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Oráculo

Responsável - Lúcio Packter, filósofo formado pela PUC-Fafimc, de Porto Alegre.


O que diz Édipo quando retira os próprios olhos?

 
A peça de Sófocles é contundente em diversos aspectos. A seguir, o trecho solicitado pelo leitor.

Vimos então, ali, a rainha, suspensa ainda pela corda que a estrangulava... Diante dessa visão horrenda, o desgraçado solta novos e lancinantes brados, desprende o laço que a sustinha, e a mísera mulher caiu por terra. A nosso olhar se
apresenta, logo em seguida, um quadro ainda mais atroz: Édipo toma seu manto, retira dele os colchetes de ouro com que o prendia, e com a ponta recurva arranca das órbitas os olhos, gritando: "Não quero mais ser testemunha de minhas desgraças, nem de meus crimes! Na treva, agora, não mais verei aqueles a quem nunca deveria ter visto, nem conhecerei aqueles que não quero mais reconhecer!" Soltando novos gritos, continua a revolver e macerar suas pálpebras sangrentas, de cuja cavidade o sangue rolava até o queixo e não em gotas, apenas, mas num jorro abundante. Assim confundiram, marido e mulher, numa só desgraça, as suas desgraças! Outrora gozaram uma herança de felicidade; mas agora nada mais resta senão a maldição, a morte, a vergonha, não lhes faltando um só dos males que podem ferir os mortais.


Para Pascal nós podemos conhecer em essência e completamente as coisas?

 
O leitor pode encontrar uma opinião sobre isso no texto O Homem perante a natureza, de Pascal.


Não procuremos segurança e firmeza. Nossa razão é sempre iludida pela inconstância das aparências e nada pode fixar o finito entre os dois infinitos que o cercam e dele se afastam. Creio que a concepção deste inevitável fará que o homem se conforme com o estado em que a natureza o colocou e o mantenha tranqüilo. Esse termo médio que nos coube por destino, situa-se sempre os dois extremos, de modo que pouco nos importa tenha o homem maior ou menor inteligência das coisas. Se a tiver as verá apenas de um pouco mais alto. Mas não se achará sempre infinitamente afastado da meta, e a duração de nossa vida não o estará também, infinitamente, afastada da eternidade, embora dure dez anos mais?
Se tivermos em mente estes infinitos, todos os finitos serão iguais; e não vejo razão para assentar a imaginação em um deles e a preferência ao outro. A simples comparação entre nós e o infinito nos acabrunha.
Se o homem procurasse conhecer a si mesmo antes de mais nada, perceberia logo a que ponto é incapaz de alcançar outra coisa.
Como poderia uma parte conhecer o todo? Mas a parte pode ter, pelo menos, a ambição de conhecer as partes, as quais cabem dentro de suas próprias proporções. E como as partes do mundo têm sempre relações íntimas e intimamente se encadeiam, considero impossível compreender ma sem alcançar as outras, e sem penetrar o todo.
O homem, por exemplo, tem relações para durar, de movimento para viver, de elementos que o constituam, de alimentos e calor que o nutram, de ar para respirar; vê a luz, percebe os corpos; em suma, tudo se alia a ele próprio.
Para conhecer o homem, portanto, mister se faz saber de onde vem que precisa de ar para subsistir; e para conhecer o ar é necessário compreender donde provém essa sua relação com a vida do homem, etc. A chama não subsiste sem o ar; o conhecimento de uma coisa, se liga, pois, ao conhecimento de outra. E como todas as coisas são causadoras e causadas, auxiliadoras e auxiliadas, mediatas e imediatas, e todas se acham presas por um vínculo natural e insensível que une as mais afastadas e diferentes, parece-me impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, bem como conhecer o todo sem
entender particularmente as partes. (A eternidade das coisas, em si mesmas ou em Deus, deve assombrar a nossa ínfima duração. A imobilidade fixa e constante da natureza, em comparação com a transformação contínua que se verifica em nós, deve causar o mesmo efeito). E o que completa a nossa incapacidade de conhecer as coisas é o fato de serem simples em si enquanto nós somos complexos de natureza antagônicas e de gêneros diversos, alma e corpo. Pois é impossível que a parte raciocinante de nós mesmos não seja
unicamente espiritual; e se pretenderem que somos tão somente corporais, mais afastarão ainda de nós o conhecimento das coisas, porquanto nada mais será inconcebível do que a matéria conhecer-se a si própria; não podemos conceber de que maneira se conheceria. Assim, se somos simplesmente materiais nada podemos conhecer; e se somos compostos de espírito e matérias não podemos conhecer perfeitamente as coisas simples, espirituais ou corporais.
Donde a confusão generalizada entre os filósofos que misturam as idéias das coisas, falando espiritualmente das coisas corporais e corporalmente das coisas espirituais.


