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Oráculo
Responsável - Lúcio Packter, filósofo formado pela PUC-Fafimc, de Porto Alegre.
Deng Xiaoping teve participação ativa no que a China se tornou hoje? Muitos pensam que mais atrapalhou. |
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Em nossa pesquisa, encontramos a obra de Michael E. Marti, A China de Deng Xiaoping. A resposta a seguir abrange a questão.
A política de experimentação seletiva ficou conhecida no léxico do partido como o princípio estratégico da abertura ao mundo exterior. O objetivo de Deng, em termos mensuráveis, era quadruplicar a renda per capita do 1,05 bilhão de habitantes da China, passando- a de 250 dólares americanos, quantia fixada como padrão em 1981, para mil dólares no ano 2000. Este valor deveria ser novamente quadruplicado por volta do ano 2050, quando a China seria o centro de um bloco comercial do Leste Asiático, similar ao da Comunidade Européia ou ao do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA). Entretanto, esse bloco comercial abrangeria 70% da população mundial, produziria mais de 50% dos bens mundiais, consumiria 40% da produção mundial e responderia por 70% do comércio mundial. A China então estaria verdadeiramente nivelada às nações economicamente mais adiantadas do mundo, um poderoso país socialista capaz de desempenhar papel relevante na manutenção da paz e da estabilidade mundiais. Deng, definitivamente, arrancava para uma nova e ousada Longa Marcha. |
Como funcionava durante um jogo A Máquina de Xadrez, de Robert Löhr? |
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Há várias passagens na obra que mostram o funcionamento para o público e também o funcionamento interno. Leia o funcionamento externo a seguir:
"O assistente de Kempelen deu corda no autômato do xadrez com o auxílio de uma manivela e o mecanismo colocou-se em movimento com um rangido. O turco levantou a cabeça, moveu o braço sobre o tabuleiro e, com três dedos, colocou um peão no meio - da mesma forma como iniciara as partidas anteriores. O assistente repetiu o lance no tabuleiro de Neumann, mas o anão não reagiu. Ele nem ao menos levantou o olhar. Seguia olhando embasbacado para cada uma das suas figuras, como se fossem conhecidos que ele julgava mortos há muito tempo. O público ficou inquieto. Wolfgang von Kempelen já ia dizer alguma coisa, quando, finalmente, Neumann se mexeu. Ele moveu seu peão do rei duas casas para frente, desafiando assim o peão branco." |
No livro Os Simpsons e a Filosofia, quero saber se Aristóteles aprovaria eticamente Homer Simpson, já que Homer é o exemplo da classe média americana. |
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Provavelmente a ética de Homer Simpson nada tem a ver com Aristóteles, conforme o trecho do livro escrito por Raja Halwani e que publicamos a seguir.
Homer Simpson não passa no teste, se for avaliado moralmente. Isso se nota particularmente quando nos concentramos em seu caráter, em vez de em seus atos (embora ele não brilhe muito também na segunda categoria). Mas, de alguma forma, existe algo eticamente admirável a respeito de Homer. Daí surge a seguinte charada: Se Homer Simpson é moralmente ruim, onde ele é admirável? |
Estudo Filosofia da História. O oráculo pode me dizer como Io foi parar no Egito? |
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Segungo os persas (em versão que os fenícios provavelmente não estão de acordo), a partir do encarte retirado de História, de Heródoto, aconteceu o seguinte:
Os Persas mais esclarecidos atribuem aos Fenícios a causa das inimizades. Dizem eles que esse povo, tendo vindo do litoral da Eritréia para as costas do nosso país, empreendeu longas viagens marítimas, logo depois de haver-se estabelecido no país que ainda hoje habita, transportando mercadorias do Egito e da Assíria para várias regiões, inclusive para Argos. Esta cidade era, então, a mais importante de todas as do país conhecido atualmente pelo nome de Grécia. Acrescentam que alguns fenícios, ali desembarcando, puseram-se a vender mercadorias, e que cinco ou seis dias após sua chegada, quase concluída a venda, grande número de mulheres dirigiu-se à beira-mar. Entre elas estava a filha do rei. Esta princesa, filha de Inaco, chamava-se Io, nome por que era conhecida pelos Gregos. Quando as mulheres, postadas junto aos barcos, compravam objetos de sua preferência, os fenícios, incitando uns aos outros, atiraram-se sobre elas. A maior parte delas logrou fugir, mas Io foi capturada, juntamente com algumas de suas companheiras. Os fenícios conduziram-nas para bordo e fizeram-se à vela em direção ao Egito. |
Preciso de um resumo das obras mais importantes de Claude Lévy-Strauss. Há muita coisa, mas necessito de algo confiável sobre o assunto. |
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Nossa equipe pesquisou o tema para você. Entre as respostas confiáveis, destacamos o trabalho de Caio Liudvik.
