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Entrevista

  (31/Dez)

Entrevistando o filósofo Rubem Alves

 
Entrevistando o filósofo Rubem Alves


Responsável - Will Goya


MINI-CURRÍCULO:
Rubem Alves
Nasceu no dia 15 de setembro de 1933, em Boa Esperança, sul de Minas Gerais. Bacharel (Seminário Presbiteriano de Campinas/SP - 1957) e mestre em Teologia (Union Theological Seminary/NY - 1964), doutor em Filosofia (Princeton Theological Seminary/EUA - 1964), psicanalista, membro da Academia Campinense de Letras, professor-emérito da Unicamp e cidadão-honorário de Campinas, além de professor convidado em várias universidades do mundo.
Após a aposentadoria, dedicou-se também à cozinha e a cursos sobre cinema, pintura e literatura em seu próprio restaurante na cidade de Campinas.
É um dos maiores educadores da história do país. Poeta e escritor, ele mesmo é tema de diversas Teses, Dissertações e monografias.

PUBLICAÇÕES:
Sua obra é composta por mais de 50 títulos, destinados a adultos e crianças, com traduções para várias línguas, como o inglês, italiano, espanhol, francês, alemão e até romeno.


A ENTREVISTA:


Querido professor Rubem Alves, é uma alegria falar com o senhor. Aliás, a alegria, a felicidade, o amor e as coisas simples, parece-me, sempre lhe foram os mais importantes temas da sua vida de estudos. Seus textos são marcados por mensagens diretas, simples e provocativas, cuja profundidade reflexiva desconforta qualquer leitor, sem jamais ser piegas. O que lhe é simples nada tem de simplista. Considerando isso, como o senhor entende a opinião popular de que os professores de filosofia na verdade mais complicam que simplificam a arte de viver? E o fato de que temas simples e profundos como o amor e a alegria nunca foram os mais preferidos nas universidades?

Rubem Alves - Eu creio que essa dificuldade que você aponta tem a ver com o fato de que a filosofia se desenvolveu nos círculos acadêmicos e universitários que não estão voltados para as pessoas comuns. Um filósofo que escreva de maneira simples e compreensível freqüentemente recebe a pecha de vulgarizador. É um fato que as pessoas comuns não entendem o que os filósofos escrevem. O que é uma pena especialmente para os filósofos...



Vejo habitualmente o constrangimento entre os jovens brasileiros estudantes de filosofia ao se definirem como sendo "filósofos". Para muitos, o título carrega um complexo de sentimentos desencontrados entre a humildade do conhecimento e a arrogância de parecerem superiores e eruditos, como se apenas os antigos, os grandes gênios ou os estrangeiros merecessem ser chamados de "filósofos". A polêmica ainda persiste quando o título de "filósofo" é dado a grandes mestres como Jesus Cristo, Lao-Tzu e Gandhi, ou a grandes escritores, como Clarice Linspector, Kafka e Fernando Pessoa. Para o senhor, o que faz um indivíduo tornar-se "filósofo"? É possível ser filósofo sem nunca haver estudado filosofia?

Rubem Alves - Alguém disse que o homem que inventou o alfabeto era analfabeto... O primeiro filósofo não tinha uma bibliografia filosófica para auxiliá-lo no pensamento. Creio que foi Jorge Luis Borges que declarou (perdoem-me se minha memória me trai...) que ele não dava uma bibliografia sobre Shakespeare para os alunos que iriam estudar Shakespeare. A primeira coisa a se fazer para estudar Shakespeare é ler Shakespeare... A primeira condição para se ser filósofo é pensar. Mas hoje, com uma enorme tradição filosófica atrás de nós, alguém que se nomeasse filósofo sem haver passado por essa tradição seria um tolo.



De tudo o que já leu em sua vida, haveria algo em especial que possa dizer que marcou sua vida, seu modo de ser?

Rubem Alves - Nietzsche, Buber, literatura, poesia.



