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Oráculo

Responsável - Lúcio Packter, filósofo formado pela PUC-Fafimc, de Porto Alegre.


É possível inserir Kant na discussão sobre a pena de morte?

 
Sim. O Oráculo encontrou muitas respostas. Leia a seguir uma delas, de Aguinaldo Pavão.


Sou favorável à pena de morte, pois não consigo perceber como se possa protestar contra ela dizendo que é injusta, ou, o que dá na mesma, que a pena de morte vá contra o direito humano básico, que é o direito à liberdade. Ou seja, assumindo que injusto é o que impede o uso da liberdade segundo um princípio universal possível, a pena de morte pode perfeitamente ser adotada, pois ela apenas visa a impedir para sempre o uso da liberdade de quem impediu para sempre o uso da liberdade de uma outra pessoa. Assim, a pena de morte é um obstáculo ao obstáculo à liberdade. Ela não é um impedimento positivo ao arbítrio das pessoas que agem de acordo com a lei da coexistência das liberdades. Ela visa a atingir apenas aqueles que transgrediram essa lei.
Ademais, Beccaria estava errado ao supor que o contrato social não poderia autorizar a pena capital. O contrato social, como uma idéia da razão, autoriza ações puníveis. Nesse ponto concordo com Kant. Querer ações puníveis é perfeitamente condizente com o querer dos contratantes. Evidentemente, este não pode ser o mesmo querer particular e empírico do indivíduo, pois ninguém desejaria a sua própria morte, ou mesmo receber qualquer punição.
Penso que a pena de morte deve atingir apenas autores reincidentes de assassinatos deliberadamente cruéis e os genocidas em geral. A pena de morte deve apontar para a idéia de que tais pessoas, por representarem uma profunda ameaça à sociabilidade, precisam prever que não permanecerão impunes. Assassinos perversos e genocidas precisam calcular que suas ações representam uma decisão também contra suas vidas. Nesse sentido, não é totalmente equivocada a idéia kantiana de que quem mata outra pessoa, mata-se a si mesmo.
Isto considerado, gostaria de deixar bem claro que não defendo a imediata instituição da pena de morte em nosso país. O que eu defendo é simplesmente a tese de que não há ilegitimidade no princípio que considera merecedor da pena capital o indivíduo genocida ou o assassino reincidente. Quer dizer, não me oponho por princípio à pena de morte. Digo “por princípio”, não digo que não me oponho a sua aplicação imediata. Aqui é preciso fazer uma distinção crucial. A discussão sobre a justeza moral de uma lei é diferente da discussão pragmático-conseqüencialista desta mesma lei. Alguém – e este é o meu caso - pode perfeitamente ser favorável à pena de morte por não considerá-la injusta e, ainda assim, não achar conveniente uma política para sua aplicação imediata. Portanto, podemos ter princípios de correção normativa com aplicabilidade contida face a considerações pragmático-conseqüencialistas. Uma coisa é achar que as conseqüências da aplicação imediata da pena de morte são indesejáveis, outra é considerar que o princípio que a legitima é inconsistente.


Qual o lugar da esperança nos temas políticos de Hobbes?

 
Apreciamos o estudo de Hélio Alexandre da Silva, cujo trecho citamos a seguir.

O esforço pode ser tomado como um “movimento pontual num dado instante” (MARGUTTI, 1998) que quando direcionado a algo que o causa recebe o nome de apetite ou desejo. Porém quando direcionado a evitar algo que possa significar sinal de alguma ocorrência negativa derivada desse movimento, Hobbes o nomeia aversão. Todas as vezes que a palavra “desejo” for mencionada ela estará imbuída de uma significação que buscará salientar a ausência do objeto, o que caracteriza o desejo é sua relação com a busca de algo que ainda não se possui. A aversão, no entanto, se caracteriza por mais um componente, isto é, não só podemos ter um sentimento negativo (ódio) com relação a algo que eu tenha conhecimento, como também referente a algo que não se sabe se pode ou não nos causar dano. Nesse momento mais uma vez nos deteremos apenas aos desejos e apetites, pois deles derivarão a esperança.

O objeto do apetite ou dos desejos dos homens é o que pode ser chamado de “bom”, pois quem julga sobre o que é bom ou ruim quando não há Estado, é o próprio homem. A viabilização do Estado civil através do pacto é o que irá possibilitar um poder (soberano) para decidir sobre o que é justo ou injusto, na medida em que isso será benéfico para a preservação da paz dentro do Estado soberano.

