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Oráculo

Responsável - Lúcio Packter, filósofo formado pela PUC-Fafimc, de Porto Alegre.


Lênin era complacente com os intelectuais que não se alinhavam com seu pensamento?

 
O Oráculo mostra um exemplo de como Lênin costumava agir. Para isso, traz um encarte de A Guerra Particular de Lênin,
da jornalista inglesa Lesley Chamberlain.



O nome mais famoso na lista de mentes indesejáveis de Lenin, Nikolai Berdiaev, ficou surpreso com a natureza extremada do tratamento que recebeu dos bolcheviques, porque pensava que ele, como eles, era socialista. Mas ficou resignado, vendeu seus bens e, como seus colegas professores, decidiu enfrentar seus perseguidores com coragem e estoicismo. No dia 27 de setembro, seguindo por aquela conhecida ferrovia que liga a Rússia “asiática”à sua capital “européia”, ele chegou a Petrogrado vindo de Moscou. A primeira e fácil etapa de sua irreversível viagem para o exterior tinha sido cumprida. Os trens não estavam em suas melhores condições naquele ano, mas isso não era novidade. Sendo russo, Berdiaev sentia fazer parte de um povo mais resistente que a maioria, que nos anos anteriores tinha demonstrado poder dar conta de quase tudo. Após sua experiência durante a Revolução, quando uma bomba caiu no jardim da casa da família, e também durante a Guerra Civil, quando explodiram um porão perto de sua livraria, nada o assustava. Ele mal percebia um trem sem aquecimento e água.

Tinha 48 anos de idade. Com ele naquele último trem russo estava sua esposa de 51 anos, Lidia Iudifovna, a irmã mais nova de Lidia, Evgenia Rapp, afastada do marido, e a mãe das duas, Irina Vasilievna Trusheva. Embora ainda fosse viver mais 18 anos, a sogra de Berdiaev não estava bem de saúde e caminhava usando uma bengala. Os Berdiaev formavam uma família conscienciosa e do tipo antiquado, e cuidavam uns dos outros, bem como de estranhos necessitados.

Um colega de Berdiaev de Petrogrado, o professor Losski, que só seria expulso dois meses depois, tinha se oferecido para abrigar a família naquela noite. Ele morava na rua Kabinestkaia, a cerca de dez minutos de caminhada rumo sul a partir do ponto em que o rio Fontanka passava sob a principal artéria da cidade, a Nevski Prospekt, e aproximadamente à mesma distância da estação ferroviária Moskva. Na verdade, a estação ainda era conhecida como Nikolaevski em homenagem ao último czar, Nicolau II. O czar tinha sido assassinado em 1918, mas a Rússia estava apenas começando a ser lentamente sovietizada. Na estação, Berdiaev, um homem rico enquanto ainda estava em seu próprio país, chamou um táxi, enquanto a algumas ruas dali estavam sendo feitos preparativos para sua chegada.

Interessantes famílias russas da intelligentsia pré-revolucionária se reuniram naquela noite em uma Petrogrado subjugada: os Berdiaev e os Losski, e os Trushev e os Stroiunin, as famílias com as quais os dois homens tinham se casado. Os Berdiaev, com a família instalada em Kiev, eram da aristocracia. O pai de Nikolai era militar, e sua mãe meio francesa. A mãe dela era a condessa Choiseul. Assim, o francês era uma das línguas de Berdiaev desde a infância, e o catolicismo romano era uma influência materna, que tinha seu lugar juntamente com a ortodoxia paterna. Berdiaev nunca desprezou sua formação privilegiada. Ao contrário, como dois dos mais famosos aristocratas revolucionários da Rússia, Alexander Herzen e Peter Kropotkin, ele aspirava ao imperativo clássico da noblesse oblige.

Kropotkin já era adulto quando se rebelou contra sua formação militar, mas Berdiaev abandonou a academia militar no meio da adolescência. Como Herzen, ele estudou filosofi a, e nos anos 1890 a filosofia o levou diretamente ao marxismo, daí a um repúdio a ele, e a um choque tanto com o governo czarista quanto com os bolcheviques em ascensão. Por sua participação nos distúrbios revolucionários na Universidade de Kiev, Berdiaev se viu em uma forma suave de exílio interno entre 1902 e 1904. A partir de então, e especialmente após a Revolução de 1905, ele desenvolveu uma movimentada carreira de professor, ativista social e personalidade pública que só terminou com sua morte em 1948. Tudo isso era coerente com a posição de Berdiaev como um intelligent, um membro de uma intelligentsia formada por várias classes. Do palanque à cátedra, sua missão era ajudar os camponeses e as classes inferiores russas a encontrar seu lugar em um sistema social mais digno e justo que aquele representado pelo czarismo.