A vida de Mohandas Gandhi, sem dúvida, é um exemplo histórico da maior grandeza para todos nós e mereceu sua atenção especial com uma análise biográfica dele. Considerando, por exemplo, o cenário político brasileiro, da corrupção instituída na fisiologia do poder, o senhor acredita que é possível hoje em dia o ressurgimento de personalidades políticas marcantes, com total integridade, ética e amor universal?

Rubem Alves - Se essa pergunta fosse feita na Índia, antes de Gandhi, talvez a resposta fosse negativa. Não é possível prever o aparecimento de pessoas como ele, da mesma forma como não é possível prever o aparecimento de poetas, compositores e profetas. Essas pessoas simplesmente aparecem, sem que seja possível encontrar causas e explicações.



O que o senhor acha da filosofia de consultório, do filósofo brasileiro Lúcio Packter, para quem a Filosofia Clínica, rompendo as classificações gerais de normal/patológico, tem uma função terapêutica de orientar individualmente as pessoas no momento em que elas não sabem que atitude tomar diante da vida?

Rubem Alves - Quando eu era terapeuta, eu tinha o cuidado de dizer aos meus pacientes que uma das coisas que eles poderiam esperar daquela atividade de pensamento era ficar um pouco mais sábios e a sofrer pelas razões justas. A tradição filosófica está cheia de exemplos de pensadores que filosofavam para ajudar as pessoas a atingir esse objetivo.



O senhor é teólogo, já foi pastor em Minas Gerais e chegou a ser denunciado pelas autoridades da Igreja Presbiteriana como subversivo, e até perseguido pelo regime militar. Em seu livro Da Esperança (Papirus, 1987), o senhor foi um dos que iniciou o empreendimento mais tarde conhecido na teologia latino-americana como Teoria da Libertação. Falando com experiência própria, como o senhor observa o perigo do fundamentalismo dogmático de várias religiões que está crescendo no Brasil e no mundo? E, diante disso, como entende o papel do ensino religioso ou da educação espiritual nas escolas?

Rubem Alves - Sou contrário ao ENSINO RELIGIOSO, mas acho que o conhecimento das religiões pode nos ajudar a compreender melhor a vida. O Fundamentalismo é um câncer na razão. Porque os fundamentalistas, por se acreditarem possuidores exclusivos da verdade, têm necessariamente de se tornarem inquisidores. Por que haveria um fundamentalista de me ouvir, se ele já tem a verdade toda? Mas é preciso notar que o fundamentalismo não é apenas uma doença das religiões. Ele freqüentemente aparece na política e até mesmo na ciência.



Querido Rubem Alves, qual foi a coisa mais importante que o senhor já fez na vida?

Rubem Alves - Tudo depende do sentido dessa expressão "coisa mais importante"... Aprendi que coisas extremamente simples podem ser muito importantes, embora a gente não tenha consciência disso. Terá sido um livro que escrevi? Ou um gesto? Ou uma experiência amorosa (mas uma experiência amorosa não é algo que se faça; é algo que acontece...)?



Sente-se preparado para morte?

Rubem Alves - A morte é um grande mistério, um abismo silencioso... Não me sinto preparado e não sei se haverá uma forma de se estar preparado. Acho que todos têm medo.



A aposentadoria em nada lhe diminuiu a vontade de trabalhar. O que o senhor faz hoje e quais são seus planos para o futuro?

Rubem Alves - Ao contrário: a aposentadoria me permitiu fazer as coisas que me dão prazer. Mas ela pode ser uma armadilha para as pessoas que não sabem o que fazer com o tempo. Planos para o futuro? Eu quero viver com alegria. Meus grandes prazeres hoje: escrever e falar.

     

 
 
Como referenciar: "Entrevistando o filósofo Rubem Alves - Entrevista" em Só Filosofia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 19/04/2024 às 21:34. Disponível na Internet em http://filosofia.com.br/vi_entr.php?id=18