John Stuart Mill – Um Exame da Filosofia de Sir Willian Hamilton (Excertos) Índice CAP. I - Da interpretação da consciência CAP. II - A teoria psicológica da crença num mundo exterior Apêndice ao capítulo precedente CAP. III - A doutrina dos conceitos ou das noções gerais CAP. IV - Do raciocínio DA DEFINIÇÃO DE ECONOMIA POLÍTICA E DO MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO PRÓPRIO A ELA CAPÍTULO I Da interpretação da consciência Segundo todos os filósofos, a evidência da consciência, se pudermos obtê-la pura, é conclusiva. Esta é uma proposição óbvia, mas de nenhum modo uma simples proposição idêntica. Se a consciência for definida como conhecimento intuitivo, é com efeito uma proposição idêntica dizer que, se conhecemos intuitivamente alguma coisa, a conhecemos e estamos seguros dela. Mas o significado funda-se na asserção implicada de que conhecemos algumas coisas imediata ou intuitivamente. Que devemos assim conhecer é evidente se conhecemos alguma coisa; pois o que conhecemos mediatamente depende para sua evidência de nosso conhecimento prévio de alguma outra coisa; a menos que, portanto, conhecêssemos alguma coisa imediatamente, não poderíamos conhecer nada de modo mediato, e como consequência não poderíamos conhecer absolutamente nada. Um cético completo, esse ser imaginário, dever-se-ia supor responder que talvez não conheçamos absolutamente nada. Não responderei a este antagonista problemático do modo usual, dizendo-lhe que, se ele não conhece nada, eu conheço. Apresento-lhe o caso mais simples concebível de conhecimento imediato e pergunto-lhe se jamais sentimos alguma coisa. Se assim for, então, no momento de sentir, conhecemos que sentimos? Ou, se ele não chamar isto de conhecimento, negará que, quando temos um sentimento, temos pelo menos alguma espécie de certeza ou convicção de tê-lo? Esta certeza ou convicção é o que outras pessoas significam por conhecimento. Se a palavra lhe desagrada, consinto em discutir com ele o emprego de alguma outra palavra. Qualquer que seja o nome pelo qual essa certeza é designada, ela é o teste para o qual trazemos todas as nossas outras convicções. Ele pode dizer que ela não é certa; mas, tal como ela possa ser, é nosso modelo de certeza. Consideramos todas as nossas outras certezas e convicções como mais ou menos certas, dependendo de sua aproximação àquele modelo. Tenho uma convicção de que existem icebergs nos oceanos Árticos. Não tive a evidência de meus sentidos para isso; nunca vi um iceberg. Nem acredito intuitivamente nele por uma lei de minha mente. Minha convicção é mediata, fundada no testemunho e em inferências das leis físicas. Quando digo que estou convencido dele, quero dizer que a evidência é igual àquela de meus sentidos. Estou tão certo do fato como se o tivesse visto. E, numa análise mais completa, quando digo que estou convencido dele, estou convencido de que se eu estivesse no oceano Ártico vê-lo-ia. Significamos por conhecimento e por certeza uma certeza similar e igual àquela proporcionada por nossos sentidos; se a evidência em qualquer outro caso pode ser elevada até esta; nada mais desejamos. Se uma pessoa não está satisfeita com esta evidência, isso não diz respeito a qualquer outra pessoa além dela própria, nem praticamente, desde que se admita que essa evidência é aquilo de acordo com o que devemos agir e podemos fazê-lo com total confiança. O ceticismo absoluto, se existe tal coisa, pode ser afastado da discussão por levantar uma questão irrelevante, pois, ao negar todo o conhecimento, não nega nenhum. O dogmático pode estar totalmente satisfeito se a doutrina que mantém não pode ser atacada por outros argumentos além daqueles que se aplicam à evidência dos sentidos. Se sua evidência é igual àquela ele não necessita de mais nada; e além disso é filosoficamente sustentável que pelas leis da psicologia não podemos conceber nada além, e que esta é a certeza que chamamos perfeita. Admite-se, então, que o veredicto da consciência ou, em outras palavras, nossa convicção imediata e intuitiva, de todos os modos é uma decisão sem apelação. A próxima questão é: a que a consciência leva testemunho? (...) Entre os fatos que Sir W. Hamilton considera como revelações da consciência, existe uma espécie de que, como ele verdadeiramente diz, ninguém duvida ou pode duvidar, e outra espécie da qual se pode duvidar e se duvida. Os fatos dos quais não se pode duvidar são aqueles aos quais a palavra "consciência" é confinada por muitos filósofos: os fatos da consciência interior, "os próprios atos e afecções da mente". O que sentimos, não podemos duvidar que sentimos. É impossível para nós sentir e pensar que talvez não sintamos, e não sentir e pensar que talvez sintamos. O que admite dúvidas é a revelação que se supõe que a consciência faz (e que nosso autor considera como consciência em si) de uma realidade exterior. Mas, segundo ele, apesar de podermos duvidar desta realidade exterior, somos compelidos a admitir que a consciência lhe dá testemunho. Podemos desacreditar de nossa consciência, mas não podemos duvidar de qual é seu testemunho. Esta asserção não pode ser admitida da mesma maneira não qualificada como as outras. É verdade que não posso duvidar de minha impressão presente; não posso duvidar de que, quando percebo a cor ou o peso, eu os percebo enquanto num objeto. Nem posso duvidar de que, quando olho para dois campos, percebo qual deles é o mais distante. A maioria dos filósofos, entretanto, não diria que a percepção visual de distância é testemunhada pela consciência, porque, embora realmente percebamos deste modo a distância, eles acreditam-na ser uma percepção adquirida. É pelo menos possível pensar que a referência de nossas impressões sensíveis a um objeto exterior é, de maneira análoga, adquirida; e se assim o fosse, apesar de ser um fato de nossa consciência em seu estado artificial presente, ela não teria geralmente nenhuma pretensão ao título de um fato de consciência, não tendo estado na consciência desde o início. Deveremos discutir posteriormente esta questão psicológica. À primeira vista poderia parecer que não existe a possibilidade de qualquer dúvida de nossa consciência afirmar ou não qualquer coisa dada. Nem pode existir, se a consciência significa, como o faz comumente, autoconsciência. Se a consciência me diz que tenho um certo pensamento ou sensação, com certeza tenho esse pensamento ou sensação. Mas, se a consciência, como em Sir W. Hamilton, significa um poder capaz de dizer-me coisas que não são fenômenos de minha própria mente, existe imediatamente a maior divergência de opinião com relação a quais são as coisas que a consciência testemunha. Não existe nenhuma coisa que as pessoas não pensem e digam conhecer pela consciência, com a condição de não se lembrarem de qualquer ocasião em que não a conheciam ou não acreditavam nela, e de não serem conscientes da maneira pela qual adquirem a crença. Pois a consciência, neste sentido mais amplo, não é, como tão frequentemente observei, nada mais que outra palavra para o "conhecimento intuitivo", e, quaisquer outras coisas que possamos conhecer dessa maneira, certamente não conhecemos por intuição que tipo de conhecimento é intuitivo. Trata-se de um tema no qual tanto os pensadores vulgares como os mais hábeis constantemente cometem erros. ( ... ) Não é suficiente dizer que alguma coisa é testemunhada pela consciência, e referir todos os dissidentes à consciência para prová-lo. Substitua-se a consciência pela expressão equivalente (pelo menos na acepção de nosso autor), conhecimento intuitivo, e observar-se-á que isto não é uma coisa que pode ser provada por simples introspecção a nós próprios. A introspecção pode mostrar-nos uma crença ou convicção presente, acompanhada de uma maior ou menor dificuldade em acomodar os pensamentos a uma visão diferente do tema; mas que esta crença, convicção ou conhecimento, se assim a chamarmos, é intuitiva, nenhuma introspecção simples pode jamais mostrar, a menos que estejamos em liberdade para assumir que todo processo mental, que é agora tão breve e tão rápido quanto a intuição, era intuitivo desde seu princípio. ( ... ) Até aqui, bem. Mas agora, admitindo-se que a questão, o que conhecemos intuitivamente, ou, na fraseologia de Sir W. Hamilton, o que nossa consciência testemunha, não é, como se poderia supor, uma questão de simples autoexame, mas de ciência, deve-se ainda determinar de que maneira a ciência deveria principiá-la. Emerge aqui a distinção entre os dois métodos diferentes de estudar os problemas de metafísica, formando a diferença radical entre as duas grandes escolas nas quais os metafísicos estão fundamentalmente divididos. Chamarei um destes métodos, para fins de distinção, o "método introspectivo"; o outro, o "psicológico". (...) A diferença entre estes métodos será agora exemplificada, mostrando como operam numa questão particular, a mais fundamental na filosofia, a distinção entre o Ego e o Não-ego. CAPÍTULO II A teoria psicológica da crença num mundo exterior (...) Procedo enunciando o caso daqueles que sustentam que a crença num mundo exterior não é intuitiva, mas um produto adquirido. Esta teoria- postula as seguintes verdades psicológicas, as quais são todas provadas pela experiência, e não são contestadas, apesar de sua força ser raramente sentida de modo adequado por Sir W. Hamilton e os outros pensadores da escola introspectiva. Postula, primeiro, que a mente humana é capaz de "expectativa". Em outras palavras, que, após termos sensações reais, somos capazes de formar a concepção de sensações possíveis; sensações que não estamos sentindo no momento presente, mas que poderíamos sentir e sentiríamos se estivessem presentes certas condições, cuja natureza, em muitos casos, apreendemos por experiência. Em segundo lugar, postula as leis de "associação de ideias". Até onde nos concerne aqui, estas leis são as seguintes: primeiro, fenômenos similares tendem a ser pensados juntos. Segundo, fenômenos que foram experienciados ou concebidos em contiguidade próxima entre si tendem a ser pensados juntos. A contiguidade é de duas espécies: simultaneidade e sucessão imediata. Fatos que foram experienciados ou pensados simultaneamente, o pensamento de um relembra o do outro. De fatos que foram experienciados ou pensados em sucessão imediata, o antecedente, ou o pensamento dele, relembra o pensamento do consequente, mas não inversamente. Terceiro, associações produzidas por contiguidade tomam-se mais exatas e rápidas por repetição. Quando dois fenômenos foram com muita frequência experienciados em conjunção, e não ocorreram em qualquer instância singular, separadamente na experiência ou no pensamento, é produzido entre eles o que se chamou associação "inseparável", ou, menos corretamente, "associação indissolúvel"; pela qual não se significa que a associação deve inevitavelmente durar até o fim da vida - que nenhuma experiência ou processo subsequente de pensamento pode provavelmente servir para dissolvê-la -, mas que, somente enquanto nenhuma experiência ou processo de pensamento de tal tipo ocorra, a associação é irresistível; é impossível pensarmos uma coisa separada da outra. Quarto, quando uma associação adquire este caráter de inseparabilidade - quando o vínculo entre as duas ideias foi assim firmemente fixado -, não somente a ideia recrutada por associação torna-se, em nossa consciência, inseparável da ideia que a sugeriu, mas os fatos ou fenômenos que respondem a essas ideias chegam pelo menos a parecer inseparáveis em existência; coisas que somos incapazes de conceber separadamente parecem incapazes de existir separadamente, e a crença que temos em sua coexistência, apesar de ser. realmente um produto da experiência, parece intuitiva. Inúmeros exemplos poderiam ser dados desta lei. Um dos mais familiares, assim como dos mais surpreendentes, é o de nossas percepções adquiridas -de visão. Mesmo aqueles que, com o Sr. Bailey, consideram a percepção visual da distância como não sendo adquirida, mas como intuitiva admitem a existência de muitas percepções visuais que, apesar de instantâneas e breves, não são intuitivas. O que vemos é um fragmento muito diminuto do que pensamos ver. Vemos artificialmente que uma coisa é dura e outra macia. Vemos artificialmente que uma coisa é quente e outra fria. Vemos artificialmente que o que vemos é um livro ou uma pedra, cada uma destas coisas não sendo meramente uma inferência, mas um agregado de inferências das coisas não visíveis a partir dos sinais que vemos. Vemos, e não podemos deixar de ver, o que aprendemos a inferir, mesmo quando sabemos que a inferência é errônea, e que a percepção aparente é enganosa. Não podemos deixar de ver a lua maior quando próxima do horizonte, apesar de sabermos que ela tem exatamente seu tamanho habitual. Não podemos deixar de ver uma montanha mais próxima de nós e de altura menor quando a vemos através de uma atmosfera mais transparente que a comum. Partindo destas premissas, a teoria psicológica mantém que existem associações naturalmente e mesmo necessariamente geradas pela ordem de nossas sensações e de nossas reminiscências de sensações que, não supondo nenhuma intuição de um mundo exterior ter existido na consciência, geraria inevitavelmente a crença, e faria com que ela fosse considerada como uma intuição. O que é que significamos, ou o que é que nos leva a dizer que os objetos que percebemos são exteriores