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Oráculo

Responsável - Lúcio Packter, filósofo formado pela PUC-Fafimc, de Porto Alegre.


Como a Filosofia e a História dialogam em Croce?

 
Benedetto Croce traz a expressão: "filosofia do espírito". Sua base é o idealismo hegeliano e Giambattista Vico. O objeto da história é o espírito (consciência humana); este vai de expressar pela arte, lógica, economia, ética. A consciência humana é livre. Filosofia e história se encontram no vir-a-ser histórico e no entendimento dos conceitos universais filosóficos.


Existe um desconforto entre terapeutas (psicólogos e psicanalistas) e neurocientistas?

 
Acompanhemos um parecer sobre o assunto de João Fernandes Teixeira.

A razão para o embate entre, de um lado, psicólogos e psicanalistas, e, de outro, os neurocientistas está no modo como se concebe o problema mente-cérebro e, mais precisamente, a causação mental. Tudo depende de apostar mais na mente ou no cérebro. Isso faz com que muitos psiquiatras vejam a Psicanálise como uma perfumaria herdada do passado e os psicanalistas, por sua vez, ataquem cada vez mais o reducionismo mente-cérebro. Mas este é um falso embate. Tanto a medicação quanto a psicoterapia desempenham um papel fundamental na causação mental.


Os Upanishads abriram caminho para um monismo?

 
Monismo radical. Upanishads é um nome para os textos filosóficos, sagrados, que encontramos na Índia. Eles trazem uma das primeiras concepções da realidade universal, que levam ao monismo radical. Possuem caráter espiritual. Trazem, entre outros elementos, as especulações dos filósofos indianos sobre a natureza, mas também sobre a mente e a vida.


Existe algo chamado Pintura Metafísica?

 
Sim. Trata-se de um estilo que surgiu com força de 1911 a 1920, especialmente na Itália. As características marcantes colocavam os objetos em uma perspectiva profunda, as figuras eram contundentes, bizarras, causavam sensações de angústia a quem se deparava com a obra. Teve imenso impacto sobre o surrealismo.


Qual a opinião de Schweitzer sobre a vida, a morte, a velhice?

 
A tragédia da vida não é a morte em si. A tragédia da vida é o que morre dentro do homem enquanto vive, a morte dos sentimentos sinceros, das reações inspiradas, da consciência que torna possível sentir a dor ou a glória de outros homens... Nenhum homem precisa termer a morte; ele deve ter medo de morrer sem conhecer seu maior poder, o poder de dar sua vida pelos outros por vontade própria.


Thoreau contou como foi ficar preso?

 
Leia o que ele escreve quando trata da desobediência civil.

A noite que passei na prisão, além de uma novidade, foi também bem interessante. Os prisioneiros, em mangas de camisa, distraíam-se conversando na entrada, aproveitando o vento fresco da noite; assim estavam quando me viram chegar. Mas o carcereiro disse-lhes: Venham, rapazes, já é hora de trancar as portas - ouvi o barulho dos seus passos enquanto caminhavam para os seus compartimentos vazios. O
carcereiro apresentou-me o meu companheiro de cela, qualificando-o como um sujeito de primeira e um
homem esperto. Trancada a porta, ele mostrou-me o cabide onde deveria pendurar o meu chapéu e explicou-me como administrava as coisas por ali. As celas eram caiadas uma vez por mês; a nossa cela, pelo menos, era o apartamento mais branco, de mobiliário mais simples e provavelmente o mais limpo de toda a cidade. Naturalmente ele quis saber de onde eu vinha e por que eu tinha ido parar ali; quando lhe
contei a minha história, foi minha a vez de lhe perguntar a sua, na suposição evidente de que ele era um
homem honesto; e, da maneira que as coisas estão, acredito que ele de fato era um homem honesto.

Ele disse: Ora, acusam-me de ter incendiado um celeiro; mas não fui eu». Pelo que pude perceber, ele provavelmente fora deitar-se, bêbado, para dormir num celeiro, não sem antes fumar o seu cachimbo; e assim perdeu-se no fogo um celeiro. Ele tinha a fama de ser um homem esperto, e ali aguardava havia três meses o seu julgamento; tinha outros três meses a esperar ainda; mas estava bem cordato e contente,
já que não pagava pela casa e comida e se considerava bem tratado.