Berdiaev conheceu Lidia, filha de um notário, em Kiev em 1904, logo após seu retorno do exílio e da libertação dela da prisão. As duas jovens Trushev eram bem-educadas, e tinham passado cerca de um ano em Paris aperfeiçoando sua formação. Mas, ao estilo da classe média russa, Lidia e Evgenia também eram socialmente conscientes, e no final da adolescência tinham aderido ao modelo populista de “ir até o povo” e foram dar aulas de assuntos gerais e consciência política no interior atrasado. Após se entregarem a “atividades revolucionárias” em 1903, passaram três meses na prisão, onde fizeram uma greve de fome.


O Oráculo tem como mostrar um pedaço do livro de Saramago no qual ele apresenta o princípio da cegueira nas pessoas? É uma coisa simbólica avessa ao Iluminismo dos nossos dias.

 
A equipe do Oráculo buscou nas páginas da obra e encontrou vários encartes. Veja um deles logo abaixo.


Apreciados como neste momento é possível, apenas de relance, os olhos do homem parecem sãos, a íris apresenta-se nítida, luminosa, a esclerótica branca, compacta como porcelana. As pálpebras arregaladas, a pele crispada da cara, as sobrancelhas de repente revoltas, tudo isso, qualquer o pode verificar, é que se descompôs pela angústia. Num movimento rápido, o que estava à vista desapareceu atrás dos punhos fechados do homem, como se ele ainda quisesse reter no interior do cérebro a última imagem recolhida, uma luz vermelha, redonda, num semáforo. Estou cego, estou cego, repetia com desespero enquanto o ajudavam a sair do carro, e as lágrimas, rompendo, tomaram mais brilhantes os olhos que ele dizia estarem mortos. Isso passa, vai ver que isso passa, às vezes são nervos, disse uma mulher. O semáforo já tinha mudado de cor, alguns transeuntes curiosos aproximavam-se do grupo, e os condutores lá de trás, que não sabiam o que estava a acontecer, protestavam contra o que julgavam ser um acidente de trânsito vulgar, farol partido, guarda-lamas amolgado, nada que justificasse a confusão, Chamem a polícia, gritavam, tirem daí essa lata. O cego implorava, Por favor, alguém que me leve a casa. A mulher que falara de nervos foi de opinião que se devia chamar uma ambulância, transportar o pobrezinho ao hospital, mas o cego disse que isso não, não queria tanto, só pedia que o encaminhassem até à porta do prédio onde morava, Fica aqui muito perto, seria um grande favor que me faziam. E o carro, perguntou uma voz. Outra voz respondeu, A chave está no sítio, põe-se em cima do passeio. Não é preciso, interveio uma terceira voz, eu tomo conta do carro e acompanho este senhor a casa. Ouviram-se murmúrios de aprovação. O cego sentiu que o tomavam pelo braço, Venha, venha comigo, dizia-lhe a mesma voz. Ajudaram-no a sentar-se no lugar ao lado do condutor, puseram-lhe o cinto de segurança, Não vejo, não vejo, murmurava entre o choro, Diga-me onde mora, pediu o outro. Pelas janelas do carro espreitavam caras vorazes, gulosas da novidade. O cego ergueu as mãos diante dos olhos, moveu-as, Nada, é como se estivesse no meio de um nevoeiro, é como se tivesse caído num mar de leite, Mas a cegueira não é assim, disse o outro, a cegueira dizem que é negra, Pois eu vejo tudo branco, Se calhar a mulherzinha tinha razão, pode ser coisa de nervos, os nervos são o diabo, Eu bem sei o que é, uma desgraça, sim, uma desgraça, Diga-me onde mora, por favor, ao mesmo tempo ouviu-se o arranque do motor. Balbuciando, como se a falta de visão lhe tivesse enfraquecido a memória, o cego deu uma direcção, depois disse, Não sei como lhe hei-de agradecer, e o outro respondeu, Ora, não tem importância, hoje por si, amanhã por mim, não sabemos para o que estamos guardados, Tem razão, quem me diria, quando saí de casa esta manhã, que estava para me acontecer uma fatalidade como esta. Estranhou que continuassem parados, Por que é que não andamos, perguntou, O sinal está no vermelho, respondeu o outro, Ah, fez o cego, e pôs-se a chorar outra vez. A partir de agora deixara de poder saber quando o sinal estava vermelho.