Acho o homem de hoje triste. Algum filósofo atual concordaria comigo?

 
Nossa equipe encontrou uma resposta em uma entrevista de Luc Ferry. Leia a seguir:

Há um descontentamento generalizado no mundo moderno. A sociedade se interessa mais pelos meios em si do que pelos fins. Um olhar sobre o Iluminismo ajuda a compreender esse novo mundo. As mentes mais brilhantes do século XVIII buscavam nas ciências e nas artes emancipar a humanidade do obscurantismo da Idade Média. Tudo era feito com o objetivo de, no fim, alcançar a liberdade e a felicidade. Hoje, o movimento das sociedades não se inspira em ideais superiores em termos de civilização. A sociedade se movimenta no sentido de estabelecer a concorrência acirrada entre todos os indivíduos, sem objetivos finais claros. A história não se move pela aspiração a um mundo melhor, mas pela ação mecânica da competição. O êxito pessoal é o que importa. Precisamos ter poder, dinheiro, um carro novo, uma mulher nova, os filhos mais bonitos, tudo para conseguir o reconhecimento alheio e nos sentir superiores aos outros. Como dizia o filósofo romano Sêneca, enquanto esperamos viver, a vida passa rapidamente.


Darwin. Seguem as comemorações em 2009. O que ler entre tantas publicações?

 
A equipe do Oráculo encontrou muitas e variadas respostas. Publicamos a opinião de Daniel Piza a seguir.

O maior destaque é Evolution - The First Four Billion Years, editado por Michael Ruse e Joseph Travis (Harvard) e prefaciado por outro célebre darwinista, Edward O. Wilson, que diz apostar que o volume será o mais abrangente entre todos os lançamentos do ano de 2009. A primeira parte traz análises do desenvolvimento da teoria nos mais diversos campos de pesquisa, como a origem da vida, a paleontologia, a biologia molecular, a genética, a sociologia e a psicologia. A segunda parte é um utilíssimo guia alfabético de personagens e conceitos da biologia evolutiva.

O ponto comum é a ampla comprovação experimental de suas ideias, ainda que em graus diferentes de uma disciplina para a outra. Darwin deixou claro em A Origem das Espécies que esperava que muito trabalho metódico seria feito para confirmá-la - além do que ele mesmo fez, razão principal pela qual demorou 30 anos para publicar sua teoria em livro. E foi o que aconteceu. A maior controvérsia, porém, é sobre sua aplicação para o estudo do comportamento humano. Em autores como Edward Wilson, trata-se apenas de uma questão de tempo para que se possa explicar 100% materialmente os traços da psique.

Biografias... os trabalhos de Janet Browne e da dupla Adrian Desmond e James Moore sejam tão consistentes. O próprio Desmond acaba de escrever Darwin's Sacred Cause (Houghton Mifflin Harcourt), que se detém na rejeição à escravidão que o gênio vitoriano sentiu ao longo de toda a vida. Apesar de passagens do livro A Descendência do Homem, sem dúvida nenhuma ele não subscreveria teses racistas que se apoiaram no evolucionismo para afirmar a superioridade de uma etnia sobre as demais.

Outro livro é Charles & Emma, de Deborah Heiligman, que trata dos cuidados de Darwin em não atacar a religião em que sua esposa acreditava. Ele sabia que a defesa da seleção natural já era, em si mesma, um golpe no criacionismo. Mas não deixou de articular por correspondência, com nomes como Thomas Huxley, a defesa pública de sua ciência em face do clero. Sua obstinação, por sinal, é clara em todas as suas cartas de 1822 a 1859, reeditadas agora no volume Origins (Cambridge). Em The Young Charles Darwin (Yale) Keith Stewart Thomson mostra como ele, que só teve o "eureca" em 1838, depois da leitura de Malthus, já percebera como geólogo e naturalista do Beagle que as camadas de tempo se confundem, revelando uma história em que a variação é a regra e não a exceção.


Por que Peter Singer é vegetariano?

 
A equipe do Oráculo encontrou em várias partes explicações do filósofo para esta opção. Veja a seguir uma dessas explicações.


Eu me tornei vegetariano faz 35 anos. Naquela época, esse tema era totalmente ignorado pelos filósofos. Toda a questão moral em torno do tratamento de animais não existia para a filosofia. Mas, para mim, essa já era uma questão ética.
Não acho que seja justificável submeter animais a sofrimento só porque gostamos do sabor da carne ou porque estamos acostumados. Mas, infelizmente, é isso que a gente faz quando compra um animal para comer. Gostaria de esclarecer que isso só se aplica a pessoas que têm o suficiente para uma dieta saudável composta só de vegetais. Nunca disse que populações em condições de pobreza, que precisam comer o que puderem para se nutrir, deveriam ser vegetarianas. Quem tem outras opções, no entanto, se continuar a consumir carne, especialmente carne produzida segundo os métodos modernos de criação de gado, será responsável por submeter os animais a um grande sofrimento.


