Georg Wilhelm Friedrich Hegel - Fenomenologia do Espírito SUMÁRIO Prefácio Introdução I. A Certeza sensível ou: o Isto ou o Visar II. A Percepção ou: a coisa e a ilusão III. Força e Entendimento; Fenômeno e mundo suprassensível IV. A verdade da certeza de si mesmo A - Independência e dependência da consciência de si: Dominação e Escravidão B - Liberdade da consciência de si: Estoicismo, Cepticismo e a Consciência infeliz V. Certeza e verdade da razão A - Razão observadora a - Observação da natureza b - A observação da consciência de si em sua pureza e em referência à efetividade exterior: leis lógicas e leis psicológicas c - Observação da relação da consciência de si com sua efetividade imediata: fisiognomia e frenologia B - A efetivação da consciência de si racional através de si mesma a razão ativa a - O prazer e a necessidade b - A lei do coração e o delírio da presunção c - A virtude e o curso do mundo C - A individualidade que é para si real em si e para si mesma a - O reino animal do espírito e a impostura - ou a Coisa mesma b - A razão legisladora c - A razão examinando as leis VI. O Espírito A - O Espírito Verdadeiro. A Eticidade a - O mundo ético. A lei humana e a lei divina, o homem e a mulher b - A ação ética. O saber humano e o divino, a culpa e o destino c - O Estado de Direito B - O Espírito Alienado de Si Mesmo. A Cultura 1 - O mundo do espírito alienado de si a - A cultura e o seu reino da efetividade b - A fé e a pura inteligência 2 - O Iluminismo a - A luta do Iluminismo contra a superstição b - A verdade do Iluminismo 3 - A liberdade absoluta e o terror C - O Espírito Certo de Si Mesmo. A Moralidade a - A visão moral do mundo b - A dissimulação c - A boa consciência - A bela alma, o mal e o seu perdão VII. A Religião A - A Religião Natural a - A luminosidade b - A planta e o animal c - O artesão B - A Religião da Arte a - A obra de arte abstrata b - A obra de arte viva c - A obra de arte espiritual C - A Religião Manifesta VIII. O Saber Absoluto PREFÁCIO Numa obra filosófica, em razão de sua natureza, parece não só supérfluo, mas até inadequado e contraproducente, um prefácio - esse esclarecimento preliminar do autor sobre o fim que se propõe, as circunstâncias de sua obra, as relações que julga encontrar com as anteriores e atuais sobre o mesmo tema. Com efeito, não se pode considerar válido, em relação ao modo como deve ser exposta a verdade filosófica, o que num prefácio seria conveniente dizer sobre a filosofia; por exemplo, fazer um esboço histórico da tendência e do ponto de vista, do conteúdo geral e resultado da obra, um agregado de afirmações e asserções sobre o que é o verdadeiro. Além do que, por residir a filosofia essencialmente no elemento da universalidade - que em si inclui o particular -, isso suscita nela, mais que em outras ciências, a aparência de que é no fim e nos resultados últimos que se expressa a Coisa mesma, e inclusive sua essência consumada; frente a qual o desenvolvimento da exposição seria, propriamente falando, o inessencial. Quando, por exemplo, a anatomia é entendida como o conhecimento das partes do corpo, segundo sua existência inanimada, há consenso de que não se está ainda de posse da Coisa mesma, do conteúdo de tal ciência; é preciso, além disso, passar à consideração do particular. Mas ainda: nesse conglomerado de conhecimentos, que leva o nome de ciência sem merecê-lo, fala-se habitualmente sobre o fim e generalidades semelhantes do mesmo modo histórico e não conceitual como se fala do próprio conteúdo; nervos, músculos etc. Na filosofia, ao contrário, ressaltaria a inadequação de utilizar tal procedimento, quando ela mesma o declara incapaz de apreender o verdadeiro. Do mesmo modo, a determinação das relações que uma obra filosófica julga ter com outras sobre o mesmo objeto introduz um interesse estranho e obscurece o que importa ao conhecimento da verdade. Com a mesma rigidez com que a opinião comum se prende à oposição entre o verdadeiro e o falso, costuma também cobrar, ante um sistema filosófico dado, uma atitude de aprovação ou de rejeição. Acha que qualquer esclarecimento a respeito do sistema só pode ser uma ou outra. Não concebe a diversidade dos sistemas filosóficos como desenvolvimento progressivo da verdade, mas só vê na diversidade a contradição. O botão desaparece no desabrochar da flor, e poderia dizer-se que a flor o refuta; do mesmo modo que o fruto faz a flor parecer um falso ser-aí da planta, pondo-se como sua verdade em lugar da flor: essas formas não só se distinguem, mas também se repelem como incompatíveis entre si. Porém, ao mesmo tempo, sua natureza fluida faz delas momentos da unidade orgânica, na qual, longe de se contradizerem, todos são igualmente necessários. É essa igual necessidade que constitui unicamente a vida do todo. Mas a contradição de um sistema filosófico não costuma conceber-se desse modo; além disso, a consciência que apreende essa contradição não sabe geralmente libertá-la - ou mantê-la livre - de sua unilateralidade; nem sabe reconhecer no que aparece sob a forma de luta e contradição contra si mesmo, momentos mutuamente necessários. A exigência de tais explicações, como também o seu atendimento, dão talvez a aparência de estar lidando com o essencial. Onde se poderia melhor exprimir o âmago de um escrito filosófico que em seus fins e resultados? E esses, como poderiam ser melhor conhecidos senão na sua diferença com a produção da época na mesma esfera? Todavia essa tarefa, quando pretende ser mais que o início do conhecimento, e valer por conhecimento efetivo, deve ser contada entre as invenções que servem para dar voltas ao redor da Coisa mesma, combinando a aparência de seriedade e de esforço com a carência efetiva de ambos. Com efeito, a Coisa mesma não se esgota em seu fim, mas em sua atualização; nem o resultado é o todo efetivo, mas sim o resultado junto com o seu vir a ser. O fim para si é o universal sem vida, como a tendência é o mero impulso ainda carente de sua efetividade; o resultado nu é o cadáver que deixou atrás de si a tendência. Igualmente, a diversidade é, antes, o limite da Coisa: está ali onde a Coisa deixa de ser; ou é o que a mesma não é. Essa preocupação com o fim ou os resultados, como também com as diversidades e apreciações dos mesmos, é, pois, uma tarefa mais fácil do que talvez pareça. Com efeito, tal modo de agir, em vez de se ocupar com a Coisa mesma, passa sempre por cima. Em vez de nela demorar-se e esquecer a si mesmo, prende-se sempre a algo distinto; prefere ficar em si mesmo a estar na Coisa e a abandonar-se a ela. Nada mais fácil do que julgar o que tem conteúdo e solidez; apreendê-lo é mais difícil; e o que há de mais difícil é produzir sua exposição, que unifica a ambos. O começo da cultura e do esforço para emergir da imediatez da vida substancial deve consistir sempre em adquirir conhecimentos de princípios e pontos de vista universais. Trata-se inicialmente de um esforço para chegar ao pensamento da Coisa em geral e também para defendê-la ou refutá-la com razões, captando a plenitude concreta e rica segundo suas determinidades, e sabendo dar uma informação ordenada e um juízo sério a seu respeito. Mas esse começo da cultura deve, desde logo, dar lugar à seriedade da vida plena que se adentra na experiência da Coisa mesma. Quando enfim o rigor do conceito tiver penetrado na profundeza da Coisa, então tal conhecimento e apreciação terão na conversa o lugar que lhes corresponde. A verdadeira figura, em que a verdade existe, só pode ser o seu sistema científico. Colaborar para que a filosofia se aproxime da forma da ciência - da meta em que deixe de chamar-se amor ao saber para ser saber efetivo - é isto o que me proponho. Reside na natureza do saber a necessidade interior de que seja ciência, e somente a exposição da própria filosofia será uma explicação satisfatória a respeito. Porém a necessidade exterior é idêntica à necessidade interior - desde que concebida de modo universal e prescindindo da contingência da pessoa e das motivações individuais - e consiste na figura sob a qual uma época representa o ser-aí de seus momentos. Portanto a única justificação verdadeira das tentativas, que visam esse fim, seria mostrar que chegou o tempo de elevar a filosofia à condição de ciência, pois, ao demonstrar sua necessidade, estaria ao mesmo tempo realizando sua meta. Sei que pôr a verdadeira figura da verdade na cientificidade - ou, o que é o mesmo, afirmar que a verdade só no conceito tem o elemento de sua existência - parece estar em contradição com certa representação e suas consequências, tão pretensiosas quanto difundidas na mentalidade de nosso tempo. Assim não parece supérfluo um esclarecimento sobre essa contradição - o que aliás, neste ponto, só pode ser uma asserção que se dirige contra outra asserção. Com efeito, se o verdadeiro só existe no que (ou melhor, como o que) se chama quer intuição, quer saber imediato do absoluto, religião, o ser - não o ser no centro do amor divino, mas o ser mesmo desse centro -, então o que se exige para a exposição da filosofia é, antes, o contrário da forma do conceito. O absoluto não deve ser conceitualizado, mas somente sentido e intuído; não é o seu conceito, mas seu sentimento e intuição que devem falar em seu nome e ter expressão. Tomando a manifestação dessa exigência em seu contexto mais geral e no nível em que presentemente se encontra o espírito consciente de si, vemos que esse foi além da vida substancial que antes levava no elemento do pensamento; além dessa imediatez de sua fé, além da satisfação e segurança da certeza que a consciência possuía devido à sua reconciliação com a essência e a presença universal dela - interior e exterior. O espírito não só foi além - passando ao outro extremo da reflexão, carente de substância, de si sobre si mesmo - mas ultrapassou também isso. Não somente está perdida para ele sua vida essencial; está também consciente dessa perda e da finitude que é seu conteúdo. Como o filho pródigo, rejeitando os restos da comida, confessando sua abjeção e maldizendo-a, o espírito agora exige da filosofia não tanto o saber do que ele é, quanto resgatar, por meio dela, aquela substancialidade e densidade do ser que tinha perdido. Para atender a essa necessidade, não deve apenas descerrar o enclausuramento da substância, e elevá-la à consciência de si, ou reconduzir a consciência caótica à ordem pensada e à simplicidade do conceito; deve, sobretudo, misturar as distinções do pensamento, reprimir o conceito que diferencia, restaurar o sentimento da essência, garantir não tanto a perspicácia quanto a edificação. O belo, o sagrado, a religião, o amor são a isca requerida para despertar o prazer de mordiscar. Não é o conceito, mas o êxtase, não é a necessidade fria e metódica da Coisa que deve constituir a força que sustém e transmite a riqueza da substância, mas sim o entusiasmo abrasador. Corresponde a tal exigência o esforço tenso e impaciente, de um zelo quase em chamas, para retirar os homens do afundamento no sensível, no vulgar e no singular, e dirigir seu olhar para as estrelas; como se os homens, de todo esquecidos do divino, estivessem a ponto de contentar-se com pó e água, como os vermes. Outrora tinham um céu dotado de vastos tesouros de pensamentos e imagens. A significação de tudo que existe estava no fio de luz que o unia ao céu; então, em vez de permanecer neste mundo presente, o olhar deslizava além, rumo à essência divina: a uma presença no além - se assim se pode dizer. O olhar do espírito somente à força poderia ser dirigido ao terreno e ali mantido. Muito tempo se passou antes de se introduzir na obtusidade e perdição em que jazia o sentido deste mundo, a claridade que só o outro mundo possuía; para tornar o presente, como tal, digno do interesse e da atenção que levam o nome de experiência. Agora parece haver necessidade do contrário: o sentido está tão enraizado no que é terreno, que se faz mister uma força igual para erguê-lo dali. O espírito se mostra tão pobre que parece aspirar, para seu reconforto, ao mísero sentimento do divino em geral - como um viajante no deserto anseia por uma gota d'água. Pela insignificância daquilo com que o espírito se satisfaz, pode-se medir a grandeza do que perdeu. Entretanto, não convém à ciência nem esse comedimento no receber, nem essa parcimônia no dar. Quem só busca a edificação, quem pretende envolver na névoa a variedade terrena de seu ser-aí e de seu pensamento, e espera o prazer indeterminado daquela divindade indeterminada, veja bem onde é que pode encontrar tudo isso; vai achar facilmente o meio de fantasiar algo e ficar assim bem pago. Mas a filosofia deve guardar-se de querer ser edificante. Ainda tem menos razão essa temperança que renuncia à ciência, ao pretender que tal entusiasmo e desassossego sejam algo superior à ciência. Esse falar profético acredita estar no ponto central e no mais profundo; olha desdenhosamente para a determinidade e fica de propósito longe do conceito e da necessidade, como da reflexão que reside somente na finitude. Mas, como há uma extensão vazia, há também uma profundidade vazia; como há uma extensão da substância que se difunde numa diversidade finita sem força para mantê-la unida, assim há uma intensidade carente de conteúdo que, conservando-se como força pura e sem expansão, é idêntica à superficialidade. A força do espírito só é tão grande quanto sua exteriorização; sua profundidade só é profunda à medida que ousa expandir-se e perder-se em seu desdobramento. Da mesma maneira, quando esse saber substancial, carente de conceito, pretende ter mergulhado na essência a peculiaridade do Si, e filosofar verdadeira e santamente, está escondendo de si mesmo o fato de que - em lugar de se ter consagrado a Deus, pelo desprezo da medida e da determinação - ora deixa campo livre em si mesmo à contingência do conteúdo, ora deixa campo livre no conteúdo ao arbitrário. Abandonando-se à desenfreada fermentação da substância, acreditam esses senhores - por meio do velamento da consciência de si e da renúncia ao entendimento - serem aqueles "seus" a quem Deus infunde no sono a sabedoria. Na verdade, o que no sono assim concebem e produzem são sonhos também. Aliás, não é difícil ver que nosso tempo é um tempo de nascimento e trânsito para uma nova época. O espírito rompeu com o mundo de seu ser-aí e de seu representar, que até hoje durou; está a ponto de submergi-lo no passado, e se entrega à tarefa de sua transformação. Certamente, o espírito nunca está em repouso, mas sempre tomado por um movimento para frente. Na criança, depois de longo período de nutrição tranquila, a primeira respiração - um salto qualitativo - interrompe o lento processo do puro crescimento quantitativo; e a criança está nascida. Do mesmo modo, o espírito que se forma lentamente, tranquilamente, em direção à sua nova figura, vai desmanchando tijolo por tijolo o edifício de seu mundo anterior. Seu abalo se revela apenas por sintomas isolados; a frivolidade e o tédio que invadem o que ainda subsiste, o pressentimento vago de um desconhecido são os sinais precursores de algo diverso que se avizinha. Esse desmoronar-se gradual, que não alterava a fisionomia do todo, é interrompido pelo sol nascente, que revela num clarão a imagem do mundo novo. Falta porém a esse mundo novo - como falta a uma criança recém-nascida - uma efetividade acabada; ponto essencial a não ser descuidado. O primeiro despontar é, de início, a imediatez do mundo novo - o seu conceito: como um edifício não está pronto quando se põe seu alicerce, também esse conceito do todo, que foi alcançado, não é o todo mesmo. Quando queremos ver um carvalho na robustez de seu tronco, na expansão de seus ramos, na massa de sua folhagem, não nos damos por satisfeitos se em seu lugar nos mostram uma bolota. Assim a ciência, que é a coroa de um mundo do espírito, não está completa no seu começo. O começo do novo espírito é o produto de uma ampla transformação de múltiplas formas de cultura, o prêmio de um itinerário muito complexo, e também de um esforço e de uma fadiga multiformes. Esse começo é o todo, que retomou a si mesmo de sua sucessão no tempo e de sua extensão no espaço; é o conceito que veio a ser conceito simples do todo. Mas a efetividade desse todo simples consiste em que aquelas figuras, que se tornaram momentos, de novo se desenvolvem e se dão nova figuração; mas no seu novo elemento, e no sentido que resultou do processo. Embora a primeira aparição de um mundo novo seja somente o todo envolto em sua simplicidade, ou seu fundamento universal, no entanto, para a consciência, a riqueza do ser-aí anterior ainda está presente na rememoração. Na figura que acaba de aparecer, a consciência sente a falta da expansão e da particularização do conteúdo; ainda mais: falta-lhe aquele aprimoramento da forma, mediante o qual as diferenças são determinadas com segurança e ordenadas segundo suas sólidas relações. Sem tal aprimoramento, carece a ciência da inteligibilidade universal; e tem a aparência de ser uma posse esotérica de uns tantos indivíduos. Digo "posse esotérica" porque só é dada no seu conceito, ou só no seu interior; e "uns tantos indivíduos", pois seu aparecimento, sem difusão, torna singular seu ser-aí. Só o que é perfeitamente determinado é ao mesmo tempo exotérico, conceitual, capaz de ser ensinado a todos e de ser a propriedade de todos. A forma inteligível da ciência é o caminho para ela, a todos aberto e igual para todos. A justa exigência da consciência, que aborda a ciência, é chegar por meio do entendimento ao saber racional: já que o entendimento é o pensar, é o puro Eu em geral. O inteligível é o que já é conhecido, o que é comum à ciência e à consciência não científica, a qual pode através dele imediatamente adentrar a ciência. A ciência que recém começa, e assim não chegou ainda ao remate dos detalhes nem à perfeição da forma, está exposta a sofrer crítica por isso. Caso porém tal crítica devesse atingir a essência mesma da ciência, seria tão injusta quanto seria inadmissível não querer reconhecer a exigência do processo de formação cultural. Essa oposição parece ser o nó górdio que a cultura científica de nosso tempo se esforça por desatar, sem ter ainda chegado a um consenso nesse ponto. Uma corrente insiste na riqueza dos materiais e na inteligibilidade: a outra despreza, no mínimo, essa inteligibilidade e se arroga a racionalidade imediata e a divindade. Se uma corrente for reduzida ao silêncio ou só pela força da verdade, ou também pelo ímpeto da outra, e se sentir suplantada no que toca ao fundamento da Coisa, nem por isso se dá por satisfeita quanto a suas exigências: pois são justas, mas não foram atendidas. Seu silêncio, só pela metade se deve à vitória do adversário - a outra metade deriva do tédio e da indiferença, resultantes de uma expectativa sem cessar estimulada, mas não seguida pelo cumprimento das promessas. No que diz respeito ao conteúdo, os outros recorrem a um método fácil demais para disporem de uma grande extensão. Trazem para seu terreno material em quantidade, isto é, tudo o que já foi conhecido e classificado. Ocupam-se especialmente com peculiaridades e curiosidades; dão mostras de possuir tudo o mais, cujo saber especializado já é coisa adquirida, e também de dominar o que ainda não foi classificado. Submetem tudo à ideia absoluta, que desse modo parece ser reconhecida em tudo e desenvolvida numa ciência amplamente realizada. Porém, examinando mais de perto esse desenvolvimento, salta à vista que não ocorreu porque uma só e a mesma coisa se tenha modelado em diferentes figuras; ao contrário, é a repetição informe do idêntico, apenas aplicado de fora a materiais diversos, obtendo assim uma aparência tediosa de diversidade. Se o desenvolvimento não passa da repetição da mesma fórmula, a ideia, embora para si bem verdadeira, de fato fica sempre em seu começo. A forma, única e imóvel, é adaptada pelo sujeito sabedor aos dados presentes: o material é mergulhado de fora nesse elemento tranquilo. Isso porém - e menos ainda fantasias arbitrárias sobre o conteúdo - não constitui o cumprimento do que se exige; a saber, a riqueza que jorra de si mesma, a diferença das figuras que a si mesmas se determinam. Trata-se antes de um formalismo de uma só cor, que apenas atinge a diferença do conteúdo, e ainda assim porque já o encontra pronto e conhecido. Ainda mais: tal formalismo sustenta que essa monotonia e universalidade abstrata são o absoluto; garante que o descontentamento com essa universalidade é incapacidade de galgar o ponto de vista absoluto e de manter-se firme nele. Outrora, para refutar uma representação, era suficiente a possibilidade vazia de representar-se algo de outra maneira; então essa simples possibilidade ou o pensamento universal tinha todo o valor positivo do conhecimento efetivo. Agora, vemos também todo o valor atribuído à ideia universal nessa forma da inefetividade: assistimos à dissolução do que é diferenciado e determinado, ou, antes, deparamos com um método especulativo onde é válido precipitar no abismo do vazio o que é diferente e determinado, sem que isso seja consequência do desenvolvimento nem se justifique em si mesmo. Aqui, considerar um ser-aí qualquer, como é no absoluto, não consiste em outra coisa senão em dizer que dele se falou como se fosse certo algo; mas que no absoluto, no A = A, não há nada disso, pois lá tudo é uma coisa só. É ingenuidade de quem está vazio de conhecimento pôr esse saber único - de que tudo é igual no absoluto - em oposição ao conhecimento diferenciador e pleno (ou buscando a plenitude); ou então fazer de conta que seu absoluto é a noite em que "todos os gatos são pardos", como se costuma dizer. O formalismo, que a filosofia dos novos tempos denuncia e despreza (mas que nela renasce), não desaparecerá da ciência, embora sua insuficiência seja bem conhecida e sentida, até que o conhecer da efetividade absoluta se torne perfeitamente claro quanto à sua natureza. Uma representação geral, vinda antes da tentativa de sua realização pormenorizada, pode servir para sua compreensão. Com vistas a isso, parece útil indicar aqui um esboço aproximado desse desenvolvimento, também no intuito de descartar, na oportunidade, algumas formas, cuja utilização constitui um obstáculo ao conhecimento filosófico. Segundo minha concepção - que só deve ser justificada pela apresentação do próprio sistema -, tudo decorre de entender e exprimir o verdadeiro não como substância, mas também, precisamente, como sujeito. Ao mesmo tempo, deve-se observar que a substancialidade inclui em si não só o universal ou a imediatez do saber mesmo, mas também aquela imediatez que é o ser, ou a imediatez para o saber. Se apreender Deus como substância única pareceu tão revoltante para a época em que tal determinação foi expressa, o motivo disso residia em parte no instinto de que aí a consciência de si não se mantinha: apenas soçobrava. De outra parte, a posição contrária, que mantém com firmeza o pensamento como pensamento, a universalidade como tal, vem a dar na mesma simplicidade, quer dizer, na mesma substancialidade imóvel e indiferenciada. E se - numa terceira posição - o pensar unifica consigo o ser da substância e compreende a imediatez e o intuir como pensar, o problema é saber se esse intuir intelectual não é uma recaída na simplicidade inerte; se não apresenta, de maneira inefetiva, a efetividade mesma. Aliás, a substância viva é o ser, que na verdade é sujeito, ou - o que significa o mesmo - que é na verdade efetivo, mas só na medida em que é o movimento do pôr se a si mesmo, ou a mediação consigo mesmo do tornar-se outro. Como sujeito, é a negatividade pura e simples, e justamente por isso é o fracionamento do simples ou a duplicação oponente, que é de novo a negação dessa diversidade indiferente e de seu oposto. Só essa igualdade reinstaurando-se, ou só a reflexão em si mesmo no seu ser Outro, é que são o verdadeiro; e não uma unidade originária enquanto tal, ou uma unidade imediata enquanto tal. O verdadeiro é o vir a ser de si mesmo, o círculo que pressupõe seu fim como sua meta, que o tem como princípio, e que só é efetivo mediante sua atualização e seu fim. Assim, a vida de Deus e o conhecimento divino bem que podem exprimir-se como um jogo de amor consigo mesmo; mas é uma ideia que baixa ao nível da edificação e até da insipidez quando lhe falta o sério, a dor, a paciência e o trabalho do negativo. De certo, a vida de Deus é, em si, tranquila igualdade e unidade consigo mesma; não lida seriamente com o ser Outro e a alienação, nem tampouco com o superar dessa alienação. Mas esse em si divino é a universalidade abstrata, que não leva em conta sua natureza de ser para si e, portanto, o movimento da forma em geral. Uma vez que foi enunciada a igualdade da forma com a essência, por isso mesmo é um engano acreditar que o conhecimento pode se contentar com o Em si ou a essência, e dispensar a forma - como se o princípio absoluto da intuição absoluta pudesse tornar supérfluos a atualização progressiva da essência e o desenvolvimento da forma. Justamente por ser a forma tão essencial à essência quanto essa é essencial a si mesma, não se pode apreender e exprimir a essência como essência apenas, isto é, como substância imediata ou pura auto intuição do divino. Deve exprimir-se igualmente como forma e em toda a riqueza da forma desenvolvida, pois só assim a essência é captada e expressa como algo efetivo. O verdadeiro é o todo. Mas o todo é somente a essência que se implementa através de seu desenvolvimento. Sobre o absoluto, deve-se dizer que é essencialmente resultado; que só no fim é o que é na verdade. Sua natureza consiste justo nisso: em ser algo efetivo, em ser sujeito ou vir a ser de si mesmo. Embora pareça contraditório conceber o absoluto essencialmente como resultado, um pouco de reflexão basta para dissipar esse semblante de contradição. O começo, o princípio ou o absoluto - como de início se enuncia imediatamente - são apenas o universal. Se digo: "todos os animais", essas palavras não podem valer por uma zoologia. Do mesmo modo, as palavras "divino", "absoluto", "eterno" etc. não exprimem o que nelas se contém; - de fato, tais palavras só exprimem a intuição como algo imediato. A