Tal como o cego havia dito, a casa ficava perto. Mas os passeios estavam todos ocupados por automóveis, não encontraram espaço para arrumar o carro, por isso foram obrigados a ir procurar sítio numa das ruas transversais. Ali, como por causa da estreiteza do passeio a porta do assento ao lado do condutor ia ficar a pouco mais de um palmo da parede, o cego, para não passar pela angústia de arrastar-se de um assento ao outro, com a alavanca da caixa de velocidades e o volante a atrapalhá-lo, teve de sair primeiro. Desamparado, no meio da rua, sentindo que o chão lhe fugia debaixo dos pés, tentou conter a aflição que lhe subia pela garganta. Agitava as mãos à frente da cara, nervosamente, como se nadasse naquilo a que chamara um mar de leite, mas a boca já se lhe abria para lançar um grito de socorro, foi no último momento que a mão do outro lhe tocou de leve no braço, Acalme-se, eu levo-o. Foram andando muito devagar, com o medo de cair o cego arrastava os pés, mas isso fazia-o tropeçar nas irregularidades da calçada, Tenha paciência, já estamos quase a chegar, murmurava o outro, e um pouco mais adiante perguntou, Está alguém em sua casa que possa tomar conta de si, e o cego respondeu, Não sei, a minha mulher ainda não deve ter vindo do trabalho, eu hoje é que calhei sair mais cedo, e logo me sucede isto, Verá que não vai ser nada, nunca ouvi dizer que alguém tivesse ficado cego assim de repente, Que eu até me gabava de não usar óculos, nunca precisei, Então, já vê. Tinham chegado à porta do prédio, duas mulheres da vizinhança olharam curiosas a cena, vai ali aquele vizinho levado pelo braço, mas nenhuma delas teve a ideia de perguntar, Entrou-lhe alguma coisa para os olhos, não lhes ocorreu, e tão-pouco ele lhes poderia responder, Sim, entrou-me um mar de leite. Já dentro do prédio, o cego disse, Muito obrigado, desculpe o transtorno que lhe causei, agora eu cá me arranjo, Ora essa, eu subo consigo, não ficaria descansado se o deixasse aqui. Entraram dificilmente no elevador apertado, Em que andar mora, No terceiro, não imagina quanto lhe estou agradecido, Não me agradeça, hoje por si, Sim, tem razão, amanhã por si. O elevador parou, saíram para o patamar, Quer que o ajude a abrir a porta, Obrigado, isso eu acho que posso fazer. Tirou do bolso um pequeno molho de chaves, tacteou-as, uma por uma, ao longo do denteado, disse, Esta deve de ser, e, apalpando a fechadura com as pontas dos dedos da mão esquerda, tentou abrir a porta, Não é esta, Deixe-me cá ver, eu ajudo-o. A porta abriu-se à terceira tentativa. Então o cego perguntou para dentro, Estás aí. Ninguém respondeu, e ele, Era o que eu dizia, ainda não veio. Levando as mãos adiante, às apalpadelas, passou para o corredor, depois voltou-se cautelosamente, orientando a cara na direcção em que calculava encontrar-se o outro, Como poderei agradecer-lhe, disse, Não fiz mais que o meu dever, justificou o bom samaritano, não me agradeça, e acrescentou, Quer que o ajude a instalar-se, que lhe faça companhia enquanto a sua mulher não chega. O zelo pareceu de repente suspeito ao cego, evidentemente não iria deixar entrar em casa uma pessoa desconhecida que, no fim de contas, bem poderia estar a tramar, naquele preciso momento, como haveria de reduzir, atar e amordaçar o infeliz cego sem defesa, para depois deitar a mão ao que encontrasse de valor. Não é preciso, não se incomode, disse, eu fico bem, e repetiu enquanto ia fechando a porta lentamente, Não é preciso, não é preciso.


Como estava a Europa no início do século XX? Isso é importante para o estudo dos contextos filosóficos.

 
A resposta do Oráculo vem do livro Uma Breve História do Século XX, de Geoffrey Blainey. Confira abaixo.


A Europa dominava uma grande porção do mundo. A maior parte da frota mundial de navios mercantes ou de guerra navegava sob bandeira britânica, alemã ou francesa. O continente concentrava algumas das maiores cidades do mundo, com seus palácios famosos, seus museus, suas galerias de arte e suas universidades. A maioria das estradas de ferro e linhas telegráficas era construída ou financiada por companhias européias. Quase todas as principais ilhas eram províncias ou colônias do império britânico, da Holanda, da França, de Portugal, da Espanha ou da Alemanha. A quase totalidade da África e praticamente todas as ilhas do Pacífico estavam sob domínio europeu. Na Ásia, os únicos grandes países não subjugados pela Europa eram a China e o Japão.

O império britânico, o maior já conhecido pelo mundo, ainda não havia atingido seu auge. Detinha uma impressionante parte de cada continente habitado e um cordão de ilhas em cada oceano. No ano de 1900, dominava os mares, com barcos carvoeiros no Mar do Norte, navios de passageiros rumo a portos distantes e tramp steamers com "chaminés empastadas de sal". O império britânico e a China tinham, cada um, 400 milhões de habitantes, abrigando, em conjunto, metade da população mundial.

Evoluindo de modo desordenado, esse império era diferente de todos os anteriores. Em algumas colônias, os representantes britânicos eram extremamente poderosos, enquanto em outras não passavam de simples figuras protocolares. No Egito, os oficiais britânicos de maior patente tomavam as decisões, mas assentiam que altivos "paxás", fumando suas cigarrilhas em suntuosos escritórios, desfrutassem do prestígio. Por outro lado, Canadá, Austrália e Nova Zelândia dispunham de grande autonomia, e seus parlamentos representavam mais fielmente o povo do que o próprio parlamento britânico. Esses países cada vez mais financiavam seus próprios exército e marinha, embora aceitassem a liderança britânica em caso de guerra. Em situação diametralmente oposta estavam as colônias da África e da Ásia, as quais não possuíam parlamento, juízes locais ou oficiais de alta patente, dependendo grandemente, em termos econômicos, da Grã-Bretanha.

