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Oráculo

Responsável - Lúcio Packter, filósofo formado pela PUC-Fafimc, de Porto Alegre.


Darcy Ribeiro encontrou Lévi-Strauss?

 
Sim, em Paris. Leia o que foi publicado pela Folha de S. Paulo.

"Eu tinha publicado meu livro O Processo Civilizatório. Mandei para ele e depois fui procurá-lo para saber o que tinha achado. Ele respondeu: Me interessou - com um muxoxo. Eu disse: Mas mestre, o que é isso, esse livro me custou tanto esforço, o senhor não pode me dar uma opinião? Ele disse: Não, não. Essa obra teórica sua e minha é bobagem. Você é um príncipe dos observadores, sua etnografia é ótima, por isso uso muito os mitos que você colhe. Quem pode fazer isso deve fazer isso, ficar estudando os índios.

E eu rebati: E você fazendo a teoria?.

Ele disse: Não é nesse sentido, minha obra teórica não vai durar 20 anos. O importante é a etnografia.

Eu saí muito puto com ele, porque era uma divisão de trabalho que eu não aceitava.


Friedrich Nietzsche relaciona as ilusões com a cultura?

 
O Nascimento da Tragédia, do filósofo, traz a passagem que segue sobre o assunto.


É um fenômeno eterno: a ávida vontade vai sempre encontrar um meio de fixar as suas criaturas na vida através de uma ilusão espalhada sobre as coisas, forçando-as a continuar a viver. Este vê-se amarrado pelo prazer socrático do conhecimento e pela ilusão de poder, através do mesmo, curar a eterna ferida da existência; aquele vê-se envolvido pelo véu sedutor da arte ondeando diante dos seus olhos; aquele, por seu turno, pela consolação metafísica de que sob o remoinho dos fenômenos continua a fluir, imperturbável, a vida eterna: para não falar das ilusões mais comuns, e talvez mais vigorosas, que a vontade tem preparadas em qualquer instante.

Aqueles três níveis de ilusão destinam-se apenas às naturezas mais nobremente apetrechadas, nas quais a carga e o peso da existência são em geral sentidos com um desagrado mais profundo e que podem ser ilusoriamente desviadas desse desagrado através de estimulantes selecionados. É nestes estimulantes que consiste tudo o que chamamos cultura.


Friedrich Nietzsche escreveu uma poesia sobre rosas?

 
Leia o que consta em A Gaia Ciência a seguir:


Sim! a minha ventura quer dar felicidade;
Não é isso que deseja toda a ventura?
Quereis colher as minhas rosas?
Baixai-vos então, escondei-vos,
Entre as rochas e os espinheiros,
E chupai muitas vezes os dedos.
Porque a minha ventura é maligna,
Porque a minha ventura é pérfida.
Quereis apanhar as minhas rosas?


Temos medo em nossa época?

 
Leia o que escreve Bertrand Russell, em A Última Oportunidade do Homem.


O nosso mundo vive demasiado sob a tirania do medo e insistir em mostrar-lhe os perigos que o ameaçam só pode conduzi-lo à apatia da desesperança. O contrário é que é preciso: criar motivos racionais de esperança, razões positivas de viver. Precisamos mais de sentimentos afirmativos do que de negativos. Se os afirmativos tomarem toda a amplitude que justifique um exame estritamente objetivo da nossa situação, os negativos desagregar-se-ão, perdendo a sua razão de ser. Mas se insistirmos em demasia nos negativos, nunca sairemos do desespero.


Existe um vazio em nossa época?

 
Leia o que escreveu Adorno, em Minima Moralia.

A pressa, o nervosismo, a instabilidade, observados desde o surgimento das grandes cidades, alastram-se nos dias de hoje de uma forma tão epidêmica quanto outrora a peste e a cólera. Nesse processo manifestam-se forças das quais os passantes apressados do século XIX não eram capazes de fazer a menor ideia. Todas as pessoas têm necessariamente algum projeto. O tempo de lazer exige que se o esgote. Ele é planeado, utilizado para que se empreenda alguma coisa, preenchido com vistas a toda espécie de espetáculo, ou ainda apenas com locomoções tão rápidas quanto possível. A sombra de tudo isso cai sobre o trabalho intelectual. Este é realizado com má consciência, como se tivesse sido roubado a alguma ocupação urgente, ainda que meramente imaginária. A fim de se justificar perante si mesmo, ele dá-se ares de uma agitação febril, de um grande afã, de uma empresa que opera a todo vapor devido à urgência do tempo e para a qual toda a reflexão - isto é, ele mesmo - é um estorvo. Com frequência tudo se passa como se os intelectuais reservassem para a sua própria produção precisamente apenas aquelas horas que sobram das suas obrigações, saídas, compromissos, e divertimentos inevitáveis.