passagem - que é mais que uma palavra dessas - contém um tornar-se Outro que deve ser retomado, e é uma mediação; mesmo que seja apenas passagem a outra proposição. Mas o que horroriza é essa mediação: como se fazer uso dela fosse abandonar o conhecimento absoluto - a não ser para dizer que a mediação não é nada de absoluto e que não tem lugar no absoluto. Na verdade, esse horror se origina da ignorância a respeito da natureza da mediação e do próprio conhecimento absoluto. Com efeito, a mediação não é outra coisa senão a igualdade consigo mesmo semovente, ou a reflexão sobre si mesmo, o momento do Eu para si essente, a negatividade pura ou reduzida à sua pura abstração, o simples vir a ser. O Eu, ou o vir a ser em geral - esse mediatizar -, justamente por causa de sua simplicidade, é a imediatez que vem a ser, e o imediato mesmo. É portanto um desconhecer da razão o que se faz quando a reflexão é excluída do verdadeiro e não é compreendida como um momento positivo do absoluto. É a reflexão que faz do verdadeiro um resultado, mas que ao mesmo tempo suprassume essa oposição ao seu vir a ser; pois esse vir a ser é igualmente simples, e não difere por isso da forma do verdadeiro, que consiste em mostrar-se como simples no resultado - ou melhor, que é justamente esse Ser retornado à simplicidade. Se o embrião é de fato homem em si, contudo não é para si. Somente como razão cultivada e desenvolvida - que se fez a si mesma o que é em si - é homem para si; só essa é sua efetividade. Porém esse resultado, por sua vez, é imediatez simples, pois é liberdade consciente de si que em si repousa, e que não deixou de lado a oposição e ali a abandonou, mas se reconciliou com ela. Pode exprimir-se também o acima exposto dizendo que "a razão é o agir conforme a um fim". A forma do fim em geral foi levada ao descrédito pela exaltação de uma pretendida natureza acima do pensamento - mal compreendido -, mas sobretudo pela proscrição de toda a finalidade externa. Mas importa notar que - como Aristóteles também determina a natureza como um agir conforme a um fim - o fim é o imediato, o que está em repouso, o imóvel que é ele mesmo motor e que assim é sujeito. Sua força-motriz, tomada abstratamente, é o ser para si ou a negatividade pura. Portanto, o resultado é somente o mesmo que o começo, porque o começo é fim; ou, por outra, o efetivo só é o mesmo que seu conceito, porque o imediato como fim tem nele mesmo o Si, ou a efetividade pura. O fim, implementado, ou o efetivo essente é movimento e vir a ser desenvolvido. Ora, essa inquietude é justamente o Si; logo, o Si é igual àquela imediatez e simplicidade do começo, por ser o resultado que a si mesmo retornou. Mas o que retornou a si é o Si, exatamente; e o Si é igualdade e simplicidade, consigo mesmas relacionadas. A necessidade de representar o absoluto como sujeito serviu-se das proposições: "Deus é o eterno" ou "a ordem moral do mundo" ou "o amor" etc. Em tais proposições, o verdadeiro só é posto como sujeito diretamente, mas não é representado como o movimento do refletir-se em si mesmo. Numa proposição desse tipo se começa pela palavra "Deus". De si, tal palavra é um som sem sentido, um simples nome; só o predicado diz o que Deus é. O predicado é sua implementação e seu significado; só nesse fim o começo vazio se torna um saber efetivo. Entretanto é inevitável a questão: por que não se fala apenas do eterno, da ordem moral do mundo etc.; ou, como faziam os antigos, dos conceitos puros do ser, do uno etc., daquilo que tem significação, sem acrescentar o som sem significação? Mas é que através dessa palavra se indica justamente que não se põe um ser, ou essência, ou universal em geral, e sim algo refletido em si mesmo: - um sujeito. Mas isso também é somente uma antecipação. Toma-se o sujeito como um ponto fixo, e nele, como em seu suporte, se penduram os predicados, através de um movimento que pertence a quem tem um saber a seu respeito, mas que não deve ser visto como pertencente àquele ponto mesmo; ora, só por meio desse movimento o conteúdo seria representado como sujeito. Da maneira como esse movimento está constituído, não pode pertencer ao sujeito; mas, na pressuposição daquele ponto fixo, não pode ser constituído de outro modo; só pode ser exterior. Assim, aquela antecipação - de que o absoluto é sujeito - longe de ser a efetividade desse conceito, torna-a até mesmo impossível, já que põe o absoluto como um ponto em repouso; e no entanto, a efetividade do conceito é o automovimento. Entre as várias consequências decorrentes do que foi dito, pode-se ressaltar esta: que o saber só é efetivo - e só pode ser exposto - como ciência ou como sistema. Outra consequência é que, uma assim chamada proposição fundamental (ou princípio) da filosofia, se é verdadeira, já por isso é também falsa, enquanto é somente proposição fundamental ou princípio. Por isso é fácil refutá-la. A refutação consiste em indicar-lhe a falha. Mas é falha por ser universal apenas, ou princípio; por ser o começo. Se a refutação for radical, nesse caso é tomada e desenvolvida do próprio princípio, e não estabeleci da através de asserções opostas ou palpites aduzidos de fora. Assim, a refutação seria propriamente seu desenvolvimento e, desse modo, o preenchimento de suas lacunas - caso aí não se desconheça, focalizando exclusivamente seu agir negativo, sem levar em conta também seu progresso e resultado segundo seu aspecto positivo. Em sentido inverso, a atualização positiva, propriamente dita, do começo, é ao mesmo tempo um comportar-se negativo a seu respeito - quer dizer, a respeito de sua forma unilateral de ser só imediatamente, ou de ser fim. A atualização pode assim ser igualmente tomada como refutação do que constitui o fundamento do sistema; porém, é mais correto considerá-la como um indício de que o fundamento ou o princípio do sistema é de fato só o seu começo. O que está expresso na representação, que exprime o absoluto como espírito, é que o verdadeiro só é efetivo como sistema, ou que a substância é essencialmente sujeito. Eis o conceito mais elevado que pertence aos tempos modernos e à sua religião. Só o espiritual é o efetivo: é a essência ou o em si essente: o relacionado consigo e o determinado; o ser Outro e o ser para si; e o que nessa determinidade ou em seu ser fora de si permanece em si mesmo - enfim, o ser espiritual é em si e para si. Porém, esse ser em si e para si é, primeiro, para nós ou em si: é a substância espiritual. E deve ser isso também para si mesmo, deve ser o saber do espiritual e o saber de si como espírito. Quer dizer: deve ser para si como objeto, mas ao mesmo tempo, imediatamente, como objeto suprassumido e refletido em si. Somente para nós ele é para si, enquanto seu conteúdo espiritual é produzido por ele mesmo. Porém, enquanto é para si também para si mesmo, então é esse autoproduzir-se, o puro conceito; é também para ele o elemento objetivo, no qual tem seu ser-aí e desse modo é, para si mesmo, objeto refletido em si no seu ser-aí. O espírito, que se sabe desenvolvido assim como espírito, é a ciência. A ciência é a efetividade do espírito, o reino que ele para si mesmo constrói em seu próprio elemento. O puro reconhecer se a si mesmo no absoluto ser Outro, esse éter como tal, é o fundamento e o solo da ciência, ou do saber em sua universalidade. O começo da filosofia faz a pressuposição ou exigência de que a consciência se encontre nesse elemento. Mas esse elemento só alcança sua perfeição e transparência pelo movimento de seu vir a ser. É a pura espiritualidade como o universal, que tem o modo da imediatez simples. Esse simples, quando tem como tal a existência, é o solo da ciência, que é o pensar, o qual só está no espírito. Porque esse elemento, essa imediatez do espírito é, em geral, o substancial do espírito, é a essencialidade transfigurada, a reflexão que é simples ela mesma, a imediatez tal como é para si, o ser que é reflexão sobre si mesmo. A ciência, por seu lado, exige da consciência de si que se tenha elevado a esse éter, para que possa viver nela e por ela; e para que viva. Em contra partida, o indivíduo tem o direito de exigir que a ciência lhe forneça pelo menos a escada para atingir esse ponto de vista, e que o mostre dentro dele mesmo. Seu direito funda-se na sua independência absoluta, que sabe possuir em cada figura de seu saber, pois em qualquer delas - seja ou não reconhecida pela ciência, seja qual for o seu conteúdo -, o indivíduo é a forma absoluta, isto é, a certeza imediata de si mesmo, e assim é o ser incondicionado, se preferem a expressão. Para a ciência, o ponto de vista da consciência - saber das coisas objetivas em oposição a si mesma, e a si mesma em oposição a elas - vale como o Outro: esse Outro em que a consciência se sabe junto a si mesma, antes como perda do espírito. Para a consciência, ao contrário, o elemento da ciência é um Longe além, em que não se possui mais a si mesma. Cada lado desses aparenta, para o outro, ser o inverso da verdade. Para a consciência natural, confiar-se imediatamente à ciência é uma tentativa que ela faz de andar de cabeça para baixo, sem saber o que a impele a isso. A imposição de assumir tal posição insólita, e de mover-se nela, é uma violência inútil para a qual não está preparada. A ciência, seja o que for em si mesma, para a consciência de si imediata se apresenta como um inverso em relação a ela. Ou seja: já que a consciência imediata tem o princípio de sua efetividade na certeza de si mesma, a ciência, tendo fora de si esse princípio, traz a forma da inefetividade. Deve portanto unir consigo esse elemento, ou melhor, mostrar que lhe pertence e como. Na falta de tal efetividade, a ciência é apenas o conteúdo, como o Em si, o fim que ainda é só um interior; não como espírito, mas somente como substância espiritual. Esse Em si deve exteriorizar-se e vir a ser para si mesmo, o que não significa outra coisa que: deve pôr a consciência de si como um só consigo. O que esta "Fenomenologia do Espírito" apresenta é o vir a ser da ciência em geral ou do saber. O saber, como é inicialmente - ou o espírito imediato - é algo carente de espírito: a consciência sensível. Para tornar-se saber autêntico, ou produzir o elemento da ciência que é seu conceito puro, o saber tem de se esfalfar através de um longo caminho. Esse vir a ser, como será apresentado em seu conteúdo e nas figuras que nele se mostram, não será o que obviamente se espera de uma introdução da consciência não científica à ciência; e também será algo diverso da fundamentação da ciência. Além disso, não terá nada a ver com o entusiasmo que irrompe imediatamente com o saber absoluto - como num tiro de pistola -, e descarta os outros pontos de vista, declarando que não quer saber nada deles. A tarefa de conduzir o indivíduo, desde seu estado inculto até o saber, devia ser entendida em seu sentido universal, e tinha de considerar o indivíduo universal, o espírito consciente de si na sua formação cultural. No que toca à relação entre os dois indivíduos, cada momento no indivíduo universal se mostra conforme o modo como obtém sua forma concreta e sua configuração própria. O indivíduo particular é o espírito incompleto, uma figura concreta: uma só determinidade predomina em todo o seu ser-aí, enquanto outras determinidades ali só ocorrem como traços rasurados. No espírito que está mais alto que outro, o ser-aí concreto inferior está rebaixado a um momento invisível: o que era antes a Coisa mesma, agora é um traço apenas: sua figura está velada, tornou-se um simples sombreado. O indivíduo, cuja substância é o espírito situado no mais alto, percorre esse passado da mesma maneira como quem se apresta a adquirir uma ciência superior, percorre os conhecimentos preparatórios que há muito tem dentro de si, para fazer seu conteúdo presente; evoca de novo sua rememoração, sem no entanto ter ali seu interesse ou demorar-se neles. O singular deve também percorrer os degraus de formação cultural do espírito universal, conforme seu conteúdo; porém, como figuras já depositadas pelo espírito, como plataformas de um caminho já preparada e aplainado. Desse modo, vemos conhecimentos, que em antigas épocas ocupavam o espírito maduro dos homens, serem rebaixados a exercícios - ou mesmo a jogos de meninos; assim pode reconhecer-se no progresso pedagógico, copiada como em silhuetas, a história do espírito do mundo. Esse ser-aí passado é propriedade já adquirida do espírito universal e, aparecendo-lhe assim exteriormente, constitui sua natureza inorgânica. Conforme esse ponto de vista, a formação cultural considerada a partir do indivíduo consiste em adquirir o que lhe é apresentado, consumindo em si mesmo sua natureza inorgânica e apropriando-se dela. Vista porém do ângulo do espírito universal, enquanto é a substância, a formação cultural consiste apenas em que essa substância se dá a sua consciência de si, e em si produz seu vir a ser- e sua reflexão. A ciência apresenta esse movimento de formação cultural em sua atualização e necessidade, como também apresenta em sua configuração o que já desceu ao nível de momento e propriedade do espírito. A meta final desse movimento é a intuição espiritual do que é o saber. A impaciência exige o impossível, ou seja, a obtenção do fim sem os meios. De um lado, há que suportar as longas distâncias desse caminho, porque cada momento é necessário. De outro lado, há que demorar-se em cada momento, pois cada um deles é uma figura individual completa, e assim cada momento só é considerado absolutamente enquanto sua determinidade for vista como todo ou concreto, ou o todo for visto na peculiaridade dessa determinação. A substância do indivíduo, o próprio espírito do mundo, teve a paciência de percorrer essas formas na longa extensão do tempo e de empreender o gigantesco trabalho da história mundial, plasmando nela, em cada forma, na medida de sua capacidade, a totalidade de seu conteúdo; e nem poderia o espírito do mundo com menor trabalho obter a consciência sobre si mesmo. É por isso que o indivíduo, pela natureza da Coisa, não pode apreender sua substância com menos esforço. Todavia, ao mesmo tempo em fadiga menor, porque a tarefa em si já está cumprida, o conteúdo já é a efetividade reduzida à possibilidade. A imediatez foi obtida à força, a configuração foi reduzida à sua abreviatura, à simples determinação de pensamento. Sendo já um pensado, o conteúdo é propriedade da substância; já não é o ser-aí na forma do ser em si, porém é somente o que - não sendo mais simplesmente o originário nem o imerso no ser-aí, mas o Em si rememorado - deve ser convertido na forma do ser para si. Convém examinar mais de perto a natureza desse agir. O que nesse movimento é poupado ao indivíduo é o suprassumir do ser-aí; mas o que ainda falta é a representação e o modo de conhecer com as formas. O ser-aí; recuperado na substância, é, através dessa primeira negação, apenas transferido imediatamente ao elemento do Si; assim, tem ainda o mesmo caráter da imediatez não conceitual, ou da indiferença imóvel que o ser-aí mesmo: ou seja, ele apenas passou para a representação. Ao mesmo tempo, o ser-aí se tornou por isso um bem conhecido; um desses objetos com que o espírito aí essente já acertou as contas, e no qual portanto já não aplica sua atividade e com isso seu interesse. A atividade, já quite com o ser-aí, é só movimento do espírito particular que não se concebe a si mesmo; mas o saber, ao contrário, está dirigido contra a representação assim constituída, contra esse ser-bem conhecido; o saber é o agir do Si universal, e o interesse do pensar. O bem conhecido em geral, justamente por ser bem conhecido, não é reconhecido. É o modo mais habitual de enganar-se e de enganar os outros: pressupor no conhecimento algo como já conhecido e deixá-lo tal como está. Um saber desses, com todo o vaivém de palavras, não sai do lugar - sem saber como isso lhe sucede. Sujeito e objeto etc.; Deus, natureza, o entendimento, a sensibilidade etc. são sem exame postos no fundamento, como algo bem conhecido e válido, constituindo pontos fixos tanto para a partida quanto para o retorno. O movimento se efetua entre eles, que ficam imóveis; vai e vem, só lhes tocando a superfície. Assim o apreender e o examinar consistem em verificar se cada um encontra em sua representação o que dele se diz, se isso assim lhe parece, se é bem conhecido ou não. Analisar uma representação, como ordinariamente se processava, não era outra coisa que suprassumir a forma de seu Ser-bem conhecido. Decompor uma representação em seus elementos originários é retroceder a seus momentos que, pelo menos, não tenham a forma da representação já encontrada, mas constituam a propriedade imediata do Si. De certo, essa análise só vem a dar em pensamentos, que por sua vez são determinações conhecidas, fixas e tranquilas. Mas é um momento essencial esse separado, que é também inefetivo; uma vez que o concreto, só porque se divide e se faz inefetivo, é que se move. A atividade do dividir é a força e o trabalho do entendimento, a força maior e mais maravilhosa, ou melhor: a potência absoluta. O círculo, que fechado em si repousa e retém como substância seus momentos, é a relação imediata e portanto nada maravilhosa. Mas o fato de que, separado de seu contorno, o acidental como tal - o que está vinculado, o que só é efetivo em sua conexão com outra coisa - ganhe um ser-aí próprio e uma liberdade à parte, eis aí a força portentosa do negativo: é a energia do pensar, do puro Eu. A morte - se assim quisermos chamar essa inefetividade - é a coisa mais terrível; e suster o que está morto requer a força máxima. A beleza sem força detesta o entendimento porque lhe cobra o que não tem condições de cumprir. Porém não é a vida que se atemoriza ante a morte e se conserva intacta da devastação, mas é a vida que suporta a morte e nela se conserva, que é a vida do espírito. O espírito só alcança sua verdade na medida em que se encontra a si mesmo no dilaceramento absoluto. Ele não é essa potência como o positivo que se afasta do negativo - como ao dizer de alguma coisa que é nula ou falsa, liquidamos com ela e passamos a outro assunto. Ao contrário, o espírito só é essa potência enquanto encara diretamente o negativo e se demora junto dele. Esse demorar-se é o poder mágico que converte o negativo em ser. Trata-se do mesmo poder que acima se denominou sujeito, e que ao dar, em seu elemento, ser-aí à determinidade, suprassume a imediatez abstrata, quer dizer, a imediatez que é apenas essente em geral. Portanto, o sujeito é a substância verdadeira, o ser ou a imediatez - que não tem fora de si a mediação, mas é a mediação mesma. O representado se torna propriedade da pura consciência de si; mas essa elevação à universalidade em geral não é ainda a formação cultural completa: é só um aspecto. O gênero de estudos dos tempos antigos difere do dos tempos modernos por ser propriamente a formação da consciência natural. Pesquisando em particular cada aspecto de seu ser-aí, e filosofando sobre tudo que se apresentava, o indivíduo se educava para a universalidade atuante em todos os aspectos do concreto. Nos tempos modernos, ao contrário, o indivíduo encontra a forma abstrata pronta. O esforço para apreendê-la e fazê-la sua é mais o jorrar para fora, não imediatizado, do interior, e o produzir abreviado do universal, em vez de ser um brotar do universal a partir do concreto e variedade do ser-aí. Por isso o trabalho atualmente não consiste tanto em purificar o indivíduo do modo sensível imediato, e em fazer dele uma substância pensada e pensante; consiste antes no oposto: mediante o suprassumir dos pensamentos determinados e fixos, efetivar e espiritualizar o universal. No entanto é bem mais difícil levar à fluidez os pensamentos fixos, que o ser-aí sensível. O motivo foi dado acima: aquelas determinações têm por substância e por elemento de seu ser-aí o Eu, a potência do negativo ou a efetividade pura; enquanto as determinações sensíveis têm apenas a imediatez abstrata impotente, ou o ser como tal. Os pensamentos se tornam fluidos quando o puro pensar, essa imediatez interior, se reconhece como momento; ou quando a pura certeza de si mesmo abstrai de si. Não se abandona, nem se põe de lado; mas larga o que há de fixo em seu pôr-se a si mesma - tanto o fixo do concreto puro, que é o próprio Eu em oposição ao conteúdo distinto, quanto o fixo das diferenças, que postas no elemento do puro pensar partilham dessa incondicionalidade do Eu. Mediante esse movimento, os puros pensamentos se tornam conceitos, e somente então eles são o que são em verdade: automovimentos, círculos. São o que sua substância é: essencialidades espirituais. Esse movimento das essencialidades puras constitui a natureza da cientificidade em geral. Considerado como conexão do conteúdo delas, é a necessidade e a expansão do mesmo num todo orgânico. O caminho pelo qual se atinge o conceito do saber torna-se igualmente, por esse movimento, um vir a ser necessário e completo. Assim essa preparação deixa de ser um filosofar casual que se liga a esses ou àqueles objetos, relações e pensamentos da consciência imperfeita, como os que o acaso traz consigo; ou que busca fundar o verdadeiro por raciocínios ziguezagueantes, conclusões e deduções de pensamentos determinados. Ao contrário, esse caminho abarcará por seu movimento a mundanidade completa da consciência em sua necessidade. Tal apresentação constitui, além disso, a primeira parte da ciência, porque o ser-aí do espírito, enquanto primeiro, não é outra coisa que o imediato ou o começo; mas o começo ainda não é seu retorno a si mesmo. O elemento do ser-aí imediato é, por isso, a determinidade pela qual essa parte da ciência se diferencia das outras. A alusão a essa diferença leva à discussão de alguns pensamentos estabelecidos que costumam apresentar-se a esse respeito. O ser-aí imediato do espírito - a consciência - tem os dois momentos: o do saber e o da objetividade, negativo em relação ao saber. Quando nesse elemento o espírito se desenvolve e expõe seus momentos, essa oposição recai neles, e então surgem todos como figuras da consciência. A ciência desse itinerário é a ciência da experiência que faz a consciência; a substância é tratada tal como ela e seu movimento são objetos da consciência. A consciência nada sabe, nada concebe, que não esteja em sua experiência, pois o que está na experiência é só a substância espiritual, e em verdade, como objeto de seu próprio Si. O espírito, porém, se torna objeto, pois é esse movimento de tornar-se outro - isto é, objeto de seu Si - e de suprassumir esse ser Outro. Experiência é justamente o nome desse movimento em que o imediato, o não experimentado, ou seja, o abstrato - quer do ser sensível, quer do Simples apenas pensado - se aliena e depois retoma a si dessa alienação; e por isso - como é também propriedade da consciência - somente então é exposto em sua efetividade e verdade. A desigualdade que se estabelece na consciência entre o Eu e a substância – que é seu objeto - é a diferença entre eles, o negativo em geral. Pode considerar-se como falha dos dois, mas é sua alma, ou seja, é o que os move. Foi por isso que alguns dos antigos conceberam o vazio como o motor. De fato, o que conceberam foi o motor como o negativo, mas ainda não o negativo como o Si. Ora, se esse negativo aparece primeiro como desigualdade do Eu em relação ao objeto, é do mesmo modo desigualdade da substância consigo mesma. O que parece ocorrer fora dela - ser uma atividade dirigida contra ela - é o seu próprio agir; e ela se mostra assim ser essencialmente sujeito. Quando a substância tiver revelado isso completamente, o espírito terá tornado seu ser-aí igual à sua essência: então é objeto para si mesmo tal como ele é; e foi superado o elemento abstrato da imediatez e da separação entre o saber e a verdade. O ser está absolutamente mediatizado: é conteúdo substancial que também, imediatamente, é propriedade do Eu; tem a forma do Si, ou seja, é o conceito. Neste ponto se encerra a Fenomenologia do Espírito. O que o espírito nela se prepara é o elemento do saber. Agora se expandem nesse elemento os momentos do espírito na forma da simplicidade, que sabe seu objeto como a si mesma. Esses momentos já não incidem na oposição entre o ser e o saber, separadamente; mas ficam na simplicidade do saber - são o verdadeiro na forma do verdadeiro, e sua diversidade é só diversidade de conteúdo. Seu movimento, que nesse elemento se organiza em um todo, é a Lógica ou Filosofia Especulativa. Uma vez que aquele sistema da experiência do espírito capta somente sua aparição, assim parece puramente negativo o processo que conduz através do sistema da experiência à ciência do verdadeiro que está na forma do verdadeiro. Alguém poderia querer ser dispensado do negativo enquanto falso e conduzido sem delongas à verdade; para que enredar-se com o falso? Já se falou acima da opinião de que se deve começar, logo de uma vez, com a ciência; vamos aqui responder a isso, a partir de seu ponto de vista sobre a natureza do negativo, que toma como o falso em geral. As representações a propósito impedem notavelmente o acesso à verdade. Assim teremos ocasião de falar sobre o conhecimento matemático, que o saber não filosófico considera como o ideal que a filosofia deve esforçar-se por atingir, mas que até agora tentou sem êxito. O verdadeiro e o falso pertencem aos pensamentos determinados que, carentes de movimento, valem como essências próprias, as quais, sem ter nada em comum, permanecem isoladas, uma em cima, outra embaixo. Contra tal posição deve-se afirmar que a verdade não é uma moeda cunhada, pronta para ser entregue e embolsada sem mais. Nem há um falso, como tampouco há um mal. O mal e o falso, na certa, não são malignos tanto como o demônio, pois deles se fazem sujeitos particulares (como aliás também do demônio). Como mal e falso, são apenas universais; não obstante têm sua própria essencialidade, um em contraste com o outro. O falso - pois só dele aqui se trata - seria o Outro, o negativo da substância, a qual é o verdadeiro, como conteúdo do saber. Mas a substância mesma é essencialmente o negativo; em parte como diferenciação e determinação do conteúdo, em parte como um diferenciar simples, isto é, como Si