Introdução à obra de Marcel Mauss (1950) - Este ensaio, encomendado pelo sociólogo Georges Gurvitch --mais tarde, bastante hostil às teses de Lévi-Strauss--, vai bem além de sua finalidade imediata, uma apresentação protocolar da coletânea "Sociologia e Antropologia", de Marcel Mauss (ed. Cosac Naify), um dos mais importantes cientistas sociais do século 20. Lévi-Strauss comenta o vanguardismo de Mauss em aspectos como a correlação entre etnologia e psicanálise, mas também, com ousadia, designa o sobrinho de Durkheim como um Moisés que conduziu o povo à Terra Prometida sem ter tido a oportunidade de entrar nela. Com essa metáfora bíblica, quis dizer que Mauss, com a teoria da reciprocidade desenvolvida em "O Ensaio sobre a Dádiva" (1925), intuiu descobertas a que a antropologia só pôde chegar mais tarde, com o próprio Lévi-Strauss, graças aos aportes da lingüística estrutural. Exemplo disso seria o conceito lévi-straussiano de "pensamento simbólico" como lógica inconsciente do espírito humano e matriz universal de possibilidades combinatórias das quais cada sistema cultural faz usos peculiares. Tristes Trópicos (1955) - Considerada por muitos sua obra-prima, esta autobiografia intelectual relata, entre outros episódios, a vinda de Lévi-Strauss ao Brasil nos anos 1930, juntamente com outros professores franceses, para trabalhar na fundação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Ele comenta o sentido de sua vocação de antropólogo, no contexto de suas decepções com a filosofia "metafísica" dominante nos meios universitários franceses da época. Menciona a geologia, o marxismo e a psicanálise como as "três mestras" inspiradoras de sua obra, pela percepção que compartilham de que "compreender consiste em reduzir um tipo de realidade a outro". E tece observações etnográficas que atestam como seu contato com povos indígenas brasileiros foi decisivo na gestação de sua futura teoria estruturalista. O livro é marcante também pelas digressões sombrias a respeito das perspectivas da civilização mundial, marcada, segundo ele, pelo inchaço demográfico e pela homogeneização cultural. Antropologia Estrutural (1958) - Coletânea com alguns dos principais escritos de Lévi-Strauss no período entre 1944 e 1956. São exemplos o programático "A Análise Estrutural em Lingüística e em Antropologia", além de "O Feiticeiro e Sua Magia" e "A Eficácia Simbólica" --textos nos quais apresenta surpreendentes paralelos estruturais entre as figuras do xamã e do psicanalista. Muitas vezes acusado pelos marxistas de negar a dimensão histórica, dada sua ênfase tanto na sincronia dos fenômenos sociais quanto nas constantes universais da humanidade, o autor francês irá abordar tal problema em "História e Etnologia". Já em "A Estrutura dos Mitos", o antropólogo relê o mito de Édipo --mencionando a interpretação freudiana como a mais recente "versão" mítica do relato-- e lança as bases teóricas e metodológicas do que, após o parentesco, veio a ser o outro grande campo de aplicação do estruturalismo etnológico: a mitologia. O Pensamento Selvagem (1962) - Lançado no mesmo ano que "O Totemismo Hoje" --que lhe serve, no dizer do autor, como uma "introdução histórica e crítica", ao analisar uma categoria então fundamental na explicação dos povos ditos primitivos--, é uma espécie de prelúdio às "Mitológicas". Descartando preconceitos evolucionistas, tais como a noção de "pensamento pré-lógico" (de Lévy-Bruhl), Lévi-Strauss diz ser o pensamento mítico uma "forma intelectual de bricolagem", que recupera num processo contínuo os resíduos de eventos empíricos, e uma "ciência do concreto", tão