Ele ficava ao lado de uma janela, e eu junto à outra; percebi que se alguém ficasse por ali por muito
tempo acabaria tendo por atividade principal olhar pela janela. Em pouco tempo eu tinha lido os folhetos
que encontrara, e fiquei observando os locais por onde antigos prisioneiros tinham fugido, vi onde uma
grade tinha sido serrada e ouvi a história de vários hóspedes anteriores daquele aposento; pois acabei
descobrindo que até mesmo ali circulavam histórias e tagarelices que não conseguem atravessar as
paredes da cadeia. Essa é provavelmente a única casa na cidade onde se escrevem poesias que são publicadas em forma de circular, mas que não chegam a virar livros. Mostraram-me uma grande quantidade de poesias feitas por alguns jovens cuja tentativa de fuga tinha sido frustrada; eles
vingavam-se declamando os seus versos.

Tirei tudo o que pude do meu companheiro de cela, pois temia nunca mais tornar a encontrá-lo; mas finalmente ele indicou-me a minha cama e deixou para mim a tarefa de apagar a lamparina.

Ficar ali deitado por uma única noite foi como viajar a um país distante, um país que eu nunca teria
imaginado visitar. Pareceu-me que nunca antes ouvira o relógio da cidade dar as horas ou os ruídos
noturnos da aldeia; isso porque dormíamos com as janelas abertas, janelas estas instaladas por dentro das
grades. Era como contemplar a minha aldeia natal à luz da Idade Média, e o nosso familiar rio Concord
transformou-se na torrente de um Reno; à minha frente desfilaram visões de cavaleiros e castelos. As
vozes que ouvia nas ruas eram dos antigos burgueses. Fui espectador e testemunha involuntária de tudo o
que se fazia e dizia na cozinha da vizinha hospedaria local - uma experiência inteiramente nova e rara
para mim. Tive uma visão bem mais íntima da minha cidade natal. Eu estava razoavelmente perto da sua
alma. Nunca antes vira as suas instituições. Essa cadeia é uma das suas instituições peculiares, pois
Concord é a sede do condado. Comecei a compreender o que preocupa os seus habitantes.

Quando chegou a manhã, o nosso desjejum foi empurrado para dentro da cela através de um buraco na porta; era servido numa vasilha de estanho ajustada ao tamanho do buraco e consistia numa porção de chocolate com pão preto; junto vinha uma colher de ferro. Quando do lado de fora pediram a devolução das vasilhas, a minha inexperiência foi tanta que coloquei de volta o pão que não comera; mas o meu
companheiro pegou o pão e aconselhou-me a guardá-lo para o almoço ou para o jantar. Pouco depois,
deixaram que ele saísse para trabalhar num campo de feno das vizinhanças, para onde se deslocava todos
os dias; não voltaria antes do meio-dia; ele então deu-me bom-dia e disse que duvidava que nos víssemos
de novo.


Como Kant diferencia o conhecimento sensível do conhecimento puro?

 
Não se pode duvidar de que todos os nossos conhecimentos começam com a experiência, porque, com efeito, como haveria de exercitar-se a fa culdade de se conhecer, se não fosse pelos objetos que, excitando os nossos sentidos, de uma parte, produzem por si mesmos representações, e de outra parte, impulsionam a nossa inteligência a compará-los
entre si, a reuni-los ou separá-los, e deste modo à elaboração da matéria informe das impressões sensíveis para esse conhecimento das coisas que se denomina experiência?
No tempo, pois, nenhum conhecimento precede a experiência, todos começam por ela.
Mas se é verdade que os conhecimentos derivam da experiência, alguns há, no entanto,que não têm essa origem exclusiva, pois poderemos admitir que o nosso conhecimento
empírico seja um composto daquilo que recebemos das impressões e daquilo que a nossa faculdade cognoscitiva lhe adiciona (estimulada somente pelas impressões dos sentidos);
aditamento que propria mente não distinguimos senão mediante uma longa prática que nos habilite a separar esses dois elementos. Surge desse modo uma questão que não se pode resolver à primeira vista: será possível um conhecimento independente da experiência e das impressões dos sentidos?
Tais conhecimentos são denominados ?a prio ri?, e distintos dos empíricos, cuja origem e a posteriori?, isto é, da experiência. Aquela expressão, no entanto, não abrange todo o significado da questão proposta,porquanto há conhecimentos que derivam indiretamente da experiência, isto é, de uma regra geral obtida pela experiência, e que no entanto não podem ser ta chados de conhecimentos "a priori".
Assim, se alguém escava os alicerces de uma casa, ?a priori? poderá esperar que ela desabe, sem precisar observar a experiência da sua queda, pois, praticamente, já sabe que todo corpo abandonado no ar sem sustentação cai ao impulso da gravidade. Assim esse conhecimento é nitida mente empírico.
Consideraremos, portanto, conhecimento ?a priori?, todo aquele que seja adquirido independentemente de qualquer experiência. A ele se opõem os opostos aos empíricos, isto é, àqueles que só o são ?a posteriori?, quer dizer, por meio da experiência.
Entenderemos, pois, daqui por diante, por conhecimento ?a priori?, todos aqueles que são absolutamente independentes da experiência; eles são opostos aos empíricos, isto é,
àqueles que só são possíveis me diante a experiência.
Os conhecimentos ?a priori? ainda podem dividir-se em puros e impuros. Denomina-se conhecimento ?a priori? puro ao que carece comple tamente de qualquer empirismo. Assim, p. ex., ?toda mudança tem uma causa?, é um princípio ?a priori?, mas impuro, porque o conceito de mudança só pode formar-se extraído da experiência.