e saber em geral. É bem possível saber falsamente. Saber algo falsamente significa que o saber está em desigualdade com sua substância. Ora, essa desigualdade é precisamente o diferenciar em geral, é o momento essencial. É dessa diferenciação que provém sua igualdade; e essa igualdade que veio a ser é a verdade. Mas não é a verdade como se a desigualdade fosse jogada fora, como a escória, do metal puro; nem tampouco como o instrumento que se deixa de lado quando o vaso está pronto; ao contrário, a desigualdade como o negativo, como o Si, está ainda presente ela mesma no verdadeiro como tal, imediatamente. Mas não se pode dizer por isso que o falso constitua um momento ou mesmo um componente do verdadeiro. Nesta expressão: "todo o falso tem algo de verdadeiro", os dois termos contam como azeite e água que não se misturam, mas só se unem exteriormente. Não se devem mais usar as expressões de desigualdade onde o seu ser Outro foi suprassumido - justamente por causa da significação, para designar o momento do completo ser Outro. Assim como a expressão da unidade do sujeito e do objeto, do finito e do infinito, do ser e do pensar etc. tem o inconveniente de significar que o sujeito, o objeto etc. são fora de sua unidade; e, portanto, na unidade não são o que sua expressão enuncia, do mesmo modo o falso é um momento da verdade, mas não mais como falso. O dogmatismo - esse modo de pensar no saber e no estudo da filosofia - não é outra coisa senão a opinião de que o verdadeiro consiste numa proposição que é um resultado fixo, ou ainda, que é imediatamente conhecida. A questões como estas - Quando nasceu César? Que estádio era e quanto media? - deve-se dar uma resposta nítida. Do mesmo modo, é rigorosamente verdadeiro que no triângulo retângulo o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos. Mas a natureza de tal verdade (como a chamam) é diferente da natureza das verdades filosóficas. No que concerne às verdades históricas - para mencioná-las brevemente - enquanto consideradas do ponto de vista exclusivamente histórico, admite-se sem dificuldade que dizem respeito ao ser-aí singular, a um conteúdo sob o aspecto de sua contingência e de seu arbitrário; - determinações do conteúdo que não são necessárias. Mas até mesmo verdades nuas, como as supracitadas em exemplo, não são sem o movimento da consciência de si. É preciso muito comparar para conhecer uma só delas; há que consultar livros ou pesquisar, seja de que maneira for. Ainda no caso de uma intuição imediata, só será tido como possuindo verdadeiro valor seu conhecimento junto com suas razões; embora o que realmente interesse seja seu resultado puro e simples. Quanto às verdades matemáticas, ainda seria menos tido como um geômetra quem soubesse os teoremas de Euclides exteriormente, sem conhecer suas demonstrações (ou conhecer interiormente, para exprimir-se por contraste). Também não seria considerado satisfatório o conhecimento da relação bem conhecida entre os lados do triângulo retângulo, se fosse adquirido medindo muitos triângulos retângulos. Mas a essencialidade da demonstração não tem ainda, mesmo no conhecimento matemático, a significação e a natureza de ser um momento do resultado mesmo; ao contrário, no resultado da demonstração some e desvanece. Sem dúvida, como resultado, o teorema é reconhecido como um teorema verdadeiro. Mas essa circunstância, que se acrescentou depois, não concerne ao seu conteúdo, mas só a relação para com o sujeito. O movimento da prova matemática não pertence àquilo que é objeto, mas é um agir exterior à Coisa. Assim não é a natureza do triângulo retângulo que se decompõe tal como é representada na construção necessária à demonstração do teorema que exprime sua relação; todo o processo de produzir o resultado é um caminho e um meio do conhecimento. Também no conhecimento filosófico o vir a ser do ser-aí como ser-aí difere do vir a ser da essência ou da natureza interior da coisa. Mas, primeiro, o conhecimento filosófico contém os dois, enquanto o conhecimento matemático só apresenta o vir a ser do ser-aí, isto é, do ser da natureza da Coisa no conhecer como tal. Segundo, o conhecimento filosófico unifica também esses dois movimentos particulares. O nascer interior, ou o vir a ser da substância, é inseparavelmente transitar para o exterior ou para o ser-aí; é ser para Outro. Inversamente, o vir a ser do ser-aí é o recuperar a si mesmo na essência. O movimento é assim o duplo processo e vir a ser do todo; de modo que cada momento põe ao mesmo tempo o outro, e por isso cada qual tem em si, como dois aspectos, ambos os momentos; e eles, conjuntamente, constituem o todo, enquanto se dissolvem a si mesmos e se fazem momentos seus. No conhecer matemático, a intelecção é para a Coisa um agir exterior; segue-se daí que a verdadeira Coisa é por ele alterada. O meio desse conhecimento- a construção e a demonstração - contém proposições verdadeiras; mas também se deve dizer que o conteúdo é falso. No exemplo acima, se desmembra o triângulo, e suas partes são articuladas em outras figuras que a construção faz nele surgir. Só no final se restabelece o triângulo, aquele de que justamente se tratava, mas que foi perdido de vista no processo da demonstração, reduzido a peças que faziam parte de outras totalidades. Vemos assim que também nesse ponto ressalta a negatividade do conteúdo, a qual devia ser chamada uma falsidade do conteúdo, com tanta razão como se chama falsidade o desvanecer dos pensamentos, que se tinham por fixos, no movimento do conceito. Mas a falha própria desse conhecimento afeta tanto o conhecimento mesmo quanto a sua matéria em geral. No que toca ao conhecimento, não parece clara, à primeira vista, a necessidade da construção. Não deriva do conceito do teorema, mas é algo imposto: deve-se obedecer às cegas a prescrição de traçar justamente estas linhas, quando infinitas outras poderiam ser traçadas; sem nada mais saber, acreditar piamente que esse processo é adequado para a conduta da demonstração. Mais tarde se mostra também essa conformidade com o fim, que é só uma conformidade exterior, pelo motivo de que só se manifesta quando feita sua demonstração. Assim, essa demonstração toma um caminho que começa num ponto qualquer, sem se saber que relação tem com o resultado que deve provir. O curso da demonstração assume estas determinações e relações e deixa outras de lado, sem que imediatamente se possa ver qual a necessidade disso; uma finalidade exterior comanda esse movimento. A matemática se orgulha e se pavoneia frente à filosofia - por causa desse conhecimento defeituoso, cuja evidência reside apenas na pobreza de seu fim e na deficiência de sua matéria; portanto, um tipo de evidência que a filosofia deve desprezar. O fim - ou o conceito - da matemática é a grandeza. Essa é justamente a relação inessencial carente de conceito. Por isso, o movimento do saber matemático passa por sobre a superfície, não toca a Coisa mesma, não toca a essência ou o conceito, e portanto não é um conceber. A matéria, onde a matemática preserva um tesouro gratificante de verdades, é o espaço e o uno. O espaço é o ser-aí, no qual o conceito inscreve suas diferenças, como num elemento vazio e morto, no qual as diferenças são igualmente imóveis e sem vida. O efetivo não é algo espacial, como é tratado na matemática; com tal inefetividade, como são as coisas da matemática, não se ocupa nem a intuição sensível concreta nem a filosofia. Por conseguinte, nesse elemento inefetivo, só há também um Verdadeiro inefetivo; isto é, proposições mortas e rígidas. Em cada uma dessas proposições é possível parar; a seguinte recomeça tudo por sua conta, sem que a primeira se movesse até ela, e sem que assim surgisse uma conexão necessária através da natureza da Coisa mesma. Além disso, em virtude daquele princípio ou elemento, o saber prossegue pela linha da igualdade - e nisso consiste o formal da evidência matemática. Com efeito o morto, porque não se move, não chega à diferença da essência nem à oposição essencial ou desigualdade - e portanto à passagem do oposto no oposto -, nem à passagem qualitativa, imanente; e nem ao automovimento. Pois o que a matemática considera é somente a grandeza, a diferença inessencial: abstrai do fato de que é o conceito que divide o espaço em suas dimensões, e que determina as conexões entre as dimensões e dentro delas. Não consideram, por exemplo, a relação da linha com a superfície, e quando compara o diâmetro do círculo com a periferia, choca-se contra a sua incomensurabilidade, quer dizer, uma relação do conceito, um infinito que escapa à sua determinação. A matemática imanente, a que chamam de matemática pura, não põe o tempo como tempo, frente ao espaço, como a segunda matéria de sua consideração. A matemática aplicada trata de fato do tempo, do movimento e de várias outras coisas efetivas. Mas toma da experiência as proposições sintéticas, isto é, proposições sobre suas relações que são determinadas por meio de seu conceito, e só a essas pressuposições aplica suas fórmulas. De tais proposições, a matemática aplicada oferece em abundância o que chama demonstrações: - como a do equilíbrio da alavanca e a da relação entre o espaço e o tempo no movimento da queda livre. Mas que sejam dadas e aceitas como demonstrações, prova apenas a grande necessidade da prova para o conhecimento, pois, quando não tem mais provas, valoriza até sua aparência vazia e ali encontra alguma satisfação. Uma crítica dessas demonstrações seria tão digna de nota quanto instrutiva: de um lado, por expurgar a matemática dessas bijuterias, e, de outro lado, por mostrar seus limites, e, portanto, a necessidade de outro saber. No que concerne ao tempo, pensam que deve constituir a matéria da outra parte da matemática pura, em contrapartida com o espaço; mas o tempo é o próprio conceito aí essente. O princípio da grandeza - a diferença carente de conceito -, e o princípio da igualdade - a unidade abstrata sem vida - não são capazes de apreender o tempo, essa pura inquietude da vida e diferenciação absoluta. Assim, essa negatividade só se torna a segunda matéria do conhecimento matemático como paralisado, isto é, como o uno; esse conhecimento é um agir exterior, que reduz o automovimento à matéria; e nela possui então um conteúdo indiferente, exterior e sem vida. A filosofia, ao contrário, não considera a determinação inessencial, mas a determinação enquanto essencial. Seu elemento e seu conteúdo não é o abstrato e o inefetivo, mas sim o efetivo, que se põe a si mesmo e é em si vivente: o ser-aí em seu conceito. É o processo que produz e percorre os seus momentos; e o movimento total constitui o positivo e sua verdade. Movimento esse que também encerra em si o negativo, que mereceria o nome de falso se fosse possível tratar o falso como algo de que se tivesse de abstrair. Ao contrário, o que deve ser tratado como essencial é o próprio evanescente; não deve ser tomado na determinação de algo rígido, cortado do verdadeiro, deixado fora dele não se sabe onde; nem tampouco o verdadeiro como um positivo morto jazendo do outro lado. A aparição é o surgir e passar que não surge nem passa, mas que em si constitui a efetividade e o movimento da vida da verdade. O verdadeiro é assim o delírio báquico, onde não há membro que não esteja ébrio; e porque cada membro, ao separar-se, também imediatamente se dissolve, esse delírio é ao mesmo tempo repouso translúcido e simples. Perante o tribunal desse movimento não se sustêm nem as figuras singulares do espírito, nem os pensamentos determinados; pois aí tanto são momentos positivos necessários, quanto são negativos e evanescentes. Na totalidade do movimento, compreendido como estado de repouso, o que nele se diferencia e se dá um ser-aí particular é conservado como algo que se rememora, cujo ser-aí é o saber de si mesmo; como esse saber é também imediatamente ser-aí. Talvez pareça necessário indicar antes os pontos principais do método desse movimento, ou da ciência. Mas seu conceito já se encontra no que foi dito, e sua apresentação autêntica pertence à Lógica, ou melhor, é a própria Lógica. Pois o método não é outra coisa que a estrutura do todo, apresentada em sua pura essencialidade. Porém, quanto às opiniões em voga até agora sobre o método, devemos ter consciência de que também o sistema das representações relativas ao método filosófico pertence a uma cultura desaparecida. Isso pode soar um tanto arrogante ou revolucionário - um tom de que me sinto bem distante. Porém deve-se observar que a opinião corrente já acha pelo menos antiquado todo o aparato científico oferecido pela matemática - explicações, divisões, axiomas, séries de teoremas e suas demonstrações, princípios com suas demonstrações e conclusões. Embora sua inutilidade não seja claramente entendida, contudo se faz pouco uso, ou nenhum, desse método: se não é em si desaprovado, também não é estimado. Ora, devemos ter essa pressuposição a respeito do excelente: de que seja aplicado e se faça amar. Mas não é difícil perceber que essa maneira de proceder - expor uma proposição, defendê-la com argumentos, refutar o seu oposto com razões - não é a forma como a verdade pode manifestar-se. A verdade é seu próprio movimento dentro de si mesma; mas aquele método é o conhecer que é exterior à matéria. Por isso, como já anotamos, é próprio da matemática e deve-se-lhe deixar, pois tem como princípio a relação de grandeza - relação carente de conceito -, e tem como matéria o espaço morto e o Uno igualmente morto. Mas esse método pode continuar a ser utilizado, de maneira mais livre - quer dizer, mais misturado com capricho e contingência - na vida cotidiana, na conversação e na informação histórica, que ficam mais na curiosidade que no conhecimento. Também um prefácio é mais ou menos isso. A consciência na vida cotidiana tem, em geral, por seu conteúdo, conhecimentos, experiências, sensações de coisas concretas, e também pensamentos, princípios - o que vale para ela como um dado ou então como ser ou essência fixos e estáveis. A consciência, em parte, discorre por esse conteúdo; em parte, interrompe seu discurso, comportando-se como um manipular do mesmo conteúdo, desde fora. Reconduz o conteúdo a algo que parece certo, embora seja só a impressão do momento; e a convicção fica satisfeita quando atinge um ponto de repouso já conhecido. Mas se a necessidade do conceito exclui o caminho folgado da conversa raciocinante, como também o rígido procedimento do pedantismo científico, seu lugar, como acima lembramos, não deve ser tomado pelo não método do pressentimento e do entusiasmo, e pelo arbitrário do discurso profético que não só despreza aquela cientificidade, mas a cientificidade em geral. O conceito da ciência surgiu depois que se elevou à sua significação absoluta aquela forma triádica que em Kant era ainda carente de conceito, morta, e descoberta por instinto. Assim, a verdadeira forma foi igualmente estabelecida no seu verdadeiro conteúdo. Não se pode, de modo algum, considerar como científico o uso daquela forma triádica, onde a vemos reduzida a um esquema sem vida, a um verdadeiro fantasma. A organização científica está aí reduzida a uma tabela. Já falamos acima desse formalismo de modo geral. Queremos agora expor mais de perto sua maneira de proceder. Julga que concebeu e exprimiu a natureza e a vida de uma figura, quando afirmou como predicado uma determinação do esquema; por exemplo, a subjetividade, ou então o magnetismo, a eletricidade etc., a contração ou a expansão, o oeste ou leste etc. Coisas semelhantes podem ser multiplicadas ao infinito, pois, nesse procedimento, cada determinação ou figura pode ser reutilizada em outra, como forma ou momento do esquema; e cada uma, agradecida, pode prestar o mesmo serviço à outra. É um círculo de reciprocidades, através do qual não se experimenta o que seja a Coisa mesma, nem o que seja uma nem a outra. Aí se aceitam, por um lado, determinações sensíveis da intuição vulgar, que de certo devem significar algo diverso do que dizem; e, por outro lado, o que é em si significante, as determinações puras do pensamento - como sujeito, objeto, substância, causa, universal etc. - são aplicadas tão sem reflexão e sem crítica como na vida cotidiana. Do mesmo modo se fala de força e fraqueza, expansão e contração, de tal forma que aquela metafísica é tão a-científica quanto essas representações sensíveis. Em vez da vida interior e do automovimento de seu ser-aí, essa simples determinidade da intuição - quer dizer, aqui: do saber sensível - se exprime conforme uma analogia superficial. Chama-se construção essa aplicação vazia e exterior da fórmula. A tal formalismo toca a mesma sorte de qualquer formalismo. Deve ser bem obtusa a cabeça em que não se pode inculcar, num quarto de hora, a teoria das doenças astênicas, estênicas; e indiretamente astênicas e outros tantos métodos de cura. E como não esperar, com tal ensino, em pouco tempo transformar um curandeiro em doutor? O formalismo da filosofia da natureza pode ensinar que a inteligência é a eletricidade, ou que o animal é o nitrogênio, ou então igual ao sul ou ao norte; ou representar isso tão cruamente como aqui se exprime, ou temperá-lo com mais terminologia. A incompetência poderá sentir-se atônita ante uma força tal que congrega aparências tão distantes uma da outra; ante a violência que sofre o pacato mundo sensível através dessa vinculação que lhe dá assim a aparência de um conceito - embora sem exprimir o que há de mais importante: o conceito mesmo ou o significado da representação sensível. A incompetência poderá também inclinar-se ante tão profunda genialidade, alegrar-se com a clareza de tais determinações que substituem o conceito abstrato por algo intuitivo e o tornam mais agradável; e felicitar-se por sentir uma afinidade de alma com tão soberana façanha. O truque de tal sabedoria é tão depressa aprendido como é fácil de aplicar; mas sua repetição, quando já está conhecido, é tão insuportável como a repetição de um truque de prestidigitação já descoberto. O instrumento desse monótono formalismo não é mais difícil de manejar que a paleta de um pintor sobre a qual só houvesse duas cores, digamos, o vermelho e o verde, usadas conforme se exigisse para colorir a tela, pintando com uma delas cenas históricas, e, com a outra, paisagens. Difícil decidir o que é maior: a sem-cerimônia com que se pinta tudo que há no céu, na terra e nos infernos com tal sopa de tintas; ou a vaidade pela excelência desse meio-universal: uma coisa serve de apoio à outra. Revestindo tudo o que é celeste e terrestre, todas as figuras naturais e espirituais com um par de determinações do esquema universal, e dessa maneira organizando tudo - o que esse método produz não é nada menos que um "Informe Claro Como o Sol" sobre o organismo do universo, isto é, uma tabela semelhante a um esqueleto, com cartõezinhos colados, ou uma prateleira de latas com suas etiquetas penduradas num armazém. A tabela é tão clara quanto os exemplos acima; mas como no esqueleto a carne e o sangue foram retirados dos ossos, e como nas latas estão escondidas coisas sem vida, assim também na tabela a essência viva da Coisa está abandonada ou escondida. Já se fez notar que esse procedimento termina numa pintura absolutamente unicolor porque, ao envergonhar-se das diferenças do esquema, as submerge como se pertencessem à reflexão, na vacuidade do absoluto, de modo que se estabeleça a pura identidade, o branco sem forma. Essa monocromia do esquema e de suas determinações sem vida, essa identidade absoluta e o passar de uma coisa para outra, tudo isso é igualmente entendimento morto, e igualmente conhecimento exterior. Mas o excelente não pode escapar ao destino de tornar-se assim sem vida e sem espírito, esfolado desse modo por um saber carente de vida e pela vaidade dele. Mais ainda: tem de reconhecer nesse mesmo destino o poder que o excelente exerce sobre as almas, se não sobre os espíritos, e também o aprimoramento em direção da universalidade e determinidade da forma, em que sua perfeição consiste; somente ela possibilita que essa universalidade seja usada superficialmente. A ciência só se permite organizar mediante a própria vida do conceito: nela, a determinidade, que do esquema é aplicada exteriormente ao ser-aí, constitui a alma semovente do conteúdo pleno. O movimento do essente consiste, de um lado, em tornar-se outro e, assim, seu próprio conteúdo imanente; de outro lado, o essente recupera em si esse desenvolvimento ou esse seu ser-aí. Isto é, faz de si mesmo um momento e se simplifica em direção à determinidade. A negatividade é nesse movimento o diferenciar e o pôr do ser-aí; e é, nesse retomar a si, o vir a ser da simplicidade determinada. Dessa maneira, o conteúdo mostra que sua determinidade não é recebida de outro e pregada nele; mas antes, é o conteúdo que se outorga a determinidade e se situa, de per si, em um momento e em um lugar do todo. O entendimento tabelador guarda para si a necessidade e o conceito do conteúdo: tudo o que constitui o concreto, a efetividade e o movimento vivo da coisa que classifica. Ou melhor: não é que o guarde para si, mas o desconhece; pois se tivesse essa perspicácia, bem que a mostraria. Na verdade, nem sequer conhece sua necessidade, aliás renunciaria a seu esquematizar, ou pelo menos só o tomaria por uma indicação do conteúdo. De fato, tal procedimento só fornece uma indicação do conteúdo, e não o conteúdo mesmo. Uma determinidade, tal como o magnetismo, por exemplo, em si concreta ou efetiva, é reduzida a algo morto, pois só é tomada como predicado de outro ser-aí, e não como vida imanente desse ser-aí; ou seja, como o que tem nele sua autoprodução íntima e peculiar, e sua exposição. Levar a cabo essa tarefa suprema - isso o entendimento formal deixa para os outros. Em vez de penetrar no conteúdo imanente da coisa, o entendimento lança uma vista geral sobre o todo, e vem pairar sobre um ser-aí singular do qual fala; quer dizer, não o enxerga de modo nenhum. Entretanto o conhecimento científico requer o abandono à vida do objeto; ou, o que é o mesmo, exige que se tenha presente e se exprima a necessidade interior do objeto. Desse modo, indo a fundo em seu objeto, esquece aquela vista geral que é apenas a reflexão do saber sobre si mesmo a partir do conteúdo. Contudo, submerso na matéria e avançando no movimento dela, o conhecimento científico retoma a si mesmo; mas não antes que a implementação ou o conteúdo, retirando-se em si mesmo e simplificando-se na determinidade, se tenha reduzido a um dos aspectos de um ser-aí, e passado à sua mais alta verdade. Através desse processo, o todo simples, que não enxergava a si mesmo, emerge da riqueza em que sua reflexão parecia perdida. Por este motivo em geral, que a substância é nela mesma sujeito, como acima foi dito, todo o seu conteúdo é sua própria reflexão sobre si. O subsistir ou a substância de um ser-aí é a igualdade consigo mesmo, já que sua desigualdade consigo seria sua dissolução. Porém, a igualdade consigo mesmo é a pura abstração; mas esta é o pensar. Quando digo: qualidade, digo a determinidade simples; por meio da qualidade, um ser-aí é diferente de outro, ou seja, é um ser-aí; é para si mesmo ou subsiste por meio dessa simplicidade consigo mesmo. Mas por isso é essencialmente o pensamento. Aqui se conceitua que o ser é pensar; aqui incide a intuição que trata de evitar o discurso - habitual e carente de conceito - da identidade entre o pensar e o ser. Ora, uma vez que o subsistir do ser-aí é a igualdade consigo mesmo ou a pura abstração, ele é a abstração de si por si mesmo, ou é sua desigualdade consigo e sua dissolução - sua própria interioridade e sua retomada em si mesmo - seu vir a ser. Devido a essa natureza do essente, e enquanto o essente tem tal natureza para o saber, esse não é uma atividade que manipule o conteúdo como algo estranho, nem é a reflexão sobre si, partindo do conteúdo. A ciência não é certo idealismo que se introduziu em lugar do dogmatismo da afirmação, como o dogmatismo da asseveração ou dogmatismo da certeza de si mesmo. Mas, enquanto o saber vê seu conteúdo retomar à sua própria interioridade, é antes sua atividade que nele está imersa, por ser tal atividade o Si imanente do conteúdo; ela ao mesmo tempo retoma a si, pois é a pura igualdade consigo mesma no ser Outro. Assim, a atividade do saber é a astúcia que, parecendo subtrair-se à atividade, vê como a determinidade e sua vida concreta constituem um agir que se dissolve e se faz um momento do todo; justamente onde acredita ocupar-se de sua própria conservação e de seu interesse particular. Apresentamos acima a significação do entendimento do lado da consciência de si da substância. Mas, pelo que se disse agora, está clara sua significação segundo a determinação da substância como essente. O ser-aí é qualidade, determinidade igual a si mesma ou simplicidade determinada, pensamento determinado: esse é o entendimento do ser-aí, Por isso o ser-aí é o "nous" e foi como tal que Anaxágoras reconheceu primeiro a essência. Seus sucessores conceberam mais determinadamente a natureza do ser-aí como "eidos" ou "idea", isto é, universalidade determinada, espécie. A expressão espécie parece talvez demasiado vulgar e pequena demais para as ideias, para o belo, o sagrado, o eterno, que pululam no tempo atual. Mas, de fato, a ideia não exprime nem mais nem menos que espécie. Ora, vemos hoje com frequência que é desprezada uma expressão que designa um conceito de maneira determinada, enquanto se prefere outra que envolve de névoa o conceito e assim ressoa mais edificante, talvez porque pertence a um idioma estrangeiro. Precisamente pelo motivo de ser determinado como espécie, o ser-aí é pensamento simples: o "nous", a simplicidade, é a substância. Graças à sua simplicidade e igualdade consigo mesma, a substância aparece como firme e estável. Porém essa igualdade consigo mesma é também negatividade, e por isso aquele ser-aí fixo procede à sua própria dissolução. A determinidade, de início, aparenta ser apenas porque se refere a Outro; e seu movimento, imposto por uma potência estranha. Mas o que está precisamente contido naquela simplicidade do pensar é que a determinidade tem em si mesma o seu ser Outro e que é