a nós e não são uma parte de nossos próprios pensamentos? Significamos que existe, concernindo a nossas percepções, alguma coisa que existe quando não estamos pensando nela, existia antes de termos pensado e existiria se fôssemos aniquilados; e, mais ainda, que existem coisas que nunca vimos, tocamos ou percebemos de outro modo, e coisas que nunca foram percebidas pelo homem. Esta ideia de alguma coisa que se distingue de nossas impressões passageiras através do que, em linguagem kantiana, se chama perdurabilidade; alguma coisa que é fixa e a mesma enquanto nossas sensações variam; alguma coisa que existe sejamos conscientes dela ou não, e que sempre é quadrada (ou é de alguma outra figura dada), quer ela nos pareça quadrada ou redonda - constitui inteiramente nossa ideia de substância exterior. Quem quer que possa apontar uma origem para esta concepção complexa explica o que significamos pela crença na matéria. Ora, tudo isto, de acordo com a teoria psicológica, não é mais do que a forma imprimida pelas conhecidas leis de associação sobre a concepção ou noção, obtida por experiência, de "sensações contingentes"; através das quais se significam as sensações que não estão em nossa consciência presente, e individualmente nunca estiveram de forma alguma em nossa consciência, mas que, em virtude das leis às quais aprendemos por experiência que nossas sensações estão sujeitas, sabemos que teríamos sentido sob circunstâncias supostas dadas, e sob estas mesmas circunstâncias deveríamos ainda sentir. Vejo uma folha de papel branco sobre uma mesa. Entro em outro quarto. Se o fenômeno sempre me seguisse ou se eu acreditasse que ele desaparece quando não me segue e rerum natura (pela natureza das coisas), eu não acreditaria ser ele um objeto exterior. Considerá-lo-ia como um fantasma - uma mera afecção de meus sentidos; não acreditaria que existiu alguém ali. Mas, embora cesse de vê-lo, estou persuadido de que o papel ainda está ali. Não tenho mais as sensações que ele me dava, mas acredito que quando me colocar novamente nas circunstâncias em que tinha aquelas sensações - isto é, quando entrar de novo no quarto - novamente as terei; e, mais ainda, que não houve nenhum momento intermediário em que este não tivesse sido o caso. Estando obrigado a esta propriedade de minha mente, minha concepção do mundo em qualquer instante dado consiste somente numa pequena proporção de sensações presentes. Destas posso nesse momento não ter nenhuma em absoluto, e elas são em qualquer caso uma porção mais insignificante do todo que apreendo. A concepção que formo do mundo existente em qualquer momento compreende, juntamente com as sensações que estou sentindo, uma variedade incontável de possibilidades de sensação - notadamente o todo daquelas que a observação passada me diz que eu poderia, sob quaisquer circunstâncias suponíveis, experienciar neste momento, juntamente com uma multidão indefinida e ilimitada de outras que, embora não soubesse que podia, ainda assim é possível que eu pudesse experienciar em circunstâncias não conhecidas por mim. Estas várias possibilidades são a coisa mais importante para mim no mundo. Minhas sensações presentes são geralmente de pouca importância e são, além do mais, fugazes; as possibilidades, ao contrário, são permanentes, que é o caráter que principalmente distingue nossa ideia de substância ou matéria de nossa noção de sensação. Estas possibilidades, que são certezas condicionais, precisam um nome especial para distingui-las das simples possibilidades vagas que a experiência não dá nenhuma ordem para reconhecer. Ora, tão logo um nome distintivo seja dado, embora seja somente para a mesma coisa tomada num aspecto diferente, uma das mais familiares experiências de nossa natureza mental nos ensina que o nome diferente vem a ser considerado como o nome de uma coisa diferente. Existe outra peculiaridade importante destas possibilidades de sensação certificadas ou garantidas - notadamente, que elas têm referência não às sensações simples, mas às sensações ligadas em grupos. Quando pensamos em alguma coisa tal como uma substância material ou corpo, tivemos ou pensamos que em alguma suposição dada teríamos não alguma sensação única, mas um grande e mesmo indefinido número e variedade de sensações, geralmente pertencentes a sentidos diferentes, mas tão unidas que a presença de uma anuncia a possível presença exatamente no mesmo instante de alguma ou de todas as sensações restantes. Em nossa mente, portanto, não está só essa possibilidade particular de sensação investida da qualidade de permanência quando não estamos realmente sentindo qualquer das sensações em absoluto; mas, quando estamos sentindo algumas delas, as sensações remanescentes do grupo são concebidas por nós na forma de possibilidades presentes, que deveriam ser percebidas no exato momento. E, como isto acontece por sua vez a todas elas, o grupo como um todo apresenta-se à mente como permanente, em contraste não só com a temporalidade de minha presença corporal, mas também com o caráter temporário de cada uma das sensações que compõem o grupo; em outras palavras, como uma espécie de substrato permanente, sob um conjunto de experiências ou manifestações passageiras, que é outro caráter fundamental de nossa ideia de substância ou matéria, enquanto distinta da sensação. Levemos em consideração outro dos caracteres gerais de nossa experiência, notadamente que em adição aos grupos fixos também reconhecemos uma ordem fixa em nossas sensações; uma ordem de sucessão que, quando descoberta por observação, origina as ideias de causa e efeito, de acordo com o que sustento ser a teoria verdadeira desta relação, e que é em qualquer teoria a fonte de todo nosso conhecimento acerca de que causas produzem que efeitos. Ora, de que natureza é esta ordem fixa entre nossas sensações? É uma constância de antecedência e sequência. Mas antecedência e sequência constantes geralmente não existem entre uma sensação real e outra. Muito poucas de tais sequências são apresentadas a nós por experiência. Em quase todas as sequências constantes que ocorrem na natureza, antecedência e consequência não são obtidas entre sensações, mas entre os grupos dos quais estivemos falando, dos quais uma porção muito pequena é sensação real, sendo a maior parte constituída de possibilidades permanentes de sensação evidenciadas a nós por um número pequeno e variável de sensações realmente presentes. Portanto nossas ideias de causação, poder e atividade não se tornam ligadas de modo algum no pensamento com nossas sensações reais, exceto nos poucos casos fisiológicos em que essas figuram por si mesmas como os antecedentes em alguma sequência uniforme. Estas ideias tornam-se ligadas não com sensações, mas com grupos de possibilidades de sensação. As sensações concebidas não se apresentam aos nossos pensamentos habituais como sensações realmente experienciadas, visto que não somente qualquer uma ou qualquer número delas pode supor-se. ausente, mas nenhuma delas precisa estar presente. Verificamos que as modificações que estão ocorrendo mais ou menos regularmente em nossas possibilidades de sensação são principalmente bastante independentes de nossa consciência e de nossa presença ou ausência. Quer estejamos dormindo ou acordados, o fogo apaga-se e coloca um fim a uma possibilidade particular de calor e luz. Quer estejamos presentes ou ausentes, o trigo amadurece e traz uma nova possibilidade de alimentação. Portanto aprendemos rapidamente a pensar a natureza como composta somente desses grupos de possibilidades e a força ativa na natureza como manifesta na modificação de algumas dessas possibilidades por outras. As sensações, apesar do fundamento original do todo, acabam sendo consideradas como uma espécie de acidente que depende de nós; e as possibilidades como muito mais reais do que as sensações reais, como as próprias realidades das quais estas últimas são somente as representações, aparências ou efeitos. Quando este estado de mente tiver chegado, então, e desse momento em diante, nunca seremos conscientes de uma sensação presente sem instantaneamente referi-la a algum dos grupos de possibilidades nos quais entra uma sensação daquela descrição particular; e, se não sabemos ainda a que grupo referi-la, sentimos pelo menos uma, convicção irresistível de que ela deve pertencer a um ou outro grupo; isto é, que sua presença prova a existência, aqui e agora, de um grande número e variedade de possibilidades de sensação sem as quais ela não teria existido. O conjunto completo de sensações forma do modo que for possível uma base permanente para qualquer uma ou mais sensações que são, num dado momento, reais; e as possibilidades são concebidas relacionando-se com as sensações reais na relação de uma causa para seus efeitos, ou de uma tela para as figuras pintadas nela, ou de uma raiz para o tronco, folhas e flores, ou de um substrato para o que está espalhado sobre ele, ou, em linguagem transcendental, da matéria para a forma. Quando se chega a este ponto, as possibilidades permanentes em questão assumiram para nós tal dissimilitude de aspecto e tal diferença de relação aparente com quaisquer sensações, que seria contrário a tudo que conhecemos da constituição da natureza, humana não as conceber e acreditar serem elas pelo menos tão diferentes das sensações como as sensações são diferentes entre si. Sua base (groundwork) na sensação é esquecida, e elas supõem-se ser alguma coisa intrinsecamente distinta da sensação. Podemos afastar-nos de qualquer de nossas sensações (externas) ou podemos ser afastados delas por algum outro poder. Mas, apesar das sensações cessarem, as possibilidades continuam existindo; elas são independentes de -nossa vontade, de nossa presença e de tudo que nos pertence. Verificamos, também, que elas pertencem tanto a outros seres humanos ou conscientes (sentient) quanto a nós próprios. Verificamos outras pessoas fundarem suas expectativas e condutas nas mesmas possibilidades permanentes em que fundamos as nossas. Mas não as verificamos experienciar as mesmas sensações reais. Outras pessoas não têm nossas sensações exatamente quando e como as temos, mas têm nossas possibilidades de sensação; o que quer que indique uma possibilidade presente de sensações para nós indica uma possibilidade presente de sensações similares para elas, exceto na medida em que seus órgãos de sensação possam ser diferentes dos nossos. Isto coloca o ponto final em nossa concepção dos grupos de possibilidades como a realidade fundamental na natureza. As possibilidades permanentes são comuns a nós e a nossos semelhantes; as sensações reais não o são. Que outras pessoas se tornem conscientes ao mesmo tempo que eu e sobre as mesmas bases parece-me mais real do que que elas só conheçam quando eu lhes diga. O mundo de sensações possíveis, que se sucedem umas às outras segundo leis, está tanto em outros seres quanto está em mim; tem, portanto, uma existência fora de mim; é um mundo exterior. Se esta explicação da origem e desenvolvimento da ideia de matéria ou de natureza exterior não contém nada em discrepância com as leis naturais, é pelo menos uma suposição admissível que o elemento de Não-ego que Sir W. Hamilton considera como um dado original da consciência, e que certamente encontramos em nossa consciência presente, possa não ser um de seus elementos primitivos - possa de qualquer modo não ter existido em suas primeiras manifestações. Mas, se esta suposição for admissível, deve-se, nos princípios de Sir W. Hamilton, recebê-la como verdadeira. A primeira das leis estabeleci das por ele para a interpretação da consciência, a lei (como ele a denomina) de parcimônia, proíbe supor um princípio original de nossa natureza que tenha como propósito explicar fenômenos que admitem explicação possível a partir de causas conhecidas. Se o suposto ingrediente da consciência for tal que possa desenvolver-se (embora não possamos provar que se desenvolveu) através de experiências posteriores; e se, quando ele assim tiver se desenvolvido, parecerá, devido às leis conhecidas de nossa natureza, tão completamente intuitivo quanto nossas próprias sensações; somos obrigados, de acordo com a filosofia de Sir W. Hamilton e com toda a filosofia sensata, a designar-lhe aquela origem. Onde existe uma causa conhecida adequada para explicar um fenômeno, não existe nenhuma justificação em atribuí-lo a uma causa desconhecida. E que evidência a consciência fornece da intuitividade de uma impressão a não ser a instantaneidade, a simplicidade aparente e a inconsciência de nossa parte de como a impressão entra em nossas mentes? Estas características somente podem provar que a impressão é intuitiva na hipótese de não existirem meios para explicá-las de outro modo. Se outros meios não somente pudessem existir, mas naturalmente existissem, mesmo na suposição de, que a impressão não é intuitiva, deveríamos aceitar a conclusão à qual somos conduzidos pelo método psicológico e à qual o método introspectivo não fornece absolutamente nada que a contradiga. A matéria, então, pode ser definida como uma possibilidade permanente de sensação. Se me é perguntado se acredito na matéria, pergunto se o questionador aceita esta definição de matéria. Se ele a aceita, acredito na matéria; e assim o fazem todos os berkelianos. Em qualquer outro sentido que não este, não acredito. Mas afirmo com segurança que esta concepção de