O crescimento do império russo se deu de forma tão acelerada que ficou difícil diferenciar, nos mapas, a velha Rússia do novo império. O império russo se estendeu desde o Mar Báltico até o Oceano Pacífico. Era tão vasto que um de seus pontos limítrofes em um dos lados fazia fronteira com a Turquia e a Pérsia, enquanto o outro fazia divisa com a Coréia. Em tamanho, somente o império britânico o excedia. Um indício de quanto essa parte do império russo era recente: até 1860, a bandeira russa não tremulava em portos como o de Vladivostok, no Oceano Pacífico, ou o de Batumi, no Mar Negro. Mas, no início do século, a ferrovia transiberiana estendia-se ao leste, chegando ao Lago Baikal, na Sibéria, e logo atingindo o Oceano Pacífico. Tal abrangência deu a alguns observadores a sensação de que o século que se iniciava seria da Rússia.

A Alemanha era um império de feições mais jovens. Com apenas alguns pontos nos mapas de 1880, tomava a forma de um quebra-cabeça que chamava a atenção. Soldados, administradores, missionários e mercadores alemães haviam ocupado partes das costas oeste e leste da África e de Nova Guiné, bem como cordões de ilhas nas cercanias. No outro lado do Oceano Pacífico, próximo ao Equador, estavam a Samoa alemã, a Nauru alemã, bem como outros postos avançados. A distância entre algumas colônias alemãs era tamanha que um inspetor vindo de Berlim, ao fazer a inspeção anual dos escritórios de correios das colônias e usando somente os navios do serviço postal, poderia levar até oito meses para passar por todas elas. Uma vez que a Alemanha havia se tornado uma potência colonial, era necessário que formasse uma marinha de guerra – e essa poderosa força naval foi fator de instabilidade na Europa durantes os primeiros anos do século.

A França era um império mais antigo, fruto de mais de trezentos anos de colonização. Após a Grã-Bretanha, era o império mais difundido. Compreendendo a Indochina tropical e retalhos de pequenas colônias nas Américas do Norte e do Sul, o império francês detinha grande parte da África, incluindo uma série de províncias na costa sul do Mediterrâneo. Suas ilhas no Pacífico se estendiam desde a Nova Caledônia, uma das principais fontes de níquel do mundo, até o exótico Taiti. O território francês tinha somente a metade do tamanho do império russo, mas alcançava todos os grandes oceanos do mundo. Talvez não passasse de 20 o número de cidadãos franceses que já haviam visitado todas as colônias habitadas pertencentes a seu país. Tal declaração pode ser feita com uma boa dose de certeza, uma vez que a ilha dos baleeiros de Kerguelen jazia em total isolamento nos agitados mares do sul do Oceano Índico.

Um vasto império que muitos acreditavam estar à beira da ruína era o otomano. Com governo sediado em Constantinopla, fazia fronteira com as costas do Mediterrâneo, do Mar Negro, do Mar Vermelho e do Golfo Pérsico. Havia séculos que se encontrava cambaleante, sem, no entanto, sucumbir. Sua resistência periclitante, sua hesitação e sua indecisão iriam determinar a eclosão da Primeira Guerra Mundial.

A China, pródiga em recursos, cochilava enquanto diplomatas e negociantes europeus a cobiçavam. A mais populosa nação do mundo corria o risco de ser alvo de negociação por parte de potências estrangeiras, que a dividiriam. Derrotada pelo refeito Japão na guerra de 1894-95, a China permanecia intacta graças, em boa parte, a sua sorte. Em resumo, as ambiciosas nações européias e os Estados Unidos não conseguiram chegar a um acordo sobre a anexação e o controle do território chinês. Portos chineses, como os de Xangai, Macau e Hong Kong, já estavam sob o controle da Europa, e Taiwan havia sido recentemente anexado pelo Japão.

Os impérios europeus pareciam poderosos em 1900 e continuavam ávidos por expansão. Tudo entraria em colapso ao longo do século.


No livro 1808, de Laurentino Gomes, existe algum trecho que mencione como os portugueses se sentiram com a fuga da família real?

 
A equipe do Oráculo pesquisou o assunto e encontrou uma passagem sobre o tema. Acompanhe a seguir.



Imagine que, num dia qualquer, os brasileiros acordassem com a notícia de que o presidente da República havia fugido para a Austrália, sob a proteção de aviões da Força Aérea dos Estados Unidos. Com ele, teriam partido, sem aviso prévio, todos os ministros, os integrantes dos tribunais superiores de Justiça, os deputados e senadores e alguns dos maiores líderes empresariais. E mais: a esta altura, tropas da Argentina já estariam marchando sobre Uberlândia, no Triângulo Mineiro, a caminho de Brasília. Abandonado pelo governo e todos os seus dirigentes, o Brasil estaria à mercê dos invasores, dispostos a saquear toda e qualquer propriedade que encontrassem pela frente e assumir o controle do país por tempo indeterminado.