automovimento; pois tal simplicidade é o pensamento que a si mesmo se move e se diferencia: é a própria interioridade, o puro conceito. Portanto, a inteligibilidade é, desse modo, um vir a ser; e enquanto é esse vir a ser, é a racionalidade. A natureza do que é está em ser, no seu próprio ser, seu conceito: nisso consiste a necessidade lógica em geral. Só ela é o racional ou o ritmo do todo orgânico: é tanto o saber do conteúdo quanto o conteúdo é conceito e essência; ou seja, só a necessidade lógica é o especulativo. A figura concreta, movendo-se a si mesma, faz de si uma determinidade simples; com isso se eleva à forma lógica e é, em sua essencialidade. Seu ser-aí concreto é apenas esse movimento, e é ser-aí lógico, imediatamente. É, pois, inútil aplicar de fora o formalismo ao conteúdo concreto; pois esse conteúdo é nele mesmo o passar ao formalismo. Mas então o formalismo deixa de ser formalismo, porque a forma é o vir a ser inato do próprio conteúdo concreto. Essa natureza do método científico - por um lado, ser inseparável do conteúdo, e, por outro lado, determinar seu ritmo próprio por si mesmo - tem sua apresentação propriamente dita na filosofia especulativa, como já foi lembrado. O que foi dito aqui exprime certamente o conceito, mas não tem mais valor que uma asserção antecipada. Sua verdade não se situa nessa exposição, parcialmente narrativa. Por isso mesmo, não pode ser refutada pela asserção contrária: "de que não é assim, mas dessa ou daquela maneira"; nem trazendo à lembrança e narrando representações costumeiras como verdades bem conhecidas e estabeleci das; nem apresentando e asseverando algo novo, tirado do escrínio da intuição divina interior. Frente ao desconhecido, a primeira reação do saber costuma ser um acolhimento desses; para salvaguardar sua liberdade e perspicácia, e a própria autoridade frente à autoridade estranha (pois o que se apreende pela primeira vez parece ter essa forma): mas também para evitar essa aparência ou espécie de vergonha que reside no fato de aprender alguma coisa. Do mesmo modo, no caso de acolhimento favorável do desconhecido, a reação da mesma espécie consiste no que foram, em outra esfera, o discurso e a ação ultrarrevolucionários. Por conseguinte, o que importa no estudo da ciência é assumir o esforço tenso do conceito. A ciência exige atenção ao conceito como tal, às determinações simples, por exemplo, do ser em si, do ser para si, da igualdade consiga mesmo etc., já que esses são puros automovimentos tais que se poderiam chamar de almas, se não designasse seu conceito algo mais elevado que isso. Para o hábito de guiar-se por representações é molesta a interrupção que o conceito nelas introduz; sucede o mesmo com o pensar formal que raciocina ziguezagueando entre pensamentos inefetivos. Esse hábito merece o nome de pensamento material, de consciência contingente, imersa somente no conteúdo material, para a qual é custoso ao mesmo tempo elevar da matéria seu próprio Si e permanecer junto a si. Ao contrário, o outro modo de pensar, o raciocinar, é a liberdade desvinculada do conteúdo, é a vaidade exercendo-se sobre ele. Exige-se da vaidade o esforço de abandonar tal liberdade; e, em vez de ser o princípio motor arbitrário do conteúdo, mergulhar essa liberdade nele, fazer que se mova conforme sua própria natureza, isto é, através do Si como seu próprio conteúdo; e contemplar esse movimento. Renunciar a suas próprias incursões no ritmo imanente dos conceitos; não interferir nele através de seu arbítrio e de sabedoria adquirida alhures - eis a discrição que é, ela mesma, um momento essencial da atenção ao conceito. Na atitude raciocinante, dois aspectos devem ser ressaltados - aspectos segundo os quais o pensamento conceitual é o seu oposto. De uma parte, o procedimento raciocinante se comporta negativamente em relação ao conteúdo apreendido; sabe refutá-lo e reduzi-lo a nada. Essa intelecção de que o conteúdo não é assim é algo puramente negativo; é o ponto terminal que a si mesmo não ultrapassa rumo a novo conteúdo, mas para ter de novo um conteúdo, deve arranjar outra coisa, seja donde for. É a reflexão no Eu vazio, a vaidade do seu saber. Essa vaidade porém não exprime apenas que esse conteúdo é vão, mas também que é vã essa intelecção, por ser o negativo que não enxerga em si o positivo. Por conseguinte, uma vez que não ganha como conteúdo sua negatividade, essa reflexão, em geral, não está na Coisa, mas passa sempre além dela; desse modo, com a afirmação do vazio, se afigura estar sempre mais avançada que uma intelecção rica de conteúdo. Ao contrário, como já foi mostrado, no pensar conceitual o negativo pertence ao conteúdo mesmo e - seja como seu movimento imanente e sua determinação, seja como sua totalidade - é o positivo. O que surge desse movimento, apreendido como resultado, é o negativo determinado e portanto é igualmente um conteúdo positivo. Tendo porém em vista que o pensamento raciocinante tem um conteúdo, constituído por representações ou por pensamentos - ou por uma mescla de ambos -, ele possui outro aspecto que lhe dificulta o conceber. Sua natureza característica está estreitamente vinculada à essência da ideia indicada acima, ou melhor, a exprime tal qual se manifesta como o movimento que é o apreender pensante. No seu comportamento negativo, que acabamos de ver, o próprio pensar raciocinante é o Si ao qual o conteúdo retoma; porém, no seu conhecer positivo, o Si é um sujeito representado, com o qual o conteúdo se relaciona como acidente e predicado. Esse sujeito constitui a base à qual o predicado está preso, e sobre a qual o movimento vai e vem. No pensamento conceitual o sujeito comporta-se de outra maneira. Enquanto o conceito é o próprio Si do objeto, que se apresenta como seu vir a ser, não é um sujeito inerte que sustenha imóvel os acidentes; mas é o conceito que se move, e que retoma em si suas determinações. Nesse movimento subverte-se até aquele sujeito inerte: penetra nas diferenças e no conteúdo, e em vez de ficar frente a frente com a determinidade, antes a constitui: isto é, constitui o conteúdo diferenciado como também o seu movimento. Assim, a base firme, que o raciocinar tinha no sujeito inerte, vacila; e é somente esse movimento que se torna o objeto. O sujeito, que implementa seu conteúdo, deixa de passar além dele, e não pode ter mais outros predicados e acidentes. Inversamente, a dispersão do conteúdo é, por isso, reunida sob o Si: o conteúdo não é o universal que, livre do sujeito, pudesse convir a muitos. Assim o conteúdo já não é, na realidade, o predicado do sujeito, mas é a substância: é a essência ou o conceito do objeto do qual se fala. O pensar representativo tem essa natureza de percorrer acidentes e predicados; e com razão os ultrapassa, por serem apenas predicados e acidentes. Mas agora é freado em seu curso, pois o que na proposição tem a forma de um predicado é a substância mesma: sofre o que se pode representar como um contrachoque. Tendo começado do sujeito, como se esse ficasse no fundamento em repouso, descobre que - enquanto o predicado é antes a substância - o sujeito passou para o predicado, e por isso foi suprassumido; e enquanto o que parece ser predicado se tornou uma massa inteira e independente, o pensamento já não pode vaguear livremente por aí, mas fica retido por esse lastro. Aliás, o sujeito é, de início, posto como o Si fixo e objetivo, donde o movimento necessário passa à variedade das determinações ou dos predicados. Aqui entra, no lugar daquele sujeito, o próprio Eu que sabe - vínculo dos predicados com o sujeito que é seu suporte. Mas enquanto o primeiro sujeito entra nas determinações mesmas e é sua alma, o segundo sujeito - isto é, o Eu que sabe - encontra ainda no predicado aquele primeiro sujeito, quando julgava já ter liquidado com ele, e queria retomar a si mesmo para além dele. Em vez de ser o agente no movimento do predicado - como o raciocinar sobre qual predicado deve ser atribuído ao sujeito - deve, antes, haver-se com o Si do conteúdo; não deve ser para si, mas em união com ele. Formalmente pode exprimir-se assim o que foi dito: a natureza do juízo e da proposição em geral - que em si inclui a diferença entre sujeito e predicado - é destruída pela proposição especulativa; e a proposição da identidade, em que a primeira se transforma, contém o contrachoque na relação sujeito-predicado. O conflito entre a forma de uma proposição em geral e a unidade do conceito que a destrói é semelhante ao que ocorre no ritmo entre o metro e o acento. O ritmo resulta do balanceamento dos dois e de sua unificação. Assim também, na proposição filosófica, a identidade do sujeito e do predicado não deve anular sua diferença expressa pela forma da proposição; mas antes, sua unidade deve surgir como uma harmonia. A forma da proposição é a manifestação do sentido determinado ou do acento, o qual diferencia o conteúdo que o preenche; porém a unidade em que esse acento expira está em que o predicado exprima a substância e em que o próprio sujeito incida no universal. Para esclarecer com exemplos o que vai dito, na proposição "Deus é o ser" o predicado é o ser: tem uma significação substancial na qual o sujeito se dissolve. Aqui "ser" não deve ser predicado, mas a essência; por isso parece que, mediante a posição da proposição, Deus deixa de ser o que é - a saber, sujeito fixo. O pensar, em vez de progredir na passagem do sujeito ao predicado, se sente, com a perda do sujeito, antes freado e relançado ao pensamento do sujeito, pois esse lhe faz falta. Ou seja: o próprio predicado sendo expresso como um sujeito, como o ser, como a essência que esgota a natureza do sujeito, o pensar encontra também o sujeito imediatamente no predicado. Então, o pensar está ainda nas profundezas do conteúdo, ou, ao menos, tem presente a exigência de nele se aprofundar; em lugar de manter a livre posição do raciocinar que no predicado vai para si mesmo. Assim, quando se diz: "o efetivo é o universal", o efetivo, como sujeito, some no seu predicado. O universal não deve ter somente a significação do predicado, de modo que a proposição exprima que o efetivo seja universal - mas o universal deve exprimir a essência do efetivo. Perde assim o pensar seu firme solo objetivo, que tinha no sujeito, quando estando no predicado é recambiado ao sujeito, e no predicado não é a si que retoma, e sim ao sujeito do conteúdo. As queixas sobre a incompreensibilidade das obras filosóficas se devem sobretudo a esse freio insólito, quando partem de pessoas que aliás têm nível de instrução adequado para compreendê-las. Vemos, no que foi dito, o motivo de uma censura bem específica e frequente, de que na sua maioria os escritos filosóficos devem ser lidos mais de uma vez antes de serem compreendidos - censura que deve conter algo de irrefutável e definitivo ao ponto que, se fosse comprovada, não admitiria réplica. Mas, do que acima foi dito, essa questão está situada com clareza. A proposição filosófica, por ser proposição, evoca a ideia da relação costumeira entre sujeito e predicado, e do procedimento habitual do saber. Tal procedimento e a ideia a seu respeito são destruídos pelo conteúdo filosófico; a opinião corrente experimenta que se entendia outra coisa e não o que ela supunha; e essa correção, do que opinava, obriga o saber a voltar à proposição e a compreendê-la agora diversamente. Uma dificuldade a evitar é a mistura do modo especulativo e do modo raciocinante quando o que se diz do sujeito, ora tem a significação de seu conceito, ora tem apenas a significação de seu predicado ou acidente. Um procedimento estorva o outro, e só conseguirá plasticidade aquela exposição filosófica que excluir rigorosamente a maneira como habitualmente são relacionadas as partes de uma proposição. De fato, o pensar não especulativo tem também seu direito, que é válido mas não é levado em conta no modo da proposição especulativa. A suprassunção da forma da proposição não pode ocorrer só de maneira imediata, nem mediante o puro conteúdo da proposição. No entanto, esse movimento oposto necessita ter expressão: não deve ser apenas aquela frenagem interior, mas esse retomar do conceito a si tem de ser apresentado. Esse movimento - que constitui o que a demonstração aliás devia realizar - é o movimento dialético da proposição mesma. Só ele é o Especulativo efetivo, e só o seu enunciar é exposição especulativa. Como proposição, o especulativo é somente a frenagem interior, o retomo não ai essente da essência a si mesma. Por isso, vemos que as exposições filosóficas com frequência nos remetem a essa intuição interior, e desse modo ficamos privados da exposição dialética que reclamávamos. A proposição deve exprimir o que é o verdadeiro; mas essencialmente, o verdadeiro é o sujeito: e como tal é somente o movimento dialético, esse caminhar que a si mesmo produz, que avança e que retoma a si. Em qualquer outro conhecer, a demonstração constitui esse lado da expressão da interioridade. Porém, desde que a dialética foi separada da demonstração, o conceito da demonstração filosófica de fato se perdeu. Pode-se lembrar a respeito que o movimento dialético tem igualmente proposições como partes ou elementos seus: a dificuldade indicada parece assim voltar sempre, e ser uma dificuldade da Coisa mesma. É semelhante ao que sucede na demonstração ordinária: os fundamentos que utiliza precisam por sua vez de uma fundamentação, e assim por diante até o infinito. Mas essa forma de fundar e de condicionar pertence àquele demonstrar que é diferente do movimento dialético; portanto, pertence ao conhecer exterior. No que toca o movimento dialético, seu elemento é o conceito puro, e por isso tem um conteúdo que em si mesmo é absolutamente sujeito. Assim, nenhum conteúdo ocorre que se comporte ao modo de um sujeito posto como fundamento, e ao qual advenha sua significação como um predicado: a proposição, imediatamente, é só uma forma vazia. Excetuando o Si intuído sensivelmente ou representado, é sobretudo o nome como nome que indica o sujeito puro, o Uno vazio e carente de conceito. Por esse motivo pode ser útil, por exemplo, evitar o nome "Deus", porque essa palavra não é, ao mesmo tempo, imediatamente conceito, mas o nome propriamente dito: o repouso fixo do sujeito que está no fundamento. Ao contrário, por exemplo, o ser, o uno, a singularidade, o sujeito etc. designam eles mesmos imediatamente também conceitos. Aliás, se forem enunciadas verdades especulativas sobre aquele sujeito, seu conteúdo carece de conceito imanente, pois o sujeito só está presente como sujeito em repouso, e por essa circunstancia tais verdades recebem facilmente a forma de mera edificação. Sob esse aspecto também o obstáculo reside no hábito de entender, segundo a forma da proposição, o predicado especulativo, e não como conceito ou essência; e pode aumentar ou diminuir por culpa da própria exposição filosófica. A apresentação, fiel à visão da natureza do especulativo, deve manter a forma dialética e nada incluir a não ser na medida em que é concebido e que é o conceito. Constitui um obstáculo ao estudo da filosofia, tão grande quanto a atitude raciocinante, a presunção - que não raciocina - das verdades feitas. Seu possuidor não acha preciso retomar sobre elas, mas as coloca no fundamento, e acredita que não só pode exprimi-las, mas também julgar e condenar por meio delas. Vendo as coisas por esse lado, é particularmente necessário fazer de novo do filosofar uma atividade séria. Para se ter qualquer ciência, arte, habilidade, ofício, prevalece a convicção da necessidade de um esforço complexo de aprender e de exercitar-se. De fato, se alguém tem olhos e dedos e recebe couro e instrumentos, nem por isso está em condições de fazer sapatos. Ao contrário, no que toca à filosofia, domina hoje o preconceito de que qualquer um sabe imediatamente filosofar e julgar a filosofia, pois tem para tanto padrão de medida na sua razão natural - como se não tivesse também em seu pé a medida do sapato. Parece mesmo que se põe a posse da filosofia na falta de conhecimentos e de estudo; e que a filosofia acaba quando eles começam. Com frequência se toma a filosofia por um saber formal e vazio de conteúdo. Não se percebe que tudo quanto é verdade conforme o conteúdo - em qualquer conhecimento ou ciência - só pode merecer o nome de verdade se for produzido pela filosofia. Embora as outras ciências possam, sem a filosofia, com o pensamento raciocinante pesquisar quanto quiserem, elas não são capazes de possuir em si nem vida, nem espírito, nem verdade sem a filosofia. No que concerne à filosofia autêntica - esse longo caminho da cultura, esse movimento tão rico quanto profundo através do qual o espírito alcança o saber -, vemos que são considerados equivalentes perfeitos e ótimos sucedâneos seus a revelação imediata do divino ou o bom senso comum. É algo assim como se faz publicidade da chicória como bom sucedâneo do café. Não é nada agradável ver a ignorância e a grosseria, sem forma nem gosto - incapazes de fixar o pensamento numa proposição abstrata sequer, e menos ainda no conjunto articulado de várias proposições -, garantindo que são, ora a expressão da liberdade e da tolerância do pensar, ora a genialidade, Genialidade que, como hoje grassa na filosofia, antes grassava igualmente na poesia, como é notório. Porém, quando tinha sentido o produzir de tal genialidade em lugar de poesia, o que engendrava era uma prosa trivial; ou, se saía para além da prosa, discursos desvairados. Assim, hoje, um filosofar natural que se julga bom demais para o conceito, e devido à falta de conceito se tem em conta de um pensar intuitivo e poético, lança no mercado combinações caprichosas de uma força de imaginação somente desorganizada por meio do pensamento - imagens que não são carne nem peixe; que nem são poesia nem filosofia. Em contrapartida, deslizando no leito tranquilo do bom senso, o filosofar natural fornece no máximo uma retórica de verdades banais. Quando lhe objetam a insignificância de suas verdades, então replica asseverando que o sentido e o conteúdo estão presentes no seu coração, e devem estar presentes também no coração dos outros. Acredita que, com a inocência do coração, a pureza da consciência e coisas semelhantes já disse a última palavra; contra ela não cabe objeção alguma; além dela nada se pode exigir. Porém o que se deveria fazer era não deixar que o melhor ficasse no mais íntimo, mas trazê-lo desse poço à luz do dia. Eis um esforço que poderia ser poupado: produzir verdades últimas desse tipo, porque desde muito se encontram, por exemplo, no catecismo, nos provérbios populares etc. Não é difícil apreender tais verdades em sua indeterminidade e em sua distorção, nem muitas vezes mostrar na sua consciência e à sua consciência exatamente o oposto. Mas quando essa consciência tenta arrancar-se à confusão que nela se armou, cai numa nova confusão, e protesta dizendo que indiscutivelmente é assim ou assim, e que tudo o mais é sofistaria. Sofistaria é uma palavra de ordem do senso comum contra a razão cultivada; do mesmo modo que a ignorância filosófica caracterizou a filosofia, de uma vez por todas, como "devaneios". Enquanto o senso comum recorre ao sentimento - seu oráculo interior -, descarta quem não está de acordo com ele. Deve deixar claro que não tem mais nada a dizer a quem não encontra e não sente em si o mesmo; em outras palavras, calca aos pés a raiz da humanidade. Pois a natureza da humanidade é tender ao consenso com outros, e sua existência reside apenas na comunidade instituída das consciências. O anti-humano, o animalesco, consiste em ficar no estágio do sentimento, e em só poder comunicar-se através do sentimento. Caso se indague por uma "via régia" para a ciência, não seria possível indicar nenhuma mais cômoda que a de abandonar-se ao bom senso, e no mais, para andar junto com seu tempo e com a filosofia, ler recensões de obras filosóficas. Ler até mesmo seus primeiros parágrafos, que proporcionam os princípios universais dos quais depende tudo, e os prefácios que, junto com a informação histórica, também oferecem uma apreciação a qual, justamente por ser apreciação, paira por cima do que é apreciado. Esse caminho ordinário se faz com roupas de casa; porém o sentimento elevado do eterno, do sagrado, do infinito, veste trajes solenes para percorrer um caminho que já é, ele próprio, o ser imediato no centro, a genialidade de profundas ideias originais, e os relâmpagos sublimes do pensamento. Como porém tal profundeza ainda não revela a fonte da essência, esses raios não são ainda o empíreo. Os pensamentos verdadeiros e a intelecção científica só se alcançam no trabalho do conceito. Só ele pode produzir a universalidade do saber, que não é a indeterminação e a miséria correntes do senso comum, mas um conhecimento cultivado e completo; não é a universalidade extraordinária dos dotes da razão que se corrompe pela preguiça e soberba do gênio; mas sim, é a verdade que se desenvolveu até sua forma genuína, e é capaz de ser a propriedade de toda a razão consciente de si. É pois no automovimento do conceito que eu situo a razão de existir da ciência. Vale observar que parecem longe, e mesmo totalmente opostas a esse modo de ver, as representações de nosso tempo sobre a natureza e o caráter da verdade, nos pontos já tocados e em outros. Essa observação parece não prometer aceitação favorável à tentativa de apresentar o sistema da ciência nessa determinação de automovimento do conceito. Mas, segundo entendo, muitas vezes já se colocou em seus mitos, sem valor científico, a excelência da filosofia de Platão. Também houve tempos, que até se chamaram "tempos de misticismo visionário" quando a filosofia de Aristóteles era estimada por sua profundeza especulativa, e o Parmênides de Platão, de certo a maior obra-prima da dialética antiga, era tido como a verdadeira revelação e a expressão positiva da vida divina. Mesmo então, apesar das muitas perturbações que o êxtase produzia, de fato esse êxtase mal entendido não devia ser outra coisa que o conceito puro. Penso, aliás, que tudo que há de excelente na filosofia de nosso tempo coloca seu próprio valor na cientificidade; e embora outros pensem diversamente, de fato, só pela cientificidade a filosofia se faz valer. Então, posso esperar que essa tentativa de reivindicar a ciência para o conceito, e de apresentá-la nesse seu elemento próprio, há de abrir passagem por meio da verdade interior da Coisa. Devemos estar persuadidos que o verdadeiro tem a natureza de eclodir quando chega o seu tempo, e só quando esse tempo chega se manifesta; por isso nunca se revela cedo demais nem encontra um público despreparado. Também devemos convencer-nos de que o indivíduo precisa desse efeito para se confirmar no que para ele é ainda sua causa solitária, e para experimentar como algo universal a convicção que, de início, só pertence à particularidade. Nesse ponto, porém, com frequência há que distinguir entre o público e aqueles que se dão como seus representantes e porta-vozes. O público se comporta de modo diverso e mesmo oposto ao de seus intérpretes, sob muitos aspectos. Se o público benévolo atribui a si mesmo a culpa quando uma obra filosófica nada lhe diz, ao contrário, seus intérpretes, convencidos de sua competência, lançam toda a culpa sobre o autor. O efeito que a obra produz no público é muito mais sereno do que nesses "mortos sepultando seus mortos". Hoje em dia a intelecção universal é geralmente mais cultivada, sua curiosidade mais alerta, e seu juízo se determina mais rápido, de modo que "os pés daqueles que vão te levar já estão diante da porta". Entretanto é mister distinguir com frequência nesse ponto o efeito mais lento que redireciona a atenção cativada por asserções retumbantes e corrige críticas negativas; efeito que prepara para alguns um mundo que será seu, depois de certo tempo; enquanto outros, depois de curto lapso, não terão mais posteridade. Vivemos aliás numa época em que a universalidade do espírito está fortemente consolidada, e a singularidade, como convém, tornou-se tanto mais insignificante; em que a universalidade se aferra a toda a sua extensão e riqueza acumulada e as reivindica para si. A parte que cabe à atividade do indivíduo na obra total do espírito só pode ser mínima. Assim ele deve esquecer-se, como já o implica a natureza da ciência. Na verdade, o indivíduo deve vir a ser, e também deve fazer, o que lhe for possível, mas não se deve exigir muito dele, já que muito pouco pode esperar de si e reclamar para si mesmo. INTRODUÇÃO Segundo uma representação natural, a filosofia, antes de abordar a Coisa mesma - ou seja, o conhecimento efetivo do que é, em verdade -, necessita primeiro pôr-se de acordo sobre o conhecer, o qual se considera ou um instrumento com que se domina o absoluto, ou um meio através do qual o absoluto é contemplado. Parece correto esse cuidado, pois há, possivelmente, diversos tipos de conhecimento. Alguns poderiam ser mais idôneos que outros para a obtenção do fim último, e por isso seria possível uma falsa escolha entre eles. Há também outro motivo: sendo o conhecer uma faculdade de espécie e de âmbito determinados, sem uma determinação mais exata de sua natureza e de seus limites, há o risco de alcançar as nuvens do erro em lugar do céu da verdade. Ora, esse cuidado chega até a transformar-se na convicção de que constitui um contrassenso, em seu conceito, todo empreendimento visando conquistar para a consciência o que é em si, mediante o conhecer; e que entre o conhecer e o absoluto passa uma nítida linha divisória. Pois, se o conhecer é o instrumento para apoderar-se da essência absoluta, logo se suspeita que a aplicação de um instrumento não deixe a Coisa tal como é para si, mas com ele traga conformação e alteração. Ou então o conhecimento não é instrumento de nossa atividade, mas de certa maneira um meio passivo, através do qual a luz da verdade chega até nós; nesse caso também não recebemos a verdade como é em si, mas como é nesse meio e através dele. Nos dois casos, usamos um meio que produz imediatamente o contrário de seu fim; melhor dito, o contrassenso está antes em recorrermos em geral a um meio. Sem dúvida, parece possível remediar esse inconveniente pelo conhecimento do modo de