Hobbes não acredita em um “valor intrínseco” de conceitos como a justiça, injustiça, bom, mal, mas sim que isso será arbitrado pelo soberano, quando houver Estado, ou por cada pessoa quando não houver. Desta forma “não há nada que o seja simples e absolutamente, nem há qualquer regra comum do bem ou do mal, que possa ser extraída da natureza dos próprios objetos” (HOBBES, 1983).

O homem, concebido em sua integralidade natural, se vê entregue às mais terríveis possibilidades de guerra, e essa impressão é corroborada graças à memória, pois essa pode remeter a lembranças de possíveis situações de conflitos vividos, e essas lembranças causam, por sua vez, movimentos internos no indivíduo. Esses movimentos, quando aliados a uma crença de que se consiga o que se está almejando, é nomeado “esperança”.

É importante salientar que, no pensamento de Hobbes, a cadeia dedutiva de relações de causa e efeito não estão isentas de uma participação efetiva das paixões, ou seja, elas estarão presentes em todos os atos de deliberação do homem.

Ao serem inclinados pela recta ratio, na direção de realizar o pacto, os indivíduos não o fazem apenas com o intuito de alcançar a paz que não há no estado de natureza. O pacto só pode ser possível, graças a crença que possuem no ato de sua celebração. Essa crença é que anuncia que, a esperança da paz tão desejada poderá vigorar no Estado civil, e através desse Estado, os homens não mais viverão sob a égide do medo que é característico do estado de guerra.

Nesse momento, podemos observar o quanto ás paixões são importantes para Hobbes, pois, não está presente apenas a esperança resultante do desejo de paz que o homem nutre ao ser guiado pela razão[2], mas também está presente o medo que caminha lado a lado com a esperança, como já foi dito. Ambos são derivados do desejo de se conquistar algo, quando esse desejo é seguido da expectativa de bem, o chamamos esperança, quando é seguido de uma expectativa de algo negativo, o chamamos medo.

No Leviatã, Hobbes atribui à esperança além da conotação já prescrita no A Natureza Humana uma outra, a saber, ele a compara à confiança, ao dizer que “A esperança constante chama-se confiança em si mesmo” (HOBBES, 1987).

Tal comparação pode ser compreendida na medida em que nos voltarmos, mais uma vez, à obra de 1640, lá Hobbes define confiança como “a paixão que procede da crença de quem tem uma expectativa de bem, ou de quem espera o bem” (HOBBES, 1983).

Ora, a semelhança das definições de esperança dada no Leviatã e de confiança dada no A Natureza Humana é visível, pois ambas são movidas pela expectativa de bem. Porém, a confiança é de certa forma derivada da esperança na medida em que “procede da crença” de um sujeito que tenha a expectativa constante de bem, ou seja, que tenha esperança.

A palavra constante é importante nesse contexto dado que o movimento externo, ou seja, tudo o que afeta o homem e que está fora dele e é recebido por ele através da sensibilidade, pode ser mudado. Quando se processa tal mudança, mudará também o movimento provocado nos órgãos dos sentidos, que por sua vez, significará a ocorrência de mudanças nas paixões. Essa diversificação acarreta uma transformação no diagnóstico dado pela sensibilidade, e ainda interfere na continuidade das paixões, na medida que elas são efeitos sofridos pelos movimentos internos causados por movimentos externos.

Deste modo, podemos dizer que, é pelo fato da expectativa de bem nomeada “esperança” ser uma expectativa constante que ela pode também ser chamada de confiança. Portanto, a esperança só pode ser tomada confiança na medida de sua constância.

Pelo que foi dito nesse texto, pretendemos ter deixado claro, a relevância que deve ser atribuída ao aparato passional Hobbesiano. Mesmo sabendo de seu forte apego ao racionalismo, sabemos que o que caracteriza o pensamento hobbesiano, não necessariamente caracteriza, como um todo, o homem hobbesiano.

A razão que ampara o pensamento de Hobbes nos leva a concluir que, seu processo investigativo, isto é, seu método, conduz a um diagnóstico da natureza humana que a situa dentro de um sistema altamente influenciado pelas paixões. Nessa perspectiva é que a esperança será um fator de grande importância na construção do Estado civil, pois em parte, é calcado na crença alimentada por ela que os homens se propõe a edificar o constructo racional que é o Estado soberano.

A esperança é parte componente desse processo de passagem Estado de natureza/Estado civil, pois na medida em que é trabalhada pela razão, ela causa no homem o desejo, isto é, “a expectativa de bem futuro”, de instituir o pacto fundante que é o mensageiro da paz entre os homens.

