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Oráculo

Responsável - Lúcio Packter, filósofo formado pela PUC-Fafimc, de Porto Alegre.


Existe de fato uma diferença entre ser jovem e ser velho?

 
Leia uma opinião sobre o assunto em Hermann Hesse, de sua obra Gertrud.

Creio que se pode traçar uma fronteira muito precisa entre a juventude e a velhice. A juventude acaba quando termina o egoísmo, a velhice começa com a vida para os outros. Ou seja: os jovens têm muito prazer e muita dor com as suas vidas, porque eles a vivem só para eles. Por isso todos os desejos e quedas são importantes, todas as alegrias e dores são vividas plenamente, e alguns, quando não vêem os seus desejos cumpridos, desperdiçam toda uma vida. Isso é a juventude. Mas para a maior parte das pessoas vem o tempo em que tudo se modifica, em que vivem mais para os outros, não por virtude, mas porque é assim. A maior parte constitui família. Pensa-se menos em nós próprios e nos nossos desejos quando se tem filhos. Outros perdem o egoísmo num escritório, na política, na arte ou na ciência. A juventude quer brincar, os adultos trabalhar.


O que seria o "poder" em Foucault?

 
O filósofo ilustra e exemplifica esta questão em diversos textos. Vejamos um deles:

Dizendo poder, não quero significar "o poder”, como um conjunto de instituições e aparelhos que garantem a sujeição dos cidadãos num determinado estado. Também não entendo poder como um modo de sujeição que, por oposição à violência, tenha a forma de regra. Enfim, não entendo o poder como um sistema geral de dominação exercida por um elemento ou grupo sobre o outro e cujos efeitos, por derivações sucessivas, atravessem o corpo social inteiro. A análise em termos de poder não deve postular, como dados iniciais, a soberania do Estado, a forma de lei ou a unidade global de uma dominação; estas são apenas e, antes de mais nada, suas formas terminais. Parece-me que se deve compreender o poder, primeiro, como a multiplicidade de correlações de forças imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas da sua organização; o jogo que, através de lutas e afrontamentos incessantes as transforma, reforça, inverte; os apoios que tais correlações de força encontram umas nas outras, formando cadeias ou sistemas ou ao contrário, as defasagens e contradições que as isolam entre si; enfim, as estratégias em que se originam e cujo esboço geral ou cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatais, na formulação da lei, nas hegemonias sociais.


As coisas que temos realmente são nossas?

 
Há muitas respostas para uma questão como esta. Apresentamos uma delas, uma carta de Sêneca a Lucílio.

Tudo aquilo de que és considerado dono está à tua mão, mas sem ser verdadeiramente teu; um ser instável nada possui de estável, um ser efêmero nada possui de eterno e indestrutível. Perder é tão inevitável como morrer; se bem a entendermos, esta verdade é uma consolação para nós. Perde, pois, imperturbavelmente: tudo um dia morrerá. Que socorro podemos conseguir contra todas as nossas perdas? Apenas isto: guardemos na memória as coisas que perdemos sem deixar que o proveito que delas tiramos desapareça também com elas. Podemos ser privados de as possuir, nunca de as ter possuído. É extremamente ingrato quem pensa que já nada deve porque perdeu o empréstimo! O acaso privou-nos do objeto, mas deixou em nós o uso e proveito que dele tiramos, e que nós deixamos esquecer pelo perverso desejo de continuar a possuí-lo!


A Razão geralmente boicota as emoções?

 
Bertrand Russell, em sua obra A Conquista da Felicidade, nos fornece um parecer.
Há a ideia de que quando se concede à razão inteira liberdade ela destrói todas as emoções profundas. Esta opinião parece-me devida a uma concepção inteiramente errada da função da razão na vida humana. Não é objetivo da razão gerar emoções, embora possa ser parte da sua função descobrir os meios de impedir que tais emoções sejam um obstáculo ao bem-estar. Descobrir os meios de dminuir o ódio e a inveja é sem dúvida parte da função da psicologia racional. Mas é um erro supor que diminuindo essas paixões, diminuiremos ao mesmo tempo a intensidade das paixões que a razão não condena.
No amor apaixonado, na afeição dos pais, na amizade, na benevolência, na devoção às ciências ou às artes, nada há que a razão deseje diminuir. O homem racional, quando sente essas emoções, ficará contente por as sentir e nada deve fazer para diminuir a sua intensidade, pois todas elas fazem parte da verdadeira vida, isto é, da vida cujo objetivo é a felicidade, a própria e a dos outros. Nada há de irracional nas paixões como paixões e muitas pessoas irracionais sentem somente as paixões mais triviais. Ninguém deve recear que ao optar pela razão torne triste a vida. Ao contrário, pois a razão consiste, em geral, na harmonia interior; o homem que a realiza sente-se mais livre na contemplação do mundo e no emprego da sua energia para conseguir os seus propósitos exteriores, do que o homem que é continuamente embaraçado por conflitos íntimos. Nada é tão deprimente como estar fechado em si mesmo, nada é tão consolador como ter a sua atenção e a sua energia dirigidas para o mundo exterior.