matéria inclui todo o significado unido a ela pelo mundo comum, com exceção das teorias filosóficas e algumas vezes das teorias teológicas. A confiança da humanidade na existência real de objetos visíveis e tangíveis significa a confiança na realidade e permanência de possibilidades de sensações visuais e tácteis, quando nenhuma dessas sensações é realmente experienciada. Estamos justificados em acreditar que esse é o significado da matéria nas mentes de muitos de seus mais admirados campeões metafísicos, embora eles próprios não admitissem tanto; por exemplo; Reid, Stuart e Brown. Pois estes três filósofos alegaram que toda a humanidade, incluindo Berkeley e Hume, realmente acreditava na matéria, porquanto a menos que acreditasse nela não se teria desviado para evitar de precipitar-se contra um poste. Ora, tudo o que esta mão-de-obra realmente provou é que eles acreditavam nas possibilidades permanentes de sensação. Temos, portanto, a sanção não intencional destes três eminentes defensores da existência da matéria, pois afirmar a crença nas possibilidades permanentes de sensação é acreditar na matéria. É apenas necessário, segundo tais autoridades, mencionar o Dr. Johnson ou qualquer outra pessoa que recorre ao argumentum baculinum de bater um pau contra o chão. Sir W. Hamilton, um pensador muito mais sutil do que qualquer um destes, nunca raciocina desta maneira. Nunca supõe que um descrente no que ele significa por matéria deve por consistência agir de qualquer modo diferente daqueles que nela acreditam. Ele sabia que a crença, da qual todas as consequências práticas dependem, é a crença nas possibilidades permanentes de sensação, e que, se ninguém acreditasse num universo material em qualquer outro sentido, a vida continuaria exatamente como agora. Ele, entretanto, acreditava em mais do que isto, mas, penso, somente porque nunca lhe ocorreu que simples possibilidades de sensação poderiam apresentar, para nossa consciência artificializada, o caráter de objetividade que, como agora mostramos, podem não só apresentar, mas, a menos que suspendamos as leis da mente humana, devem necessariamente apresentar. Talvez se possa objetar que a própria possibilidade de enquadrar uma noção de matéria tal como a noção de Sir W. Hamilton - a capacidade da mente humana de imaginar um mundo exterior que é alguma coisa mais do que aquilo que a teoria psicológica o faz - comporta uma contraprova da teoria. Se (pode ser dito) não tivéssemos nenhuma revelação na consciência de um mundo que não é de um ou outro modo identificado com a sensação, seríamos incapazes de ter a noção de tal mundo. Se as únicas ideias que tivéssemos dos objetos exteriores fossem ideias de nossas sensações, complementadas por uma noção adquirida de possibilidades permanentes de sensação, deveríamos (pensa-se) ser incapazes de conceber, e ainda mais incapazes de fantasiar que percebemos, coisas que de modo algum são sensações. Sendo evidente, entretanto que alguns filósofos acreditam nisto, e sendo sustentável que a massa da humanidade assim o faz, a existência de uma base perdurável de sensações, distinta das próprias sensações, é provada, dever-se-ia dizer, pela possibilidade de acreditar nela. Seja-me permitido primeiro reapresentar o que compreendi ser a crença. Acreditamos que percebemos um algo estreitamente relacionado a todas as nossas sensações, mas diferentes destas, que estamos sentindo em algum minuto particular, e totalmente distinto das sensações por ser permanente e sempre o mesmo, enquanto estas são fugazes, variáveis e alternadamente deslocam-se entre si. Mas estes atributos de objetos de percepção são propriedades pertencentes a todas as possibilidades de sensação que a experiência garante. A crença em tais possibilidades permanentes parece-me incluir tudo que é essencial ou característico da crença na substância. Acredito que Calcutá exista, embora não a perceba, e que ela ainda existiria se todo habitante que a percebe tivesse que repentinamente deixar o lugar ou fosse surpreendido pela morte. Mas, quando analiso a crença, tudo que encontro nela é que, embora acontecessem esses eventos, a possibilidade permanente de sensação que chamo Calcutá ainda permaneceria; que, se eu fosse repentinamente transportado às margens do Hoogly, ainda teria as sensações que, se agora presentes, levar-me-iam a afirmar que Calcutá existe aqui e agora. Podemos inferir, portanto, que tanto os filósofos como o mundo em geral, quando pensam na matéria, a concebem realmente como uma possibilidade permanente de sensação. Mas a maioria dos filósofos fantasiam que é alguma coisa mais; e o mundo em geral, apesar de não ter realmente, como concebo, nada em suas mentes além de uma possibilidade permanente de sensação, concordaria sem dúvida com os filósofos, se se colocasse a questão; e, embora isto seja suficientemente explicado pela tendência da mente humana de inferir a diferença das coisas da diferença dos nomes, reconheço a obrigação de mostrar como se pode acreditar numa existência que transcende todas as possibilidades de sensação, exceto na hipótese de que tal existência realmente seja e que realmente a percebamos. A explicação, entretanto, não é difícil. É um fato reconhecido que somos capazes de todas as concepções que podem ser formadas por generalização das leis observadas de nossas sensações. Qualquer relação que encontremos existir entre alguma de nossas sensações e alguma coisa diferente dela, não temos dificuldade em conceber que essa mesma relação existe entre a soma de todas as nossas sensações e alguma coisa diferente delas. As diferenças que nossa consciência reconhece entre uma sensação e outra dão-nos a noção geral de diferença, e inseparavelmente associado com toda sensação temos o sentimento de ela ser diferente de outras coisas; e, uma vez que esta associação tenha sido formada, não podemos mais conceber alguma coisa sem sermos capazes, e mesmo sermos compelidos a formar também a concepção de algo diferente dela. Esta familiaridade com a ideia de alguma coisa diferente de cada coisa que conhecemos torna natural e fácil de formar a noção de alguma coisa diferente de todas as coisas que conhecemos, tanto coletivamente como individualmente. É verdade que não podemos formar nenhuma concepção do que tal coisa possa ser - nossa noção dela é meramente negativa -, mas a ideia de uma substância, separada de sua relação às impressões que a concebemos produzir em nossos sentidos, é uma ideia meramente negativa. Não existe, pois, nenhum obstáculo psicológico para nossa formação da noção de alguma coisa que não é nem uma sensação nem uma possibilidade de sensação, mesmo se nossa consciência não a testemunha; e nada é mais provável do que que as possibilidades permanentes de sensação, que nossa consciência testemunha, sejam confundidas em nossas mentes com essa concepção imaginária. Toda a experiência confirma a força da tendência em confundir abstrações mentais, mesmo abstrações negativas, com realidades substantivas; e as possibilidades permanentes de sensação que a experiência garante são tão extremamente desiguais em muitas de suas propriedades com relação às sensações reais que, depois de sermos capazes de imaginar algo que transcende a sensação, existe uma grande dificuldade natural de supormos que essas possibilidades são esse algo. Mas esta probabilidade natural se converte em certeza quando levamos em consideração aquela lei universal de nossa experiência que é denominada a lei de causação, e que nos faz ligar mentalmente ao começo de tudo alguma condição antecedente, ou causa. O caso da causação é um dos mais marcantes em que estendemos à soma total de nossa consciência uma noção derivada de suas partes. É um exemplo surpreendente de nosso poder de conceber e de nossa tendência a acreditar que uma relação que subsista entre cada item individual de nossa experiência e algum outro item subsista também entre nossa experiência como um todo e algo que não está na esfera da experiência. Por esta extensão à soma de todas as nossas experiências das relações internas obtidas entre suas várias partes, somos levados a considerar a própria sensação - o todo agregado de nossas sensações - como derivando sua origem de existências antecedentes transcendentes à sensação. Que façamos isto é uma consequência do caráter particular das sequências uniformes, que a experiência nos revela entre nossas sensações. Como já foi comentado, o antecedente constante de uma sensação raramente é outra sensação ou conjunto de sensações realmente sentidas. É com muito mais frequência a existência de um grupo de possibilidades, que não inclui necessariamente quaisquer sensações reais exceto aquelas que são requeridas para mostrar que as possibilidades estão realmente presentes. Nem são as sensações reais indispensáveis mesmo para este propósito; pois a presença do objeto (que não é nada mais que a presença imediata das possibilidades) pode tornar-se conhecida a nós exatamente pela sensação que referimos a ela como seu efeito. Assim o antecedente real de um efeito - o único antecedente que, sendo invariável e incondicional, consideramos ser a causa - pode não ser qualquer sensação realmente sentida, mas somente a presença, naquele momento ou no momento imediatamente precedente, de um grupo de possibilidades de sensação. Logo, não é com sensações enquanto realmente experienciadas, mas com suas possibilidades permanentes, que a ideia de causa vem a ser identificada; e, por um e mesmo processo, adquirimos o hábito de considerar a sensação em geral, assim como todas as nossas sensações individuais, um efeito, e adquirimos também aquele de conceber, como as causas de muitas de nossas sensações individuais, não outras sensações, mas as possibilidades gerais de sensação. Se todas essas considerações colocadas juntas não explicam e descrevem completamente nossa concepção dessas possibilidades como uma classe de entidades independentes e substantivas, não sei que análise psicológica pode ser conclusiva. Talvez se possa dizer que a teoria precedente apresenta, de fato, alguma explicação da ideia de existência permanente que toma parte em nossa concepção de matéria, mas não apresenta nenhuma explicação de nossa crença em que esses objetos permanentes são exteriores ou fora de nós próprios. Apreendo, ao contrário, que justamente a ideia de alguma coisa fora de nós próprios é derivada somente do conhecimento que a experiência nos dá das possibilidades permanentes. Levamos conosco nossas sensações onde quer que vamos, e elas nunca existem onde não estamos, mas, quando mudamos de lugar, não levamos conosco as possibilidades permanentes de sensação; elas permanecem até que retomemos, ou se originam e desaparecem sob condições com as quais nossa presença não tem em geral relação alguma. E mais do que tudo - elas são, e serão após termos cessado de sentir, possibilidades permanentes de sensação para outros seres que não nós. Assim nossas sensações reais e as possibilidades permanentes de sensação sobressaem-se em acentuado contraste; e, quando a ideia de causa tenha sido adquirida e estendida por generalização das partes de nossa experiência a seu todo agregado, nada pode ser mais natural do que termos que classificar as possibilidades permanentes como existências genericamente distintas de nossas sensações, mas das quais nossas sensações são o efeito. (Meu hábil crítico americano, Dr. H. B. Smith, discute em várias páginas (152-157) que estes fatos não proporcionam nenhuma prova de que os objetos são exteriores a nós. Nunca pretendi que eles fossem. Estou explicando nossa concepção, ou representação a nós próprios, das possibilidades permanentes enquanto objetos reais exteriores a nós. Não creio que a exterioridade real de alguma coisa com relação a nós, exceto as outras mentes, seja passível de prova. Mas as possibilidades permanentes são exteriores a nós no único sentido em que precisamos nos preocupar; elas não são construí das pela própria mente, mas são simplesmente reconhecidas por ela; em linguagem kantiana, elas são dadas a nós e outros seres comuns a nós. "Os homens não podem agir, não podem viver", diz o Prof. Fraser, "sem assumir um mundo exterior, em alguma concepção do termo exterior. É a tarefa do filósofo explicar o que aquela concepção deve ser. Pois nós próprios podemos conceber somente: (1) uma exterioridade a nossa experiência presente e transitória em nossa própria experiência possível passada e futura, e (2) uma exterioridade a nossa própria experiência consciente, na experiência contemporânea, assim como passada e futura de outras mentes. " A perspectiva em que considero a exterioridade, no sentido em que a reconheço como real, não poderia ser expressa mais acuradamente do que nas palavras do Prof. Fraser. A crítica do Dr. Smith continuamente vai além do limite porque ele imaginou de alguma forma que estou defendendo, ao invés de atacar, a crença na matéria como uma entidade perse. Como quando ele diz que meu raciocínio assume, contrário a minha própria opinião, "uma necessidade e validade a priori da lei de causa e efeito, ou de antecedência e consequência invariável". Isto poderia perfeitamente ser dito se eu estivesse defendendo a crença na suposta causa escondida de nossas sensações; mas a estou somente explicando, e para fazer isso assumo somente a tendência, mas não a legitimidade da tendência, a estender todas as leis de nossa própria experiência