Democracia. O que pensa sobre isso Aristóteles?

 
"Não se deve, como costumavam fazer certas pessoas, definir simplesmente a democracia como o governo em que a maioria domina. Nas próprias oligarquias e em qualquer outra parte, é sempre a maioria que se sobressai. Nem tampouco a
oligarquia é o regime da minoria.Seja um povo composto de mil e trezentas pessoas ao todo; dentre estas mil e trezentas pessoas, suponhamos mil ricas que excluem do governo os trezentos pobres, embora livres e semelhantes a elas a qualquer outro respeito; ninguém dirá que isso é uma democracia. Da mesma forma, se os pobres, embora em menor número, forem mais poderosos do que os ricos, ninguém chamará a isso de oligarquia. Nenhuma outra Cidade tampouco o seria, se os ricos não fossem admitidos nos cargos. Portanto, deve-se antes chamar democracia o Estado que os homens livres governam, e oligarquia o que os ricos governam. O acidente faz com que o número seja maior ou menor, sendo o comum que o maior número seja o dos homens livres e o menor, o dos ricos.
Se os poderes se distribuíssem de acordo com a estatura, como acontece,segundo certos autores, na Etiópia, ou de acordo com a beleza, haveria oligarquia, porque a beleza e a alta estatura não pertencem à maioria. Mas estas não são
diferenças suficientes, nem próprias para caracterizar estes Estados.
Sendo a democracia, como a oligarquia, capaz de conter diversos elementos,é preciso ter como certo que não há democracia numa nação onde poucos homens livres comandam um maior número de pessoas que não o são, como em Apolônia, no mar Jônio, e em Tera, cidades em que, sem considerar a maioria, os cargos se concentravam nas mãos de um pequeno número de habitantes, mas todos nobres e de raízes muito antigas no lugar. Tampouco seria uma democracia se os ricos só fossem superiores pelo número, como ocorria antigamente em Colofão, onde, antes da guerra dos lídios, a maior parte dos cidadãos possuía grandes heranças. Em contrapartida, trata-se de uma democracia quando os homens livres e pobres, formando a maioria, são senhores do Estado, ao passo
que há oligarquia quando governam os ricos e os mais nobres, embora inferiores em número.
Eis, portanto, vários tipos de regimes. Sabemos a razão disso. Para conhecer sua natureza e suas causas, deve-se retomar o princípio evocado mais acima, em virtude do qual um Estado ou uma Cidade não é um todo homogêneo, mas sim
composto de várias partes, como o animal. Se quisermos formar as diferentes espécies de animais, começaríamos por separar tudo o que este animal deve necessariamente ter, como certos órgãos das sensações, as partes necessárias
para receber e digerir os alimentos, tais como a boca e o ventre, além dos órgãos do movimento. Depois de ter esgotado a enumeração de todos os membros necessários e de todas as diferenças em cada espécie (isto é, todos os gêneros de bocas, de ventres e de órgãos tanto da sensação como do movimento), o número de todas as suas combinações possíveis dará a quantidade de espécies animais, pois é impossível que o mesmo animal reúna várias diferenças de boca e de orelhas. Portanto, tomando todas estas combinações, haverá tantas espécies de animais quantas combinações de partes necessárias. O mesmo ocorre com os
Estados ou sociedades políticas.
Como já dissemos mais de uma vez, elas são compostas de vários elementos. Há, com efeito, várias classes de plebeus ou de nobres. A primeira classe dos plebeus, ocupada em nos proporcionar alimentos, é numerosa: compõem-na os agricultores;a segunda, a dos artesãos, exerce os
ofícios de primeira necessidade ou de luxo ou de bem-estar que um Estado não pode dispensar, quer para viver, quer para ter mais conforto; a terceira, a dos comerciantes, freqüenta as praças e aí expõe, para comprar, revender ou exportar, as mercadorias ou os trabalhos dos outros;