O que seria um exemplo do verdadeiro bem?

 
Alguns filósofos ilustram o tema. Como exemplo, tomemos as palavras de Baruch Spinoza em Tratado da Reforma e do Entendimento.

Para o entender com retidão, devemos notar que bom e mau se dizem num sentido puramente relativo. A ponto de uma só e mesma coisa ser tida por boa ou má segundo os aspectos que consideramos; o mesmo sucede com o perfeito e o imperfeito. Coisa alguma, efetivamente, pode ser dita de natureza perfeita ou imperfeita. Sobretudo quando se perceba que tudo quanto acontece se produz de acordo com uma ordem eterna e com leis determinadas da natureza. (…) Entretanto, como o homem, na sua fraqueza, não abarca essa ordem pelo pensamento e concebe alguma natureza humana muito superior à sua, e, ao mesmo tempo, não vê impedimento na aquisição de uma semelhante, é levado a procurar meios que o conduzam a essa perfeição: tudo o que servir de meio a lá chegar é denominado verdadeiro bem. E o supremo bem consiste em chegar a fruir, com outros indivíduos se possível, dessa natureza superior. O que é essa natureza, havemos de vê-lo a seu tempo: é o conhecimento da união do espírito com a natureza inteira.
Tal é, pois, o fim a que tendo: alcançar essa natureza superior e fazer quanto puder para que outros a alcancem comigo; porque é ainda uma parte da minha felicidade trabalhar para que muitos conheçam claramente o que é claro para mim, de maneira que o seu entendimento e o seu desejo se harmonizem plenamente com o meu próprio entendimento e o meu próprio desejo. Para lograr esse fim é necessário ter da natureza um conhecimento que baste à aquisição dessa tal natureza humana e, também, formar uma sociedade apropriada a que o maior número possível de homens alcancem o fim tão fácil e seguramente quanto puder ser.


A proximidade é um caminho para a inveja?

 
Alguns filósofos, como David Hume, acreditam que sim. Leia o que ele escreve em Tratado da Natureza Humana.

Não é a desproporção entre nós e os outros que produz a inveja, mas, pelo contrário, a proximidade. Um soldado raso não nutre pelo seu general inveja comparável à que poderá sentir pelo seu sargento ou por um cabo; nem um escritor eminente encontrará tanta inveja por banda dos pequenos escritores vulgares como nos autores que dele mais se aproximam. Uma grande desproporção anula a relação, seja impedindo-nos de nos compararmos com aquilo que nos é remoto, seja minorando os efeitos da comparação.


Há diversas críticas ao trabalho de Slavoj Zizek. Algum intelectual brasileiro o criticou?

 
É natural que um trabalho filosófico encontre críticas. Isso é uma parte importante do próprio trabalho filosófico. Leia a seguir o que pensa Caetano Veloso sobre a pesquisa de Zizek.

"Zizek é pop. Ele também é um intelecto superexcitado e tem erudição em várias áreas. Ampara-se em Hegel e Lacan para louvar Matrix, filme que, para mim, é um abacaxi de caroço. Ele gosta desses esquemas que dizem que somos sempre manipulados. Quanto mais claro pensamos, mais presos estamos a ideologias que camuflam interesses. Zizek tem o charme de falar no que a esquerda em geral evita mencionar: ele prefere ter algo positivo a dizer sobre as paradas fascistas da Coreia do Norte do que fingir que não as vê. Eu li Bem vindo ao deserto do real, um livro curto, e In defense of lost causes, um grosso volume. Ele convoca Robespierre, Lênin e Mao e exalta a revolução violenta. No fim, ele elege a causa ecológica como a escolha certa da esquerda para exercer o terror."



Mais vagas nas faculdades públicas Podemos ter justiça social na universidade?

 
Para a filósofa Marilena Chauí, sim e não. Leia o que a filósofa respondeu à revista Cult.

Sim, porque num país feito de desigualdades e exclusões como o nosso, calcado na ideia e na prática dos privilégios de classe, afirmar que o ensino superior não é privilégio de classe e sim um direito de todos é afirmar a cidadania democrática, pois a democracia não opera com privilégios e sim com a igualdade dos direitos. Não, porque a justiça social tem de ser definida, primeiro, pela redistribuição da renda nacional porque sem a igualdade material dos cidadãos não se consolidam as outras formas da igualdade; por enquanto, as políticas de inclusão operam com a transferência de renda e não com a redistribuição dela…


   

Como referenciar: "Oráculo" em Só Filosofia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 21/11/2024 às 15:16. Disponível na Internet em http://filosofia.com.br/oraculo_resposta.php?pg=2