Provavelmente, a primeira sensação dos brasileiros diante de uma notícia tão inesperada seria de desamparo e traição. Depois, de medo e revolta.

E foi assim que os portugueses reagiram na manhã de 29 de novembro de 1807, quando circulou a informação de que a rainha, o príncipe regente e toda a corte estavam fugindo para o Brasil sob a proteção da Marinha britânica. Nunca algo semelhante tinha acontecido na história de qualquer outro país europeu. Em tempos de guerra, reis e rainhas haviam sido destronados ou obrigados a se refugiar em territórios alheios, mas nenhum deles tinha ido tão longe a ponto de cruzar um oceano para viver e reinar do outro lado do mundo. Embora os europeus dominassem colônias imensas em diversos continentes, até aquele momento nenhum rei havia colocado os pés em seus territórios ultramarinos para uma simples visita — muito menos para ali morar e governar. Era, portanto, um acontecimento sem precedentes tanto para os portugueses, que se achavam na condição de órfãos de sua monarquia da noite para o dia, como para os brasileiros, habituados até então a ser tratados como uma simples colônia extrativista de Portugal.

No caso dos portugueses, além da surpresa da notícia, havia um fator que agravava a sensação de abandono. Duzentos anos atrás, a noção de Estado, governo e identidade nacional era bem diferente da que se tem hoje. Ainda não existia em Portugal a idéia de que todo poder emana do povo e em seu nome é exercido — o princípio fundamental da democracia. No Brasil de hoje, se, por uma circunstância inesperada, todos os governantes fugissem do país, o povo ainda teria a prerrogativa de se reunir e eleger um novo presidente, deputados e senadores, de modo a recompor imediatamente o Estado e seu governo. As próprias empresas, depois de um período de incerteza pela ausência de seus donos ou dirigentes, poderiam se reorganizar e continuar funcionando. Em Portugal de 1807 não era assim. Sem o rei, o país ficava à míngua e sem rumo. Dele dependiam toda a atividade econômica, a sobrevivência das pessoas, o governo, a independência nacional e a própria razão de ser do Estado português.

Para complicar ainda mais a situação, Portugal era um dos países mais atrasados da Europa no que diz respeito às idéias e reformas políticas. Ao contrário da Inglaterra e da Holanda, em que a realeza ia gradativamente perdendo espaço para os grupos representados no Parlamento, em Portugal ainda vigorava o regime de monarquia absoluta. Ou seja, o rei tinha o poder total.1 Cabia a ele não só criar as leis, mas também executá-las e interpretá-las da forma que julgasse mais adequada. Os juízes e as câmaras municipais existentes funcionavam como meros braços auxiliares do monarca, que podia desautorizar suas opiniões e decisões a qualquer momento.

Essa noção ajuda a explicar a sensação de desamparo e perda irreparável que os portugueses sentiram nas ruas de Lisboa naquela manhã fria do final do outono. Com a fuga do rei, Portugal deixava de ser Portugal, um país independente, com governo próprio. Passava a ser um território vazio e sem identidade. Seus habitantes ficavam entregues aos interesses e à cobiça de qualquer aventureiro que tivesse força para invadir suas cidades e assumir o trono.

Por que o rei fugia?

Antes de explicar a fuga, é importante esclarecer que, nessa época, o trono de Portugal não era ocupado por um rei, mas por um príncipe regente. D. João reinava em nome de sua mãe, D. Maria I. Declarada insana e incapaz de governar, a rainha vivia trancafiada no Palácio de Queluz, a cerca de dez quilômetros de Lisboa. Segundo filho da rainha louca, D. João não tinha sido educado para dirigir os destinos do país. Seu irmão mais velho e herdeiro natural do trono, D. José, havia morrido de varíola em 1788, aos 27 anos.2 Além de despreparado para reinar, D. João era um homem solitário às voltas com sérios problemas conjugais. Em 1807, fazia três anos que vivia separado da mulher, a princesa Carlota Joaquina, uma espanhola geniosa e mandona com quem tivera nove filhos, um dos quais havia morrido antes de completar um ano. O casal, que se odiava profundamente, dormia não apenas em camas separadas, mas em palácios diferentes e distantes um do outro. Carlota morava em Queluz, com a rainha louca. D. João, em Mafra, na companhia de centenas de frades e monges que viviam à custa da monarquia portuguesa.

Situado a cerca de trinta quilômetros de Lisboa, o Palácio de Mafra era um dos ícones dos tempos de glória e abundância do império colonial português. Mistura de palácio, igreja e convento, tinha 264 metros de fachada, 5200 portas e janelas e 114 sinos. O refeitório media cem metros de comprimento. Sua construção levou 34 anos e chegou a mobilizar 45 000 homens. O mármore tinha vindo da Itália. A madeira, do Brasil. Ficou pronto em 1750, no auge da produção de ouro e diamantes em Minas Gerais.3 Além dos aposentos da corte e de seus serviçais, havia trezentas celas usadas para alojar centenas de frades. Era nesse edifício gigantesco e sombrio que D. João passava seus dias longe da família, entre reuniões com os ministros do governo e missas, orações e cânticos religiosos.