estruturada, lógica e rigorosa quanto o pensamento científico moderno, e igualmente capaz de formular analogias e generalizações. Dedicado à memória do filósofo Maurice Merleau-Ponty, se encerra porém com uma célebre ofensiva contra outro expoente do pensamento fenomenológico-existencial: Jean-Paul Sartre. Na visão dialética da história na obra de Sartre, Lévi-Strauss vê uma outra forma de projeção eurocêntrica e um valioso documento etnográfico acerca da "mitologia de nosso tempo". Mitológicas (1964-71) - Com base na análise de cerca de 800 mitos ameríndios e inspirado nos moldes da música --que considera semelhantes aos do mito--, essa colossal tetralogia é composta por "O Cru e o Cozido", "Do Mel às Cinzas", "A Origem dos Modos à Mesa" e "O Homem Nu". Seu objetivo é mostrar "de que modo categorias empíricas, como, por exemplo, as de cru e cozido, de fresco e de podre, de molhado e de queimado etc., definíveis com precisão pela mera observação etnográfica, (...) podem servir como ferramentas conceituais para isolar noções abstratas e encadeá-las em proposições". Desse modo, seria possível chegar a níveis cada vez mais amplos de generalização e, em última instância, desbravar os fundamentos universais do espírito humano. O meio para isso, segundo o antropólogo, seria o rastreamento das múltiplas recombinações, permutações e oposições --e não, como na teoria simbolista, significados ocultos de símbolos abstraídos do contexto-- por meio das quais os "mitos se pensam entre si". Antropologia Estrutural 2 (1973) - Nesta nova coletânea, tem destaque o clássico "Raça e História" (1952) --libelo, escrito a pedido da Unesco, contra o racismo, no qual o antropólogo sintetiza sua visão da história mundial e sua defesa da diversidade cultural. Cabe mencionar também "A Gesta de Asdiwal", estudo de um mito indígena da costa canadense do Pacífico; "O Campo da Antropologia", aula inaugural do autor no Collège de France, em 1960; e "Jean-Jacques Rousseau, fundador das Ciências do Homem" (1962). Neste último, o filósofo genebrino é evocado como precursor da etnologia por ter formulado o preceito de que, se para estudar "os homens" é preciso olhar perto de si, para estudar "o homem" é preciso aprender a dirigir para longe o olhar e descobrir semelhanças depois de observar as diferenças. Dez anos mais tarde, Lévi-Strauss lançaria um novo conjunto de artigos que, segundo suas próprias palavras, poderia ser considerado o terceiro volume da "Antropologia Estrutural", porém batizado de "O Olhar Distanciado". A Via das Máscaras (1975) -Tomando como referência a arte dos índios da costa noroeste dos EUA, Lévi-Strauss retoma questões fundamentais da estética e da história da arte. Ele argumenta que o grafismo, a plástica e a cor podem ser entendidos como instrumentos de que um povo, escola doutrinal ou período se utilizam para se distinguir dos seus vizinhos, rivais ou predecessores. Minhas Palavras (1984) - Lições ministradas por Claude Lévi-Strauss entre 1959 e 1982 no Collège de France e na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais. Foi nesta escola onde, disse, "minhas idéias sobre a mitologia ganharam forma", o que é testemunhado em especial pelo curso, no ano letivo de 1951-52, dedicado à "Visita das Almas", cujo resumo consta desta coletânea. Por meio das aulas e conferências aqui publicadas --que versam também sobre parentesco e organização social, entre outros temas--, o leitor pode entrar em contato, portanto, com os movimentos da reflexão lévi-straussiana ao longo do tempo e também com a gênese e esboço de algumas das principais obras do autor --como "O