a uma esfera além de nossa experiência). A mesma teoria que explica nossa atribuição de uma existência permanente, que nossas próprias sensações não possuem, a um, agregado de possibilidades de sensação e consequentemente uma maior realidade do que aquela que pertence a nossas sensações também explica nossa atribuição de maior objetividade às qualidades primárias dos corpos do que às secundárias. Pois as sensações que correspondem ao que se chama as qualidades primárias (pelo menos exatamente quando chegamos a apreendê-las por dois sentidos, a visão e o tato) estão sempre presentes quando alguma parte do grupo também está. Mas as cores, os gostos, os odores e coisas semelhantes, sendo, em comparação, fugazes, não são no mesmo grau concebidos como existindo sempre, mesmo quando ninguém está presente para percebê-los. As sensações que respondem às qualidades secundárias são unicamente ocasionais; as que respondem às primárias, constantes. As secundárias, além disso, variam com as pessoas e com a sensibilidade temporária de nossos órgãos; as primárias, quando são percebidas, são, até onde sabemos, as mesmas para toda~ as pessoas e em todas as épocas. Apêndice ao capítulo precedente Esta tentativa de salientar a diferença entre os modos pelos quais as noções de matéria e mente, consideradas como substâncias, podem ter-se gerado em nós pela simples ordem de nossas sensações recebeu naturalmente daqueles cujas opiniões metafísicas já estavam construídas uma soma muito maior de oposição do que de consentimento. Penso ter observado, entretanto, que a repugnância que os escritores revelam com relação a ela tem estado em proporção toleravelmente correta à evidência que eles dão da deficiência naquela aptidão indispensável de um metafísico - facilidade de se colocar no ponto de vista de uma teoria diferente da sua; e que aqueles que jamais (se a expressão puder ser desculpada) se pensaram no esquema berkeliano ou em qualquer outro esquema idealista de filosofia, apesar de pouco favoráveis a outras partes desta obra, deixaram esta parte isolada ou expressaram por ela maior ou menor aprovação. Aqueles que estão completamente satisfeitos com a noção usual e popular de matéria, ou cuja metafísica foi adotada de qualquer dos pensadores realistas que se comprometem em legitimar aquela noção comum, contentam-se comumente em passar para a teoria contrária acerca do exterior e raramente colocam-se de modo suficiente no centro dela para perceber o que uma pessoa, que ocupa essa posição, deve pensar ou fazer. Sem dúvida não mais cometem um erro tão grosseiro como aquele em que, não muito tempo atrás, mesmo Reid, Stewart e Brown se lançaram cegamente - o erro de atacar um berkeliano considerando-o inconsistente se ele não caminhasse na água ou no fogo. A familiaridade com os metafísicos alemães e (deve-se simplesmente acrescentar) com os ensinamentos de Sir W. Hamilton teve aquele tanto de resultado benéfico. Mas se pensadores como estes três podiam formular juízos acerca da doutrina de Berkeley enquanto mostravam por tal prova conclusiva que nunca entenderam nem seu alfabeto - que, por mais elevada consideração que possam ter dado aos simples argumentos de Berkeley não começaram a compreender sua doutrina em suas próprias mentes -, para observar o universo sensível como ele o via, e ver que consequências se seguiriam; não é maravilhoso que aqueles que chegaram uns poucos passos além deste tenham ainda muito a fazer antes de serem capazes de acomodar suas faculdades conceituais às condições do que chamei teoria psicológica, e seguir esta teoria corretamente na ramificação de suas aplicações? Em princípio, devo admitir que meus oponentes, considerados em grupo, remeteram a teoria psicológica ao teste correto. Pretenderam mostrar que sua tentativa de explicar a crença na matéria (digo unicamente matéria porque não professo ter adequadamente explicado a crença na mente) implica ou requer que a crença já exista, como uma condição de sua própria produção. A objeção, se verdadeira, é conclusiva; mas eles não são muito precisos acerca da prova de sua verdade. Todos eles pensam que isso acontece se emprego, em alguma parte da exposição, a linguagem da vida comum - uma linguagem construída na base das noções cuja origem estou investigando. Se digo que, após termos visto uma folha de papel sobre uma mesa, nossa crença de que ela ainda está ali durante nossa ausência significa uma crença de que se entrarmos novamente no quarto a veremos, eles gritarão: aqui já está assumida uma crença na matéria; a ideia de entrar no quarto implica crença na matéria. Se, como uma prova de que modificações podem ocorrer em nossas possibilidades de sensação enquanto as sensações não estão na consciência real, digo que quer estejamos dormindo ou acordados o fogo se apaga, dizem-me que estou assumindo um conhecimento de nós próprios como uma substância e um conhecimento da diferença entre estar dormindo e acordado. Esquecem que entrar num quarto, estar dormindo ou acordado são expressões que possuem um significado tanto na teoria psicológica como em sua teoria; que toda asserção que pode ser feita acerca do mundo exterior, que significa alguma coisa na teoria realista, tem um significado paralelo na psicológica, Entrar num quarto, na teoria psicológica, é uma mera série de sensações sentidas e de possibilidades dei sensação inferidas (esta série particular inclui volições em adição às sensações, mas a diferença não apresenta consequências, e a teoria sustentar-se-ia se nos supuséssemos transportados até o quarto ao invés de caminhar até lá), mas distinguível de toda outra combinação de sensações e possibilidades, e que, com outras parecidas a si própria, forma um quadro tão vasto e diversificado do universo quanto o que se pode obter na outra teoria; na verdade, como sustento, exatamente o mesmo quadro. A teoria psicológica requer que tenhamos uma concepção desta série de sensações reais e contingentes, distinta de qualquer outra; mas não requer que tenhamos referido estas sensações a uma substância ulterior a toda sensação ou possibilidade de sensação. Supor isto é cometer a mesma espécie de falta de apreensão que Reid, Stewart e Brown cometeram, embora em grau menos extremo. Quando, ao tentar uma discussão inteligível de uma questão metafísica, tenho oportunidade de falar de qualquer combinação de fatos físicos, devo falar dela pelos únicos nomes que existem para isso. Devo empregar a linguagem cujas palavras não expressem as coisas como as percebemos ou como podemos concebê-las originalmente, mas as expressem como as concebemos agora. Dirigia-me a todos os leitores que tinham a noção adquirida de matéria, e quase todos eles a crença nela e era meu propósito mostrar, a esses crentes na matéria, um modo possível pelo qual essa noção e crença poderiam ter sido adquiridas mesmo se a matéria, no significado metafísico do termo, não existisse. Esforçando-me em apontar-lhes através de que fatos a noção poderia ter-se gerado, era suficiente para mim enunciar esses fatos na linguagem que não somente era a mais inteligível, mas, para as mentes a que me estava dirigindo, a mais verdadeira. O paralogismo real teria ocorrido se eu tivesse dito alguma coisa implicando não a existência da matéria, mas que a crença nela ou sua noção eram parte dos fatos pelos quais eu estava mantendo que esta crença e noção podem ter-se gerado. Mas em nenhuma instância simples quaisquer adversários dos que estou consciente foram capazes de mostrar isto; e, se eles se colocassem completamente no ponto de vista da explicação psicológica, veriam que eu não podia, em quaisquer circunstâncias, ter sido reduzido a esta necessidade, porque existe, como já disse, para cada enunciado que pode ser feito acerca dos fenômenos materiais em termos da teoria realista, um significado equivalente em termos de sensação e possibilidades de sensação consideradas isoladamente, e um significado que justificaria todos os processos similares de pensamento. De fato, quase todos os filósofos que examinaram de perto a questão decidiram que a substância precisa ser postulada como um suporte para os fenômenos ou como um vínculo de conexão para manter unidos um grupo ou série de fenômenos de outro modo desligados; seja-nos, então, permitido somente afastar o suporte e supor que os fenômenos permanecem e são mantidos unidos nos mesmos grupos e séries por algum outro poder ou sem qualquer poder a não ser uma lei interna, e toda consequência, para a qual a substância foi assumida, segue-se sem substância. Os hindus pensavam que a terra precisava ser. sustentada por um elefante, mas a terra mostrou-se bastante capaz de sustentar-se a si mesma e de manter o auto equilíbrio em seu próprio centro. Descartes pensou que fosse necessário um meio material preenchendo todo o espaço entre a terra e o sol para permiti-los agir um sobre o outro; mas verificou-se que era suficiente supor uma lei imaterial de atração, e o meio e seus vórtices mostraram-se coisas supérfluas. Para dissipar um pouco a ofuscação mental que ainda parece perdurar acerca dos dados assumidos pela teoria psicológica da crença na matéria, será interessante que, assim como formulei quais são as leis e capacidades, em uma palavra, quais são as condições que essa teoria postula na própria mente, eu formule também quais são as condições que ela postula na natureza, naquilo que, para usar a fraseologia kantiana, é dado à mente como distinto da própria constituição da mente. Primeiro, então, ela postula as sensações e uma certa ordem entre elas. E a ordem postulada é de mais de uma espécie. Em primeiro lugar, existe o simples fato de sucessão. As sensações existem antes e depois umas das outras. Este é um fato tão primordial quanto a própria sensação; é uma característica sempre presente na sensação, e temos a mais forte base que jamais se pode ter para considerá-la como fundamental, porque toda gênese que designamos a qualquer outro fato de percepção ou pensamento a inclui como uma condição. Ser-me-á dito que isto é postular a realidade do tempo; e assim o é, se por "tempo" for entendida uma sucessão indefinida de sucessões, desiguais em rapidez. Não postulo nem preciso postular uma entidade chamada "Tempo" e considerada não como uma sucessão de sucessões, mas como algo em que as sucessões ocorrem. Não determino se este atributo inseparável de nossas sensações é anexado a elas pelas leis da mente ou dado nas próprias sensações, nem se, a esta altura de abstração, a distinção não desaparece. Seja-me permitido dizer também que nunca pretendi explicar por associação a ideia de tempo. É devido à aparente infinitude do tempo, assim como do espaço, que, como o. Sr. James Mill, proponho essa explicação; e que esta é uma explicação verdadeira e suficiente parece-me óbvio. As sensações não somente são sucessivas, são também simultâneas; acontece frequentemente que várias delas são sentidas aparentemente no mesmo instante. Este atributo das sensações não é tão evidentemente primordial quanto suas sucessões. Existem filósofos que acreditam que as sucessões pensadas simultaneamente são rapidamente sucessivas, sendo que sua distinção de outros casos de sucessão está em elas poderem suceder umas às outras em qualquer ordem. Não concordo com esta opinião; mas, mesmo supondo-a correta, teríamos igualmente que postular a distinção. Deveríamos assumir que a pluralidade de sensações existe em dois modos, um conscientemente sucessivo, outro sentido como simultâneo, e que a mente é capaz de distinguir entre uma espécie e outra. Ao lado desta dupla ordem inerente às sensações, de serem ou sucessivas ou simultâneas, existe uma ordem dentro daquela ordem; elas são sucessivas ou simultâneas em combinações constantes. A mesma sensação antecedente é seguida pela mesma sensação consequente; a mesma sensação é acompanhada pelo mesmo conjunto de sensações simultâneas. Uso estas expressões por motivo de brevidade, pois a uniformidade da ordem não é assim tão simples. A sensação consequente não é sempre realmente sentida depois da antecedente, nem são todas as sensações sincrônicas realmente sentidas sempre que uma delas é sentida. Mas aquela que é sentida nos dá certeza, fundada na experiência, de que cada uma das outras, se não sentida, é passível de ser sentida, isto é, será sentida se os outros fatos, que são as condições antecedentes conhecidas da sensação tal como ela é, estiverem presentes. Por exemplo, tenho as sensações de cor e de um disco visível, que são partes de nossa concepção presente de uma bola de ferro fundido. Infiro que existe, agora ou presentemente, outro sentimento a ser tido por mim, simultaneamente com estas sensações visuais, denominado sensação de dureza. Mas não tenho esta última sensação inevitável e imediatamente. Por quê? Porque (como também sei por experiência) nenhuma sensação de dureza é jamais sentida a não ser se precedida por uma condição, a mesma em todos os casos, mas ela própria sensitiva - as sensações de esforço e pressão muscular. A sensação visual é sincrônica, não necessariamente à sensação real de dureza, mas à possibilidade presente daquela sensação. Quando sentimos uma, não estamos sempre sentindo a outra, mas sabemos que ela deve ser sentida nos termos comuns; sabemos que tão logo as sensações musculares, que são as preliminares observadas para toda sensação de dureza, ocorram, aquela sensação particular de dureza