atuação do instrumento, o que permitiria descontar no resultado a contribuição do instrumento para a representação do absoluto que por meio dele fazemos; obtendo assim o verdadeiro em sua pureza. Só que essa correção nos levaria, de fato, onde antes estávamos. Ao retirar novamente, de uma coisa elaborada, o que o instrumento operou nela, então essa coisa - no caso o absoluto - fica para nós exatamente como era antes desse esforço; que, portanto, foi inútil. Se através do instrumento o absoluto tivesse apenas de achegar-se a nós, como o passarinho na visgueira, sem que nada nele mudasse, ele zombaria desse artifício, se já não estivesse e não quisesse estar perto de nós em si e para si. Pois nesse caso o conhecimento seria um artifício, porque, com seu atarefar-se complexo, daria a impressão de produzir algo totalmente diverso do que só a relação imediata - relação que por isso não exige esforço. Por outra: se o exame do conhecer - aqui representado como um meio - faz-nos conhecer a lei da refração de seus raios, de nada ainda nos serviria descontar a refração no resultado. Com efeito, o conhecer não é o desvio do raio: é o próprio raio, através do qual a verdade nos toca. Ao subtraí-lo, só nos restaria a pura direção ou o lugar vazio. O temor de errar introduz uma desconfiança na ciência, que, sem tais escrúpulos, se entrega espontaneamente à sua tarefa, e conhece efetivamente. Entretanto, deveria ser levada em conta a posição inversa: por que não cuidar de introduzir uma desconfiança nessa desconfiança, e não temer que esse temor de errar já seja o próprio erro? De fato, esse temor de errar pressupõe como verdade alguma coisa (melhor, muitas coisas) na base de suas precauções e consequências; - verdade que deveria antes ser examinada. Pressupõe, por exemplo, representações sobre o conhecer como instrumento e meio e também uma diferença entre nós mesmos e esse conhecer; mas sobretudo, que o absoluto esteja de um lado e o conhecer de outro lado - para si e separado do absoluto - e mesmo assim seja algo real. Pressupõe com isso que o conhecimento, que, enquanto fora do absoluto, está também fora da verdade, seja verdadeiro; - suposição pela qual se dá a conhecer que o assim chamado medo do erro é, antes, medo da verdade. Essa consequência resulta de que só o absoluto é verdadeiro, ou só o verdadeiro é absoluto. É possível rejeitar essa consequência mediante a distinção entre um conhecimento que não conhece de fato o absoluto, como quer a ciência, e ainda assim é verdadeiro, e o conhecimento em geral, que, embora incapaz de apreender o absoluto, seja capaz de outra verdade. Mas vemos que no final esse falatório vai acabar numa distinção obscura entre um Verdadeiro absoluto e um Verdadeiro ordinário; e vemos também que o absoluto, o conhecer, etc., são palavras que pressupõem uma significação; e há que esforçar-se por adquiri-la primeiro. Não há por que atormentar-se, buscando resposta a essas representações inúteis e modos de falar sobre o conhecer, como instrumento para apoderar-se do absoluto, ou como meio através do qual divisamos a verdade etc. São relações em que vêm a dar, com certeza, todas essas representações de um absoluto separado do conhecer, ou de um conhecer separado do absoluto. Nem há por que ocupar-se com os subterfúgios que a incapacidade para a ciência deriva dos pressupostos de tais relações, a fim de livrar-se do esforço da ciência e ao mesmo tempo dar a impressão de operosidade séria e rigorosa. Melhor seria rejeitar tudo isso como representações contingentes e arbitrárias; e como engano, o uso - a isso unido - de termos como o absoluto, o conhecer, e também o objetivo e o subjetivo e inúmeros outros cuja significação é dada como geralmente conhecida. Com efeito, dando a entender, de um lado, que sua significação é universalmente conhecida, e, de outro lado, que se possui até mesmo seu conceito, parece antes um esquivar-se à tarefa principal que é fornecer esse conceito. Inversamente poderia, com mais razão ainda, poupar-se o esforço de tais representações e modos de falar, mediante os quais se descarta a própria ciência, pois constituem somente uma aparência oca do saber, que desvanece imediatamente quando a ciência entra em cena. No entanto, a ciência, pelo fato de entrar em cena, é ela mesma uma aparência fenômeno: seu entrar em cena não é ainda a ciência realizada e desenvolvida em sua verdade. Tanto faz neste ponto representar-se que a ciência é aparência porque entra em cena ao lado de outro saber, ou dar o nome de "aparecer da ciência" a esses outros saberes não verdadeiros. Mas a ciência deve libertar-se dessa aparência, e só pode fazê-lo voltando-se contra ela. Pois sendo esse um saber que não é verdadeiro, a ciência nem pode apenas jogá-lo fora - como visão vulgar das coisas, garantindo ser ela um conhecimento totalmente diverso, para o qual aquele outro saber não é absolutamente nada - nem pode buscar nele o pressentimento de um saber melhor. Por essa asseveração, a ciência descreveria seu ser como sua força; mas o saber não verdadeiro apela também para o fato de que ele é, e assevera que, para ele, a ciência não é nada. Um asseverar seco vale tanto como qualquer outro. A ciência ainda menos pode apelar para o pressentimento melhor, presente no conhecer não verdadeiro, constituindo ali uma sinalização para a ciência; pois isso seria também de novo apelar para um ser, e, por outro lado, apelar para si mesma conforme o modo em que está no conhecimento não verdadeiro. Quer dizer, apelaria para um modo deficiente de seu ser, ou seja, para sua aparência, mais do que para si mesma, como é em si e para si. Por esse motivo, aqui deve ser levada adiante a exposição do saber que aparece ou saber fenomenal. Já que esta exposição tem por objeto exclusivamente o saber fenomenal, não se mostra ainda como ciência livre, movendo-se em sua forma peculiar. É possível porém tomá-la, desse ponto de vista, como o caminho da consciência natural que abre passagem rumo ao saber verdadeiro. Ou como o caminho da alma, que percorre a série de suas figuras como estações que lhe são preestabelecidas por sua natureza, para que se possa purificar rumo ao espírito, e através dessa experiência completa de si mesma alcançar o conhecimento do que ela é em si mesma. A consciência natural vai mostrar-se como sendo apenas conceito do saber, ou saber não real. Mas enquanto se toma imediatamente por saber real, esse caminho tem, para ela, significação negativa: o que é a realização do conceito vale para ela antes como perda de si mesma, já que nesse caminho perde sua verdade. Por isso esse caminho pode ser considerado o caminho da dúvida ou, com mais propriedade, caminho de desespero: pois nele não ocorre o que se costuma entender por dúvida: um vacilar nessa ou naquela pretensa verdade, seguido de um conveniente desvanecer de novo da dúvida e um regresso àquela verdade, de forma que, no fim, a Coisa seja tomada como era antes. Ao contrário, a dúvida que expomos é a penetração consciente na inverdade do saber fenomenal; para esse saber, o que há de mais real é antes somente o conceito irrealizado. Esse cepticismo, que atinge a perfeição, não é, pois, o que um zelo severo pela verdade e pela ciência tem a ilusão de ter aprontado e aparelhado para elas, a saber: o propósito de não se entregar na ciência à autoridade do pensamento alheio, e só seguir sua própria convicção; ou melhor ainda: tudo produzir por si mesmo, e só ter o seu próprio ato como sendo o verdadeiro. A série de figuras que a consciência percorre nesse caminho é, a bem dizer, a história detalhada da formação para a ciência da própria consciência. Aquele "propósito" apresenta essa formação sob o modo simples de um propósito, como imediatamente feita e sucedida. Frente a tal inverdade, no entanto, esse caminho é a realização efetiva. Seguir sua própria opinião é, em todo o caso, bem melhor do que abandonar-se à autoridade; mas com a mudança do crer na autoridade para o acreditar na própria convicção não fica necessariamente mudado o conteúdo mesmo; nem a verdade, introduzida em lugar do erro. A diferença entre apoiar-se em uma autoridade alheia, e firmar-se na própria convicção - no sistema do visar e do preconceito - está apenas na vaidade que reside nessa segunda maneira. Ao contrário, o cepticismo que incide sobre todo o âmbito da consciência fenomenal torna o espírito capaz de examinar o que é verdade, enquanto leva a um desespero, a respeito de representações, pensamentos e opiniões pretensamente naturais. É irrelevante chamá-los próprios ou alheios: enchem e embaraçam a consciência, que procede a examinar diretamente a verdade, mas que por causa disso é de fato incapaz do que pretende empreender. A série completa das formas da consciência não real resultará mediante a necessidade do processo e de sua concatenação mesma. Para fazer inteligível esse ponto, pode-se notar previamente, de maneira geral, que a apresentação da consciência não verdadeira em sua inverdade não é um movimento puramente negativo. A consciência natural tem geralmente uma visão unilateral assim, sobre este movimento. Um saber, que faz dessa unilateralidade a sua essência, é uma das figuras da consciência imperfeita, que ocorre no curso do itinerário e que ali se apresentará. Trata-se precisamente do cepticismo, que vê sempre no resultado somente o puro nada, e abstrai de que esse nada é determinadamente o nada daquilo de que resulta. Porém o nada, tomado só como o nada daquilo donde procede, só é de fato o resultado verdadeiro: é assim um nada determinado e tem um conteúdo. O cepticismo que termina com a abstração do nada ou do esvaziamento não pode ir além disso, mas tem de esperar que algo de novo se lhe apresente - e que novo seja esse - para jogá-la no abismo vazio. Porém, quando o resultado é apreendido como em verdade é - como negação determinada -, é que então já surgiu uma nova forma imediatamente, e se abriu na negação a passagem pela qual, através da série completa das figuras, o processo se produz por si mesmo. Entretanto, o saber tem sua meta fixada tão necessariamente quanto à série do processo. A meta está ali onde o saber não necessita ir além de si mesmo, onde a si mesmo se encontra, onde o conceito corresponde ao objeto e o objeto ao conceito. Assim, o processo em direção a essa meta não pode ser detido, e não se satisfaz com nenhuma estação precedente. O que está restrito a uma vida natural não pode por si mesmo ir além de seu ser-aí imediato, mas é expulso para fora dali por outro: esse ser arrancado para fora é sua morte. Mas a consciência é para si mesma seu conceito; por isso é imediatamente o ir-além do limitado, e - já que este limite lhe pertence - é o ir além de si mesma. Junto com o singular, o além é posto para ela; embora esteja ainda apenas ao lado do limitado como no caso da intuição espacial. Portanto, essa violência que a consciência sofre - de se lhe estragar toda a satisfação limitada - vem dela mesma. No sentimento dessa violência, a angústia ante a verdade pode recuar e tentar salvar o que está ameaçada de perder. Mas não poderá achar nenhum descanso: se quer ficar numa inércia carente de pensamento, o pensamento perturba a carência de pensamento, e seu desassossego estorva a inércia. Ou então, caso se apoie no sentimentalismo, que garante achar tudo bom a seu modo, essa garantia sofre igualmente violência por parte da razão, que acha que algo não é bom, justamente por ser um modo. Ou seja: o medo da verdade poderá ocultar-se de si e dos outros por trás da aparência de que é um zelo ardente pela verdade, que lhe torna difícil e até impossível encontrar outra verdade que não aquela única vaidade de ser sempre mais arguto que qualquer pensamento - que se possua vindo de si mesmo ou de outros. Vaidade essa capaz de tornar vã toda a verdade, para retomar a si mesma e deliciar-se em seu próprio entendimento; dissolve sempre todo o pensamento, e só sabe achar seu Eu árido em lugar de todo o conteúdo. Esta é uma satisfação que deve ser abandonada a si mesma, pois foge o universal e somente procura o Ser para si. Dito isso, de forma preliminar e geral sobre o modo e a necessidade do processo, pode ser útil mencionar algo sobre o método do desenvolvimento. Parece que essa exposição, representada como um procedimento da ciência em relação ao saber fenomenal e como investigação e exame da realidade do conhecer, não se pode efetuar sem certo pressuposto colocado na base como padrão de medida. Pois o exame consiste em aplicar ao que é examinado um padrão aceito, para decidir, conforme a igualdade ou desigualdade resultante, se a coisa está correta ou incorreta. A medida em geral, e também a ciência, se for a medida, são tomadas como a essência ou como o em si. Mas nesse ponto, onde a ciência apenas está surgindo, nem ela nem seja o que for se justifica como a essência ou o em si. Ora, sem isso, parece que não pode ocorrer nenhum exame. Essa contradição e sua remoção se darão a conhecer de modo mais determinado se recordarmos primeiro as determinações abstratas do saber e da verdade, tais como ocorrem na consciência. Pois a consciência distingue algo de si e ao mesmo tempo se relaciona com ele; ou, exprimindo de outro modo, ele é algo para a consciência. O aspecto determinado desse relacionar-se - ou do ser de algo para uma consciência - é o saber. Nós porém distinguimos desse ser para um outro o ser em si; o que é relacionado com O saber também se distingue dele e se põe como essente, mesmo fora dessa relação: o lado desse Em si chama-se verdade. O que está propriamente nessas determinações não nos interessa discutir mais aqui; pois enquanto nosso objeto é o saber fenomenal, suas determinações são também tomadas como imediatamente se apresentam; e, sem dúvida, que se apresentam como foram apreendidas. Se investigarmos agora a verdade do saber, parece que estamos investigando o que o saber é em si. Só que nesta investigação ele é nosso objeto; é para nós. O Em si do saber resultante dessa investigação seria, antes, seu ser para nós: o que afirmássemos como sua essência não seria sua verdade, mas sim nosso saber sobre ele. A essência ou o padrão de medida estariam em nós, e o objeto a ser comparado com ele e sobre o qual seria decidido através de tal comparação não teria necessariamente de reconhecer sua validade. Mas a natureza do objeto que investigamos ultrapassa essa separação ou essa aparência de separação e de pressuposição. A consciência fornece, em si mesma, sua própria medida; motivo pelo qual a investigação se torna uma comparação de si consigo mesma, já que a distinção que acaba de ser feita incide na consciência. Há na consciência um para Outro, isto é, a consciência tem nela a determinidade do momento do saber. Ao mesmo tempo, para a consciência, esse Outro não é somente para ela, mas é também fora dessa relação, ou seja, é em si: o momento da verdade. Assim, no que a consciência declara dentro de si como o Em si ou o verdadeiro, temos o padrão que ela mesma estabelece para medir o seu saber. Se chamarmos o saber, conceito; e se a essência ou o verdadeiro chamarmos essente ou objeto, então o exame consiste em ver se o conceito corresponde ao objeto. Mas chamando a essência ou o Em si do objeto, conceito, e ao contrário, entendendo por objeto o conceito enquanto objeto - a saber como é para um Outro - então o exame consiste em ver se o objeto corresponde ao seu conceito. Bem se vê que as duas coisas são o mesmo: o essencial, no entanto, é manter firmemente durante o curso todo da investigação que os dois momentos, conceito e objeto, ser para outro e ser em si mesmo, incidem no interior do saber que investigamos. Portanto não precisamos trazer conosco padrões de medida, e nem aplicar na investigação nossos achados e pensamentos, pois deixando-os de lado é que conseguiremos considerar a Coisa como é em si e para si. Uma achega de nossa parte se torna supérflua segundo esse aspecto, em que conceito e objeto, o padrão de medida e o que deve ser testado estão presentes na consciência mesma. Aliás, somos também poupados da fadiga da comparação entre os dois, e do exame propriamente dito. Assim, já que a consciência se examina a si mesma, também sob esse aspecto, só nos resta o puro observar. Com efeito, a consciência, por um lado, é consciência do objeto; por outro lado, consciência de si mesma: é consciência do que é verdadeiro para ela, e consciência de seu saber da verdade. Enquanto ambos são para a consciência, ela mesma é sua comparação: é para ela mesma que seu saber do objeto corresponde ou não a esse objeto. O objeto parece, de fato, para a consciência, ser somente tal como ela o conhece. Parece também que a consciência não pode chegar por detrás do objeto, para ver como ele é, não para ela, mas como é em si; e que, portanto, também não pode examinar seu saber no objeto. Mas justamente porque a consciência sabe em geral sobre um objeto, já está dada a distinção entre um momento de algo que é, para a consciência, o Em si, e outro momento que é o saber ou o ser do objeto para a consciência. O exame se baseia sobre essa distinção que é uma distinção dada. Caso os dois momentos não se correspondam nessa comparação, parece que a consciência deva então mudar o seu saber para adequá-lo ao objeto. Porém, na mudança do saber, de fato se muda também para ele o objeto, pois o saber presente era essencialmente um saber do objeto; junto com o saber, o objeto se torna também outro, pois pertencia essencialmente a esse saber. Com isso, vem a ser para a consciência: o que antes era o Em si não é em si, ou seja, só era em si para ela. Quando descobre portanto a consciência em seu objeto que o seu saber não lhe corresponde, tampouco o objeto se mantém firme. Quer dizer, a medida do exame se modifica quando o objeto, cujo padrão deveria ser, fica reprovado no exame. O exame não é só um exame do saber, mas também de seu padrão de medida. Esse movimento dialético que a consciência exercita em si mesma, tanto em seu saber como em seu objeto, enquanto dele surge o novo objeto verdadeiro para a consciência, é justamente o que se chama experiência. Em relação a isso, no processo acima considerado há ainda que ressaltar um momento por meio do qual será lançado nova luz sobre o aspecto científico da exposição que vem a seguir. A consciência sabe algo: esse objeto é a essência ou o Em si. Mas é também o Em si para a consciência; com isso entra em cena a ambiguidade desse verdadeiro. Vemos que a consciência tem agora dois objetos: um, o primeiro Em si; o segundo, o ser para ela desse Em si. Esse último parece, de início, apenas a reflexão da consciência sobre si mesma: uma representação não de um objeto, mas apenas de seu saber do primeiro objeto. Só que, como foi antes mostrado, o primeiro objeto se altera ali para a consciência; deixa de ser o Em si e se torna para ela um objeto tal, que só para a consciência é o Em si. Mas, sendo assim, o ser para ela desse Em si é o verdadeiro; o que significa, porém, que ele é a essência ou é seu objeto. Esse novo objeto contém o aniquilamento nadidade do primeiro; é a experiência feita sobre ele. Nessa apresentação do curso da experiência há um momento em que ela não parece corresponder ao que se costuma entender por experiência: justamente a transição do primeiro objeto e do seu saber ao outro objeto no qual se diz que a experiência foi feita. Apresentou-se como se o saber do primeiro objeto - ou o para a consciência do primeiro Em si - devesse tornar-se, ele mesmo, o segundo objeto. Mas, ao contrário, parece que nós fazemos a experiência da inverdade de nosso primeiro conceito, em outro objeto, que encontramos de modo um tanto casual e extrínseco; e dessa forma só nos toca o puro apreender do que é em si e para si. Ora, do ponto de vista exposto, mostra-se o novo objeto como vindo a ser mediante uma reversão da consciência mesma. Essa consideração da Coisa é uma achega de nossa parte, por meio da qual a série das experiências da consciência se eleva a um processo científico; mas, para a consciência que examinamos, essa consideração não tem lugar. De fato porém é a mesma situação já vista acima, quando falamos da relação dessa exposição com o cepticismo: a saber, cada resultado que provém de um saber não verdadeiro não deve desaguar em um nada vazio, mas tem de ser apreendido necessariamente como nada daquilo de que resulta: um resultado que contém o que o saber anterior possui em si de verdadeiro. É assim que o processo aqui se desenvolve: quando o que se apresentava primeiro à consciência como objeto, para ela se rebaixa a saber do objeto - e o Em si se torna um ser para a consciência do Em si - esse é o novo objeto, e com ele surge também uma nova figura da consciência, para a qual a essência é algo outro do que era para a figura precedente. É essa situação que conduz a série completa das figuras da consciência em sua necessidade. Só essa necessidade mesma - ou a gênese do novo objeto - se apresenta à consciência sem que ela saiba como lhe acontece. Para nós, é como se isso lhe transcorresse por trás das costas. Portanto, no movimento da consciência ocorre um momento do ser em si ou do ser para nós, que não se apresenta à consciência, pois ela mesma está compreendida na experiência. Mas o conteúdo do que para nós vem surgindo é para a consciência: nós compreendemos apenas seu aspecto formal, ou seu surgir puro. Para ela, o que surge só é como objeto; para nós, é igualmente como movimento e vir a ser. É por essa necessidade que o caminho para a ciência já é ciência ele mesmo, e portanto, segundo seu conteúdo, é ciência da experiência da consciência. A experiência que a consciência faz sobre si mesma não pode abranger nela, segundo seu conceito, nada menos que o sistema completo da consciência ou o reino total da verdade do espírito. Seus momentos se apresentam assim nessa determinidade peculiar, de não serem momentos abstratos ou puros, mas sim, tais como são para a consciência ou como a mesma aparece em sua relação para com eles; por isso os momentos do todo são figuras da consciência. A consciência, ao abrir caminho rumo à sua verdadeira existência, vai atingir um ponto onde se despojará de sua aparência: a de estar presa a algo estranho, que é só para ela, e que é como outro. Aqui a aparência se torna igual à essência, de modo que sua exposição coincide exatamente com esse ponto da ciência autêntica do espírito. E, finalmente, ao apreender sua verdadeira essência, a consciência mesma designará a natureza do próprio saber absoluto. CONSCIÊNCIA I A certeza sensível ou: o Isto ou o visar O saber que, de início ou imediatamente, é nosso objeto, não pode ser nenhum outro senão o saber que é também imediato: - saber do imediato ou do essente. Devemos proceder também de forma imediata ou receptiva, nada mudando assim na maneira como ele se oferece e afastando de nosso apreender o conceituar. O conteúdo concreto da certeza sensível faz aparecer imediatamente essa certeza como o mais rico conhecimento, e até como um conhecimento de riqueza infinda, para o qual é impossível achar limite; nem fora, se percorremos o espaço e o tempo onde se expande, nem dentro, se penetramos nele pela divisão no interior de um fragmento tomado dessa plenitude. Além disso, a certeza sensível aparece como a mais verdadeira, pois do objeto nada ainda deixou de lado, mas o tem em toda a sua plenitude, diante de si. Mas, de fato, essa certeza se faz passar a si mesma pela verdade mais abstrata e mais pobre. Do que ela sabe, só exprime isto: ele é. Sua verdade apenas contém o ser da Coisa; a consciência, por seu lado, só está nessa certeza como puro Eu, ou seja: Eu só estou ali como puro este, e o objeto, igualmente apenas como puro isto. Eu, este, estou certo desta Coisa; não porque Eu, enquanto consciência, me tenha desenvolvido, e movimentado de muitas maneiras o pensamento. Nem tampouco porque a Coisa de que estou certo, conforme uma multidão de características diversas, seja um rico relacionamento em si mesma, ou uma multiforme relação para com outros. Ora, os dois termos nada têm a ver com a verdade da certeza sensível; nem o Eu nem a coisa tem aqui a significação de uma mediação multiforme. O Eu não tem a significação de um multiforme representar ou pensar, nem a Coisa uma significação de uma multidão de diversas propriedades; ao contrário, a Coisa é, e ela é somente porque é. A Coisa é: para o saber sensível isso é o essencial: esse puro ser, ou essa imediatez simples, constitui sua verdade. A certeza igualmente, enquanto relação, é pura relação imediata. A consciência é Eu, nada mais: um puro este. O singular sabe o puro este, ou seja, sabe o singular. No entanto, há muita coisa ainda em jogo, se bem atendemos, no puro ser que constitui a essência dessa certeza, e que ela enuncia como sua verdade. Uma certeza sensível efetiva não é apenas essa pura imediatez, mas é um exemplo da mesma. Entre as diferenças sem conta que ali se evidenciam, achamos em toda a parte a diferença-capital, a saber: que nessa certeza ressaltam logo para fora do puro ser os dois estes já mencionados: um este, como Eu, e um este como objeto. Para nós, refletindo sobre essa diferença, resulta que tanto um como o outro não estão na certeza sensível apenas de modo imediato, mas estão, ao mesmo tempo, mediatizados. Eu tenho a certeza por meio de outro, a saber: da Coisa; e essa está igualmente na certeza mediante outro, a saber, mediante o Eu. Essa diferença entre a essência e o exemplo, entre a imediatez e a mediação, quem faz não somos nós apenas, mas a encontramos na própria certeza sensível; e deve ser tomada na forma em que nela se encontra, e não como nós acabamos de determiná-la. Na certeza sensível, um momento é posto como o essente simples e imediato, ou como a essência: o objeto. O outro momento, porém, é posto como o inessencial e o mediatizado, momento que nisso não é em si, mas por meio de Outro: o Eu, um saber, que sabe o objeto só porque ele é; saber que pode ser ou não. Mas o objeto é o verdadeiro e a essência: ele é, tanto faz que seja conhecido ou não. Permanece mesmo não sendo conhecido - enquanto o saber não é, se o objeto não é. O objeto portanto deve ser examinado, a ver se é de fato, na certeza sensível mesma, aquela essência que ela lhe