O Estado Civil surgirá também por estar amparado na confiança, que é “a paixão que procede da crença de quem tem uma expectativa de bem, ou de quem espera o bem” (HOBBES, 1983).

Portanto, a expectativa de futuro proporcionada pela esperança e a expectativa de bem proporcionada pela confiança, serão dois pilares que sustentarão a edificação do Estado soberano. A expectativa de futuro, por si só, não garante que o projeto de construção do Estado seja bem sucedido, é preciso que ela seja direcionada por uma expectativa de bem, isto é, a esperança não conduzirá sozinha o processo de instauração do corpo político. Se não for amparada por uma expectativa de bem, ou seja, por uma confiança, a esperança será como uma expectativa indeterminada, e assim, ela não poderá garantir que um sujeito esteja agindo na direção de possibilitar a saída do estado de guerra.

Para essa paixão se tornar determinada, ou seja, para que ela atue em função do Estado, é necessário que ela tenha um objeto, e esse objeto será a expectativa de bem contida na definição de confiança.

Assim, a articulação entre as definições de esperança e confiança, será fundamental para definir o papel desempenhado pela esperança na filosofia política de Hobbes. Do contrário, ou seja, se for auxiliada por uma expectativa negativa, a paixão não será esperança e sim medo.

Essas duas paixões quase que sintetizam o processo de construção do Estado civil. Se por um lado o medo nega o estado de guerra, por outro, a esperança posta no trabalho o induz a buscar o Estado. Complementam-se nesse instante a negação da guerra e a afirmação da paz.

Procuramos mostrar nesse trabalho, que Hobbes faz em sua obra uma discussão acerca do engate entre afetividade (paixões) e a política. Nesse sentido, ele nos mostra ainda que, temer a guerra apenas, não será profícuo se não tivermos a esperança de que, se atuarmos em prol do contrato, conseguiremos construir o Estado e alcançar o grande objetivo, que é a paz.


Algum filósofo escreveu sobre como reconhecer uma boa amizade?

 
Sim, vários filósofos escreveram sobre o tema. Encontramos lições em tratados, em versos, em prosa. Confira o que escreveu Cícero.

"É preciso escolher homens firmes, sólidos e constantes; mas a especie é rara e é difícil conhecê-los antes de
experimentá-los. Ora, esta experiência só poderá ser feita dentro da amizade. Assim, a amizade precederá o julgamento; tornará, pois, impossível a experiência. É próprio de um homem prudente conter o primeiro ímpeto de seu afeto, como o de um coche, que usamos, e experimentar os amigos, como se experimenta um cavalo novo, afim de conhecer seu carater
por todas as faces. Comumente um pouco de ouro basta para mostrar como é frágil a amizade de alguns; outros, que puderam resistir a um pouco de ouro, sucumbem diante de uma soma considerável. Se encontrarmos quem prefira a amizade ao dinheiro, onde achar aquele que não prefira as honras, as
magistraturas, os comandos, o poder, a autoridade? Colocai de um lado todos esses bens, do outro os direitos da amizade, e contai os que se declaram por estes. A natureza humana é fraca para resistir à tentação do poder e, se para obtê-lo, precisarmos sacrificar um amigo, acreditamos que a falta se justifica pela grandeza do interesse.
Muito dificilmente encontraremos amigos verdadeiros entre os homens que se ocupam dos negócios públicos ou que procuram honras. Onde está o homem que prefere à sua, a elevação de um amigo? E sem ir muito longe, porque a companhia na desgraça parece à maioria dos homens, um fardo pesado e penoso? Não é fácil encontrar quem consinta em repartir o infortúnio! Ennio disse com razão: “O amigo
fiel se reconhece nas infidelidades da sorte”. Entretanto duas coisas acusam a fraqueza e a leviandade de
quase todos os homens: a arrogância na prosperidade e o abandono da infelicidade, ou melhor, desprezam-nos quando se acham numa situação feliz, ou nos abandonam quando nos encontramos em má situação."


Montesquieu trata sobre o ser livre do cidadão?