certamente será tida, simultaneamente à sensação visual. Isto é o que se significa dizendo-se que um corpo é um grupo de possibilidades simultâneas de sensação, não de sensações simultâneas. Raramente acontece que todas as sensações que entram no grupo possam ser experienciadas de uma só vez, porque muitas delas nunca são tidas sem uma longa série de sensações antecedentes, incluindo volições que podem ser incompatíveis com as sensações e volições necessárias para se ter outras. As sensações que recebemos quando estudamos a estrutura interna de um corpo fechado não devem ser obtidas sem se ter previamente a série complexa de sensações e volições que dizem respeito à operação de abri-lo. As sensações que recebemos do complicado processo através do qual a comida nos nutre devem ser esperadas para muito depois de nossa primeira visão da comida, e muitas delas não devem mesmo então ser tidas sem sermos conduzidos a elas através de uma longa série de sensações musculares e de outras sensações. Mas as próprias primeiras sensações que temos, que são suficientes para identificar o grupo, nos garantem a possibilidade ou potencialidade de todas as outras. A potencialidade torna-se atualidade na ocorrência de certas condições sine qua non conhecidas de cada sensação, que não são condições de ter aquela sensação particular num momento dado, mas de ter qualquer sensação daquela espécie - condições que, quando analisadas, são também elas próprias simplesmente sensitivas. Qualquer um que tenha colocado sua mente, por um ato de imaginação, na teoria psicológica, verá num relance todas estas aplicações e desenvolvimentos, mesmo se não os seguisse detalhadamente. Mas os homens não se colocarão, e muitos não podem se colocar, em qualquer teoria com a qual não estão familiarizados; e as posições e consequências da teoria psicológica deverão ser desenvolvidas e minuciosamente expostas inúmeras vezes antes que ela seja vista como é e tenha qualquer oportunidade merecida de ser aceita como verdadeira. Primeiro postulei as sensações; em segundo lugar, a sucessão e simultaneidade de sensações; em terceiro lugar, uma ordem uniforme em sua sucessão e simultaneidade, de tal forma que elas são unidas em grupos de sensações componentes, as quais estão em tal relação entre si que quando experienciamos uma, estamos autorizados a esperar que todo o resto, condicionalmente em certas sensações antecedentes chamadas orgânicas, pertença à espécie de cada uma. Isto é tudo o que precisamos postular com relação aos grupos considerados em si mesmos ou considerados em relação ao sujeito que percebe. Examinemos se é necessário postular alguma coisa adicional com relação aos grupos considerados na relação entre si. Na opinião do Dr. M'Cosh, a. teoria psicológica negligencia esta parte da questão. (M'Cosh,. A mesma observação aplica-se a outro de meus críticos, o escritor do Blackwood's Magazine, que diz: "As qualidades pelas quais elas (as coisas) agem umas sobre as outras não podem ser reduzidas a qualquer receptividade ou subjetividade que me diga respeito"). Citando a análise de nossa concepção da matéria como resistência, extensão e figura, juntamente com poderes miscelâneos de excitar outras sensações, ele observa: "Existe aqui uma omissão palpável, pois a teoria omite aqueles poderes através dos quais um corpo opera sobre outro; assim o sol tem um poder de tornar branca a cera, e o fogo de tornar fluido o cobre". Se o Dr. M'Cosh tivesse entrado mesmo que muito pouco no modo de pensamento que ele está combatendo, deveria ter visto que, após mencionar o atributo das sensações excitantes, poderia não ser necessário acrescentar aquele de fazer alguma outra coisa excitar as sensações. Se o corpo é totalmente concebido como sendo unicamente um poder de excitar sensações, a ação de um corpo sobre outro é simplesmente a modificação de um de tais poderes das sensações excitado por outro; ou, para usar uma expressão diferente, a ação conjunta de dois poderes de sensações excitantes. Isto é fácil para qualquer pessoa competente em tais investigações e que se esforce para entender como um grupo de possibilidades de sensação pode ser concebido destruindo ou modificando outro desses grupos. Admita-se um grupo sincrônico ligado pela simultaneidade contingente já descrita, que proporciona a cada uma das sensações componentes uma marca da possibilidade de ter todas as outras; enquanto cada uma, independentemente das outras, tem condições sine qua non a si própria também sensitivas, mas de espécie que, na linguagem comum, chamamos orgânicas e referimos a um sentido ulterior. Suponhamos que estas condições orgânicas, ao invés de existirem para uma ou mais sensações do grupo e não para o resto, não existem presentemente para qualquer delas. O todo das possibilidades de sensação que formam o grupo, e que mutuamente testemunham a presença de cada uma das outras, está agora adormecido; mas elas estão prontas a se tornarem reais a qualquer momento, quando as condições sine qua non que pertencem a elas efetuarem-se separadamente; e, sempre que qualquer uma delas assim se inicie, ela nos informa (até nossa experiência ter sido alcançada) que outras do mesmo modo estão prontas a se iniciarem. Esta dormência de todas as possibilidades, enquanto estas continuam existindo como possibilidades reais que se garantem mutuamente, constitui, na teoria psicológica, o fato que está na base da asserção de que o corpo está em existência quando não o estamos percebendo. Este fato é tudo o que precisamos postular para explicar nossa concepção de grupos de possibilidades de sensação como sendo permanentes e independentes a nós, nossa projeção deles na objetividade, nossa concepção deles como talvez capazes de serem possibilidades de sensação para outros seres de modo análogo que o são para nós, tão logo concebamos a ideia de outros seres que sentem diferentemente de nós próprios. E, desde que realmente reconheçamos a existência de outros seres conscientes, e recebamos impressões deles que concordam inteiramente com esta hipótese, aceitamos a hipótese como uma verdade e acreditamos que as possibilidades permanentes de sensação são realmente comuns a nós próprios e a outros seres. Tendo assim chegado à concepção de um grupo ausente de possibilidades, não existe certamente mais dificuldade em conceber a aniquilação ou alteração das possibilidades enquanto ausentes, do que das próprias sensações quando presentes. O tronco que vi no fogo uma hora atrás foi consumido e desapareceu quando olho novamente; as possibilidades de sensação que chamei por aquele nome não mais são possibilidades. O gelo que ao mesmo tempo coloquei em frente do fogo é agora água; tais possibilidades de sensação que tomam parte dos grupos chamados gelo e não dos grupos chamados água desapareceram e deram lugar a outros. Tudo isto é inteligível sem se supor a madeira, o gelo ou a água serem algo que está por trás ou além das possibilidades permanentes de sensação. Porque então, quando atribuo o desaparecimento da madeira e a transformação do gelo em água à presença do fogo, devo supor que o fogo é algo que está por trás de uma possibilidade de sensação? Minha experiência informa-me que essas outras possibilidades de sensação não se desvanecem ou mudam da maneira mencionada a menos que outra possibilidade de sensação conhecida pelo nome de fogo tenha existido imediatamente antes da mudança e continuado a existir simultaneamente com a mudança. Verifico que as mudanças nas possibilidades permanentes têm sempre outras possibilidades permanentes como suas condições antecedentes e estão ligadas a elas por uma ordem ou lei tão uniforme quanto aquela que liga os elementos de cada grupo entre si; de fato, por uma ordem ainda mais estrita, pois as leis de sucessão e as de causa e efeito são leis de precisão mais rígida do que as de simultaneidade. Mas os fatos entre os quais existem as uniformidades observadas de sucessão são fatos dos sentidos; isto é, ou sensações reais ou possibilidades de sensação inferidas do real. Portanto, toda a variedade dos fatos da natureza tal como a conhecemos está dada na mera existência de nossas sensações e nas leis ou ordem de sua ocorrência. (O Sr. O'Hanlon, em seu pequeno panfleto, coloca sua dificuldade acerca desta questão nos seguintes termos: "Suas possibilidades permanentes de sensação não são, na medida em que não são sentidas, nada real. Todavia fala-se da mudança que ocorre nelas, e isso independentemente de nossa consciência e de nossa presença ou ausência (...). Se o fogo, separado de qualquer consciência, for alguma condição positiva ou as condições de calor e luz, se o trigo for alguma condição positiva ou condições de alimentação, minha tese está provada e seu Idealismo Puro cai por terra. Se, por outro lado, o fogo, quando separado de alguma consciência, não for nada de positivo, então, desde que não é absolutamente nada quando assim separado, não se pode ter qualquer direito de falar de modificações ocorrendo nele quer estejamos dormindo ou acordados, presentes ou ausentes". Tenho consideração por meu jovem antagonista, não somente pela clareza de seu dilema, mas por ter ido tão diretamente ao ponto em que está a ênfase real da disputa. Mas penso que ele perceberá, a partir do que disse no texto, de que maneira podemos ter o direito de falar de modificações que ocorrem numa possibilidade. E penso que ele será capaz de ver que a condição de um fenômeno não precisa ser algo positivo, no seu sentido da palavra, ou objetivo; pode ser alguma coisa, positiva ou negativa, realidade ou possibilidade, sem a qual o fenômeno não teria ocorrido e que pode, portanto, ser corretamente inferida de sua ocorrência). Fiz agora uma exposição da teoria psicológica e do modo pelo qual ela explica o que se supõe ser nossa convicção natural da existência da matéria, desde o ponto de vista objetivo, assim como o fiz previamente desde o ponto de vista subjetivo; e penso que será verificado que a exposição não pressupõe nada que eu não tenha expressamente postulado, e que não postulo qualquer dos fatos ou noções que procuro explicar. Pode-se dizer que postulei um ego - o sujeito consciente das sensações. Estabeleci quais dados subjetivos, assim como objetivos, postulei. Sendo a expectativa um destes, na medida em que a referência a um ego está implicada na expectativa, postulo um ego. Mas tenho o direito de fazer assim, pois até este momento tentei traçar a origem do corpo, enquanto noção adquirida, e não a origem do eu. (O Sr. O'Hanlon diz: "Admitindo a completa verdade da posição de que existem associações natural e mesmo necessariamente geradas pela ordem de nossas sensações e de nossas reminiscências de sensações, as quais, não se supondo nenhuma intuição de um mundo exterior ter existido na consciência, teriam inevitavelmente gerado a crença, e fariam com que ela fosse considerada como uma intuição -; admitindo, digo, para fins de argumentação, a completa verdade desta posição, pode ainda ser verdade que, apesar de não termos nenhuma intuição do mundo exterior, a referência de que tal mundo existe é uma inferência legítima". Indubitavelmente pode. Malebranche, por exemplo, cujo sistema afirma que a matéria não é percebida, nem de qualquer modo conhecida, nem é passível de ser conhecida por nossas mentes e que todas as coisas que vemos ou sentimos existem somente como ideias na Mente Divina, acreditava no entanto totalmente na realidade desta força supérflua no mecanismo do universo, que simplesmente medita enquanto a maquinaria faz seu trabalho independentemente dela - porque pensava que o próprio Deus tinha afirmado sua existência nas Escrituras; e quem quer que concorde com. Malebranche em suas premissas é provável que concorde com sua conclusão. Mas, para a maioria das pessoas, sejam filósofos ou homens comuns, a evidência na qual a matéria é acreditada existir independentemente de nossas mentes é ou que a percebemos por nossos sentidos, ou que a noção de matéria e a crença nela vêm a nós por uma lei original de nossa natureza. Se for mostrado que não existe nenhuma base para qualquer dessas opiniões - que tudo do que estamos conscientes pode ser explicado sem supor-se que percebemos a matéria através de nossos sentidos, e que a noção de matéria e a crença nela podem ter vindo a nós pelas leis de nossa constituição sem serem uma revelação de alguma realidade objetiva -, as evidências principais da matéria estão no fim; e, apesar de consentir perfeitamente em ouvir alguma outra evidência, o argumento de Malebranche é, devo confessar, tão conclusivo quanto qualquer outro que espero encontrar). Tendo mostrado que, para descrever a crença na matéria, ou, em outras palavras, num não-ego que supomos apresentar-se na sensação ou juntamente com ela, não é necessário supor nada mais do que as sensações e possibilidades de sensação ligadas em grupos; era natural e necessário investigar se o ego, que supomos apresentar-se na sensação ou juntamente com toda e qualquer consciência, é também uma noção adquirida, explicável da mesma maneira. Formulei, portanto, esta teoria fenomênica do ego, libertei-a do prejuízo que a liga, no escore de consequências às quais ela não conduz, com a não-existência, primeiro, de nossos semelhantes, e, em segundo lugar, de Deus; (Alguns de meus críticos impugnaram o capítulo precedente neste ponto particular. Disseram (o Sr. O'Hanlon é quem disse com maior