Existe alguma interpretação filosófica para o ciúme? Considero o ciúme um mal e ele me aflige. O que os filósofos podem me dizer disso?

 
Leia o que Descartes escreve em As Paixões da Alma.

O ciúme é uma espécie de temor, que se relaciona com o desejo de conservarmos a posse de algum bem; e não provém tanto da força das razões que levam a julgar que podemos perdê-lo, como da grande estima que temos por ele, a qual nos leva a examinar até os menores motivos de suspeita e a tomá-los por razões muito dignas de consideração.
E como devemos empenhar-nos mais em conservar os bens que são muito grandes do que os que são menores, em algumas ocasiões essa paixão pode ser justa e honesta. Assim, por exemplo, um chefe de exército que defende uma praça de grande importância tem o direito de ser zeloso dela, isto é, de suspeitar de todos os meios pelos quais ela poderia ser assaltada de surpresa; e uma mulher honesta não é censurada por ser zelosa de sua honra, isto é, por não apenas abster-se de agir mal como também evitar até os menores motivos de maledicência.
Mas zombamos de um avarento quando ele é ciumento do seu tesouro, isto é, quando o devora com os olhos e nunca quer afastar-se dele, com medo que ele lhe seja furtado; pois o dinheiro não vale o trabalho de ser guardado com tanto cuidado. E desprezamos um homem que é ciumento de sua mulher, pois isso é uma prova de que não a ama da maneira certa e tem má opinião de si ou dela. Digo que ele não a ama da maneira certa porque se lhe tivesse um amor verdadeiro não teria a menor inclinação para desconfiar dela. Mas não é à mulher propriamente que ama: é somente ao bem que ele imagina consistir em ser o único a ter a posse dela; e não temeria perder esse bem se não julgasse que é indigno dele, ou então que a sua mulher é infiel. De resto, essa paixão refere-se apenas às suspeitas e às desconfianças; pois tentar evitar algum mal quando se tem motivo justo para temê-lo não é propriamente ter ciúmes.



Algum filósofo escreveu sobre as recompensas de quem segue o próprio caminho, pelos próprios sonhos e pernas?

 
Vários filósofos escreveram sobre o tema. Leia o que John Locke escreveu em Ensaio sobre o Entendimento Humano.

Aquele que se tenha erguido acima do cesto das esmolas e não se tenha contentado em viver ociosamente das sobras de opiniões suplicadas, que pôs a funcionar os seus próprios pensamentos para encontrar e seguir a verdade, não deixará de sentir a satisfação do caçador; cada momento da sua busca recompensará os seus dissabores com algum prazer; e terá razões para pensar que o seu tempo não foi mal gasto, mesmo quando não se puder gabar de nenhuma aquisição especial.


Recordar é apenas lembrar?

 
Para Kierkegaard, não. Leia o que escreveu o filósofo.

Recordar não é de modo algum o mesmo que lembrar. Por exemplo, alguém pode lembrar-se muito bem de um acontecimento, até ao mais ínfimo pormenor, sem contudo dele ter propriamente recordação. A memória é apenas uma condição transitória. Por intermédio da memória o vivido apresenta-se à consagração da recordação.
A diferença é reconhecível logo nas diferentes idades da vida. O ancião perde a memória, que aliás é a primeira capacidade a perder-se. Contudo, o ancião tem em si algo de poético; de acordo com a representação popular ele é profeta, é divinamente inspirado. A recordação é afinal também a sua melhor força, a sua consolação: consola-o com esse alcance da visão poética.

   

Como referenciar: "Oráculo" em Só Filosofia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 25/04/2024 às 20:09. Disponível na Internet em http://filosofia.com.br/oraculo_resposta.php?pg=3