atribui; e se esse seu conceito - de ser uma essência - corresponde ao modo como se encontra na certeza sensível. Nós não temos, para esse fim, de refletir sobre o objeto, nem indagar o que possa ser em verdade; mas apenas de considerá-lo como a certeza sensível o tem nela. Portanto, a própria certeza sensível deve ser indagada: Que é o isto? Se o tomamos no duplo aspecto de seu ser, como o agora e como o aqui, a dialética que tem nele vai tomar uma forma tão inteligível quanto ele mesmo. À pergunta: que é o agora? Respondemos, por exemplo: o agora é à noite. Para tirar a prova da verdade dessa certeza sensível basta uma experiência simples. Anotamos por escrito essa verdade; uma verdade nada perde por ser anotada, nem tampouco porque a guardamos. Vejamos de novo, agora, neste meio-dia, a verdade anotada; devemos dizer, então, que se tornou vazia. O agora que é noite foi conservado, isto é, foi tratado tal como se ofereceu, como um essente; mas se mostra, antes, como um não essente. O agora mesmo, bem que se mantém, mas como um agora que não é noite. Também em relação ao dia que é agora, ele se mantém como um agora que não é dia, ou seja, mantém-se como um negativo em geral. Portanto, esse agora que se mantém não é um imediato, mas um mediatizado, por ser determinado como o que permanece e se mantém porque outro - ou seja, o dia e a noite - não é. Com isso, o agora é tão simples ainda como antes: agora; e nessa simplicidade é indiferente àquilo que se joga em torno dele. Como o dia e a noite não são o seu ser, assim também ele não é o dia e a noite; não é afetado por esse seu ser Outro. Nós denominamos um universal tal Simples que é por meio da negação; nem isto nem aquilo - um não isto -, e indiferente também a ser isto ou aquilo. O universal, portanto, é de fato o verdadeiro da certeza sensível. Enunciamos também o sensível como um universal. O que dizemos é: isto, quer dizer, o isto universal; ou então: ele é, ou seja, o ser em geral. Com isso, não nos representamos, de certo, o isto universal ou o ser em geral, mas enunciamos o universal; ou por outra, não falamos pura e simplesmente tal como nós o visamos na certeza sensível. Mas, como vemos, o mais verdadeiro é a linguagem: nela refutamos imediatamente nosso visar, e porque o universal é o verdadeiro da certeza sensível, e a linguagem só exprime esse verdadeiro, está pois totalmente excluído que possamos dizer o ser sensível que visamos. O mesmo sucede com a outra forma do isto, com o aqui. O aqui, por exemplo, é a árvore. Quando me viro, essa verdade desvaneceu, e mudou na oposta: o aqui não é uma árvore, mas antes uma casa. O próprio aqui não desvanece, mas é algo que fica no desvanecer da casa, da árvore etc.; e indiferente quanto a ser casa ou árvore. Assim o isto se mostra de novo como simplicidade mediatizada, ou como universalidade. Portanto, o puro ser permanece como essência dessa certeza sensível, enquanto ela mostra em si mesma o universal como a verdade do seu objeto; mas não como imediato, e sim como algo a que a negação e a mediação são essenciais. Por isso, não é o que visamos como ser, mas é o ser com a determinação de ser a abstração ou o puro universal. Nosso visar, para o qual o verdadeiro da certeza sensível não é o universal, é tudo quanto resta frente a esses aqui e agora vazios e indiferentes. Comparando a relação, em que o saber e o objeto surgiram primeiro, com a relação que estabelecem, uma vez chegados a esse resultado, vemos que a relação se inverteu. O objeto, que deveria ser o essencial, agora é o inessencial da certeza sensível; isso porque o universal, no qual o objeto se tornou, não é mais aquele que deveria ser essencialmente para a certeza sensível; pois ela agora se encontra no oposto, isto é, no saber que antes era o inessencial. Sua verdade está no objeto como meu objeto, ou seja, no visar: o objeto é porque Eu sei dele. Assim, a certeza sensível foi desalojada do objeto, sem dúvida, mas nem por isso foi ainda suprassumida, se não apenas recambiada ao Eu. Vejamos o que a experiência nos mostra sobre essa sua realidade. Agora, pois, a força de sua verdade está no Eu, na imediatez do meu ver, ouvir etc. O desvanecer do agora e do aqui singulares, que visamos, é evitado porque Eu os mantenho. O agora é dia porque Eu o vejo; o aqui é uma árvore pelo mesmo motivo. Porém a certeza sensível experimenta nessa relação à mesma dialética que na anterior. Eu, este, vejo a árvore e afirmo a árvore como o aqui; mas outro Eu vê a casa e afirma: o aqui não é uma árvore, e sim uma casa. As duas verdades têm a mesma credibilidade, isto é, a imediatez do ver, e a segurança e afirmação de ambos quanto a seu saber; uma porém desvanece na outra. O que nessa experiência não desvanece é o Eu como universal: seu ver, nem é um ver da árvore, nem o dessa casa; mas é um ver simples que embora mediatizado pela negação dessa casa etc., se mantém simples e indiferente diante do que está em jogo: a casa, a árvore. O Eu é só universal, como agora, aqui, ou isto, em geral. "Viso", de certo um Eu singular, mas como não posso dizer o que viso no agora, no aqui, também não o posso no Eu. Quando digo: este aqui, este agora, ou um singular, estou dizendo todo este, todo aqui, todo agora, todo singular. Igualmente quando digo: Eu, este Eu singular, digo todo Eu em geral; cada um é o que digo: Eu, este Eu singular. Quando se apresenta à ciência, como pedra de toque - diante da qual não poderia de modo algum sustentar-se -, a exigência de deduzir, construir, encontrar a priori (ou seja como for) o que se chama esta coisa ou um este homem, então seria justo que a exigência dissesse qual é esta coisa, ou qual é este Eu que ela visa; porém é impossível dizer isso. A certeza sensível experimenta, assim, que sua essência nem está no objeto nem no Eu, e que a imediatez nem é imediatez de um nem de outro, pois o que viso em ambos é, antes, um inessencial. Ora, o objeto e o Eu são universais: neles o agora, o aqui, e o Eu - que viso - não se sustêm, ou não são. Com isso chegamos a esse resultado de pôr como essência da própria certeza sensível o seu todo, e não mais apenas um momento seu - como ocorria nos dois casos em que sua realidade tinha de ser primeiro o objeto oposto ao Eu, e depois o Eu. Assim, é só a certeza sensível toda que se mantém em si como imediatez, e por isso exclui de si toda oposição que ocorria precedentemente. Portanto não interessa a essa imediatez pura o ser Outro do aqui como árvore, que passa para um aqui que é não árvore, nem o ser Outro do agora como dia, que passa para um agora que é noite; nem um outro Eu com algo outro por objeto. A verdade dessa imediatez se mantém como relação que fica igual a si mesma, que entre o Eu e o objeto não faz distinção alguma de essencialidade e inessencialidade; por isso também nela em geral não pode penetrar nenhuma diferença. Eu, este, afirmo assim o aqui como árvore, e não me viro de modo que o aqui se tornaria para mim uma não árvore. Também não tomo conhecimento de que outro Eu veja o aqui como não árvore, ou que Eu mesmo em outra ocasião tomasse o aqui como não árvore, e o agora como não dia. Eu, porém, sou um puro intuir; eu, quanto a mim, fico nisto: o agora é dia; ou então neste outro: o aqui é árvore. Também não comparo o aqui e o agora um com o outro, mas me atenho firme a uma relação imediata: o agora é dia. Já que essa certeza sensível não quer mais dar um passo em nossa direção - quando lhe fazemos notar um agora que é noite ou um Eu para quem é noite -, vamos a seu encontro e fazer que nos indique o agora que é afirmado. Temos de fazer que nos indique, pois a verdade dessa relação imediata é a verdade desse Eu, que se restringe a um agora ou a um aqui. A verdade desse Eu não teria a mínima significação se a captássemos posteriormente ou se ficássemos distante dela; pois lhe teríamos suprassumido a imediatez que lhe é essencial. Devemos, portanto, penetrar no mesmo ponto do tempo ou do espaço, mostrá-las a nós, isto é, fazer de nós um só e o mesmo com esse Eu que sabe com certeza. Vejamos assim como está constituído o imediato que nos é indicado. O agora é indicado: - este agora. Agora: já deixou de ser enquanto era indicado. O agora que é, é outro que o indicado. E vemos que o agora é precisamente isto: quando é, já não ser mais. O agora, como nos foi indicado, é um que já foi - e essa é sua verdade; ele não tem a verdade do ser. É porém verdade que já foi. Mas o que foi é, de fato, nenhuma essência. Ele não é; e era do ser que se tratava. Vemos, pois, nesse indicar só um movimento e o seu curso - que é o seguinte: 1) indico o agora, que é afirmado como o verdadeiro; mas o indico como o que já foi, ou como um suprassumido. Suprassumo a primeira verdade, e: 2) agora afirmo como segunda verdade que ele foi, que está suprassumido. 3) mas o que foi não é. Suprassumo o ser que foi ou o ser suprassumido - a segunda verdade; nego com isso a negação do agora e retorno à primeira afirmação de que o agora é. O agora e o indicar do agora são assim constituídos que nem o agora nem o indicar do agora são um Simples imediato, e sim um movimento que contém momentos diversos. Põe-se este, mas é outro que é posto, ou seja, o este é suprassumido. Esse ser Outro, ou suprassumir do primeiro, é, por sua vez, suprassumido de novo, e assim retoma ao primeiro. No entanto, esse primeiro refletido em si mesmo não é exatamente o mesmo que era de início, a saber, um imediato; ao contrário, é propriamente algo em si refletido ou um simples, que permanece no ser Outro o que ele é: um agora que é absolutamente muitos agora; e esse é o verdadeiro agora, o agora como simples dia que tem em si muitos agora ou horas. E esse agora - uma hora - são também muitos minutos, e esse agora igualmente muitos agora, e assim por diante. Assim, o indicar é, ele mesmo, o movimento que exprime o que em verdade é o agora, a saber: um resultado ou uma pluralidade de agora rejuntados; e o indicar é o experimentar que o agora é um universal. O aqui indicado, que retenho com firmeza, é também um este aqui que de fato não é este aqui, mas um diante e atrás, um acima e abaixo, um à direita e à esquerda. O acima, por sua vez, é também esse múltiplo ser Outro, com acima, abaixo etc. O aqui que deveria ser indicado desvanece em outros aquis; mas esses desvanecem igualmente. O indicado, o retido, o permanente, é um este negativo, que só é tal porque os aquis são tomados como devem ser, mas nisso se suprassumem, constituindo um complexo simples de muitos aquis. O aqui que foi visado, seria o ponto; mas ele não é. Porém, ao ser indicado como essente, o indicar mostra que não é um saber imediato, e sim um movimento, desde um aqui visado, através de muitos aquis, rumo ao aqui universal; e, como o dia é uma pluralidade simples de agora, esse aqui universal é uma multiplicidade simples de aquis. É claro que a dialética da certeza sensível não é outra coisa que a simples história de seu movimento ou de sua experiência; e a certeza sensível mesma não é outra coisa que essa história apenas. A consciência natural por esse motivo atinge sempre esse resultado, que nela é o verdadeiro, e disso faz experiência; mas torna sempre a esquecê-lo também, e começa de novo o movimento desde o início. É, pois, de admirar que se sustente contra essa experiência, como experiência universal - mas também como afirmação filosófica, e de certo como resultado do cepticismo - que a realidade ou o ser das coisas externas, enquanto estas ou enquanto sensíveis, tem uma verdade absoluta para a consciência. Uma afirmação dessas não sabe o que diz; não sabe que diz o contrário do que quer dizer. A verdade do isto sensível para a consciência tem de ser uma experiência universal; mas o que é experiência universal é, antes, o contrário. Qualquer consciência suprassume de novo uma verdade do tipo: o aqui é uma árvore ou: o agora é meio-dia, e enuncia o contrário: o aqui não é uma árvore, mas uma casa. A consciência também suprassume logo o que é afirmação de um isto sensível, nessa afirmação que suprassume a primeira. Assim, em toda certeza sensível só se experimenta, em verdade, o que já vimos: a saber, o isto como um universal - o contrário do que aquela afirmação garante ser experiência universal. Quanto a essa alusão à experiência universal, que se nos permita antecipar uma consideração atinente à prática. Nesse sentido pode-se dizer aos que asseveram tal verdade e certeza da realidade dos objetos sensíveis, que devem ser reenviados à escola primária da sabedoria, isto é, aos mistérios de Eleusis, de Ceres e de Baco, e aprender primeiro o segredo de comer o pão e de beber o vinho. De fato, o iniciado nesses mistérios não só chega à dúvida do ser das coisas sensíveis, mas até ao seu desespero. O iniciado consuma, de uma parte, o aniquilamento dessas coisas, e, de outra, vê-las consumarem seu aniquilamento. Nem mesmo os animais estão excluídos dessa sabedoria, mas antes se mostram iniciados no seu mais profundo; pois não ficam diante das coisas sensíveis como em si essentes, mas desesperando dessa realidade, e na plena certeza de seu nada, as agarram sem mais e as consomem. E a natureza toda celebra como eles esses mistérios revelados, que ensinam qual é a verdade das coisas sensíveis. Entretanto, conforme notamos anteriormente, os que colocam tal afirmação dizem imediatamente o contrário do que visam - fenômeno esse que é talvez o mais capaz de levar à reflexão sobre a natureza da certeza sensível. Falam do ser-aí de objetos externos, que poderiam mais propriamente ser determinados como coisas efetivas, absolutamente singulares, de todo pessoais, individuais; cada uma delas não mais teria outra que lhe fosse absolutamente igual. Esse ser-aí teria absoluta certeza e verdade. Visam este pedaço de papel no qual escrevo isto, ou melhor, escrevi; mas o que visam, não dizem. Se quisessem dizer efetivamente este pedaço de papel que visam - e se quisessem dizer mesmo - isso seria impossível, porque o isto sensível, que é visado, é inatingível pela linguagem, que pertence à consciência, ao universal em si. Ele seria decomposto numa tentativa efetiva para dizê-lo; os que tivessem começado sua descrição não a poderiam completar, mas deveriam deixá-la para outros, que no fim admitiriam que falavam de uma coisa que não é. Visam, pois, de certo, este pedaço de papel, que aqui é totalmente diverso do que se falou acima; falam, porém, de coisas efetivas, objetos sensíveis ou externos, essências absolutamente singulares etc. Quer dizer: é só o universal que falam dessas coisas. Por isso, o que se chama indizível não é outro que o não verdadeiro, não racional, puramente visado. Quando o que se diz de uma coisa é apenas que é uma coisa efetiva, um objeto externo, então ela é enunciada somente como o que há de mais universal, e com isso se enuncia mais sua igualdade que sua diferença com todas as outras. Quando digo: uma coisa singular, eu a enuncio antes como de todo universal, pois uma coisa singular todas são; e igualmente, esta coisa é tudo que se quiser. Determinando mais exatamente, como este pedaço de papel, nesse caso, todo e cada papel é um este pedaço de papel, e o que eu disse foi sempre e somente o universal. O falar tem a natureza divina de inverter imediatamente o visar, de torná-lo algo diverso, não o deixando assim aceder à palavra. Mas se eu quiser vir-lhe em auxílio, indicando este pedaço de papel, então faço a experiência do que é, de fato, a verdade da certeza sensível: eu o indico como um aqui que é um aqui de outros aquis, ou que nele mesmo é um conjunto simples de muitos aquis, isto é, um universal. Eu o tomo como é em verdade, e em vez de saber um imediato, eu o apreendo verdadeiramente: eu o percebo. II A Percepção ou: a coisa e a ilusão A certeza sensível não se apossa do verdadeiro, já que a verdade dela é o universal, mas a certeza sensível quer captar o isto. A percepção, ao contrário, toma como universal o que para ela é o essente. Como a universalidade é seu princípio em geral, assim também são universais seus momentos, que nela se distinguem imediatamente: o Eu é um universal, e o objeto é um universal. Para nós esse princípio emergiu como resultado; por isso, nosso apreender da percepção não é mais um apreender aparente fenomenal, como o da certeza sensível, mas sim um apreender necessário. No emergir do princípio, ao mesmo tempo vieram a ser os dois momentos que em sua aparição fenomenal apenas ocorriam fora, a saber - um, o movimento do indicar; outro, o mesmo movimento, mas como algo simples: o primeiro, o perceber; o segundo o objeto. O objeto, conforme a essência, é o mesmo que o movimento: este é o desdobramento e a diferenciação dos momentos, enquanto o objeto é seu Ser reunido num só. Para nós - ou em si -, o universal como princípio é a essência da percepção, e frente a essa abstração os dois momentos diferenciados - o percebente e o percebido - são o inessencial. De fato porém por serem ambos o universal ou a essência, os dois são essenciais. Mas enquanto se relacionam como opostos um ao outro, somente um pode ser o essencial na relação; e tem de se repartir entre eles a distinção entre o essencial e o inessencial. Um, determinado como o simples - o objeto - é a essência, indiferente a ser ou não percebida; mas o perceber, como o movimento, é o inconsistente, que pode ser ou não ser, e é o inessencial. A esta altura, é mister determinar mais de perto esse objeto; determinação que se deve brevemente desenvolver a partir do resultado conseguido, pois aqui não seria pertinente um desenvolvimento mais completo. O princípio do objeto - o universal - é em sua simplicidade um mediatizado; assim tem de exprimir isso nele, como sua natureza: por conseguinte se mostra como a coisa de muitas propriedades. Pertence à percepção a riqueza do saber sensível, e não à certeza imediata, na qual só estava presente como algo em logo ao lado exemplo. Com efeito, só a percepção tem a negação, a diferença, ou a múltipla variedade em sua essência. Assim, o isto é oposto como não isto, ou como suprassumido; e portanto, não como nada, e sim como um nada determinado, ou um nada de um conteúdo, isto é, um nada disto. Em consequência ainda está presente o sensível mesmo, mas não como devia estar na certeza imediata - como um singular visado -, e sim como universal, ou como o que será determinado como propriedade. O suprassumir apresenta sua dupla significação verdadeira que vimos no negativo: é ao mesmo tempo um negar e um conservar. O nada, como nada disto, conserva a imediatez e é, ele próprio, sensível; porém é uma imediatez universal. No entanto, o ser é um universal, por ter nele a mediação ou o negativo. À medida que exprime isso em sua imediatez, é uma propriedade distinta determinada. Dessa sorte estão postas ao mesmo tempo muitas propriedades desse tipo, sendo uma o negativo da outra. Enquanto expressas na simplicidade do universal, essas determinidades - que só são a rigor propriedades por meio de uma determinação ulterior que lhes advém - relacionam-se consigo mesmas, são indiferentes umas às outras: cada uma é para si, livre da outra. Mas a universalidade simples, igual a si mesma, é de novo distinta e livre dessas determinidades: é o puro relacionar-se consigo ou o meio, onde são todas essas determinidades. Interpenetram-se nela, como numa unidade simples, mas sem se tocarem; porque são indiferentes para si, justamente por meio da participação nessa universalidade. Esse meio universal abstrato, que pode chamar-se coisidade em geral ou pura essência, não é outra coisa que o aqui e agora como se mostrou, a saber: como um conjunto simples de muitos. Mas os muitos são, por sua vez, em sua determinidade, simplesmente universais. Este sal é um aqui simples, e ao mesmo tempo múltiplo; é branco e também picante, também é cubiforme, também tem peso determinado etc. Todas essas propriedades múltiplas estão num aqui simples no qual assim se interpenetram: nenhuma tem um aqui diverso do da outra, pois cada uma está sempre onde a outra está. Igualmente, sem que estejam separadas por aquis diversos, não se afetam mutuamente por essa interpenetração. O branco não afeta nem altera o cúbico, os dois não afetam o sabor salgado etc.; mas por ser, cada um, simples relacionar-se consigo, deixa os outros quietos, e com eles apenas se relaciona através do indiferente também. Esse também é portanto o puro universal mesmo, ou o meio: é a coisidade que assim engloba todas essas propriedades. Nesse relacionamento que assim emergiu, o que é inicialmente observado e desenvolvido é somente o caráter da universalidade positiva; mas também se apresenta um aspecto que deve ser tomado em consideração. É o seguinte: se as muitas propriedades determinadas fossem simplesmente indiferentes, e se relacionassem exclusivamente consigo mesmas, nesse caso não seriam determinadas: pois isso são apenas à medida que se diferenciam e se relacionam com outras como opostas. Mas, segundo essa oposição, não podem estar juntas na unidade simples de seu meio, que lhes é tão essencial quanto a negação. A diferenciação dessa unidade - enquanto não é uma unidade indiferente, mas excludente, negadora do Outro - recai assim fora desse meio simples. Por isso, esse meio não é apenas um também, unidade indiferente; mas é, outrossim, o Uno, unidade excludente. O Uno é o momento da negação tal como ele mesmo, de uma maneira simples, se relaciona consigo e exclui o Outro; e mediante isso, a coisidade é determinada como coisa. Na propriedade, a negação está como determinidade, que é imediatamente um só com a imediatez do ser - o qual, por essa unidade com a negação, é a universalidade. A negação, porém, é como Uno, quando se liberta dessa unidade com seu contrário, e é em si e para si mesma. Nesses momentos conjuntamente, a coisa está completa como o verdadeiro da percepção (quanto se precisa desenvolver aqui). A coisa é: 1 - a universalidade passiva e indiferente, o também das muitas propriedades (ou antes, "matérias" ); 2 - a negação, igualmente como simples, ou o Uno - o excluir de propriedades opostas; 3 - as muitas propriedades mesmas, o relacionamento dos dois primeiros momentos, a negação tal como se relaciona com o elemento indiferente e ali se expande como uma multidão de diferenças. É o ponto da singularidade, irradiando em multiplicidade no meio da subsistência. Essas diferenças, pelo seu aspecto de pertencerem ao meio indiferente, são universais elas mesmas, só consigo se relacionam e mutuamente não se afetam. Mas pelo aspecto de pertencerem à unidade negativa são, ao mesmo tempo, excludentes, e contudo têm necessariamente esse relacionamento de oposição para com propriedades que estão afastadas de seu também. A universalidade sensível ou a unidade imediata do ser e do negativo só é propriedade enquanto o Uno e a universalidade pura se desenvolvem a partir dela, e se diferenciam entre si, e ela os engloba juntamente, um com o outro. Somente essa sua relação com seus momentos essenciais puros constitui plenamente a coisa. Assim está agora constituída a coisa da percepção e a consciência, determinada como percebente, enquanto essa coisa é seu objeto. A consciência tem somente de captá-la e de proceder como pura apreensão: para ela, o que dali emerge é o verdadeiro. Se operasse, por sua conta, alguma coisa nesse apreender, estaria alterando a verdade, através desse ato de incluir ou excluir. Enquanto o objeto é o verdadeiro e o universal, igual a si mesmo, ao passo que a consciência para si é o mutável e o inessencial, é possível que lhe suceda perceber incorretamente o objeto e iludir-se. A consciência percebente é cônscia da possibilidade da ilusão, pois na universalidade, que é seu princípio, o ser Outro é para ela, imediatamente: mas enquanto nulo, como suprassumido. Portanto seu critério de verdade é a igualdade consiga mesmo, e seu procedimento é apreender o que é igual a si mesmo. Como ao mesmo tempo o diverso é para ela, a consciência é um correlacionar dos diversos momentos de seu apreender. Mas se nesse confronto surge uma desigualdade, não é então uma inverdade do objeto - pois ele é igual a si mesmo -, mas inverdade do perceber. Vejamos agora que experiência faz a consciência em seu apreender efetivo. Para nós, essa experiência já está contida no desenvolvimento, antes exposto, do objeto e do procedimento da consciência para com ele; vai ser apenas o desenvolvimento das contradições ali presentes. O objeto que eu apreendo apresenta-se como puramente Uno; também me certifico da propriedade que há nele, que é universal mas que por isso ultrapassa a singularidade. O primeiro ser da essência objetiva como um Uno não era pois seu verdadeiro ser. Como o objeto é o verdadeiro, a inverdade recai em mim: o apreender é que não era correto. Devido à universalidade da propriedade, devo tomar a essência objetiva antes como uma comunidade em geral. Além disso, percebo agora a propriedade como determinada, oposta a Outro e excluindo-o. Logo, eu não tinha de fato apreendido corretamente a essência objetiva, ao determiná-la como uma comunidade com outros, ou como a continuidade. Devo, melhor, por motivo da determinidade da propriedade, separar a continuidade e pôr a essência objetiva como Uno excludente. No Uno separado encontro muitas propriedades dessas, que mutuamente não se afetam, mas são indiferentes umas às outras. Assim eu não percebia o objeto corretamente ao apreendê-lo como algo excludente; porém, como antes o objeto era só a continuidade em geral, agora ele é um meio comum universal, onde muitas propriedades estão como universalidade sensíveis, cada uma para si, excluindo as outras enquanto determinadas. Mas sendo assim, o simples e verdadeiro que eu percebo não é um meio universal, e sim a propriedade singular para si. Porém a propriedade desse modo nem é propriedade nem um ser determinado, pois não está nem em um Uno, nem em relação com outras. No entanto, somente é propriedade em um Uno, e só é determinada em relação às outras. Permanece como esse puro relacionar-se consigo mesma, apenas Ser sensível em geral, pois já não tem em si o caráter da negatividade. A consciência, para a qual existe agora um ser sensível, é somente um visar, isto é, saiu totalmente para fora do perceber, e regressou a si mesma. Só que o ser sensível e o visar passam, eles mesmos, para o perceber: sou relançado ao ponto inicial, e de novo arrastado no mesmo circuito - o qual se suprassume em cada momento e como todo. A consciência, portanto, percorre necessariamente esse círculo, mas ao mesmo tempo não é do mesmo modo que na primeira vez. Ela fez, justamente, sobre o perceber a experiência de que o resultado e o verdadeiro dele é sua dissolução ou a reflexão sobre si mesma, a partir do verdadeiro. Sendo assim, ficou determinado para a consciência como é que seu perceber está constituído, isto é: não consiste em ser um puro apreender simples, mas em ser seu apreender ao mesmo tempo refletido em si a partir do verdadeiro. Esse retorno da consciência a si mesma, que - por se ter mostrado essencial ao perceber - se insere imediatamente no puro apreender, altera o verdadeiro. A consciência reconhece igualmente esse aspecto como o seu, e o toma sobre si; e assim fazendo, manterá puro o objeto verdadeiro. Com isso, sucede agora o que ocorria na certeza sensível; pois no perceber se apresenta o aspecto de ser a consciência repelida sobre si mesma. Mas não como se a verdade do perceber incidisse na consciência - como era o caso na certeza sensível-, pois aqui o perceber reconhece, ao invés, que a inverdade que ali ocorre recai nele. A consciência, porém, através desse reconhecimento é capaz, ao mesmo tempo, de suprassumir essa inverdade: distingue seu apreender do verdadeiro, da inverdade de seu perceber; corrige-o. E, enquanto assume, ela mesma, essa correção, a verdade - como verdade do perceber - recai de certo na consciência. O comportamento dessa consciência, a ser tratado de agora em diante, é de tal modo constituído que a consciência já não percebe, simplesmente; senão que também é cônscia de sua reflexão sobre si, e a separa da simples apreensão. Assim primeiro me dou conta da coisa como Uno e tenho de mantê-la nessa determinação verdadeira; se algo lhe ocorrer de contraditório no movimento do perceber, isso deve ser reconhecido como reflexão minha. Agora surgem na percepção também diversas propriedades - propriedades essas que parecem ser da coisa. Só que a coisa é Uno, e estamos conscientes de que recai em nós essa diversidade pela qual a coisa deixa de ser Uno. De fato, essa coisa é branca só para nossos olhos, e também tem gosto salgado para nossa língua, é também cúbica para nosso tato etc. Toda a diversidade desses aspectos, não tomamos da coisa, mas de nós. Para nós, em nossos olhos, incidem totalmente diversos um do outro, do que são para nosso paladar etc. Somos assim o meio universal onde esses momentos se separam e são para si. Por conseguinte, já que consideramos como nossa reflexão a determinidade de ser meio universal, mantemos a igualdade consigo mesma e a verdade da coisa: a de ser Uno. Mas esses diversos aspectos que a consciência assume são determinados - se considerados cada um para si como no meio universal se encontram. O branco só é em oposição ao preto etc.; e a coisa só é Uno justamente porque se opõe às outras. Mas não exclui de si as outras porque seja uno - já que ser Uno é o universal relacionar-se consigo mesmo -, e sim devido à determinidade. Assim, as próprias coisas são determinadas em si e para si; têm propriedades pelas quais se diferenciam das outras. Porque a propriedade é a propriedade própria da coisa, ou uma determinidade nela mesma, a coisa possui um número de propriedades. Com efeito: 1° - A coisa é o verdadeiro - é em si mesma. O que nela está, está nela como sua essência, e não por causa de outros. 