesse encontrado um comunista nalguma região. Durante a Primeira Guerra Mundial, os escoceses sabatários, a despeito da escassez de víveres provocada pela atividade dos submarinos alemães, protestavam contra a plantação de batatas ao domingo e diziam que a cólera divina, devido a esse pecado, explicava os nossos malogros militares. Os que opõem objeções teológicas à limitação dos nascimentos, consentem que a fome, a miséria e a guerra persistam até ao fim dos tempos porque não podem esquecer um texto, mal interpretado, do Gênese. Os partidários entusiastas do comunismo, tal como os seus maiores inimigos, preferem ver a raça humana exterminada pela radioatividade do que chegar a um compromisso com o mal - capitalismo ou comunismo segundo o caso. Tudo isto são exemplos de fanatismo.
Em cada comunidade há um certo número de fanáticos por temperamento. Alguns desses fanáticos são essencialmente inofensivos e os outros não fazem mal enquanto os seus partidários forem pouco numerosos ou estiverem afastados do poder. Os «amish» na Pensilvânia pensam que é mau usar botões; isto é completamente inofensivo, salvo na medida em que revela um estado de espírito absurdo. Alguns protestantes extremistas gostariam de ressuscitar a perseguição aos católicos; essas pessoas só serão inofensivas enquanto forem em pequeno número. Para que o fanatismo se torne uma ameaça séria é preciso que possua bastantes partidários para pôr a paz em perigo, internamente por meio de uma guerra civil ou externamente por uma cruzada; ou quando, sem guerra civil, estabeleça uma Lei dos Santos que implique a perseguição e a estagnação mental. No passado, o melhor exemplo da história é o reinado da Igreja desde o século IV ao século XVI.


Podemos afirmar que de fato existe arte no Brasil, uma arte brasileira?

 
Leia uma das respostas em torno do assunto, por Ariano Suassuna, quando trata de elementos auto biográficos.

Outro dado da minha paixão pelo Brasil literário e pelo Nordeste em particular é que comecei imediatamente a me rebelar porque li num cartaz numa exposição realizada em São Paulo que tinha assim: "Arte do Brasil". Eles são adeptos da mesma idéia daquele professor universitário, não existe arte brasileira, existe arte do Brasil. Então dizia: "Arte do Brasil, uma história de cinco séculos". Quer dizer, só começou a arte quando os portugueses chegaram. Aí eu digo, peraí, e a arte indígena, o teatro, a dança, a cultura indígena? E comecei a me interessar pela cultura rupestre. Se você olhar a Pedra do Reino, tem desenho baseado na pintura rupestre. E muitos desses desenhos que você vê aí são baseados na pintura rupestre. Quer dizer que comecei a integrar no universo brasileiro essa pintura de muitos anos antes de Cristo. As pessoas pensam que só me interesso pela cultura ibérica, hoje mesmo recebi um recorte do jornal Le Monde dizendo que só me interesso pela cultura ibérica. Falo da importância da cultura ibérica, mas falo também da japonesa. Gosto muito do cinema japonês, acho que tem muito a ver com a gente. Agora, então, o Movimento Armorial tinha duas preocupações. Em primeiro lugar, lutar contra o processo de descaracterização e vulgarização da cultura brasileira. Em segundo lugar, procurar uma arte erudita brasileira baseada nas raízes populares da nossa cultura. Era esse o programa do Movimento Armorial.


Como ocorre a passagem das coisas que os sentidos captam para a mente, segundo os empiristas?

 
Leia o que escreveu Locke:

Primeiro os nossos sentidos, familiarizados com os objetos sensíveis particulares, levam para a mente várias e distintas percepções das coisas, segundo os vários meios pelos quais aqueles objetos os impressionaram. Recebemos, assim, as idéias de amarelo, branco, quente, frio, mole, duro, amargo, doce e todas as idéias que denominamos de qualidades sensíveis. Quando digo que os sentidos levam para a mente, entendo com isso que eles retiram dos objetos externos para a mente o que lhes produziu estas percepções. A esta grande fonte da maioria de nossas idéias, bastante dependente de nossos sentidos, dos quais se encaminham para o entendimento denomino sensação.


Podemos falar em mais de uma função ao trabalho de Sócrates, ao que ele se propôs?

 
Provavelmente,sim, como temos neste pequeno encarte retirado da Apologia de Sócrates, de Platão:

Outra coisa não faço senão perambular pela cidade para vos persuadir a todos, moços e velhos, a não vos preocupardes com o corpo nem com riquezas, mas a pordes o maior empenho no aperfeiçoamento da alma.


Em Filosofia Clínica não existe patologia?

 
Leia o que escreve Monica Aiub:

O termo clínica é compreendido no sentido proposto por Foulcaut,ao relatar o aparecimento da clínica médica como mudança de perspectiva: ao invés de enxergar a doença, focalizar a pessoa. A Filosofia Clínica é o espaço de interseção onde Filósofo e partilhante podem refletir acerca das questões trazidas pelo partilhante: ao invés de uma tipologia patológica, é significado o relato da pessoa a
partir de seu contexto , de suas vivências, representação. O foco de atenção não está no problema, no trauma, na doença, mas no indivíduo, no todo humano que é esse
partilhante.

Diferentemente da Clínica Médica, a Filosofia Clínica não possui conceitos de normalidade e patologias, de doença e cura, nem tipologias e teorias pré-existentes
para lidar com as questões trazidas pela pessoa. Partimos da história de vida do partilhante, um relato sobre suas vivências, que é significada pela própria pessoa. O
todo observado é o modo de ser, pensar e agir desse partilhante, construído a partir de suas vivencias, de seu contexto.


Qual o relato de Gaston Bachelard ao considerar a série Catedral de Rouen de Monet?

 
Um dia, Claude Monet quis que a catedral fosse verdadeiramente aérea - aérea em sua substância, aérea no próprio coração das pedras. E a catedral tomou da bruma azulada toda a matéria azul que a própria bruma tomara do céu azul... Num outro dia, outro sonho elementar se apodera da vontade de pintar. Claude Monet quer que a catedral se torne uma esponja de luz, que absorva em todas as suas fileiras de pedras e em todos os seus ornamentos o ocre de um sol poente. Então, nessa nova tela, a catedral é um astro doce, um astro ruivo, um ser adormecido no calor do dia. As torres brincavam mais alto no céu, quando recebiam o elemento aéreo. Ei-las agora mais perto da Terra, mais terrestre, ardendo apenas um pouco, como fogo guardando nas pedras de uma lareira.


Existem tempos que não são lineares, que ocorrem por fatores de quebra, de retomada?

 
Provavelmente, em muitas áreas e atividades, sim. Leia, como exemplo, o que escreveu Friedmann em Sete estudos sobre o homem e a técnica:

A noção de tempo não pode deixar de sofrer uma reviravolta em uma civilização em que o cinema, senhor absoluto do ritmo e do sentido da projeção das imagens, torna perceptível, por sua aceleração, sua desaceleração, sua inversão, um espaço-tempo de quatro dimensões, na qual, ademais, a aviação multiplica o número daqueles que, tendo almoçado em Paris, jantam em Berlim ou em Istambul.

   

Como referenciar: "Oráculo" em Só Filosofia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 22/11/2024 às 02:46. Disponível na Internet em http://filosofia.com.br/oraculo_resposta.php?pg=4