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Oráculo

Responsável - Lúcio Packter, filósofo formado pela PUC-Fafimc, de Porto Alegre.


Existe algum filme para cinema sobre Wittgenstein?

 
Derek Jarman, no final da vida, nos propiciou uma bela obra filmada em um estúdio em Waterloo em tons minimalistas. Veja a sinopse do filme Wittgenstein (1993) publicada no site dvdpt.com a seguir.

Este é um retrato invulgar e pleno de humor de um dos mais influentes filósofos do século XX: Ludwig Wittgenstein. A intenção de Derek Jarman é inequívoca: explorar as chaves ideológicas da filosofia e da vida de Wittgenstein, para além do gênio. O filme recupera, com ironia, todo o percurso da vida do filósofo e da sua família, expoente máximo da burguesia austríaca. Retrata ainda toda a luta de Wittgenstein contra a alienação pessoal. O filósofo serviu como voluntário na I Guerra Mundial, foi professor na Áustria rural e operário na União Soviética. Regressa a Cambridge em 1951, onde morrerá vítima de cancro. As últimas palavras de Wittgenstein indiciam o tom irônico com que sempre encarou a sua existência: "Digam a todos que tive uma vida maravilhosa"...


Como era tido o corpo na Idade Média?

 
Encontramos uma resposta que mostra um conflito na questão do corpo. Leia um encarte da obra Corpo na Idade Média, de Jacques Le Goff e Nicolas Truong, a seguir.


Na Idade Média o corpo é, reiteremos, o lugar de um paradoxo. Por um lado, o cristianismo não cessa de reprimi-lo. “O corpo é a abominável roupa da alma”, diz o papa Gregório, o Grande. Por outro, ele é glorificado, sobretudo por meio do corpo padecente de Cristo, sacralizado na Igreja, corpo místico de Cristo. “O corpo é o tabernáculo do Espírito Santo”, diz Paulo. A humanidade cristã repousa tanto sobre o pecado original - transformado na Idade Média em pecado sexual - quanto sobre a encarnação: Cristo se faz homem para redimir os homens de seus pecados. Nas práticas popula­res, o corpo é contido pela ideologia anticorporal do cristianismo institucionalizado, mas resiste à sua repressão.

As três ordens que compõem a sociedade tripartite medie­val, oratores (aqueles que rezam), bellatores (aqueles que combatem) e laboratores (aqueles que trabalham), são em parte definidas por sua relação com o corpo. Os corpos sadios dos padres, que não devem ser nem mutilados nem estropiados; os corpos dos guerreiros, enobrecidos por suas proezas de guerra; os corpos dos trabalhadores, esgotados pela labuta. As relações entre a alma e o corpo são, por sua vez, dialéticas, dinâmicas, e não antagônicas

É preciso lembrar: não é a Idade Média que separa a alma do corpo de maneira radical, mas, sim, a razão clássica do século XVII. Ao mesmo tempo alimentada pelas concepções de Platão, segundo as quais a alma preexiste ao corpo - filosofia que irá alimentar o “desprezo pelo corpo” dos ascetas cristãos, como Orígenes (c. 185-c. 252) -, mas ao mesmo tempo penetrada pelas teses de Aristóteles, segundo o qual “a alma é a forma do corpo”, a Idade Média concebe que “cada homem se compõe, assim, de um corpo, material, criado e mortal, e de uma alma, imaterial, criada e imortal”. Corpo e alma são indissociáveis. “Ele é exterior (foris), ela é interior (intus), e se comunicam através de toda uma rede de influências e signos”, resume Jean-Claude Schmitt. Vetor dos vícios e do pecado original, o corpo também é o vetor da salvação: “O Verbo fez-se carne”, diz a Bíblia. Como um homem, Jesus sofreu.

Mas o que se convencionou chamar Idade Média foi, de início, a época da grande renúncia ao corpo.

As manifestações sociais mais ostensivas, assim como as exultações mais íntimas do corpo, são amplamente reprimidas. É na Idade Média que desaparecem sobretudo as termas, o esporte, assim como o teatro herdado dos gregos e dos romanos; e os próprios anfiteatros, cujo nome passará dos jogos de estádio às disputas do espírito teológico no seio das universidades. Mulher diabolizada; sexualidade controlada; trabalho manual depreciado; homossexualidade no princípio condenada, depois tolerada e enfim banida; riso e gesticulação reprovados; máscaras, maquiagem e travestimentos condenados; luxúria e gula associados... O corpo é considerado a prisão e o veneno da alma. À primeira vista, portanto, o culto do corpo da Antigüidade cede lugar, na Idade Média, a uma derrocada do corpo na vida social.