O príncipe regente era tímido, supersticioso e feio. O principal traço de sua personalidade e que se refletia no trabalho, no entanto, era a indecisão. Espremido entre grupos com opiniões conflitantes, relutava até o último momento a fazer escolhas. As providências mais elementares do governo o atormentavam e angustiavam para além dos limites. Por isso, costumava delegar tudo aos ministros que o rodeavam. Em novembro de 1807, porém, D. João foi colocado contra a parede e obrigado a tomar a decisão mais importante da sua vida. A fuga para o Brasil foi resultado da pressão irresistível exercida sobre ele pelo maior gênio militar que o mundo havia conhecido desde os tempos dos césares do Império Romano: Napoleão Bonaparte.

Em 1807, o imperador francês era o senhor absoluto da Europa. Seus exércitos haviam colocado de joelhos todos os reis e rainhas do continente, numa sucessão de vitórias surpreendentes e brilhantes. Só não haviam conseguido subjugar a Inglaterra. Protegidos pelo Canal da Mancha, os ingleses tinham evitado o confronto direto em terra com as forças de Napoleão. Ao mesmo tempo, haviam se consolidado como os senhores dos mares na batalha de Trafalgar, em 1805, quando sua Marinha de guerra, sob o comando de Lord Nelson, destruiu, na entrada do Mediterrâneo, as esquadras combinadas da França e da Espanha.4 Napoleão reagiu decretando o bloqueio continental, medida que previa fechamento dos portos europeus ao comércio de produtos britânicos. Suas ordens foram imediatamente obedecidas por todos os países, com uma única exceção: o pequeno e desprotegido Portugal. Pressionado pela Inglaterra, sua tradicional aliada, D. João ainda relutava em ceder às exigências do imperador. Por essa razão, em novembro de 1807 tropas francesas marchavam em direção à fronteira de Portugal, prontas para invadir o país e destronar seu príncipe regente.



Alguém deu sugestões sobre como podemos escrever um texto surrealista?

 
O Oráculo traz as considerações de André Breton, em seus ensaios, a seguir.



Mande trazer com que escrever, quando já estiver colocado no lugar mais favorável possível para concentração do seu espírito sobre si mesmo. Ponha-se no estado mais passivo, ou receptivo, dos talentos de todos os outros. Pense que a literatura é um dos mais tristes caminhos que levam a tudo. Escreva depressa, sem assunto preconcebido, bastante depressa para não reprimir, e para fugir à tentação de se reler. A primeira frase vem por si, tanto é verdade que a cada segundo há uma frase estranha ao nosso pensamento consciente, pedindo para ser exteriorizada. É bastante difícil decidir sobre a frase seguinte: ela participa, sem dúvida, a um só tempo, de nossa atividade consciente e da outra, admitindo-se que o fato de haver escrito a primeira supõe um mínimo de percepção. Isto não lhe importa, aliás; é aí que reside, em maior parte, o interesse do jogo surrealista. A verdade é que a pontuação se opõe, sem dúvida, à continuidade absoluta do vazamento que nos interessa, se bem que ela pareça tão necessária quanto a distribuição dos nós numa corda vibrante. Continue enquanto lhe apraz. Confie no caráter inesgotável do murmúrio. Se o silêncio ameaça cair, por uma falta da inatenção, digamos, que o leve a cometer um pequeno erro, não hesite em cortar uma linha muito clara. Após uma palavra cuja origem lhe pareça suspeita, ponha uma letra qualquer, a letra l, por exemplo, sempre a letra l, restabeleça o arbitrário, impondo esta letra como inicial à palavra que vem a seguir.


O que Heidegger nos diz do termo Filosofia?

 
Uma das respostas está em sua obra Que é Isso, a Filosofia? (QU’EST-CE QUE LA PHILOSOPHIE?). Vejamos a seguir.