2° - Portanto, são propriedades determinadas - não só por causa de outras coisas e para outras coisas -, mas são na própria coisa. Porém só são nela propriedades determinadas, enquanto são numerosas e diferentes entre si. 3° - Enquanto estão na coisidade, as propriedades são em si e para si, e indiferentes umas às outras. Portanto, na verdade, é a própria coisa que é branca, e também cúbica, e também tem sabor de sal etc. Ou seja: a coisa é o também, ou o meio universal, no qual as propriedades subsistem, fora uma da outra, sem se tocarem e sem se suprassumirem. Tomada assim, a coisa é "tomada como o verdadeiro" percebida. Agora, nesse perceber, a consciência ao mesmo tempo se dá conta de que também se reflete em si mesma, e de que ocorre no perceber o momento oposto ao também. Mas esse momento é a unidade da coisa consigo mesma, que exclui de si a diferença. Por isso é essa unidade que a consciência deve assumir: pois a própria coisa é o subsistir de muitas propriedades diversas e independentes. Diz-se, portanto, da coisa: é branca e também cúbica e também tem sabor de sal etc. Mas enquanto branca não é cúbica e enquanto cúbica e também branca não tem sabor de sal etc. O colocar-se em uma só dessas propriedades incumbe à consciência somente; que não deve portanto fazer que na coisa coincidam no Uno. Com esse fim, a consciência ali introduz o enquanto, mediante o qual as mantém separadas umas das outras, e mantém a coisa como o também. Com toda a razão, o ser-uno é assumido pela consciência e dessa forma, o que se chama propriedade, vem a ser representado como matéria livre. A coisa é elevada, dessa maneira, a um verdadeiro também, enquanto se torna uma coleção de "matérias"; e, em vez de ser Uno, fica sendo uma simples superfície envolvente. Reexaminando o que a consciência antes assumia e o que assume agora, o que atribuía antes à coisa e o que agora atribui a si ressalta que a consciência faz, alternadamente, ora de si, ora da coisa, tanto o Uno puro sem pluralidade, como um também dissolvido em "matérias" independentes. A consciência acha, através dessa comparação, que não é apenas seu "tomar do verdadeiro" perceber, que nele possui a diversidade do apreender e do retomar a si, mas, antes, é o próprio verdadeiro - a coisa - que se apresenta dessa dupla maneira de ser. Sendo assim, é isto o que está presente para a consciência que apreende através dessa experiência: a coisa se apresenta de um modo determinado, mas ela está, ao mesmo tempo, fora do modo como se apresenta, e refletida sobre si mesma. Quer dizer: a coisa tem nela mesma uma verdade oposta. Assim a consciência saiu também desse segundo modo do perceber, que era tomar a coisa como o verdadeiro Igual a si mesmo, e, ao contrário, tomar-se a si mesma como o desigual; como o que retoma a si saindo para fora da igualdade. O objeto agora é para ela o movimento todo, antes dividido entre o objeto e a consciência. A coisa é o Uno, sobre si refletida; é para si, mas também é para outro. Na verdade, é para si outro do que é para Outro. A coisa, portanto, é para si e também para outro, um ser diverso duplicado; mas é também Uno. Mas o ser-Uno contradiz essa sua diversidade. A consciência deveria, pois, retomar sobre si esse "pôr em um só" e mantê-lo afastado da coisa; deveria, assim, dizer que a coisa, enquanto é para si, não é para Outro. Entretanto, o ser-Uno também compete à coisa, como a consciência já o experimentou: a coisa é essencialmente refletida sobre si. Portanto, recai igualmente na coisa o também, ou a diversidade indiferente, assim como o ser-Uno. Mas, já que os dois diferem, não incidem na mesma coisa, e sim, em coisas diversas. A contradição, que está na essência objetiva em geral, divide-se em dois objetos. Assim a coisa é mesmo - em si e para si - igual a si mesma; mas essa unidade consigo mesma é estorvada por outras coisas. A unidade da coisa desse modo é preservada; mas o é igualmente o ser Outro, tanto fora dela como fora da consciência. Embora a contradição da essência objetiva se distribua, assim, entre coisas diversas, a diferença, no entanto, deve situar-se na própria coisa singular e isolada. Desse modo, as coisas diversas são postas para si, e o conflito recai nelas com tal reciprocidade que cada uma é diversa não de si mesma, mas somente da outra. Ora, com isso, cada coisa se determina como sendo ela mesma algo diferente, e tem nela a distinção essencial em relação às outras; mas ao mesmo tempo não tem em si essa diferença, de modo que fosse uma oposição nela mesma. Ao contrário: é para si uma determinidade simples, a qual constitui seu caráter essencial, distinguindo-a das outras. De fato, já que a diversidade está na coisa, sem dúvida está nela necessariamente como diferença efetiva de constituição multiforme. Sendo porém que a determinidade constitui a essência da coisa - pela qual se diferencia das outras e é para si, essa constituição diversa e multiforme é o inessencial. De certo, a coisa tem por isso, na sua unidade, o duplo enquanto, mas com desigual valor; pelo que esse ser-oposto não se torna assim oposição efetiva da própria coisa; mas, à medida que ela chega à oposição através de sua diferença absoluta, tem a oposição em confronto com outra coisa exterior a ela. Aliás, a múltipla variedade está também na coisa, necessariamente, de modo que não é possível ficar separada dela; e contudo lhe é inessencial. Agora essa determinidade - que constitui o caráter essencial da coisa, e a diferencia de todas as demais - se determina assim: por ela a coisa está em oposição às outras, mas nessa oposição deve manter-se para si. Porém somente é coisa - ou Uno para si essente - enquanto não está nessa relação com as outras, pois nessa relação o que se põe é antes a conexão com o Outro; e a conexão com Outro é o cessar do ser para si. Mediante o caráter absoluto, justamente, e de sua oposição, ela se relaciona com outras, e, essencialmente, é só esse relacionar-se. A relação porém é a negação de sua independência, e a coisa antes desmorona através de sua propriedade essencial. A necessidade da experiência para a consciência - de que a coisa desmorona justo através da determinidade que constitui sua essência e seu Ser para si - pode ser tratada brevemente conforme seu conceito simples. A coisa é posta como ser para si, ou como negação absoluta de todo ser Outro; portanto, como negação absoluta que só consigo se relaciona. Mas a negação que se relaciona consigo é o suprassumir de si mesma; ou seja, é ter sua essência em um Outro. De fato, nada mais contém a determinação do objeto tal como ele se apresentou: deve possuir uma propriedade essencial que constitui seu ser para si simples, porém nessa simplicidade deve também ter nele mesmo a diversidade que sem dúvida é necessária mas não deve constituir a determinidade essencial. Contudo, essa é uma distinção que só reside nas palavras: o inessencial que ao mesmo tempo deve ser necessário suprassume a si mesmo. Ou seja: é aquilo que acima se chamou "negação de si mesmo". Sendo assim, fica descartado o último enquanto, que separava o ser para si e o ser para Outro. O objeto é, antes, sob o mesmo e o único ponto de vista, o oposto de si mesmo: para si, enquanto é para Outro; e para outro, enquanto é para si. E para si, em si refletido, Uno; mas esse para si, em si refletido, ser-Uno, está em unidade com seu oposto - o ser para outro. É portanto posto apenas como suprassumido, ou seja: esse ser para si é tão inessencial quanto aquele, que só deveria ser o inessencial, isto é, a relação com Outro. O objeto é, por conseguinte, suprassumido em suas puras determinidades - ou nas determinidades que deveriam constituir sua essencialidade -, assim como em seu ser sensível se tinha tornado um suprassumido. Tornou-se um universal a partir do ser sensível; porém esse universal, por se originar do sensível, é essencialmente por ele condicionado, e por isso, em geral, não é verdadeiramente igual a si mesmo, mas é uma universalidade afetada de um oposto; a qual se separa, por esse motivo, nos extremos da singularidade e da universalidade, do Uno das propriedades e do também das matérias livres. Essas determinidades puras parecem exprimir a essencialidade mesma, mas são apenas um ser para si que está onerado de um ser para Outro. No entanto, já que ambos estão essencialmente em uma unidade, assim está presente agora a unidade absoluta incondicionada - e só aqui a consciência entra de verdade no reino do entendimento. Assim, a singularidade sensível desvanece, sem dúvida, no movimento di ai ético da certeza imediata e se torna universalidade - mas só universalidade sensível. Desvaneceu o visar da certeza sensível e o perceber toma o objeto tal como ele é em si, ou como universal em geral. A singularidade ressalta, pois, nele como a singularidade verdadeira, como ser em si do Uno, ou como ser-refletido em si mesmo. Mas ainda é um ser para si condicionado, ao lado do qual outro ser para si aparece: a universalidade oposta à singularidade e por ela condicionada. Porém esses dois extremos, que se contradizem, não apenas estão lado a lado, mas estão em uma unidade, ou, o que é o mesmo, o ser para si - o que há de comum a ambos - está onerado em geral por seu oposto; quer dizer: ao mesmo tempo não é um ser para si. A sofistaria da percepção procura salvar de sua contradição esses momentos e mantê-los por meio da diferenciação dos pontos de vista, por meio do também e do enquanto, assim como procura finalmente apreender o verdadeiro mediante a distinção entre o inessencial e uma essência que lhe é oposta. Só que tais expedientes, em vez de afastar a ilusão no ato de apreender, antes se revelam mesmo como nulos. O verdadeiro que deve ser obtido por essa lógica da percepção mostra ser o oposto, sob o mesmo e único ponto de vista; e assim, mostra ter por sua essência a universalidade indistinta e indeterminada. Tais abstrações vazias - singularidade e universalidade a ela oposta, como também a essência que se enlaça com um inessencial, e um inessencial que aliás, ao mesmo tempo, é necessário - são as potências cujo jogo é o entendimento humano percebente, chamado com frequência "sadio" "senso comum". Ele, que se toma como sólida consciência real, é, no perceber, apenas o jogo dessas abstrações; e em geral é sempre o mais pobre onde acredita ser o mais rico. Ao ser agitado por essas essências de nada, jogado dos braços de uma para os braços da outra, esforça-se alternadamente, através de sua sofistaria, por manter estável e afirmar já uma essência, já o seu contrário exatamente, coloca-se contra a verdade; e quanto à filosofia, acha que só se ocupa com entes de razão. Sem dúvida, a filosofia lida também com isso, e reconhece os entes de razão como puras essências, como absolutos elementos e potências. Mas, sendo assim, reconhece-os, ao mesmo tempo, na sua determinidade e deles se assenhora; enquanto aquele entendimento percebente os toma pelo verdadeiro, e por eles é jogado de erro em erro. O entendimento percebente não chega à consciência de que tais essencialidades simples são as que nele dominam; mas acredita estar lidando sempre com matérias e conteúdos perfeitamente sólidos - assim como a certeza sensível não sabe que a abstração vazia do puro ser é sua essência. Mas, de fato, é através dessas essencialidades que o entendimento percebente percorre e traça a matéria e todo conteúdo; são elas a conexão e a dominação desses. Só elas são para a consciência o que o sensível é como essência - o que determina as relações da consciência para com o sensível, e donde procede o movimento do perceber e do seu verdadeiro. Esse percurso, uma alternância perpétua entre o determinar do verdadeiro e o suprassumir desse determinar, constitui a rigor a vida e a labuta, cotidianas e permanentes, da consciência que percebe e que acredita mover-se dentro da verdade. Ela procede sem descanso para o resultado do mesmo suprassumir de todas essas essencialidades ou determinações essenciais. Porém, em cada momento singular, só está consciente desta única determinidade como sendo o verdadeiro; logo faz o mesmo com a oposta. Bem que suspeita de sua inessencialidade; para salvá-las do perigo que as ameaça, recorre à sofistaria, afirmando agora como o verdadeiro o que antes afirmava como o não verdadeiro. Ora, a natureza dessas essências não verdadeiras quer propriamente induzir esse entendimento a conciliar - e, portanto, a suprassumir - os pensamentos dessas inessências, ou seja, os pensamentos dessa universalidade e dessa singularidade, do também e do Uno, daquela essencialidade necessariamente presa a uma inessencialidade, e de uma inessencialidade que é, contudo, necessária. Mas, ao contrário, o entendimento recalcitra, e apoiando-se nos enquanto e nos diversos pontos de vista, ou tomando sobre si um pensamento para mantê-lo separado do outro, e como sendo o verdadeiro. Mas a natureza dessas abstrações as reúne em si e para si. O bom senso é a presa delas, que o arrastam em sua voragem. Querendo conferir-lhes a verdade, ora toma sobre si mesmo a inverdade delas, ora chama ilusão uma aparência das coisas indignas de confiança, separando o essencial de algo que lhes é necessário e ainda assim, que deve ser inessencial; e mantém aquele como sua verdade, frente a este. Com isso não salvaguarda para essas abstrações sua verdade, mas confere a si mesmo a inverdade. III Força e Entendimento; Fenômeno e mundo suprassensível Para a consciência, na dialética da certeza sensível, dissiparam-se o ouvir, o ver etc. Como percepção chegou a pensamentos que primeiro reúne no Universal incondicionado. Se esse incondicionado fosse agora tomado por essência inerte e simples, nesse caso não seria outra coisa que o extremo do ser para si, posto de um lado; em confronto com ele se colocaria a inessência; mas nessa relação à inessência seria também ele inessencial. No entanto surgiu como algo que a si retomou a partir de tal ser para si condicionado. Esse Universal incondicionado, que de agora em diante é o objeto verdadeiro da consciência, ainda está como objeto dessa consciência - a qual ainda não apreendeu o conceito como conceito. Importa fazer uma distinção essencial entre as duas coisas: para a consciência, o objeto retomou a si mesmo a partir da relação para com um outro, e com isso tornou-se em si conceito. Porém a consciência não é ainda, para si mesma, o conceito; e por causa disso não se reconhece naquele objeto refletido. Para nós, esse objeto, mediante o movimento da consciência, passou por um vir a ser em que a consciência está de tal modo implicada que a reflexão é a mesma dos dois lados, ou seja, é uma reflexão só. No entanto a consciência nesse movimento tinha apenas por conteúdo a essência objetiva, e não a consciência como tal, de tal sorte que para ela o resultado tem de ser posto numa significação objetiva e a consciência deve retirar-se do resultado que veio a ser - o qual, como algo objetivo, é para ela a essência. Sem dúvida que o entendimento suprassumiu com isso sua própria inverdade e a inverdade do objeto; e o que lhe resultou em consequência foi o conceito do verdadeiro: como verdadeiro em si essente, que não é ainda o conceito, ou seja, ainda está privado do ser para si da consciência: é um verdadeiro que o entendimento, sem saber que está ali dentro, deixa mover-se à vontade. Esse verdadeiro leva sua vida como lhe apraz, de modo que a consciência não tem participação alguma em sua livre realização; mas, ao contrário, simplesmente o contempla e puramente o apreende. Nós devemos por isso, antes de tudo, pôr-nos em seu lugar e ser o conceito que modela o que está contido no resultado: somente nesse resultado completamente modelado - que se apresenta à consciência como um essente - ela se torna para si mesma consciência concebente. O resultado foi o Universal incondicionado; de início, no sentido negativo e abstrato, de que a consciência negava seus conceitos unilaterais e os abstraía; e, a bem dizer, os abandonava. Mas o resultado tem em si a significação positiva de que nele está posta imediatamente, como a mesma essência, a unidade do ser para si e do ser para outro, ou a oposição absoluta. À primeira vista, parece que isso concerne só a forma dos momentos, um em relação ao outro; porém o ser para si e o ser para outro são também o próprio conteúdo, pois a oposição, em sua verdade, não pode ter nenhuma outra natureza a não ser a que se revela em seu resultado, a saber: que o conteúdo, tido por verdadeiro na percepção, pertence de fato somente à forma e se dissolve em sua unidade. Esse conteúdo é, ao mesmo tempo, universal: não pode haver outro conteúdo que por sua constituição peculiar se subtraísse ao retorno a essa universalidade incondicionada. Tal conteúdo seria qualquer modo determinado de ser para si e de se relacionar com outro. Só que, ser para si e relacionar-se com outro, em geral constituem a natureza e a essência de um conteúdo cuja verdade é ser Universal incondicionado; e o resultado é meramente universal. Porém a diferença entre forma e conteúdo emerge nesse Universal incondicionado, por ser ele objeto para a consciência. Na figura do conteúdo, os momentos têm o aspecto sob o qual inicialmente se apresentavam: o aspecto de serem, por um lado, um meio universal de muitas "matérias" subsistentes; e, por outro lado, o uno em si refletido, no qual sua independência se aniquila. O primeiro momento é a dissolução da independência da coisa, ou a passividade que é um ser para Outro. O segundo momento é o ser para si. Importa ver como esses momentos se apresentam na universalidade incondicionada, que é sua essência. Antes de tudo, é evidente que esses momentos, pelo fato de só estarem nela, em geral não podem ficar separados um do outro; mas são essencialmente lados que neles mesmos se suprassumem; e o que se põe é unicamente o transitar de um para o outro. Um dos momentos aparece pois como essência posta de lado, como meio universal ou como o subsistir das "matérias" independentes. Mas a independência dessas matérias não é outra coisa que esse meio, ou seja: esse universal é exatamente a multiplicidade desses diferentes universais. Porém, como o universal está nele mesmo em unidade estreita com essa multiplicidade, quer dizer que cada uma dessas "matérias" está onde está a outra; interpenetram-se mas sem se tocarem, já que, inversamente, o Diferente múltiplo é exatamente do mesmo modo independente. Com isso se põe igualmente sua porosidade pura - ou seu Ser suprassumido. Por sua vez, esse Ser suprassumido - ou a redução dessa diversidade ao puro ser para si - não é outra coisa que o próprio meio; e esse é a independência das diferenças. Ou seja: as diferenças, postas como independentes, passam imediatamente à sua unidade e sua unidade imediatamente ao seu desdobramento; e esse novamente, de volta, à redução. Pois esse movimento é aquilo que se chama força. Um de seus momentos, a saber, a força como expansão das "matérias" independentes em seu ser é sua exteriorização; porém a força como o ser-desvanecido dessas "matérias" é a força que, de sua exteriorização, foi recalcada sobre si, ou a força propriamente dita. Mas em primeiro lugar, a força recalcada sobre si tem de exteriorizar-se; e em segundo lugar, na exteriorização ela é tanto força em si mesma essente, quanto exteriorização nesse ser em si mesmo. Quando nós mantemos os dois momentos em sua unidade imediata, então o entendimento - ao qual o conceito de força pertence - é o conceito propriamente dito, que sustém os momentos distintos como distintos, pois na força mesma não devem ser distintos; a diferença, portanto, está só no pensamento. Em outras palavras; o que acima foi estabelecido foi apenas o conceito de força, não sua realidade. Mas, de fato, a força é o Universal incondicionado, que igualmente é para si mesmo o que é para Outro; ou que tem nele a diferença, pois essa não é outra coisa que o ser para Outro. Assim, para que a força seja em sua verdade, deve ser deixada totalmente livre do pensamento e posta como substância dessas diferenças; vale dizer: primeiro, ela, como esta força total, que permanece essencialmente em si e para si; depois, suas diferenças, como momentos substanciais, ou como momentos para si subsistentes. A força como tal, ou como recalcada em si, é portanto para si como um Uno exclusivo, para o qual o desdobramento das matérias é uma outra essência subsistente; e desse modo são postos dois lados diferentes e independentes. Porém a força é também o todo, ou seja: permanece tal como é segundo seu conceito. Quer dizer: essas diferenças permanecem puras formas, superficiais momentos evanescentes. As diferenças entre a força propriamente dita, recalcada sobre si mesma, e o desdobramento das "matérias" independentes, de fato também não seriam, se não tivessem uma subsistência: ou, a força não seria se não existisse sob esses modos contrários. Mas existir sob esses modos contrários não significa outra coisa senão que os dois momentos são, ao mesmo tempo, independentes. Assim o que temos a examinar é esse movimento dos dois momentos, que sem cessar se fazem independentes para de novo se suprassumirem. É claro, em geral, que esse movimento não é outra coisa que o movimento da percepção, no qual ambos os lados - o percebente e o percebido - são ao mesmo tempo, de uma parte, um só e indistinto, como o apreender do verdadeiro; mas igualmente de outra parte, cada lado reflete sobre si, ou é para si. Aqui esses dois lados são momentos da força: formam também uma unidade, unidade essa que se manifesta como meio-termo em relação a extremos para si essentes, e se divide sempre de novo justamente nesses extremos, que são somente por isso. O movimento, que se apresentava antes como autodestruir-se de conceitos contraditórios, tem pois aqui a forma objetiva e é movimento da força; como seu resultado, se produzirá o Universal incondicionado como algo não objetivo, ou como interior das coisas. A força, como foi determinada - representada enquanto tal ou refletida sobre si -, é só um dos lados de seu conceito; mas foi posta como um extremo substantivado e, a bem dizer, sob a determinidade do Uno. Assim o subsistir das "matérias" desdobradas fica excluído dessa força, e é Outro que ela. Já que é necessário que a própria força seja esse subsistir, ou que se exteriorize, sua exteriorização se apresenta sob a forma daquele Outro que a aborda e solicita. Mas de fato, enquanto se exterioriza necessariamente, tem nela mesma o que era posto como uma outra essência. Deve-se abandonar esse modo de ver em que a força é posta como um Uno, e sua essência é posta como algo que de fora a aborda para que se exteriorize. A força