brevidade e força) que as pessoas, do mesmo modo que as coisas inanimadas, podem ser concebidas como simples estados de minha própria consciência; que os mesmos processos de pensamento que, de acordo com a teoria psicológica podem gerar a crença na matéria mesmo se ela não existe devem ser igualmente capazes de engendrar a crença na existência de outras mentes; e que os princípios da teoria obrigam-nos, sob a lei de parcimônia, a concluir que, se a crença pode ter sido assim gerada, ela o foi; consequentemente a teoria afasta toda evidência da existência de outras mentes ou de outros fios de consciência além dos nossos próprios. A teoria faria isso indubitavelmente se a única evidência da existência de outros fios de consciência fosse uma crença natural, assim como a crença natural é a única evidência que as pessoas racionais agora admitem da existência da matéria. Mas existe outra evidência que não existe no caso da matéria, e que é tão conclusiva quanto a outra é inconclusiva. Sua natureza foi formulada, com suficiente profundidade de desenvolvimento, no capítulo precedente, e o Sr. O'Hanlon entendeu-a corretamente como sendo uma simples extensão "dos princípios de evidência indutiva, que a experiência mostra sustentarem-se perfeitamente de meus estados de consciência a uma esfera sem minha consciência". Mas ele objeta: "Fazer isso é postular duas coisas: (a) que existe uma esfera além de minha consciência; a própria coisa a ser provada. (b) Que as leis que prevalecem em minha consciência também prevalecem na esfera além dela". A isto respondo que a teoria não postula estas duas coisas, mas, no grau requerido pela presente questão, as prova. Não existe nada na natureza do princípio indutivo que o confine dentro dos limites de minha própria consciência, quando acontece excepcionalmente que uma inferência, ultrapassando os limites de minha consciência, possa ajustar-se às condições indutivas. Sou consciente, por experiência, de um grupo de possibilidades permanentes de sensação que chamo meu corpo, e que minha experiência mostra ser uma condição universal de toda parte de meu fio de consciência. Sou também consciente de um grande número de outros grupos, que se assemelham ao que chamo meu corpo, mas que não têm nenhuma conexão, tal como aquele tem, com o resto de meu fio de consciência. Isto me dispõe a extrair a inferência indutiva de que estes outros grupos estão ligados com outros fios de consciência, como o meu grupo está com meu próprio fio de consciência. Se a evidência parasse aqui, a inferência não seria mais do que uma hipótese; alcançando somente o grau inferior de evidência indutiva chamado analogia. A evidência, entretanto, não para aqui; pois - tendo feito a suposição de que sentimentos reais, embora não experienciados por mim, descansam além dos fenômenos de minha própria consciência, aos quais, por soo semelhança ao meu corpo, chamo de outros corpos humanos - verifico que minha consciência subsequente apresenta exatamente essas sensações de ouvir um discurso, de movimentos e outras condutas exteriores visíveis, e assim por diante, que, sendo em meu próprio caso, os efeitos ou consequentes dos sentimentos reais, eu esperaria seguirem-se desses outros sentimentos hipotéticos se eles realmente existissem; e assim a hipótese é verificada. Prova-se deste modo indutivamente que existe uma esfera além de minha consciência; isto é, que existem outras consciências além dela, pois não existe nenhuma evidência paralela com relação à matéria. E prova-se indutivamente, no que diz respeito a essas outras consciências ligadas a tantos grupos de possibilidades permanentes de sensação similares ao meu próprio corpo, que as leis que prevalecem em minha consciência também prevalecem na esfera além dela; que esses outros traços de consciência são seres similares a mim. A legitimidade deste processo não é passível de outras objeções reais ou imaginárias, além daquelas que podem ser feitas contra as inferências indutivas na esfera de nossa própria consciência real ou possível. Fatos dos quais nunca tive consciência são fatos tão conhecidos, tão separados de minha experiência real, quanto os fatos dos quais não posso ter consciência. Quando concluo, dos fatos que imediatamente percebo, a existência de outros fatos que poderiam entrar em minha consciência real (o que os sentimentos de outras pessoas nunca podem) e que nunca entraram nela, e dos quais não tenho nenhuma evidência a não ser uma indução da experiência, como sei que estou concluindo corretamente - que se justifica a inferência de uma possibilidade contingente de consciência que nunca se tornou real a partir de uma consciência real? Certamente porque esta conclusão da experiência é verificada pela experiência posterior; porque essas outras experiências que devo ter, se minha inferência for correta, realmente se apresentam. Esta verificação, que é a fonte de toda minha confiança na indução, justifica a mesma confiança onde quer que seja encontrada. Os traços alheios de consciência dos quais supus a existência a partir da analogia a meu próprio corpo manifestam a verdade da suposição através de efeitos visuais e tácteis em minha própria consciência, assemelhando-se àqueles que se seguem das sensações, dos pensamentos ou das emoções sentidas por mim. A realidade além da esfera de minha consciência descansa numa dupla evidência, a de seus antecedentes e de seus consequentes. Trata-se de uma inferência para além das manifestações e para aquém das condições antecedentes; e, se operarmos uma destas inferências, a outra será sua verificação. Aventuro-me a acreditar que estas considerações possam remover a dificuldade do Sr. O'Hanlon. Mas, qualquer que possa ser a dificuldade, ela não é particular à teoria psicológica, mas deve igualmente ser encontrada em todas as outras teorias. Pois ninguém supõe que os sentimentos ou estados de consciência de outras pessoas são uma questão de intuição direta ou de crença natural. Não percebemos diretamente outras mentes; não conhecemos imediatamente sua realidade, a não ser por meio de evidência. E não existe nenhuma evidência pela qual me pode ser provado que existe um ser consciente em cada corpo humano que vejo, sem um processo de indução que envolva exatamente as mesmas assunções que são requeridas pela teoria psicológica. Deterei o leitor por mais alguns momentos enquanto respondo a uma dificuldade menor do Sr. O'Hanlon. Ele afirma que a teoria psicológica insere uma consciência alheia entre duas consciências próprias a mim, como o efeito de uma delas e a causa da outra. "Um menino corta seu dedo e grita. A faca, o sangue e o corpo do menino são somente (na perspectiva do Sr. Mill) grupos reais e possíveis de minhas sensações, e o grito é uma sensação real. Infiro, continuando a aceitar a teoria do Sr. Mill, que entre o grito e as outras sensações, notadamente entre dois conjuntos de estados de minha própria consciência, uma consciência estranha tem o sentimento que chamo dor, e também que as sensações de cortar seu dedo, as mesmas sensações, pertencem tanto a ele quanto a mim, combinadas com certas adições, e numa maneira muito peculiar. Todavia, se eu não estivesse por perto, o menino, a faca, o sangue, o grito existiriam só potencialmente". O absurdo aparente e a confusão real que existem aqui são unicamente atribuíveis ao fato de que o Sr. O'Hanlon, não resistindo sua perspicácia, não se colocou ainda suficientemente na teoria que nega. Baseado na mesma evidência em que reconheço traços estranhos de consciência, acredito que as possibilidades permanentes de sensação são comuns a eles e a mim; mas as sensações não o são. A evidência prova-me que, embora a faca, o sangue e o corpo do menino fossem, se eu estivesse ausente, meras possibilidades de sensação com relação a mim, as potencialidades similares que infiro existirem nele foram constatadas enquanto sensações reais; e é como condições das sensações em mim que elas formam uma parte das séries de causas e efeitos que ocorrem fora de minha consciência. A cadeia de causação é a seguinte: (1) Uma modificação em um conjunto de possibilidades permanentes de sensação comuns ao menino e a mim. (2) Uma sensação de dor no menino não sentida por mim. (3) O grito, que é uma sensação em mim). mas mostrei que ela tem dificuldades intrínsecas que ninguém foi capaz de remover; desde que alguns dos atributos compreendidos em nossa concepção do ego, e que estão em seu próprio fundamento, notadamente a memória e a expectativa, não têm nenhum equivalente na matéria e não podem ser reduzidos a quaisquer elementos similares àqueles pelos quais a matéria é analisada na teoria psicológica. Tendo estabelecido estes fatos como inexplicáveis pela teoria psicológica, deixo-os ficar como fatos, sem qualquer teoria, não adotando a hipótese das possibilidades permanentes como uma teoria suficiente do eu, apesar das objeções a ela, que alguns de meus críticos imaginaram e com as quais gastaram uma quantidade não pequena de argumentação e sarcasmo para expor a insustentabilidade de tal posição; nem, por outro lado, aceitei, como outros supuseram, a teoria comum da mente como uma assim chamada substância. Desde que o estado em que professei deixar a questão foi tão mal-entendido, sou obrigado a explicar-me mais detalhadamente. Uma vez que o fato que isoladamente necessita da crença num ego, o único fato que a teoria psicológica não pode explicar, é o fato de memória (pois a expectativa sustento ser tanto psicológica como logicamente uma consequência da memória), não vejo nenhuma razão para pensar que existe alguma cognição de um ego até que a memória comece. Não parece haver nenhuma base para acreditar, com Sir W. Hamilton e com o Sr. Mansel, que o ego é uma apresentação original da consciência; que a mera impressão em nossos sentidos envolve, ou traz consigo, qualquer consciência de um eu, qualquer consciência maior daquela que a acredito fazer de um não-eu. Nossa própria noção de um eu tem seu começo, existe toda razão em supor, na representação de uma sensação na memória, quando despertada pela única coisa que existe para despertá-la antes que quaisquer associações tenham sido formadas, notadamente a ocorrência de uma sensação subsequente similar à primeira. O fato de reconhecer uma sensação, de relembrá-la e, como dissemos, de lembrar que ela foi sentida antes é o mais simples e mais elementar dado de memória; e a ligação inexplicável, ou lei, a união orgânica (como o Prof. Masson a chama) que liga a consciência presente com a passada, da qual ela me lembra, está tão próxima quanto penso podermos chegar a uma concepção positiva do eu. Sustento ser indubitável que exista algo real nesta ligação, tão real quanto as próprias sensações, e não um mero produto das leis do pensamento sem qualquer fato que lhe corresponda. A natureza precisa do processo pelo qual conhecemos é passível de muita disputa. Não me comprometo decidir se somos diretamente conscientes dele no ato de lembrança, como somos da sucessão pelo fato de termos sensações sucessivas, ou se, de acordo com a opinião de Kant, não somos de forma alguma conscientes de um eu, mas somos compelidos a assumi-lo como uma condição necessária da memória. (O Sr. Mahaffy pensa que a questão pode ser decidida em favor de Kant, baseado na consciência em si. "É você", pergunta ele, "consciente de ser apresentado a si próprio como uma substância? Ou é você somente consciente de que em todo ato de pensamento deve pressupor um eu permanente, e sempre referi-lo ao eu, enquanto que esse eu não pode ser apreendido, e permanece como uma base escondida sobre a qual se constrói a estrutura de seus pensamentos? Qual destas opiniões a maioria dos homens adotará? Afinal das contas, a perspectiva de Kant é a mais simples, e a mais compatível com a linguagem comum"). Mas este elemento original não tem nenhuma comunidade de natureza com qualquer das coisas que respondem a nossos nomes, e para o mesmo não podemos dar algum nome a não ser seu próprio nome peculiar sem implicar alguma teoria falsa ou infundada, é o ego, ou eu. Como tal, atribuo uma realidade ao ego - à minha própria mente - diferente daquela existência real que enquanto possibilidade permanente é a única realidade que reconheço na matéria; e, por uma inferência experiencial provável daquele único ego, atribuo a mesma realidade a outros egos ou mentes. Tendo assim, como acredito, definido mais claramente minha posição com relação à realidade do ego considerado como uma questão de ontologia, retorno a meu primeiro ponto de partida, a relatividade do conhecimento humano e afirmo (estando aqui de inteiro acordo com Sir W. Hamilton) que, qualquer que seja a natureza da existência real que somos compelidos a reconhecer na mente, a mente conhece-se a si própria só fenomenalmente como as séries de seus sentimentos ou consciências. Somos forçados a apreender cada parte das séries como sendo ligada com as outras partes por algo em comum, que não são os próprios sentimentos, mais do que a sucessão dos sentimentos são os próprios sentimentos; e, como aquilo que é o mesmo no primeiro como no segundo, no segundo como no terceiro, no terceiro como no quarto, e assim por diante, deve ser o mesmo no primeiro como no quinquagésimo, este elemento comum é um elemento permanente. Mas, além disso, não podemos afirmar nada a respeito dela exceto os próprios estados de consciência. Os sentimentos ou