A palavra grega philosophía remonta à palavra philósophos. Originariamente esta palavra é um adjetivo como philárgyros, o que ama a prata, como philótimos, o que ama a honra. A palavra philósophos foi presumivelmente criada por Heráclito. Isto quer dizer que para Heráclito ainda não existe a philosophía. Um anèr philósophos não é um homem ‘filosófico’. O adjetivo grego philósophos significa algo absolutamente diferente que os adjetivos filosófico, philosophique. Um anèr philósophos é aquele, hòs philei tá sophón; philein, que ama a sophón significa aqui, no sentido de Heráclito: ho¬mologein, falar assim como o Lógos fala, quer dizer, corresponder ao Lógos. Este corresponder está em acordo com o sophón. Acordo é harmonia. O elemento específico de philein do amor, pensado por Heráclito, é a harmonia que se revela na recíproca integração de dois seres, nos laços que os unem origina¬riamente numa disponibilidade de um para com o outro.
O anèr philósophos ama o sophón. O que esta palavra diz para Heráclito é difícil traduzir. Podemos, porém, elucidá-lo a partir da própria explicação de Heráclito. De acordo com isto, tá sophón significa: Hèn Pánta ‘Um (é) Tudo. Tudo quer dizer aqui: Pánta tà ónta, a totalidade, o todo do ente. Hèn, o Um, designa: o que é um, o único, o que tudo une. Unido é, entretanto, todo o ente no ser. O sophón significa: todo ente é no ser. Dito mais precisamente: o ser é o ente. Nesta locução, o “é” traz uma carga transitiva e designa algo assim como “recolhe”. O ser recolhe o ente pelo fato de que é o ente. O ser é o recolhimento — Lógos.
Todo o ente é no ser. Ouvir tal coisa soa de modo trivial em nosso ouvido, quando não de modo ofensivo. Pois, pelo fato de o ente ter seu lugar no ser, ninguém precisa preocupar-se. Todo mundo sabe: ente é aquilo que é. Qual a outra solução para o ente a não ser esta: ser? E entretanto: precisamente isto, que o ente permaneça recolhido no ser, que no fenômeno do ser se manifesta o ente; isto jogava os gregos, e a eles primeiro unicamente, no espanto. Ente no ser: isto se tomou para os gregos o mais espantoso.
Entretanto, mesmo os gregos tiveram que salvar e proteger o poder de espanto deste mais espantoso — contra o ataque do entendimento sofista, que dispunha logo de uma explicação, compreensível para qual¬quer um, para tudo e a difundia. A salvação do mais espantoso — ente no ser — se deu pelo fato de que alguns se fizeram a caminho na sua direção, quer dizer, do sophón. Estes tomaram-se por isto aqueles que tendiam para o sophón e que através de sua própria aspiração despertavam nos outros homens o anseio pelo sophón e o mantinham aceso. O philein tà sophón, aquele acordo com o sophón de que falamos acima, a harmonia, transformou-se em órecsis, num aspirar pelo sophón. O sophón — o ente no ser — é agora propriamente procurado. Pelo fato de o philein não ser mais um acordo originário com o sophón, mas um singular aspirar pelo sophón, o philein tò sophón torna-se “philosophía”. Esta aspiração é determinada pelo Éros.


Qual a origem da Filosofia?

 
O Oráculo mostra a opinião de Marilena Chauí sobre o assunto.




A Filosofia, entendida como aspiração ao conhecimento racional, lógico e sistemático da realidade natural e humana, da origem e causas do mundo e de suas transformações, da origem e causas das ações humanas e do próprio pensamento, é um fato tipicamente grego.

Evidentemente, isso não quer dizer, de modo algum, que outros povos, tão antigos quanto os gregos, como os chineses, os hindus, os japoneses, os árabes,os persas, os hebreus, os africanos ou os índios da América não possuam
sabedoria, pois possuíam e possuem. Também não quer dizer que todos esses povos não tivessem desenvolvido o pensamento e formas de conhecimento da Natureza e dos seres humanos, pois desenvolveram e desenvolvem.

Quando se diz que a Filosofia é um fato grego, o que se quer dizer é que ela possui certas características, apresenta certas formas de pensar e de exprimir os
pensamentos, estabelece certas concepções sobre o que sejam a realidade, o pensamento, a ação, as técnicas, que são completamente diferentes das características desenvolvidas por outros povos e outras culturas.

Vejamos um exemplo. Os chineses desenvolveram um pensamento muito profundo sobre a existência de coisas, seres e ações contrários ou opostos, que formam a realidade. Deram às oposições o nome de dois princípios: Yin e Yang.

Yin é o princípio feminino passivo na Natureza, representado pela escuridão, o frio e a umidade; Yang é o princípio masculino ativo na Natureza, representado
pela luz, o calor e o seco. Os dois princípios se combinam e formam todas as coisas, que, por isso, são feitas de contrários ou de oposições. O mundo, portanto,
é feito da atividade masculina e da passividade feminina.
Tomemos agora um filósofo grego, por exemplo, o próprio Pitágoras. Que diz ele? Que a Natureza é feita de um sistema de relações ou de proporções matemáticas produzidas a partir da unidade (o número 1 e o ponto), da oposição
entre os números pares e ímpares, e da combinação entre as superfícies e os volumes (as figuras geométricas), de tal modo que essas proporções e combinações aparecem para nossos órgãos dos sentidos sob a forma de qualidades contrárias: quente-frio, seco-úmido, áspero-liso, claro-escuro, grandepequeno, doce-amargo, duro-mole, etc. Para Pitágoras, o pensamento alcança a realidade em sua estrutura matemática, enquanto nossos sentidos ou nossa
percepção alcançam o modo como a estrutura matemática da Natureza aparece para nós, isto é, sob a forma de qualidades opostas.

Qual a diferença entre o pensamento chinês e o do filósofo grego? O pensamento chinês toma duas características (masculino e feminino) existentes em alguns seres (os animais e os humanos) e considera que o Universo inteiro é feito da oposição entre qualidades atribuídas a dois sexos diferentes, de sorte que o mundo é organizado pelo princípio da sexualidade animal ou humana.