Para Pascal somos também fracos diante da natureza?

 
Você se refere ao texto O Homem Perante a Natureza, de Pascal. Um breve texto no qual o filósofo tece seus argumentos em torno do assunto. Vejamos parte de suas conclusões a seguir.

Quando penso na pequena duração da minha vida, absorvida na
eternidade anterior, no pequeno espaço que ocupa, fundido na imensidade dos espaços que ignora e que me ignoram, aterro-me e me assombro de ver-me aqui e não alhures, pois não há razão alguma para que esteja aqui e não alhures, agora e não em outro qualquer momento. Quem me colocou nessas condições? Por ordem e obra e necessidade de quem me foram designados esse lugar e esse momento?Memoria hospitis unius diei praetereuntis. Ante a cegueira e a miséria do homem, diante do universo mudo, do homem sem luz, abandonado a si mesmo e como que perdido nesse rincão do
universo, sem consciência de quem o colocou aí, nem do que veio fazer, nem do que lhe acontecerá depois da morte, ante o homem incapaz de qualquer conhecimento, invade-me o terror e sinto-me como alguém que levassem, durante o sono, para uma ilha deserta, e espantosa, e aí despertasse ignorante de seu paradeiro e impossibilitado de evadir-se. E maravilho-me de que não se desespere alguém ante tão miserável estado. Vejo outras pessoas ao meu lado,
aparentemente iguais; pergunto-lhes se se acham mais instruídas que eu, e me respondem pela negativa; no entanto, esses miseráveis extraviados se apegam
aos prazeres que encontram em torno de si. Quanto a mim, não consigo afeiçoar-me a tais objetos e, considerando que no que vejo há mais aparência do que outra coisa, procuro descobrir se Deus não deixou algum sinal próprio.
O silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora.
Quantos reinos nos ignoram! Por que são limitados meu conhecimento, minha estatura, a duração de minha vida a cem anos e não a mil? Que motivos levaram a natureza a fazerme
assim, a escolher esse número em lugar de outro qualquer, desde que na infinidade dos números não há razões para tal preferência, nem nada que seja preferível a nada?


Qual a concepção de Darcy Ribeiro sobre os pensadores brasileiros?

 
Várias vezes Darcy Ribeiro fez pronunciamentos sobre os intelectuais do Brasil. Acompanhe uma destas opiniões a seguir.

O intelectual brasileiro raramente foi fiel ao Brasil. Num período de lutas como a da abolição, os intelectuais tiveram a oportunidade única de se colocarem na frente do povo. No início da década de 60, comigo no Ministério da Educação, foi possível levantar com a intelectualidade um movimento formidável que, entre outras coisas, produziu o cinema novo. A tendência do intelectual é acomodar-se. Intelectual não é flor que se cheire. Em nenhum lugar se costuma confiar em intelectual. A Inglaterra nunca pensou que os intelectuais iam salvá-la, tampouco a França.


Há casos de contraste entre um bom padrão de vida e problemas morais na Grécia, como temos hoje?

 
Uma resposta que nossa equipe pesquisou é a de Bertrand Russell, em O Poder Nu. Leia a seguir.


Na Itália renascentista, como na Grécia antiga, um nível muito elevado de civilização se unia a um nível moral muito baixo: ambas as épocas revelaram as maiores alturas do gênio e as maiores profundidades da canalhice e, em ambas, os canalhas e os homens de gênio não são, de modo algum, antagônicos uns aos outros.

Leonardo construiu fortificações para César Bórgia; alguns dos discípulos de Sócrates se achavam entre os piores dos trinta tiranos; os discípulos de Platão andavam metidos em ações vergonhosas em Siracusa, e Aristóteles casou com a neta de um tirano. Em ambas as idades, depois que a arte, a literatura e o assassínio floresceram, lado a lado, durante cêrca de cento e cinqüenta anos, foram extintos juntos, por nações menos civilizadas, mas mais coesas, do Ocidente e do Norte. Em ambos os casos, a perda da independência política não implicava apenas decadência cultural, mas perda da supremacia comercial, seguida de um empobrecimento catastrófico.

   

Como referenciar: "Oráculo" em Só Filosofia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 27/11/2024 às 20:46. Disponível na Internet em http://filosofia.com.br/oraculo_resposta.php?pg=19