Pensamento Selvagem" e "Mitológicas". A Oleira Ciumenta (1985) - Nesta nova incursão pelo vasto território dos mitos ameríndios, Lévi-Strauss analisa, em suas analogias nos povos mais diversos, a figura da ceramista (oleira) e as relações desse ofício com o sentimento do ciúme. No capítulo final, "'Totem e Tabu' Versão Jivaro", o antropólogo francês retoma uma vez mais o diálogo do estruturalismo com a psicanálise. Ele combate, em Freud, a suposta afinidade descoberta entre crianças, neuróticos e primitivos, assim como o monopólio dado ao "código sexual" de decifração dos símbolos míticos e oníricos. De Perto e de Longe (1988) - Esses diálogos com o jornalista Didier Eribon, juntamente com as entrevistas a Georges Charbonnier, em 1961, estão entre as mais acessíveis introduções a toda a complexidade de um dos maiores antropólogos de todos os tempos. Lévi-Strauss comenta seu percurso, suas idéias e obras, confessa que gostaria de ter sido autor dramático e constrói um auto-retrato muito revelador. Por exemplo, em passagens como a que se identifica subjetivamente com o "primitivismo" que lhe fornece boa parte de seus objetos de estudo: "Tenho a inteligência neolítica; não sou alguém que capitaliza, que faz frutificar seu conhecimento; sou antes alguém que se desloca a uma fronteira sempre instável". História de Lince (1991) - Num esforço de "síntese de reflexões dispersas ao longo dos anos", o autor investiga as fontes filosóficas e éticas do dualismo ameríndio. Estuda como as lendas da América resistem a fazer com que uma situação inicialmente dual seja reduzida a uma identidade perfeita, sustentando, antes, um dualismo dinâmico e em permanente desequilíbrio. Nisso o antropólogo desvela uma atitude de "abertura ao outro" que pautou os nativos quando dos primeiros contatos com o branco colonizador, e que é uma conduta oposta à de nossa sociedade --voltada a reduzir o diferente a uma imagem especular de si mesma. Olhar, Escutar, Ler (1993) - Num dos livros em que mais diretamente se dedica a questões relativas à arte --que, não obstante, sempre teve grande importância em suas investigações etnológicas--, Lévi-Strauss evoca, como matéria-prima de análise, algumas de suas grandes experiências estéticas pessoais --do romance de Proust à música de Rameau e Wagner, passando pela pintura de Poussin. Reflete sobre um soneto de Rimbaud à luz dos modernos estudos de poética de Roman Jakobson, além de investigar as variações e a possível estrutura comum aos três procedimentos estéticos básicos --olhar, escutar, ler. Saudades do Brasil (1994) - Lévi-Strauss dizia ser o escopo da sua antropologia um "super-racionalismo" capaz de integrar os níveis do sensível e do inteligível. Neste álbum fotográfico, que remonta às raízes de sua aventura antropológica, ele dá prova da extrema sensibilidade com que vivenciou e registrou as experiências em terras brasileiras durante os anos 1930. Seja pelas imagens de uma São Paulo a caminho de se converter em metrópole industrial e financeira, seja pelas cenas da vida cotidiana de tribos do Centro-Oeste, o livro é testemunho precioso e elegíaco de uma época (pessoal e coletiva) soterrada pelo tempo e pelo processo histórico hegemônico. Em 1995, o autor lançaria um segundo livro do gênero, "Saudades de São Paulo". |
O Oráculo tem como localizar o que Sartre escreveu sobre Camus após a morte deste? |
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A equipe do Oráculo pesquisou e encontrou o que Sartre escreveu poucas horas após tomar conhecimento da morte Camus no acidente de automóvel. A tradução é de Jorge Luis Gutiérrez. Confira.