consciências que pertencem ou pertenceram a ela, e suas possibilidades de ter mais, são os únicos fatos que se devem afirmar acerca do eu - os únicos atributos positivos, exceto a permanência, que lhe podemos atribuir. Como consequência disto, ocasionalmente uso as palavras mente e fio de consciência como sendo intercambiáveis, e trato mente enquanto existente e mente enquanto conhecida em si própria como convertíveis; mas isto somente por brevidade e as explicações agora devem sempre ser tomadas como implicadas. CAPÍTULO III A doutrina dos conceitos ou das noções gerais Chegamos agora às questões que constituem a transição da psicologia à lógica - da análise e leis das operações mentais à teoria da indagação da verdade objetiva -, sendo a ligação natural entre as duas a teoria das operações mentais particulares através das quais a verdade é indagada ou autenticada. De acordo com a classificação comum (...) estas operações são três: a concepção ou formação de noções gerais, o juízo e o raciocínio. Comecemos pela primeira. Neste tópico, duas questões se apresentam: primeiro, se existem coisas tais como noções gerais, e, em segundo lugar, quais são elas. Se existem noções gerais, devem ser as noções que são expressadas por termos gerais; e, no que concerne aos termos gerais, aqueles que têm o mais elementar conhecimento da história da metafísica são conscientes de que existem, ou existiram, três diferentes opiniões. A primeira é a dos realistas, que sustentavam que os nomes gerais são os nomes de coisas gerais. Ao lado das coisas individuais, reconheciam outra espécie de coisas, não individuais, que tecnicamente chamaram segundas substâncias ou universais, a parte rei. Além de todos os homens e mulheres individuais, existia uma entidade chamada homem - homem em geral, que era inerente aos homens e mulheres individuais e comunicava-lhes sua essência. Consideravam que estas substâncias universais eram uma espécie muito mais digna de seres do que as substâncias individuais, e as únicas cuja cognição merecia os nomes de ciência e conhecimento. As existências individuais eram rápidas e perecíveis, mas os seres chamados gêneros e espécies eram imortais e imutáveis. Esta, a mais predominante doutrina filosófica da Idade Média, foi agora universalmente abandonada, mas permanece um fato de grande significação na história da filosofia, sendo um dos mais surpreendentes exemplos da tendência da mente humana a inferir a diferença das coisas a partir da diferença dos nomes - é a suposição de que toda classe diferente de nomes implica uma classe correspondente de entidades reais a serem denotadas por eles. Tendo-se dois nomes tão diferentes como homem e Sócrates, estes inquiridores pensaram ser inteiramente possível que homem devesse ser somente um nome para Sócrates e outros parecidos com ele, tomados desde um ponto de vista particular. Homem, sendo um nome comum a muitos, deve ser o nome de uma substância comum a muitas e em união mística com as substâncias individuais, Sócrates e todo o resto. Na alta Idade Média cresceu uma escola rival de metafísicos, denominados nominalistas, que, repudiando as substâncias universais, sustentaram que não existe nada geral a não ser os nomes. Um nome, diziam, é geral se é aplicado na mesma acepção a uma pluralidade de coisas; mas cada uma das coisas é individual. A disputa entre estas duas seitas de filósofos foi muito penetrante e assumiu o caráter de uma querela metafísica: a autoridade também interferiu nela, e como de costume do lado errado. A teoria realista foi exposta como a doutrina ortodoxa e a crença nela foi imposta como um dever religioso. Ela não podia, entretanto, resistir permanentemente à crítica filosófica, e pereceu. Mas não deixou o nominalismo de posse do campo. Uma terceira doutrina originou-se, que se esforçou em navegar entre as duas. De acordo com esta, que é conhecida pelo nome de conceitualismo, a generalidade não é um atributo somente dos nomes, mas também dos pensamentos. De fato, os objetos exteriores são todos individuais, mas para cada nome geral corresponde uma noção geral ou concepção chamada por Locke e outros uma ideia abstrata. Os nomes gerais são os nomes destas ideias abstratas. O realismo não sendo mais existente, nem provavelmente revivível, o debate atualmente é entre o nominalismo e o conceitualismo, cada um dos quais conta com nomes ilustres entre seus modernos seguidores. (...) A formação (...) de um conceito não consiste em separar os atributos que se diz compô-lo a partir de todos os outros atributos do mesmo objeto, para assim permitir-nos conceber estes atributos separados de todos os outros. Não os concebemos, não os pensamos, não os apreendemos de nenhum modo como uma coisa à parte, mas somente como formando, em combinação com muitos outros atributos, a ideia de um objeto individual. Mas, apesar de pensá-los somente como parte de um agregado maior, temos o poder de fixar nossa atenção sobre eles negligenciando os outros atributos com os quais pensamos que estão combinados. Enquanto dura efetivamente a concentração da atenção, se ela é suficientemente intensa, podemos ser temporariamente inconscientes de alguns dos outros atributos e podemos, então, por um breve intervalo, não ter nada presente à nossa mente a não ser os atributos que constituem o conceito. Em geral, entretanto, a atenção não é tão completamente exclusiva como esta; ela deixa lugar na consciência para outros elementos da ideia concreta, embora a consciência destes seja fraca, em proporção à energia do esforço concentrador; e, no momento em que a atenção se relaxa, se a mesma ideia concreta continua a ser contemplada, seus outros constituintes entram na consciência. Não temos, portanto, nenhum conceito geral propriamente falando; temos somente ideias complexas dos objetos no concreto; mas somos capazes de prestar atenção exclusivamente a certas partes da ideia concreta, e por aquela atenção exclusiva permitimos que essas partes determinem exclusivamente o curso de nossos pensamentos como são lembrados subsequentemente por associação; e estamos em condição de continuar uma sucessão de meditação ou raciocínio relacionado somente com essas partes, exatamente como se fôssemos capazes de concebê-las separadamente do resto. O que principalmente nos permite fazer isto é o emprego de signos, e particularmente a espécie mais eficiente e familiar de signos, a saber, os nomes. Este é um ponto que Sir W. Hamilton coloca bem e vigorosamente, e existem muitas razões para relatá-lo em sua própria linguagem. O conceito assim formado por uma abstração das qualidades dos objetos que se assemelham a partir das qualidades que não se assemelham cairia de novo na confusão e infinitude da qual ele foi retirado, não fosse tornado permanente pela consciência, sendo fixado e ratificado em um signo verbal. Considerados em geral, o pensamento e a linguagem são reciprocamente dependentes; cada um sustenta todas as imperfeições e perfeições do outro; mas sem a linguagem não poderia existir nenhum conhecimento compreendido das propriedades essenciais das coisas e da conexão de seus estados acidentais. A base lógica disto é que, quando desejamos ser capazes de pensar em objetos com relação a alguns de seus atributos - para não lembrar nenhum objeto exceto os que são investidos destes atributos e para lembrá-los com nossa atenção dirigida exclusivamente a esses atributos -, efetuamos isto dando àquela combinação de atributos, ou à classe de objetos que os possui, um nome específico. Criamos uma associação artificial entre esses atributos e uma certa combinação de sons articulados que nos garante que quando ouvimos o som, ou vemos os caracteres escritos correspondentes a ele, será originada na mente uma ideia de algum objeto que possui esses atributos, ideia na qual unicamente esses atributos serão sugeridos com intensidade à mente, sendo fraca nossa consciência do resto da ideia concreta. Como o nome foi diretamente associado somente a esses-atributos, é bem provável relembrá-los, no próprio nome, uma combinação concreta assim como em qualquer outra. Que combinação ele relembrará num caso particular depende da atualidade da experiência, dos acidentes da memória ou da influência de outros pensamentos que passaram, ou mesmo estão passando, pela mente; consequentemente, a combinação está longe de ser sempre a mesma, e raramente fica ela própria firmemente associada com o nome que a sugere, enquanto a associação do -nome aos atributos que formam sua significação convencional está constantemente tornando-se mais vigorosa. A associação daquele conjunto particular de atributos a uma palavra dada é o que os mantém unidos na mente por uma ligação mais vigorosa do que aquela com a qual eles estão associados ao restante da imagem concreta. Para expressar o significado na fraseologia da Sir W. Hamilton, esta associação lhes dá uma unidade (Uma das melhores e mais profundas passagens em todos os escritos de Sir W. Hamilton é aquela na qual ele aponta (embora incidentalmente) quais são as condições de nossa atribuição de uma unidade a qualquer agregado: "Contudo é somente por experiência que chegamos a atribuir uma unidade exterior a algo continuamente extenso, isto é, consideramo-lo como um sistema ou um todo constituído; entretanto, na medida em que assim o consideramos, pensamos as partidas como mantidas juntas por uma certa força, e o todo, portanto, como dotado de um poder de resistir à separação delas. De fato, somente verificando-se que uma continuidade material resiste à separação, é que a consideramos como mais do que um agregado fortuito de muitos corpos, isto é, como um corpo simples. Consideramos, por exemplo, o universo material, embora não seja de fato continuamente extenso, como um sistema na medida, mas unicamente na medida, em que verificamos todos os corpos tenderem à união através de atração recíproca) em nossa consciência, Somente quando isto foi efetuado é que possuímos o que Sir W. Hamilton denomina um conceito; e este é o todo do fenômeno mental envolvido na matéria. Temos uma representação concreta, da qual alguns dos elementos componentes são diferenciados por uma marca, que os seleciona para uma atenção especial; e esta atenção, em casos de intensidade excepcional, exclui toda a consciência dos outros. Em resumo: se a doutrina de que pensamos por conceitos significa que um conceito é a única coisa presente à mente juntamente com o objeto individual que (para usar a linguagem de Sir W. Hamilton) pensamos por trás do conceito, isto não é verdade, desde que sempre está presente uma ideia ou imagem concreta, cujos atributos compreendidos no conceito são somente, e não podem ser concebidos a não ser como, uma parte. Novamente, se se significar que o conceito, embora seja somente uma parte do que está presente à mente, é a parte que é operativa no ato de pensamento, isto também não é verdade; pois o que é operativo é, numa grande maioria de casos, muito menos do que a totalidade do conceito, por ser somente aquela porção da qual conservamos o hábito de distintamente prestar atenção. Em nenhum desses sentidos, portanto, pensamos por meio do conceito; e o que é verdadeiro é que, quando referimos qualquer objeto ou conjunto de objetos a uma classe, pelo menos alguns dos atributos incluídos no conceito estão presentes à mente, sendo relembrados à consciência e fixados na atenção através de sua associação com o nome da classe. CAPÍTULO IV Do raciocínio Em comum com a maioria dos modernos escritores sobre lógica, cuja linguagem é geralmente a da escola conceitualista, Sir W. Hamilton considera o raciocínio, do mesmo modo que considera o juízo, consistir numa comparação de noções: tanto dos conceitos entre si como dos conceitos com as representações mentais de objetos individuais. Somente no juízo simples duas noções são comparadas imediatamente; no raciocínio, mediatamente. O raciocínio é a comparação de duas noções por meio de uma terceira. Como se segue: "o raciocínio é um ato de comparação ou juízo mediato; pois raciocinar é reconhecer que duas noções estão entre si na relação de um todo para suas partes, através de um reconhecimento de que essas noções estão severamente na mesma relação com uma terceira". O fundamento, portanto, de todo raciocínio é "o princípio auto evidente de que uma parte da parte é uma parte do todo". "Sem raciocínio estaríamos limitados a um conhecimento do que é dado por intuição imediata; teríamos sido incapazes de obter qualquer inferência deste conhecimento, e teríamos sido impedidos da descoberta daquela incontável multidão de verdades que, apesar da grande e fundamental importância, não são auto evidentes." Este reconhecimento de que descobrimos uma "incontável multidão de verdades" que compõe uma vasta proporção de todo nosso conhecimento real por mero raciocínio, verificamos discordar consideravelmente com a teoria do processo de raciocínio de nosso autor e com sua visão total da natureza e funções da lógica, a ciência do raciocínio; mas esta inconsistência é comum a ele e a aproximadamente todos os escritores sobre lógica, porque, como ele, ensinam uma teoria da ciência muito pequena e estreita para conter seus próprios fatos. Não se opondo ao grande número de filósofos que consideraram a definição citada acima ser uma descrição correta do raciocínio, as objeções a ela são tão manifestas que, mesmo após muita meditação acerca do tema, podemos