 
Sim, e O Espírito das Leis. Confira:

A liberdade filosófica consiste no exercício de sua vontade, ou pelo menos se devemos falar em todos os sistemas na opinião que se tem de que se exerce sua vontade. A liberdade política consiste na segurança, ou pelo menos na opinião que se tem de sua segurança.
Esta segurança nunca é mais atacada do que nas acusações públicas ou privadas. Assim, é da excelência das leis criminais que depende principalmente a liberdade do cidadão.
As leis criminais não foram aperfeiçoadas de repente. Nos próprios lugares em que mais se buscou a liberdade, nem sempre ela foi encontrada. Aristóteles conta-nos que, em Cumes, os pais do acusador podiam ser testemunhas. Sob as leis de Roma, a lei era tão imperfeita que Sérvio Túlio pronunciou a sentença contra os filhos de Ancus Martius, acusados de terem assassinado o rei, seu sogro. Sob os primeiros reis dos francos, Clotário criou uma
leia para que um acusado não pudesse ser condenado sem ser ouvido; o que demonstra uma prática contrária em algum caso particular ou em algum povo bárbaro. Foi Carondas que
introduziu os julgamentos contra os falsos testemunhos. Quando a inocência dos cidadãos não está garantida, a liberdade também não o está. Os conhecimentos que foram adquiridos em alguns países e que serão adquiridos em outros
sobre as regras mais seguras que se possam seguir nos julgamentos criminais interessam mais o gênero humano do que qualquer outra coisa que exista no mundo.
É apenas sobre a, prática destes conhecimentos que a liberdade pode ser fundamentada; e, num Estado que tivesse neste sentido as melhores leis possíveis, um homem que tivesse sido processado e devesse ser enforcado no dia seguinte seria mais livre do que um paxá na Turquia.


Existe algum texto que trate do fim de Erastóstenes, aprendiz das teorias de Platão?

 
Nossos leitores podem acompanhar a seguir um trecho de O Homem que Calculava, de Malba Tahan.

“Qual foi o geômetra célebre que se suicidou de desgosto por não poder olhar para o céu?”
Beremiz susteve-se instantes e exclamou de golpe:
- Foi Erastóstenes, matemático oriundo da Cirenaica e educado, a princípio, em Alexandria e, mais tarde, na Escola de Atenas, onde aprendeu as doutrinas de Platão!

E, completando a resposta, prosseguiu:

- Erastóstenes foi escolhido para dirigir a grande biblioteca da Universidade de Alexandria, cargo que exerceu até o termo de seus dias. Além de possuir invejáveis conhecimentos científicos e literários que o distinguiram entre os maiores sábios de seu tempo, era Erastóstenes poeta, orador filósofo e - ainda mais - atleta completo. Basta dizer que conquistou o título excepcional de
vencedor do pentatlo, as cinco provas máximas dos Jogos Olímpicos. A Grécia achava-se, nesse tempo, no período áureo de seu desenvolvimento científico e literário. Era a pátria dos aedos, poetas que declamavam, com acompanhamento
musical, nas refeições e nas reuniões dos reis e dos chefes.
Não seria prolixidade dizer que, entre os gregos de maior cultura e valor,era o sábio Erastóstenes considerado como o homem extraordinário que atirava o dardo, escrevia poemas, vencia os grandes corredores e resolvia problemas de
astronomia. Erastóstenes legou à posteridade várias obras. Ao rei Ptolomeu III, do Egito, apresentou uma tábua de números primos feitos sobre uma prancha metálica, na qual os números múltiplos eram marcados por um pequeno furo.
Deu-se, por isso, o nome de “crivo de Erastóstenes” ao processo de que se utilizara o astrônomo grego para formar sua tábua. Em conseqüência de uma oftalmia, adquirida nas margens do Nilo, durante uma viagem, Erastóstenes ficou
cego. Ele, que cultivava a astronomia, achava-se impedido de olhar para o céu e de admirar a beleza incomparável do firmamento nas noites estreladas. A luz azulada de Al-Schira1 jamais poderia vencer aquela nuvem negra que lhe
encobria os olhos. Esmagado por tão grande desgraça e não podendo resistir aos desgostos que lhe causava a cegueira, o sábio e atleta suicidou-se, deixando-se morrer de fome, fechado em sua biblioteca!


Qual é uma das críticas de Engels a Hegel?

 
Leia esta parte de Do socialismo utópico ao socialismo científico, Friedrich Engels.