Camus era uma aventura singular de nossa cultura, um movimento cujas fases e cujo termo final tratávamos de compreender. Representava neste século e contra a história, o herdeiro atual dessa longa fila de moralistas cujas obras constituem talvez o que há de mais original nas letras francesas. Seu humanismo obstinado, estreito e puro, austero e sensual, travava um combate duvidoso contra os acontecimentos em massa e disformes deste tempo. Mas, inversamente, pela teimosia de suas repulsas, reafirmava, no coração de nossa época, contra os maquiavélicos, contra o bezerro de ouro do realismo, a existência do fato moral. Era, por assim dizer, esta inquebrantável afirmação. Por pouco que se o lesse ou refletisse a respeito, chocávamos com os valores humanos que ele sustentava em seu punho fechado, pondo em julgamento o ato político. Inclusive seu silêncio, nestes últimos anos, tinha um aspecto positivo: este cartesiano do absurdo se negava a abandonar o terreno seguro da moralidade e entrar nos incertos caminhos da prática. Nós o adivinhávamos e adivinhávamos também os conflitos que calava, pois a moral, se se a considera, exige e condena juntamente a rebelião. Qualquer coisa que fosse o que Camus tivesse podido fazer ou decidir a sua frente, nunca teria deixado de ser uma das forças principais de nosso campo cultural, nem de representar a sua maneira a história da França e de seu século. A ordem humana segue sendo só uma desordem; é injusta e precária; nela se mata e se morre de fome; mas pelo menos a fundam, a mantêm e a combatem, os homens. Nessa ordem Camus devia viver: este homem em marcha nos punha entre interrogações, ele mesmo era uma interrogação que procurava sua resposta; vivia no meio de uma longa vida; para nós, para ele, para os homens que fazem com que a ordem reine como para os que a recusam, era importante que Camus saísse do silêncio, que decidisse, que concluísse. Raramente os caracteres de uma obra e as condições do momento histórico exigiram com tanta clareza que um escritor viva. Para todos os que o amaram há nesta morte um absurdo insuportável. Mas, teremos que aprender a ver esta obra truncada como uma obra total. Na medida mesmo em que o humanismo de Camus contém uma atitude humana frente à morte que havia de surpreendê-lo, na medida em que sua busca orgulhosa e pura da felicidade implicava e reclamava a necessidade desumana de morrer, reconheceremos nesta obra e nesta vida, inseparáveis uma de outra, a tentativa pura e vitoriosa de um homem reconquistando cada instante de sua existência frente à sua morte futura. |
Existe uma explicação antropológica, filosófica, para como o homem buscou um sentido para esta existência caótica, incerta, frágil? |
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Pela maneira como a pergunta foi endereçada ao Oráculo, talvez uma resposta aproximada esteja na obra Uma História das Emoções, de Stuart Walton. Vamos conferir a seguir.