escassamente prevalecer em pronunciá-las, tão impossível pareça que dificuldades tão óbvias devam ser sempre negligenciadas a menos que admitissem uma resposta simples. O raciocínio, diz-se, é um modo de averiguar se uma noção é uma parte de outra; e o uso do raciocínio deve capacitar-nos a descobrir verdades que não são auto evidentes. Mas como é possível que uma verdade que consiste em uma noção que é parte de outra não seja auto evidente? As noções, por suposição, estão ambas em nossa mente. Para perceber de que partes elas são compostas, nada certamente pode ser necessário a não ser fixar nossa atenção nelas. Não podemos certamente concentrar nossa consciência em duas ideias em nossa própria mente sem conhecer com certeza se uma delas como um todo inclui a outra como uma parte. Se temos a noção bípede e a noção homem e sabemos o que elas são, devemos saber se a noção de um bípede é parte da noção que formamos para nós próprios de um homem. Neste caso o método simplesmente introspectivo está em seu lugar. Não precisamos ir além de nossa consciência das próprias noções. Além disso, se acontecesse realmente o caso de podermos comparar duas noções e falhar em descobrir se uma delas é uma parte da outra, é impossível entender como pudemos estar capacitados a realizar isto comparando cada uma delas com uma terceira. A, B e C são três conceitos dos quais supõe-se sabermos que A é uma parte de B, e B de C, mas até que coloquemos estas duas proposições juntas não sabemos que A é uma parte de C. Percebemos B em C intuitivamente, por comparação direta; mas o que é B? Por suposição é, e é percebido ser, A mais alguma coisa. Percebemos, portanto, por intuição direta, que A mais alguma coisa é uma parte de C, sem perceber que A é uma parte de C. Certamente existe aqui uma grande dificuldade psicológica a ser ultrapassada, com relação à qual os lógicos da escola conceitualista foram surpreendentemente cegos. Esforçando-me, não para entender o que eles dizem, pois nunca enfrentaram a questão, mas para imaginar o que eles poderiam dizer para afastar este aparente absurdo, duas coisas ocorrem à mente. Pode dizer-se que quando uma noção está em nossa consciência, mas não sabemos se algo é ou não é uma parte dela, a razão é que esquecemos alguma de suas partes. Possuímos a noção, mas somente somos conscientes de parte dela, e ela faz seu trabalho em nossas sucessões de pensamento só de modo simbólico. Ou, ainda, pode dizer-se que todas as partes da noção estão em nossa consciência, mas estão em nossa consciência indistintamente. O significado de ter uma noção distinta, de acordo com Sir W. Hamilton, é que podemos discriminar os caracteres ou atributos dos quais ela é composta. O fato admitido, portanto, de que podemos ter noções indistintas pode ser citado como prova de que podemos possuir uma noção e não sermos capazes de dizer positivamente o que está incluído nela. Estes são os melhores ou ainda os únicos argumentos apresentáveis que sou capaz de inventar em defesa do paradoxo envolvido na teoria conceitualista do raciocínio. É muito mais fácil refutar estes argumentos do que foi descobri-los, A refutação, assim como a dificuldade original, é muito profunda. Para começar, uma noção, da qual uma parte foi esquecida, é nessa medida uma noção perdida, e é como se nunca a tivéssemos tido. As partes que não mais podemos discernir nela não estão nela, e não pode, portanto, ser provado estarem nela através do raciocínio mais do que por intuição. Podemos ser capazes de descobrir por raciocínio que elas deveriam estar ali, e podemos, por consequência, colocá-las ali; mas isto não é reconhecê-las como se já estivessem ali. Como uma noção em parte esquecida é uma noção parcialmente perdida, assim também uma noção indistinta é uma noção ainda não formada, mas em processo de formação. Temos uma noção indistinta de uma classe quando percebemos de um modo geral que certos objetos diferem de outros, mas ainda não percebemos no que; ou percebemos alguns dos pontos de diferença, mas ainda não percebemos, ou ainda não generalizamos, os outros. Neste caso nossa noção ainda não é uma noção completa, e as partes que não podemos discernir nela são indiscerníveis porque elas ainda não estão ali. Como no primeiro caso, o resultado do raciocínio pode ser o de colocá-las ali; mas certamente não efetua isto, provando-as já estarem ali. Mas, mesmo que estas explicações resolvessem o mistério de sermos conscientes de um todo e incapazes de sermos diretamente conscientes de suas partes, falhariam ainda assim em tornar inteligível como, não tendo diretamente este conhecimento, somos capazes de adquiri-lo através de uma terceira noção. Por hipótese, esquecemos que A é uma parte de C, até que novamente nos tornemos conscientes disso através da relação de cada um deles a B. Não esquecemos, portanto que A é uma parte de B, nem que B é uma parte de C. Quando concebíamos B, concebíamos A como parte dele; quando concebíamos C, concebíamos B como uma parte dele. No simples fato, portanto, de conceber C, éramos conscientes de B estar nele, e a consciência de A é uma parte necessária daquela consciência de B, e mesmo assim nossa consciência de C não nos capacita a encontrar nele nossa consciência de A, apesar de ele realmente estar ali, e apesar de ambos estarem distintamente presentes. Se qualquer um pode acreditar nisto, nenhuma contradição e nenhuma impossibilidade em qualquer teoria da consciência precisa surpreendê-lo. Substituamos agora a hipótese de esquecimento pela hipótese de indistintividade. Tínhamos uma noção de C, que era tão indistinta que não podíamos discriminar A das outras partes da noção. Mas ela não era tão indistinta para não nos permitir discriminar B, de outro modo o raciocínio cairia por terra assim como a intuição. A noção de B, novamente, indistinta como possa ter sido em outros aspectos, deve ter sido tal que pudéssemos com segurança discriminar A como contido nela. Aqui então retoma o mesmo absurdo: A está distintamente presente em B, que está distintamente presente em C, portanto A, se existir qualquer força no raciocínio, está distintamente presente em C; no entanto A não pode ser discriminado ou percebido na consciência na qual ele está distintamente presente, de tal forma que, antes que nosso raciocínio começasse, estávamos imediata e distintamente conscientes de A e inteiramente inconscientes dele. Não existe uma coisa chamada redução ao absurdo, se isto não é uma. A razão pela qual um juízo, que não é intuitivamente evidente, pode ser formulado através da mediação de premissas é que os juízos que não são intuitivamente evidentes não consistem em reconhecer que uma noção é parte de outra. Quando este é o caso, a conclusão é tão bem conhecida por nós ab initio quanto as premissas, isto é exatamente o que acontece nos juízos analíticos. Quando o raciocínio realmente conduz às incontáveis multidões de verdade não auto evidentes das quais nosso autor fala - isto é quando os juízos são sintéticos -, aprendemos, não que A é parte de C, porque A é parte de B e B de C, mas que A está ligado a C porque A está ligado a B, e B a C. O princípio do raciocínio não é uma parte da parte é uma parte do todo; mas uma marca da marca é uma marca da própria coisa, nota notae est nota rei ipsius. Significa que duas coisas que coexistem constantemente com a mesma terceira coisa, constantemente coexistem entre si; não se significando pelas coisas nossos conceitos, mas os fatos de experiência nos quais nossos conceitos devem estar fundados. Esta teoria do raciocínio está livre das objeções que são fatais à escola conceitualista. Não podemos descobrir que A é uma parte de C por ser uma parte de B, desde que, se ele realmente assim o for, uma verdade deve ser tanto uma matéria de consciência quanto a outra. Mas podemos descobrir que A está ligado a C por estar ligado a B; desde que nosso conhecimento de que ele está ligado a B possa ter sido obtido por uma série de observações nas quais C não era perceptível. C, devemos lembrar, refere-se a um atributo, isto é, não a uma apresentação real dos sentidos, mas a um poder de produzir tais apresentações; e que um poder pode ter sido apresentado sem ser aparente está no curso comum das coisas, não implicando nada mais do que o seguinte: as condições necessárias para determiná-lo em ato não estavam todas presentes. Este poder ou potencialidade, C, pode ter sido afirmado de maneira análoga estar ligado a B por outro conjunto de observações no qual é a vez de A estar adormecido ou, talvez, ser ativo, mas não esperado. Combinando os dois conjuntos de observações, somos capacitados a descobrir o que não estava contido em qualquer um deles, notadamente uma constância de conjunção entre C e A, tal que um deles vem a ser uma marca do outro, embora, em nenhum dos dois conjuntos de observações, nem em quaisquer outros, possam C e A ter sido realmente observados juntos; ou, se observados, não o foram com a frequência ou sob condições experimentais que nos obrigariam a generalizar o fato. Este é o processo pelo qual, em realidade, adquirimos a maior parte de nosso conhecimento - o qual (como diz nosso autor) não é inteiramente dado por intuição imediata. Mas nenhuma parte deste processo é de modo algum semelhante à operação de reconhecer as partes e um todo, ou reconhecer qualquer relação que seja entre conceitos que não têm relação alguma com a matéria, mais do que é implicado no fato de que não podemos raciocinar sobre as coisas sem concebê-las ou representá-las na mente. A teoria que supõe O juízo e o raciocínio serem a comparação de conceitos é obrigada a fazer o termo "conceito" representar, não a própria noção de uma coisa do pensador ou daquele que medita, mas uma espécie de noção normal que é entendida como sendo possuída por todos, embora nem todos a usem sempre; e é esta tácita substituição do exato conceito que tenho em minha própria mente por um conceito que flutua no ar que torna possível fantasiar que podemos, pelo raciocínio, descobrir que num conceito existe algo, que não somos capazes de descobrir nele pela consciência, porque aquele conceito não está em nossa consciência. Mas um conceito de uma coisa que não está ali onde o concebo é para mim um fato exterior tanto quanto uma apresentação dos sentidos o possa ser: é um conceito de outra pessoa, não meu. Pode ser o conceito convencional da grande maioria das pessoas - aquele que se concordou tacitamente em associar com a classe; em outras palavras, pode ser a conotação do nome da classe; e, se assim o for, pode muito provavelmente conter elementos que não posso diretamente reconhecer nele, mas- que posso precisar aprender na evidência exterior; mas isto é porque não conheço a significação da palavra, os atributos que determinam sua aplicação - e o que preciso fazer é aprendê-los; quando tiver feito isto, não terei dificuldade alguma em reconhecer diretamente, como uma parte deles, alguma coisa que assim o é realmente. Mas, com relação a todos os atributos não incluídos na significação do nome, não somente não os encontro no conceito, mas eles nem mesmo se tornam parte dele após tê-los aprendido por experiência; a menos que entendamos pelo conceito não somente a essência da classe, como o fazem os filósofos em geral, mas todos os seus atributos conhecidos, de acordo com Sir W. Hamilton. Mesmo no sentido de Sir W. Hamilton, eles não se encontram no conceito, mas adicionam-se a ele; e não até que consintamos serem fatos objetivos - subsequentemente, portanto, ao raciocínio pelo qual eles são afirmados. Tome-se um caso tal como este: aqui estão duas propriedades dos círculos. Uma é que o círculo é limitado por uma linha, cada ponto da qual é igualmente distante de um certo ponto dentro do círculo. Este atributo é conotado pelo nome, e é, em ambas as teorias, uma parte do conceito. Outra propriedade do círculo é que a largura de sua circunferência está para o diâmetro na razão de aproximadamente 3,14159 para 1. Este atributo foi descoberto, e é agora conhecido, como um resultado do raciocínio. Ora, existe algum sentido, consistente com o significado dos termos, no qual possa dizer-se que esta propriedade recôndita tomava parte do conceito "círculo", antes que ela tivesse sido descoberta pelos matemáticos? Mesmo no significado de conceito de Sir W. Hamilton, ele não está em ninguém, mas ainda agora é um conceito matemático; e mesmo se admitirmos que os matemáticos devam determinar o conceito normal de um círculo para a totalidade da humanidade, os próprios matemáticos não encontram a razão entre o diâmetro e a circunferência no conceito, mas a colocam ali; e não poderiam tê-lo feito assim até que estivesse completa a longa sucessão de difícil raciocínio que culminou na descoberta. É impossível, portanto, sustentar racionalmente ambas as opiniões professadas simultaneamente por Sir W. Hamilton - que o raciocínio é a comparação de duas noções por meio de uma terceira e que o raciocínio é a fonte da qual derivamos novas verdades. E, a verdade da última proposição sendo indisputável, é a primeira que deve ser afastada. A teoria do raciocínio que tenta uni-las tem o mesmo defeito que mostramos viciar a teoria correspondente do juízo: faz o processo consistir na obtenção de algo exterior a um conceito, que nunca esteve no conceito, e, se esse algo encontra seu lugar ali, assim o faz após o processo e como uma consequência de ter ocorrido.