a quarta, dos homens de mar, dos quais uns são guerreiros, outros comerciantes, outros fazem transportes, outros se dedicam à pesca. Uns e outros abundam em alguns lugares, como os pescadores em Tarento e em Bizâncio, os
marinheiros em Atenas, os negociantes na ilha de Egina e em Quios, os barqueiros em Tenedos. Devem-se juntar a eles os trabalhadores manuais e todos os que não são abastados o suficiente para ficar sem fazer nada, os que não nasceram de pai e mãe livres e toda espécie de populaça semelhante.
As classes dos nobres, enumeradas a seguir, se devem ou à riqueza, ou ao nascimento, ou ao mérito, ou ao saber, ou a alguma outra diferença igualmente notável; a quinta, a dos guerreiros, não é menos necessária que as outras, a menos
que se queira capitular diante do primeiro agressor, pois não é impossível encontrar no interior de uma cidade um amontoado de covardes nascidos para a escravidão. Enquanto o Estado deve bastarse a si mesmo, essas, pessoas estão
naturalmente na dependência de outrem; uma sexta classe, a dos magistrados, é necessária caso surjam litígios entre
as cinco outras classes, para que haja alguém que os termine e faça justiça a quem é devido.
Assim como entre as partes do animal se deve colocar a alma numa posição bem superior ao corpo, devese também, na organização de um Estado, colocar bem antes e bem acima das partes relativas às necessidades da vida corporal o
exército, os tribunais e o Conselho, que são como que a alma da vida civil, sobretudo o Conselho, que é como que o seu intelecto. Se todas estas funções são essenciais ao Estado, não resta dúvida de que o exército seja uma de suas
partes integrantes; a sétima classe é a dos ricos, que satisfazem às necessidades do Estado com suas riquezas;a oitava é composta de oficiais ministeriais e de funcionários públicos. Como o Estado não pode existir sem magistrados e precisa de homens capazes de realizar suas funções, precisa também de pessoas que executem suas ordens e estejam encarregadas do serviço, quer para sempre,
quer alternadamente. De resto, para que esta parte da ordem pública de que acabamos de falar, que se divide entre a deliberação sobre os negócios de Estado e o julgamento das contestações privadas, seja bem e devidamente administrada, são necessárias personalidades versadas em direito e política.
Parece, e esta é a opinião de muitos, que várias dessas faculdades são compatíveis e é possível, por exemplo, ser ao mesmo tempo soldado e lavrador ou artesão, e a mesma pessoa pode igualmente ser conselheiro do Estado,
senador e juiz. Não faltam pessoas que presumem tanto de si mesmas que acreditam ser capazes de várias magistraturas. Mas é impossível que as mesmas pessoas sejam pobres e ricas. Os pobres e os ricos parecem, portanto, formar a
principal divisão das classes do Estado. Aliás, como de ordinário uns contam um número bem pequeno e outros um número bem maior, é claro que são partes contrárias entre si. Assim, é pela preponderância de cada um deles que
distinguimos os regimes entre democracia e oligarquia.
Mostremos agora como a democracia se divide ela própria em várias espécies.
Nós as distinguiremos, conforme todas as classes do povo participem do governo, ou apenas algumas, com exclusão das demais.
A primeira espécie é aquela em que os poderes se distribuem segundo as posses até certa mediocridade, de modo que são admitidos todos aqueles que chegam a este ponto, com exceção dos que ficam abaixo e dos que se arruinaram. Quando os lavradores e outras pessoas de fortuna medíocre são admitidos, o governo prossegue de acordo com a lei; por um lado, trabalhando, eles têm de que viver, mas por outro não têm condições de permanecer sem fazer nada; de modo que, uma vez feita a Constituição, só se reúnem para negócios urgentes e indispensáveis. O acesso é aberto a todos, assim que adquiram a renda prescrita pelas leis. Se alguém fosse excluído, seria a oligarquia; de resto, se não se tem nenhuma renda, é quase impossível ter o lazer iciente para se ocupar da coisa pública. Esta admissibilidade de todos os proprietários é a primeira espécie de democracia.