São os Padres da Igreja que introduzem e fomentam essa grande reviravolta conceitual, com a instauração do mona­quismo. “O ideal ascético” conquista o cristianismo por meio de sua influência na Igreja e se torna o pilar da sociedade monacal, que, na alta Idade Média, buscará se impor como o modelo ideal da vida cristã. Os beneditinos consideram a ascese o “instrumento de restauração da liberdade espiritual e de retorno a Deus”: “É a libertação da alma da argola de ferro e da tirania do corpo.” Existem dois aspectos fundamentais: “A renúncia ao prazer e a luta contra as tentações.”


Antonio, em A Náusea, de Sartre sentia-se sozinho?

 
Provavelmente, em mais de um modo ele vivia suas coisas sem um acompanhamento de si mesmo, sem os outros, mesmo quando ele mesmo e os outros eram a companhia. Leia o encarte a seguir:

Quanto a mim, vivo sozinho, inteiramente só. Nunca falo com ninguém; não recebo nada, não dou nada.Faz já muito tempo que ninguém se preocupa com o que faço. Quando se vive sozinho, já nem mesmo se sabe o que é narrar: a verossimilhança desaparece junto com os amigos.Raramente um homem sozinho sente vontade de rir.Incomoda-me estar só. Gostaria de falar com alguém sobre o que está me acontecendo, antes que seja tarde demais, antes que eu comece a assustar os garotinhos.Nunca como hoje tive o sentimento tão forte de ser alguém sem dimensões secretas, limitado a meu corpo, aos pensamentos superficiais que sobem dele como bolhas. Construo minhas lembranças com meu presente. Sou repelido para o presente, abandonado nele. Tento em vão ir ter com o passado: não posso fugir de mim mesmo.Para que o mais banal dos acontecimentos se torne uma aventura, basta que nos ponhamos a narrá-lo.Quando se vive, nada acontece. Os cenários mudam, as pessoas entram e saem, eis tudo. Nunca há começo. Os dias se sucedem aos dias, sem rima, nem solução: é uma soma monótona e interminável. De quando em quando, chega-se a um total parcial, dizendo: faz três anos que viajo, três anos que estou em Bouville. Também não há fim: nunca deixamos uma mulher, um amigo, uma cidade, de uma só vez. E todos os lugares se parecem: Xangai, Moscou, Argel, ao fim de uma quinzena é tudo igual.


É possível um ataque ao livre arbítrio? É possível dizermos que ele não existe?

 
Pesquisamos algumas respostas. Veja o que diz Paul Davies, professor de filosofia na Universidade Macquarie, em Sydney.


Para os que demonstram ceticismo em relação ao livre-arbítrio, as decisões humanas ou são determinadas pela natureza preexistente da pessoa ou são inteiramente caprichosas. De um modo ou de outro, a genuína liberdade de escolha parece impalpável. Os físicos costumam ser os primeiros a disparar contra o livre-arbítrio. No esquema newtoniano clássico, o universo é um gigantesco mecanismo de relógio, funcionando previsivelmente de acordo com leis determinísticas. De que modo, então, um agente livre atua? Não existe a menor possibilidade, nesse sistema fechado de causalidade, de que uma mente intangível influa na movimentação dos átomos sem que ela, ao mesmo tempo, entre em conflito com as leis físicas. Tampouco a famosa indeterminação da mecânica quântica permite que a mente conquiste o direito de influenciar o mundo da matéria. A incerteza quântica não pode criar liberdade. A liberdade genuína pressupõe que nossa vontade determina de maneira confiável nossos atos.

Para os físicos, o livre-arbítrio não passa de um sentimento subjetivo; a mente não têm nenhuma eficácia causal. Mas, então, de onde vem tal sentimento? No livro The Illusion of Conscious Will (A Ilusão da Vontade Consciente), publicado em 2002, o psicólogo Daniel Wegner, da Universidade Harvard, recorre a engenhosos experimentos em laboratório para mostrar como os voluntários não abdicam da ilusão de que mantêm o controle, mesmo quando seus pensamentos conscientes não são a causa efetiva das ações que observam.

A ascensão da genética moderna também abalou a crença de que os seres humanos nascem livres para moldar seus destinos individuais. Para os cientistas, os genes determinam tanto as nossas mentes como os nossos corpos. Psicólogos evolutivos procuram fundamentar características individuais, como o altruísmo e a agressividade, nos mecanismos darwinistas da mutação aleatória e da seleção natural. "Somos máquinas de sobrevivência — veículos robotizados e cegamente programados para preservar as moléculas egoístas conhecidas como genes", diz o biólogo Richard Dawkins, da Universidade de Oxford.