A filosofia alemã moderna encontrou sua culminância no sistema de Hegel, em que pela primeira vez – e aí está seu grande mérito - se concebe todo o mundo da natureza, da história e do espírito como um processo, isto é, em constante movimento, mudança, transformação e desenvolvimento, tentando além disso ressaltar a intima conexão que preside esse processo de movimento e desenvolvimento.
Contemplada desse ponto de vista, a história da humanidade já. não aparecia como um caos inóspito de violências absurdas, todas igualmente condenáveis diante do foro da razão filosófica hoje já madura, e boas para serem esquecidas quanto antes, mas como o processo de desenvolvimento da própria humanidade, que cabia agora ao pensamento acompanhar em suas etapas graduais e através de todos os desvios, e demonstrar a existência de leis internas que orientam tudo aquilo que à primeira vista poderia parecer obra do acaso cego.
Não importava que o sistema de Hegel não resolvesse o problema que se propunha. Seu mérito, que marca época. consistiu em tê-lo proposto. Não em vão, trata-se de um problema que nenhum homem sozinho pôde resolver. E embora fosse Hegel, como Saint-Simon, a cabeça mais universal. de seu tempo, seu horizonte achava-se circunscrito, em primeiro lugar, pela limitação inevitável de seus próprios conhecimentos e, em segundo lugar, pelos conhecimentos e concepções de sua época, limitados também em extensão e profundidade. Deve-se acrescentar a isso uma terceira circunstância. Hegel era idealista; isto é, para ele as Idéias de sua cabeça não eram imagens mais ou menos abstratas dos objetos ou fenômenos da realidade, mas essas coisas e seu desenvolvimento se lhe afiguravam, ao contrário, como projeções realizadas da "Idéia", que já existia, não se sabe como, antes de existir o mundo. Assim, foi tudo posto de cabeça para baixo, e a concatenação real do universal apresentava-se completamente às avessas. E por mais exatas e mesmo geniais que fossem várias das conexões concretas concebidas por Hegel, era inevitável, pelos motivos que acabamos de apontar, que muitos dos seus detalhes tivessem um caráter amaneirado, artificial, construído; em uma palavra, falso. O sistema de Hegel foi um aborto gigantesco, mas o último de seu gênero. De fato, continuava sofrendo de uma contradição interna incurável; pois, enquanto de um lado partia como pressuposto inicial da concepção histórica, segundo a qual a história humana é um processo de desenvolvimento que não pode, por sua natureza, encontrar o arremate intelectual na descoberta disso que chamam verdade absoluta, de outro lado nos é apresentado exatamente como a soma e a síntese dessa verdade absoluta. Um sistema universal e definitivamente plasmado do conhecimento da natureza e da história é incompatível com as leis fundamentais do pensamento dialético - que não exclui, mas longe disso implica que o conhecimento sistemático do mundo exterior em sua totalidade possa progredir gigantescamente de geração em geração.


Qual o método filosófico adequado, segundo Hume?

 
"... é aquele que permite a contínua reforma de nossas idéias acerca das operações do entendimento humano. E as idéias são reformadas por estarem relacionadas com suas impressões correspondentes. Esta relação é dupla: a) as idéias são similares às impre ssões, ou melhor, são cópias ou imagens das impressões (em concordância com o método baseado no exemplo), e b) as idéias estão necessariamente unidas às impressões, ou melhor, as idéias não são descobertas sem impressões correspondentes (do mesmo modo que a filosofia difícil admite que a conclusão não pode ser levada a cabo sem as
premissas adequadas).


O que ou quem é o homem para Hume?

 
Em Ensaio sobre o Entendimento Humano, aparece uma resposta:

O homem é um ser racional e, como tal, recebe da ciência sua adequada nutrição e alimento. Mas os limites do entendimento humano são tão estreitos que pouca satisfação se pode esperar neste particular, tanto pela extensão como pela segurança de suas aquisições.
O homem é um ser sociável do mesmo modo que racional. No entanto, nem sempre pode usufruir de uma companhia gradável e divertida ou conservar o gosto adequado para ela. O homem é também um ser ativo, e esta tendência, bem como as várias necessidades da vida humana, o submete necessariamente aos negócios e às ocupações; todavia, o espírito precisa de algum repouso, já que não pode manter sempre sua inclinação para o cuidado e o trabalho. Parece, pois, que a Natureza indicou um gênero misto de vida como o mais apropriado à raça humana, e que ela secretamente advertiu aos homens de não permitirem a nenhuma destas tendências arrastá-los em demasia, de tal modo que os torne incapazes para outras ocupações e entretenimentos. Tolero vossa paixão pela ciência, diz ela, mas fazei com que vossa ciência seja humana de tal modo que possa ter uma relação direta com a ação e a sociedade. Proíbo-vos o pensamento abstruso e as pesquisas profundas; punir-vos -ei severamente pela melancolia que eles introduzem, pela incerteza sem fim na qual vos envolvem e pela fria recepção que vossos supostos descobrimentos encontrarão quando comunicados. Sede um filósofo, mas, no meio de toda vossa filosofia, sede sempre um homem.

   

Como referenciar: "Oráculo" em Só Filosofia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 27/11/2024 às 10:50. Disponível na Internet em http://filosofia.com.br/oraculo_resposta.php?pg=15