A segunda espécie reconhece-se pelo direito de voto nas eleições que se realizam na Assembléia; todos são admitidos, se seu nascimento for digno, mas somente são elegíveis os que têm meios de viver sem trabalhar. As leis são respeitadas nesta democracia porque os cargos só proporcionam honra, e não lucro.
A terceira espécie é a que admite no governo todos os que são livres, mas, não oferecendo nenhum atrativo à cupidez, não sofre a concorrência perigosa de um número excessivo de pretendentes, de modo que a lei énecessariamente
respeitada.
A quarta é aquela que se introduziu em último lugar nas Cidades que se tornaram maiores e mais opulentas do que eram nos primeiros tempos. Ela exibe a igualdade absoluta, isto é, a lei coloca os pobres no mesmo nível que os ricos e
pretende que uns não tenham mais direito ao governo do que os outros, mas que a condição destes e daqueles seja semelhante. Pois se a alma da democracia
consiste, como pensam alguns, na liberdade, sendo todos iguais a este respeito, devem ter a mesma parte nos bens civis e principalmente nos grandes cargos; e,
como o povo é superior em número e o que agrada àpluralidade é lei, tal Estado deve necessariamente ser popular. Mas, se todos são indistintamente admitidos
no governo, é a massa que se sobressai e, sendo os pobres assalariados, podem deixar o trabalho e permanecer ociosos, não os retendo em casa a preocupação com seus próprios negócios. É, pelo contrário, um obstáculo para os ricos que não assistem às Assembléias nem se preocupam com o papel de juiz. Resulta daí que o Estado cai no domínio da multidão indigente e se vê subtraído ao império das
leis. Os demagogos calcam-nas com os pés e fazem predominar os decretos. Tal gentalha é desconhecida nas democracias que a lei governa. Os melhores cidadãos têm ali o primeiro lugar. Mas onde as leis não têm força pululam os demagogos. O povo torna-se tirano. Trata-se de um ser composto de várias cabeças; elas dominam não cada uma separadamente, mas todas juntas. Não se sabe se é desta multidão ou do governo alternado e singular de vários de que fala
Homero quando diz que "não é bom ter vários senhores". De qualquer modo, o povo, tendo sacudido o jugo da lei, quer governar só e se torna déspota. Seu governo não difere em nada da tirania. Os bajuladores são honrados, os homens
de bem sujeitados. O mesmo arbítrio reina nos decretos do povo e nas ordens dos tiranos. Trata-se dos mesmos costumes. O que fazem os bajuladores de corte
junto a estes, fazem os demagogos junto ao povo. Gozam do mesmo crédito.
Sugerem-lhe o desprezo pelas leis, reduzem tudo à sua vontade, só respeitam os seus decretos, e depois de têlo tornado senhor de tudo, tendo suas opiniões e
suas vontades entre as mãos, tornam-se seus senhores, por sua vez, pelo hábito que se contraiu de obedecer-lhes. Não se limitam aos assuntos gerais, atacam os magistrados em pessoa, atribuem ao povo o direito de julgá-los e, como este se presta de bom grado a sua instigação, terminam por dissolver tudo e tudo subverter.
Não é sem razão que se censura tal governo e, de preferência, o chamam democracia ao invés de República; pois onde as leis não têm força não pode haver República, já que este regime não é senão uma maneira de ser do Estado
em que as leis regulam todas as coisas em geral e os magistrados decidem sobre os casos particulares. Se, no entanto, pretendermos que a democracia seja uma
das formas de governo, então não se deverá nem mesmo dar este nome a esse caos em que tudo é governado pelos decretos do dia, não sendo então nem universal
nem perpétua nenhuma medida.

   

Como referenciar: "Oráculo" em Só Filosofia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 27/11/2024 às 03:39. Disponível na Internet em http://filosofia.com.br/oraculo_resposta.php?pg=12