Aqueles aspectos da mente que não são predeterminados pela genética estão à mercê da "memética". Os "memes" são os equivalentes mentais dos genes — idéias, crenças e modas que se replicam e competem entre si, tal como os genes. A psicóloga britânica Susan Blackmore argumentou recentemente que nossa mente nada mais é do que coleções de memes que pegamos uns dos outros, como os vírus, e que a sensação familiar de "eu" é uma espécie de ficção criada pelos memes em favor de seus interesses próprios.

Essas idéias são perigosas porque há mais do que um grão de verdade nelas. Corremos o grave risco de que elas sejam simplificadas em demasia e usadas para justificar uma postura de vale-tudo em relação a atividades criminosas, conflitos étnicos e até mesmo genocídio. Por outro lado, as pessoas convencidas de que o conceito de escolha individual é um mito correm o risco de se conformar passivamente a qualquer destino que lhes tenha sido atribuído por um sistema social ou político explorador. Se você acha que a eugenia foi uma desastrosa perversão da ciência, imagine um mundo em que a maioria das pessoas não acredita no livre-arbítrio.

O ataque da ciência ao livre-arbítrio seria menos alarmante se houvesse, para colocar em seu lugar, alguma nova estrutura jurídica e ética. No entanto, ninguém faz a menor idéia de como seria tal estrutura. E, é bom lembrar, os cientistas podem estar equivocados ao questionar o livre-arbítrio. Seria precipitado supor que os físicos tenham dito a última palavra sobre a causalidade, ou que os cientistas cognitivos tenham compreendido plenamente o funcionamento do cérebro e a consciência. Porém, ainda que estejam certos, e o livre-arbítrio de fato se revelar uma ilusão, talvez essa seja uma ficção que vale a pena ser preservada. Com freqüência, os físicos e os filósofos mobilizam argumentos convincentes no âmbito rarefeito da academia, mas os deixam de lado quando tratam de questões práticas. Por exemplo, não é difícil nos convencermos de que o fluxo do tempo é uma ilusão (na física, o tempo simplesmente é, ele não "passa"). Mas ninguém cumpre suas tarefas corriqueiras sem se referir continuamente ao passado, presente e futuro. A sociedade acabaria por se desintegrar caso não adotasse a ficção da passagem do tempo. E o mesmo se dá com o eu e sua liberdade de participar nos acontecimentos. Parafraseando o escritor Isaac Bashevis Singer, precisamos acreditar no livre-arbítrio — não temos outra opção.



Como saber qual é a preocupação real de um país como os EUA com a ecologia?

 
Uma resposta importante vem do estatístico dinamarquês Bjorn Lomborg, autor da obra O Ambientalista Cético. Confira.

A única questão realmente importante para os países desenvolvidos é a poluição do ar, em especial a causada pela concentração de partículas. Isso ainda gera problemas. A agência ambiental americana (EPA) estima que de 83% a 96% de todos os benefícios sociais vindos de regulamentações ambientais se originem do controle da poluição do ar. E esse problema tem soluções cada vez mais eficientes nos países desenvolvidos. Ainda poderia ser melhor. Esse é um grande investimento. Todas as outras questões são menores. Obviamente seria bom se lidássemos com elas, mas não são tão importantes, comparadas com educação e saúde.
(as questões menores são...)
Poluição por petróleo, por pesticidas. Pesticidas na verdade são ótimos: eles nos dão comida mais barata, em especial frutas e legumes, e essa é uma das maneiras básicas de prevenir câncer. Embora pesticidas, ainda que regulamentados, causem câncer, estamos falando de cerca de vinte mortes por ano nos Estados Unidos. Eles economizam algo como 100 bilhões de dólares e 26 000 mortes causadas por câncer todos os anos nos Estados Unidos. Não se devem abandonar os pesticidas, porque eles são bons. Embora haja conseqüências negativas, os benefícios são muito maiores. Há outras questões, mas é crucial olhá-las no total e considerar se é necessário regulamentá-las. Existem muitas outras em meu livro, mas nada como a poluição do ar. No mundo em desenvolvimento, o meio ambiente não é a questão mais séria. Importa mais diminuir o número de pessoas que passam fome, melhorar a infra-estrutura e reduzir a pobreza. Se você pára de ter pessoas pobres, pára de ter queimadas na floresta tropical, erosão do solo, uso de combustíveis poluentes. Se as pessoas enriquecem, elas mudam de conduta.


O que havia antes do Big Bang e agora, muito depois, como acabará o Universo?