Com o desenvolvimento, entre dois milhões e um milhão e meio de anos, das formas mais reconhecivelmente proto-humanas, o Homo habilis e o H. erectus, veio a tentativa mais primitiva de encontrar sentido neste mundo assustador através de forças naturais antropomorfizantes. O estalar do trovão parecia agora ser a ira de poderes elementares que estavam descontentes, mas que podiam ser aplacados por rituais. Pode-se observar um processo imaginado de causa e efeito, pelo qual a realização de oferendas ou de outros comportamentos simbólicos curaria uma doença ou derrotaria uma tempestade. Mesmo que estas práticas só às vezes fossem bem-sucedidas, foram o bastante para que se tornassem sistemáticas. Na época da transição do Paleolítico Médio para o Superior, por volta de 40 mil anos atrás, este comportamento simbólico levou à criação de duas grandes instituições da história humana: a arte e a religião. Esta foi a época da última grande era glacial, e que pensamos ser o verdadeiro início da história registrada. Se considerarmos que a religião, pelo menos na Europa e na África do Norte, passou de uma crença em muitos e variados deuses nos modelos egípcios e greco-romanos para a unidade centralizada de um só deus no judaísmo, no cristianismo e no islamismo, então estamos começando pelo lugar errado. Embora os sistemas de crença politeístas certamente tenham surgido em épocas pré-históricas, é quase certo, como chegaram a afirmar paleontólogos como Johannes Maringer no período pós-guerra, que foram precedidos pela crença em um ser supremo - e pelo medo dele. A evidência de sacrifício animal e o sepultamento de partes de corpos de animais, bem como a descrição de cenas de caçada em pinturas rupestres do Paleolítico Superior, revelam uma unidade de propósito: eles pretendiam solicitar os favores de um dispensador divino de boa fortuna na caçada. Nas cavernas escuras como breu nos mais profundos recessos de refúgios rochosos em que estas pessoas residiam, sulcando à luz de tochas, as partes desmembradas de ursos da caverna foram dispostas em expiação de um deus que podia conceder o sucesso na caça, e portanto a sobrevivência da tribo. Além das oferendas, representações pictóricas de caçada foram pintadas nas paredes e nos tetos da caverna em ocre vermelho e barro preto, imagens de uma riqueza fabulosa como as descobertas no final do século XIX em Altamira, ou aquelas faixas em Lascaux, no sudoeste da França, em 1940. Várias figuras pequenas da forma feminina grávida - em calcário, pedra-sabão e marfim - também vieram à luz, valendo-se de alguma invocação mágica da fertilidade, de forma que, em uma época de escassez e gelo, os rebanhos caçados de que dependia a tribo se reproduzissem o suficiente para garantir a própria sobrevivência. Se é este medo, porém, que motiva a reviravolta para uma teologia primitiva, o que exatamente temiam nossos ancestrais paleolíticos a não ser os elementos imprevisíveis? Sabemos, a partir de restos como ossos carbonizados e depósitos de cinzas nas cavernas, que o fogo já era usado para cozinhar, iluminar e para a segurança. Encontros violentos com tribos rivais teriam sido poucos e distantes, uma vez que a terra era esparsamente povoada e todos os grupos eram nômades. E, ao contrário de seus ancestrais primitivos, o caçador paleolítico, embora fosse peripatético, sabia como fazer habitações razoavelmente seguras em abrigos de pedra e cavernas de sua paisagem. O terror primal que ele ainda sentia, e que motivava todas as suas práticas devocionais e culturais, é o mesmo terror que de certa forma nos motiva: o medo da própria morte e da morte da família. |
Tenho curiosidade de saber como era o Brasil, como era Recife, na época da meninice de Gilberto Freyre. |
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Na obra Gilberto Freyre – Uma Biografia Cultural, de Enrique Rodríguez Larreta, o Oráculo encontrou uma resposta.
É um Brasil rural o da infância de Gilberto Freyre, com pouco mais de 17 milhões de habitantes. Um país em processo de constituição como nação moderna, depois do fim do Império. A cidade do Recife, capital do estado de Pernambuco, já não era a mesma da época esplendorosa da "civilização do açúcar". O eixo do desenvolvimento econômico e o centro da vida cultural se vinham deslocando, durante o século XIX, para a região Sul do país, em detrimento do Nordeste. A queda da monarquia em 1889 e a formação de um sistema federal despojaram Pernambuco do minguado poder político que ainda detinha no Império. Durante toda a República Velha, Pernambuco seria um estado fraco, caracterizado por intervenções federais e ameaças dos estados vizinhos. Uma região politicamente fragmentada, cujo atraso técnico e econômico em relação ao Sul se aprofundava cada vez mais. Nesse ambiente, marcado pelo declínio de estilos de vida e de instituições outrora prestigiosas, desenvolveram- se as três gerações da família Freyre. |
Como referenciar: "Oráculo" em Só Filosofia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 28/11/2024 às 00:33. Disponível na Internet em http://filosofia.com.br/oraculo_resposta.php?pg=21