O pensamento de Pitágoras apanha a Natureza numa generalidade muito mais ampla do que a sexualidade própria a alguns seres da Natureza, e faz distinção entre as qualidades sensoriais que nos aparecem e a estrutura invisível da Natureza, que, para ele, é de tipo matemático e alcançada apenas pelo intelecto, ou inteligência.
São diferenças desse tipo, além de muitas outras, que nos levam a dizer que existe uma sabedoria chinesa, uma sabedoria hindu, uma sabedoria dos índios, mas não há filosofia chinesa, filosofia hindu ou filosofia indígena.
Em outras palavras, Filosofia é um modo de pensar e exprimir os pensamentos que surgiu especificamente com os gregos e que, por razões históricas e políticas,
tornou-se, depois, o modo de pensar e de se exprimir predominante da chamada cultura européia ocidental da qual, em decorrência da colonização portuguesa do Brasil, nós também participamos.

Através da Filosofia, os gregos instituíram para o Ocidente europeu as bases e os princípios fundamentais do que chamamos razão, racionalidade, ciência, ética, política, técnica, arte.

Aliás, basta observarmos que palavras como lógica, técnica, ética, política, monarquia, anarquia, democracia, física, diálogo, biologia, cronologia, gênese, genealogia, cirurgia, ortopedia, pedagogia, farmácia, entre muitas outras, são palavras gregas, para percebermos a influência decisiva e predominante da Filosofia grega sobre a formação do pensamento e das instituições das sociedades européias ocidentais.

É por isso que, em decorrência do predomínio da economia capitalista criada pelo Ocidente e que impõe um certo tipo de desenvolvimento das ciências e das técnicas, falamos, por exemplo, em ?ocidentalização dos chineses?, ?ocidentalização dos árabes?, etc. Com isso queremos significar que modos de pensar e de agir, criados no Ocidente pela Filosofia grega, foram incorporados
até mesmo por culturas e sociedades muito diferentes daquela onde nasceu a Filosofia.


Qual é o valor da Filosofia?

 
O Oráculo traz a opinião de Bertrand Russell, em Os Problemas da Filosofia, no capítulo XV, de 1912, em tradução de Jaimir Conte.


O valor da filosofia, na realidade, deve ser buscado, em grande medida, na sua própria incerteza. O homem que não tem umas tintas de filosofia caminha pela vida afora preso a preconceitos derivados do senso comum, das crenças habituais de sua época e do seus país, e das convicções que cresceram no seu espírito sem a cooperação ou o consentimento de uma razão deliberada. Para tal homem o mundo tende a tornar-se finito, definido, óbvio; para ele os objetos habituais não levantam problemas e as possibilidades infamiliares são desdenhosamente rejeitadas. Quando começamos a filosofar, pelo contrário, imediatamente nos damos conta (como vimos nos primeiros capítulos deste livro) de que até as coisas mais ordinárias conduzem a problemas para os quais somente respostas muito incompletas podem ser dadas. A filosofia, apesar de incapaz de nos dizer com certeza qual é a verdadeira resposta para as dúvidas que ela própria levanta, é capaz de sugerir numerosas possibilidades que ampliam nossos pensamentos, livrando-os da tirania do hábito. Desta maneira, embora diminua nosso sentimento de certeza com relação ao que as coisas são, aumenta em muito nosso conhecimento a respeito do que as coisas podem ser; ela remove o dogmatismo um tanto arrogante daqueles que nunca chegaram a empreender viagens nas regiões da dúvida libertadora; e vivifica nosso sentimento de admiração, ao mostrar as coisas familiares num determinado aspecto não familiar.
Além de sua utilidade ao mostrar insuspeitadas possibilidades, a filosofia tem um valor - talvez seu principal valor - por causa da grandeza dos objetos que ela contempla, e da liberdade proveniente da visão rigorosa e pessoal resultante de sua contemplação. A vida do homem reduzido ao instinto encerra-se no círculo de seus interesses particulares; a família e os amigos podem ser incluídos, mas o resto do mundo para ele não conta, exceto na medida em que ele pode ajudar ou impedir o que surge dentro do círculo dos desejos instintivos. Em tal vida existe alguma coisa que é febril e limitada, em comparação com a qual a vida filosófica é serena e livre. Situado em meio de um mundo poderoso e vasto que mais cedo ou mais tarde deverá deitar nosso mundo privado em ruínas, o mundo privado dos interesses instintivos é muito pequeno. A não ser que ampliemos o nosso interesse de maneira a incluir todo o mundo externo, ficaremos como uma guarnição numa praça sitiada, sabendo que o inimigo não a deixará fugir e que a capitulação final é inevitável. Não há paz em tal vida, mas uma luta contínua entre a insistência do desejo e a impotência da vontade. De uma maneira ou de outra, se pretendemos uma vida grande e livre, devemos escapar desta prisão e desta luta.

   

Como referenciar: "Oráculo" em Só Filosofia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 28/11/2024 às 02:47. Disponível na Internet em http://filosofia.com.br/oraculo_resposta.php?pg=22