 
Uma das respostas importantes é a do astrofísico George Smoot, cientista que apresentou provas do Big Bang, Prêmio Nobel de Física em 2006. Leia a seguir:

(O que havia antes do Big Bang) A mais simples me parece a melhor. Um campo como o de energia escura, só que muito mais intenso do que hoje, teria causado a inflação inicial do universo. É como se uma pessoa tivesse uma bola comprimida nas mãos que houvesse se aberto e começado a dispersar seu conteúdo com grande velocidade. Depois, começou a se desacelerar e, mais tarde, a acelerar de novo. Esse modelo permite prever comportamentos e fenômenos que ocorreram no universo.

(sobre o final do Universo) ... será solitário. O universo está se acelerando numa velocidade tão grande que as distâncias entre as galáxias aumentam rapidamente. É possível que as estrelas de nossa galáxia se apaguem e a luz de outras não consiga nos alcançar. Por outro lado, é possível que a energia escura passe por uma transição e, em vez de afastar os planetas, faça com que eles se juntem. Então, haveria um grande choque. É possível que tudo se refaça, ciclicamente. Mas não é algo tão trivial quanto parece. Seria preciso retornar ao ponto em que a inflação aconteceu e colocar tudo de volta no lugar original, até mesmo a energia escura.


Como Martin Buber considerava a questão entre árabes e judeus?

 
Consideramos um ponto fundamental o seguinte fato: há duas reivindicações contrárias uma à outra, duas reivindicações de naturezas e origens distintas, que não podem ser colocadas uma contra a outra. É impossível tomar uma decisão objetiva entre qual delas é justa ou injusta. Consideramos nossa missão entender e honrar a reivindicação contrária à nossa. Ambicionamos reconciliar as duas reivindicações. Não podemos renunciar à reivindicação judaica; a ligação com essa terra é algo superior até à vida do nosso povo - esse trabalho é a sua missão divina. Mas estamos convencidos de que deve ser possível encontrar alguma forma de acordo entre uma reivindicação e a outra. Amamos essa terra e acreditamos em seu futuro. Vendo quanto amor e quanta fé há também no outro lado, achamos que uma união no serviço comum da terra está no alcance do possível. Onde há amor e fé, uma solução sempre pode ser encontrada - mesmo quando isso parece ser uma trágica contradição.

Quando nós, os judeus, retornamos à Terra Santa depois de muitas centenas de anos, agimos como se essa terra estivesse vazia, sem habitantes. Pior ainda: agimos como se o povo que estava ali não nos afetasse, como se não fosse preciso lidar com ele, como se aquele povo não nos enxergasse. Mas eles nos enxergam. Ainda assim, não prestamos atenção a isso. Não admitimos que existe apenas um caminho: formar uma parceria séria com esse povo, o envolvendo de forma sincera na construção da nossa terra, cedendo uma parte de nosso trabalho e também compartilhando os frutos desse trabalho. Ao invés disso, temos jovens na comunidade judaica que gostam de pensar que são iguais a Sansão. Eles acham que colocar minas no caminho de veículos de inocentes e indefesos não-judeus é algo parecido com as façanhas do antigo herói.


O livro Irreligion é um documento filosófico a favor do ateísmo?

 
John Allen Paulos,matemático, autor do livro, em uma de suas muitas entrevistas, responde o que vem a seguir, segundo a nossa pesquisa.


Examino os argumentos tradicionais em favor da existência de Deus, e não as conseqüências sociais da religião. Eu me abstenho de fazer comentários sarcásticos sobre a religião das pessoas. Busco, isso sim, demonstrar os furos lógicos nesses argumentos. Como matemático, estou acostumado a trabalhar com provas lógicas – a partir de determinadas premissas, derivamos certas conseqüências. A lógica tem de ser rigorosa. Os argumentos teológicos não seguem esse rigor. Eles pulam de A para B, mas há um grande abismo entre os dois termos.

Leibniz tinha uma concepção muito particular de Deus. Como ele, muitos dizem acreditar em Deus, mas aquilo em que crêem não seria chamado de Deus pelo cidadão comum. As leis impessoais do universo, a beleza do mundo natural – todas essas coisas já foram chamadas de Deus. Se você definir Deus assim, bem, então Deus existe, claro. Einstein costumava falar em Deus, de forma meio ambígua, e as pessoas religiosas gostam de citá-lo como exemplo de cientista crente. Mas, há pouco tempo, foi redescoberta uma carta em que ele ataca a religião como uma atividade infantil. A maioria das pessoas pensa em Deus como um ser onipotente, ou pelo menos muito poderoso, onisciente, e que tem algo a ver com a criação do universo. De resto, só porque você é um matemático de primeira ordem, isso não quer dizer que está dispensado de apresentar argumentos lógicos. O fato de um Leibniz ser religioso não prova nada a favor da religião.


   

Como referenciar: "Oráculo" em Só Filosofia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 27/11/2024 às 18:32. Disponível na Internet em http://filosofia.com.br/oraculo_resposta.php?pg=18