é antes, ela mesma, esse meio universal do subsistir dos momentos como "matérias". Dito de outro modo: a força já se exteriorizou: e o que devia ser o outro Solicitante é, antes, ela mesma. Agora, portanto, a força existe como meio das "matérias" desdobradas. Mas ela tem, de modo igualmente essencial, a forma do ser suprassumido das "matérias" subsistentes, ou seja, é essencialmente Uno. Com isso, porém, o ser-Uno é agora Outro que ela, já que a força está posta como meio das "matérias" e tem essa essência fora dela. No entanto, pois tem necessariamente de ser como ainda não foi posta, esse Outro a aborda e solicita à reflexão sobre si mesma, ou seja, suprassume sua exteriorização. De fato, porém, ela mesma é esse ser-refletido-em si, ou esse ser suprassumido da exteriorização. O ser-Uno desvanece como apareceu, isto é, como Outro, pois ela mesma é isto - é a força recalcada em si mesma. O que surge como Outro e solicita a força tanto à exteriorização quanto ao retorno a si mesma, é ele mesmo força, como imediatamente resulta; porquanto o Outro se mostra quer como meio universal, quer como Uno e ao mesmo tempo só aparece em cada uma dessas figuras como momento evanescente. Por conseguinte, a força ainda não saiu em geral de seu conceito, pelo fato de que Outro é para ela, e ela para Outro. Ao mesmo tempo, porém, duas forças estão presentes: e embora ambas tenham o mesmo conceito, passaram de sua unidade à dualidade. A oposição, em vez de permanecer de modo totalmente essencial, um momento apenas, parece ter escapado ao domínio da unidade por meio do desdobramento em forças totalmente independentes. Convém examinar mais de perto qual é mesmo a situação dessa independência. De início, a segunda força se apresenta como solicitante, e na verdade, quanto a seu conteúdo, como meio universal perante a força que se determina como solicitada. Mas a solicitante - por ser essencialmente alternância desses dois momentos, e ela mesma, força - de fato só é igualmente meio universal quando é solicitada a que o seja. Do mesmo modo, também só é unidade negativa - ou o que solicita a força ao retomar - por ser solicitada. Por isso transmuda-se também, nessa troca recíproca de determinações, a diferença que se estabelecia entre as duas forças, em que uma devia ser a solicitante, a outra, a solicitada. O jogo das duas forças consiste, pois, nesse ser determinado oposto de ambas, em seu ser para outro nessa determinação, e na absoluta troca imediata das determinações - uma passagem através da qual somente há essas determinações em que as forças parecem apresentar-se independentemente. A solicitante, por exemplo, é posta como meio universal; e em contraste, a solicitada como força recalcada. Mas a primeira só é meio universal porque a segunda é força recalcada; ou seja, essa seria antes a solicitante em relação à outra, pois faz que ela se torne o meio. Aquela só tem sua determinidade mediante a outra; só é solicitante enquanto pela outra é solicitada a tornar-se solicitante; e perde também imediatamente essa determinidade que lhe foi dada, pois passa para a outra; ou melhor, já passou para lá. O estranho que solicita a força se apresenta como meio universal; mas só porque foi por ela solicitado a isso. Vale dizer: ela assim o põe, e é bem mais, ela mesma, essencialmente meio universal. Põe assim o que a solicita, porque essa determinação lhe é essencial, isto é: porque ela mesma é, com mais forte razão, essa determinação. Para levar a cabo a penetração no conceito desse movimento, podemos ainda fazer notar que as próprias diferenças se mostram sob uma dupla diferença: primeiro, como diferenças do conteúdo, pois um desses extremos é a força refletida sobre si mesma; mas o outro, o meio das "matérias". Segundo, como diferença de forma, enquanto uma é solicitante, outra, solicitada; aquela ativa, esta passiva. Segundo a diferença do conteúdo, são diferentes em geral, ou para nós. Mas segundo a diferença da forma são independentes, separam-se uma da outra em sua relação e são opostas. Para a consciência é isso que vem a ser como resultado na percepção do movimento da força: os extremos nada são em si, segundo esses dois lados; mas ao contrário, esses lados, em que deveria subsistir sua essência diferente, são apenas momentos evanescentes - uma passagem imediata de cada lado para o seu oposto. Mas para nós - como se lembrou acima - era verdade também que, em si, as diferenças, como diferenças do conteúdo e da forma, desvanecem. Do lado da forma, segundo a essência, o ativo, o solicitante, ou o para si essente eram o mesmo que se apresentava como força recalcada em si, do lado do conteúdo. E o passivo, o solicitado, ou o essente para outro, do lado da forma, é o mesmo que se apresentava como meio universal de múltiplas "matérias" - do lado do conteúdo. Resulta daí que o conceito de força se torna efetivo através da duplicação em duas forças e o modo como se torna tal. Ambas essas forças existem como essências para si essentes; mas sua existência é um movimento tal, de uma em relação à outra, que seu ser é antes um puro Ser-posto mediante outro; isto é: seu ser tem, antes, a pura significação do desvanecer. Essas forças não são extremos que retenham, cada um para si, algo fixo, e que só se transmitam mutuamente uma qualidade externa no meio termo e no seu contacto. Pelo contrário: só nesse meio termo e contacto são o que são. Aí estão imediatamente, ao mesmo tempo, o ser recalcado ou o ser para si da força como sua exteriorização; tanto está o solicitar quanto o ser-solicitado. Mas esses momentos por isso não se dividem em dois extremos independentes, tocando-se apenas em seus vértices opostos; senão que sua essência consiste pura e simplesmente em ser cada um através do outro, e em deixar de ser imediatamente o que é através do outro, quando o outro o é. As forças não têm, pois, nenhuma substância própria que as sustenha e conserve. O conceito de força se mantém, antes, como a essência em sua efetividade mesma; a força, como efetiva, está unicamente na exteriorização que igualmente não é outra coisa que o suprassumir-se a si mesma. Essa força efetiva, representada como livre de sua exteriorização, e para si essente, é a força recalcada em si mesma. Por sua vez essa determinidade é de fato, como se revelou, apenas um momento da exteriorização. A verdade da força permanece, pois, só como pensamento da mesma, e os momentos dessa efetividade, suas substâncias e seu movimento desmoronam sem parar numa unidade indiferenciada - que não é a força recalcada sobre si (pois ela mesma é só um momento desses), senão que essa unidade é seu conceito, como conceito. A realização da força é assim, ao mesmo tempo, a perda da realidade. A força se tornou, pois, algo totalmente distinto, a saber, essa universalidade que o entendimento conhece primeiro ou imediatamente como sua essência; e que também se mostra como sua essência em sua realidade que deve ser, nas substâncias efetivas. Se considerarmos o primeiro universal como o conceito do entendimento, em que a força não é ainda para si, então o segundo universal é sua essência, tal como se apresenta em si e para si. Ou, inversamente: se tomamos o primeiro universal como o imediato, que deveria ser um objeto efetivo para a consciência, então o segundo universal está determinado como o negativo da força sensível objetiva. Esse é a força tal como em sua verdadeira essência é somente enquanto objeto do entendimento. O primeiro universal seria a força recalcada sobre si, ou a força como substância; mas esse segundo universal é o interior das coisas como interior - idêntico ao conceito como conceito. Essa verdadeira essência das coisas está agora determinada de maneira que não é imediatamente para a consciência, senão que essa tem uma relação mediata com o interior; e, como entendimento, divisa através desse meio-termo, que é o jogo de forças, o fundo verdadeiro das coisas. O meio-termo que encerra juntos os dois extremos - o entendimento e o interior - é o ser da força desenvolvido, que doravante é para o entendimento mesmo, um evanescente. Por isso se chama fenômeno; pois aparência é o nome dado ao ser que imediatamente é em si mesmo um não ser. Porém, não é apenas um aparecer, mas sim fenômeno, uma totalidade do aparecer. Essa totalidade como totalidade ou universal é o que constitui o interior: o jogo de forças com sua reflexão sobre si mesmo. Para a consciência, as essências da percepção estão nele postas de maneira objetiva, tais como são em si, isto é: como momentos que se transmudam imediatamente em seu contrário, sem descanso nem ser: o Uno, imediatamente no universal; o essencial, imediatamente no inessencial, e vice-versa, Esse jogo de forças é, pois, o Negativo desenvolvido; mas sua verdade é o positivo, a saber, o universal, ou o objeto em si essente. Para a consciência, o ser deste objeto é mediado pelo movimento do fenômeno; movimento em que o ser da percepção e o Sensível objetivo têm, em geral, somente uma significação negativa; e assim, a consciência a partir dele se reflete em si como no verdadeiro. Mas como é consciência, torna a fazer do verdadeiro um Interior objetivo: distingue, de sua reflexão sobre si mesma, a reflexão das coisas; como também, para ela, o movimento mediador é ainda um movimento objetivo. Portanto, esse interior é para a consciência como um extremo a ela oposto. Mas é também, para ela, o verdadeiro porque nele tem como no Em si, ao mesmo tempo, a certeza de si mesma, ou o momento do ser para si; embora não esteja ainda consciente desse fundamento, pois o ser para si, que o interior deveria ter nele, não seria outra coisa que o movimento negativo. Para a consciência, porém, esse movimento negativo ainda é o fenômeno objetivo evanescente - não ainda seu próprio ser para si. O interior, portanto, é para ela o conceito; mas a consciência ainda não conhece a natureza do conceito. Nesse Verdadeiro interior, como no Absoluto-Universal - que expurgado da oposição entre universal e singular veio a ser para o entendimento - agora, pela primeira vez, descerra-se sobre o mundo sensível como o mundo aparente, um mundo suprassensível como o verdadeiro. Patenteia-se sobre o aquém evanescente o além permanente: um Em si que é a primeira, e portanto inacabada, manifestação da razão; ou seja, apenas o puro elemento, em que a verdade tem sua essência. Nosso objeto é assim, daqui em diante, o silogismo que tem por extremos o interior das coisas e o entendimento, e, por meio-termo, o fenômeno. Pois o movimento desse silogismo dá a ulterior determinação daquilo que o entendimento divisa através desse meio-termo, e a experiência que faz sobre esse comportamento do Ser-concluído-junto com ele. Para a consciência, o interior é ainda um puro Além, porquanto nele não encontra ainda a si mesma: é vazio, por ser apenas o nada do fenômeno, e positivamente ser o Universal simples. Essa maneira de ser do interior está imediatamente em consonância com a opinião de alguns, de que o interior é incognoscível; só que o motivo disso deveria ser entendido diversamente. Sem dúvida, não pode haver nenhum conhecimento desse interior, tal como ele aqui é imediatamente; não porque a razão seja míope ou limitada, ou como queiram chamá-la (a propósito, nada sabemos aqui, pois não penetramos ainda tão fundo), mas pela simples natureza da Coisa mesma: justamente porque no vazio nada se conhece; ou, expressando do outro lado, porque esse interior é determinado como o além da consciência. Obtém-se o mesmo resultado colocando um cego entre as riquezas do mundo suprassensível (se é que as tem, quer se trate do conteúdo próprio desse mundo, quer da consciência desse conteúdo), ou então pondo um homem que tenha visão no meio das trevas puras, ou, se preferem, da pura luz (caso o mundo suprassensível seja isso). O homem que tem vista enxergará tão pouco em sua luz quanto em suas puras trevas - exatamente como o cego na abundância das riquezas que se estendem diante dele. Se nada mais houvesse a fazer com o interior e o ser concluído junto com ele através do fenômeno, somente restaria ater-se ao fenômeno, isto é: tomar por verdadeiro algo que sabemos não ser verdadeiro para preencher este vazio. Um vazio que veio a ser, primeiro, como o esvaziamento das coisas objetivas, mas que sendo esvaziamento em si deve ser tomado como esvaziamento de todas as relações espirituais e diferenças da consciência como consciência. Para que haja algo nesse vazio total, que também se denomina sagrado, há que preenchê-lo, ao menos com devaneios: fenômenos que a própria consciência para si produz. Deveria ficar contente de ser tão maltratado, pois nada merece de melhor. Afinal, os próprios devaneios ainda valem mais que seu esvaziamento. Mas o interior, ou Além-suprassensível, já surgiu: provém do fenômeno, e esse é sua mediação. Quer dizer: o fenômeno é sua essência, e de fato, sua implementação. O suprassensível é o sensível e o percebido postos tais como são em verdade; pois a verdade do sensível e do percebido é serem fenômeno. O suprassensível é, pois, o fenômeno como fenômeno. Nesse caso, pensar que o suprassensível é por isso o mundo sensível, ou o mundo tal como é para a certeza sensível imediata e para a percepção, é um entender distorcido: porque o fenômeno não é de fato o mundo do saber sensível e do perceber como essente, mas esse mundo como suprassumido ou posto em verdade como interior. Costuma dizer-se que o suprassensível não é o fenômeno; mas, com isto, não se entende por fenômeno o fenômeno e sim o mundo sensível como a própria efetividade real. O entendimento, que é nosso objeto, encontra-se agora neste ponto exato, onde primeiro o interior veio a ser para ele somente como o Em si universal ainda não implementado. O jogo de forças tem precisamente esta significação negativa: não ser em si; e só esta positiva: ser o mediatizante, mas fora do entendimento. Porém sua relação para com o interior, através da mediação, é seu movimento por meio do qual o interior se implementará para o entendimento. O jogo de forças é imediatamente para o entendimento; porém o verdadeiro para ele é o interior simples; por isso também o movimento da força somente é o verdadeiro como algo simples em geral. Vimos porém, no que toca a esse jogo de forças, que possui esta característica: a força solicitada por outra é também solicitante em relação a ela; a qual, somente por isso, se converte em solicitante. Aqui ocorre também só a troca imediata ou o permutar absoluto da determinidade que constitui o único conteúdo do que aparece: ou ser meio universal, ou ser unidade negativa. No seu próprio aparecer determinado, ele deixa imediatamente de ser tal como aparecia - através de seu aparecer determinado, solicita o outro lado, que por isso se exterioriza; quer dizer: esse lado agora é imediatamente o que o primeiro deveria ser. Os dois lados - a situação do solicitar e a situação do conteúdo determinado oposto - são, cada um para si, a inversão e a troca absolutas. Porém, essas duas situações, por sua vez, são de novo a mesma coisa; e a diferença de forma - ser o solicitante e ser o solicitado - é o mesmo que a diferença de conteúdo: o solicitado como tal, a saber, o meio passivo; o solicitante, ao contrário, O ativo, a unidade negativa, ou o Uno. Por conseguinte, desvanece toda a diferença entre forças particulares que deveriam estar presentes nesse movimento, uma frente à outra, em geral, já que tinham por base apenas aquelas diferenças. Igualmente, a diferença das forças converge, junto com as duas diferenças, numa diferença única. Assim, nessa mudança absoluta, não há nem força, nem solicitar ou ser-solicitado, nem a determinidade do meio subsistente e da unidade em si refletida, nem algo singular para si, nem diversas oposições. Pois o que aí unicamente existe é a diferença como universal, ou como uma diferença tal que as múltiplas oposições ficaram a ela reduzidas. Essa diferença como universal é, portanto, o simples no jogo da força mesma, e o verdadeiro desse jogo. A diferença é a lei da força. Através de sua relação com a simplicidade do interior ou do entendimento, o fenômeno absolutamente cambiante vem a ser diferença simples. Inicialmente, o interior é apenas o universal em si; mas esse Universal em si simples é essencialmente e também absolutamente a diferença universal, por ser o resultado da mudança mesma, ou a mudança é sua essência, mas a mudança enquanto posta no Interior como é em verdade, e por isso nele recebida como sendo também absolutamente universal, tranquilizada e permanecendo igual a si mesma. Ou seja: a negação é o momento essencial do Universal; ela - ou a mediação - é assim, no Universal, diferença universal. Essa se exprime na lei como imagem constante do fenômeno instável. O mundo suprassensível é, portanto, um tranquilo reino das leis; certamente, além do mundo percebido, pois esse só apresenta a lei através da mudança constante; mas as leis estão também presentes no mundo percebido, e são sua cópia imediata e tranquila. Este reino das leis é de certo a verdade do entendimento que tem o conteúdo na diferença que está na lei; mas ao mesmo tempo é só sua primeira verdade, não preenche completamente o fenômeno. A lei está nele presente, mas não é toda a sua presença: sob situações sempre outras, tem sempre outra efetividade. Portanto, resta ao fenômeno para si um lado que não está no interior; ou, o fenômeno ainda não está posto em verdade como fenômeno, como ser para si suprassumido. Esse defeito da lei tem de ressaltar também nela. O que parece faltar-lhe é que, embora tenha em si a diferença mesma, só a tem como universal, indeterminada. Porém enquanto não é a lei em geral, mas uma lei, tem nela a determinidade, e assim se dá uma pluralidade indeterminada de leis. Só que essa pluralidade mesma é antes um defeito: contradiz precisamente o princípio do entendimento para o qual, como consciência do interior simples, o verdadeiro é a unidade em si universal. Portanto, o entendimento deve fazer coincidir as múltiplas leis numa lei só. Assim, por exemplo, a lei da queda da pedra e a lei do movimento das esferas celestes foram concebidas como uma só lei. Mas com esse coincidir, as leis perdem sua determinidade; a lei se torna mais superficial e, de fato, por aí não se encontra a unidade destas leis determinadas, mas sim uma lei que deixa de lado sua determinidade, como a lei única que reúne em si a lei da queda dos corpos sobre a terra e a do movimento celeste não exprime de fato as duas leis. A unificação de todas as leis na atração universal não exprime conteúdo mais amplo que justamente o mero conceito da lei mesma, que aí se põe como essente. A atração universal diz apenas que tudo tem uma diferença constante com Outro. O entendimento pensa ter aí descoberto uma lei universal, que exprime a universal efetividade como tal. Mas, na verdade, só encontrou o conceito da lei mesma. É como se dissesse que em si mesma toda efetividade é regida por lei. A expressão da atração universal tem, por isso, grande importância; enquanto dirigida contra a representação carente de pensamento para a qual tudo se apresenta sob a figura do contingente, e a determinidade tem a forma da independência sensível. Por conseguinte, a atração universal - ou o conceito puro de lei - contrasta com as leis determinadas. Enquanto esse puro conceito é considerado como a essência ou o verdadeiro interior, a determinidade da lei mesma determinada ainda pertence ao fenômeno, ou antes, ao ser sensível. Todavia, o conceito puro da lei não só ultrapassa a lei que como uma lei determinada contrasta com outras leis determinadas - mas ultrapassa ainda a lei como tal. Propriamente, a determinidade, de que se falava, é apenas momento evanescente, que não pode mais apresentar-se aqui como essencialidade, pois só está presente a lei como o verdadeiro; porém o conceito de lei se voltou contra a lei mesma. É justamente na lei que a diferença é captada imediatamente e acolhida no universal; mas com isso também um subsistir dos momentos cuja relação o universal exprime como essencialidades indiferentes e em si essentes. Ao mesmo tempo, porém, essas partes da diferença na lei são por sua vez, lados determinados. O conceito puro da lei, como atração universal, deve entender-se em seu verdadeiro sentido, de que nesse conceito como no Simples absoluto, as diferenças que ocorrem na lei como tal retomam de novo ao interior, como unidade simples; esta unidade é a necessidade interior de lei. A lei está portanto presente de duas maneiras: uma vez como lei, em que as diferenças são expressas como momentos independentes; outra vez, na forma do simples Ser retomado a si mesmo, que de novo pode chamar-se força; contanto que não se entenda a força recalcada mas a força em geral ou o conceito de força: uma abstração que arrasta para si as diferenças do que atrai e do que é atraído. Assim, por exemplo, a eletricidade simples é a força; mas a expressão da diferença incumbe à lei: essa diferença é eletricidade positiva e negativa. No movimento da queda, a força é o simples; a gravidade, a qual tem como lei que as grandezas dos diversos momentos do movimento - o tempo decorrido e o espaço percorrido - se relacionem mutuamente como a raiz e o quadrado. A eletricidade mesma não é diferença em si, ou seja, em sua essência não se encontra a dupla-essência de eletricidade positiva e negativa. Por isso se diz comum ente que ela tem a lei de ser dessa maneira, ou então que tem a propriedade de se exteriorizar assim. Essa propriedade é de fato a propriedade essencial e única da força, ou ela lhe é necessária. Mas a necessidade é aqui uma palavra vazia: a força deve desdobrar-se assim, justamente porque deve. Certamente, se a eletricidade positiva é posta, também a negativa é, em si, necessária; porque o positivo é somente como relação a um negativo, ou seja, o positivo é nele mesmo a diferença de si mesmo, como também o negativo. Mas não é necessário em si que a eletricidade enquanto tal se divida assim. Como força simples, é indiferente diante de sua lei ser como positiva e negativa. Chamemos o necessário, seu conceito, e a lei, seu ser: então, seu conceito é indiferente em relação a seu ser; ela tem somente essa propriedade - o que significa precisamente que isso não lhe é, em si, necessário. Essa indiferença toma outra forma quando se diz que pertence à definição da eletricidade ser como positiva e negativa, ou que isso é, meramente, seu conceito e essência. Então, seu ser designaria sua existência em geral; mas naquela definição não está contida a necessidade de sua existência; ela, ou é porque a encontram, logo, não é nada necessária, ou então, sua existência é por meio de outras forças; logo, sua necessidade é uma necessidade externa. Mas, fazendo por isso recair a necessidade na determinidade do ser por meio de Outro, caímos de novo na pluralidade das leis determinadas, que antes tínhamos abandonado, para considerar a lei como lei. Somente com essa se deve comparar seu conceito como conceito, ou sua necessidade, que aliás, em todas essas formas, só tinha se mostrado para nós ainda como palavra vazia. A indiferença da lei e da força - ou do conceito e do ser - está presente ainda de modo diverso do indicado. Na lei do movimento, por exemplo, é necessário que esse se divida em tempo e espaço, ou também em distância e velocidade. Sendo apenas relação entre esses momentos, o movimento como universal está, sem dúvida, dividido em si mesmo; mas então essas partes, tempo e espaço, distância e velocidade, não exprimem nelas sua origem comum do Uno: são indiferentes entre si, o espaço é representado como se pudesse ser sem o tempo; o tempo, sem o espaço; e a distância, sem a velocidade pelo menos; assim como suas grandezas são indiferentes entre si, já que não se relacionam como positivo e negativo e portanto não estão ligadas uma à outra através de sua essência. Sem dúvida, a necessidade da divisão está aqui presente, mas não a das partes como tais, uma em relação à outra. Por isso, também, aquela primeira necessidade é apenas uma falsa necessidade ilusória; quer dizer, o movimento mesmo não é representado como algo simples, ou como pura essência, se não como já dividido. Tempo e espaço são suas partes independentes ou essências nelas mesmas; distância e velocidade são maneiras de ser ou de representar que bem podem dar-se uma sem a outra - e, portanto, o movimento é somente sua relação superficial e não sua essência. O movimento, representado como essência simples, ou como força, é justamente a gravidade, a qual porém não contém nela essas diferenças em geral. Assim, nos dois casos, a diferença não é nenhuma diferença em si mesma; seja que o universal, a força, é indiferente em relação à divisão que está na lei; ou seja, que as diferenças, partes da lei, são indiferentes umas em relação às outras. Mas o entendimento tem o conceito dessa diferença em si, justamente porque a lei, de uma parte, é o interior, o em si essente; mas é, ao mesmo tempo, o que é diferente nele. Que essa diferença seja assim uma diferença interna, está dado no fato de ser a lei uma força simples, ou ser como conceito dessa diferença; portanto, uma diferença de conceito. Mas essa diferença interna por ora recai exclusivamente no entendimento; não está ainda posta na Coisa mesma. Assim, o que o entendimento exprime é somente sua própria necessidade; uma diferença que, portanto, só estabelece enquanto ao mesmo tempo exprime que não é nenhuma diferença da Coisa mesma. Essa necessidade que só reside nas palavras é desse modo a enumeração dos momentos que formam o círculo da necessidade. São diferentes, sem dúvida; mas se exprime ao mesmo tempo não serem diferença nenhuma da Coisa mesma, e assim são logo de novo suprassumidos. Esse movimento se denomina explicar. Uma lei é enunciada, pois. Dela se distingue, como força, seu universal em si ou fundamento. Mas essa diferença se diz que não é nenhuma, senão antes que o fundamento é exatamente constituído como lei. Por exemplo: o evento singular do raio é apreendido como universal e esse universal, enunciado como a lei da eletricidade - a explicação assim abarca a lei condensando-a na força, como a essência da lei. Está portanto essa força de tal modo constituída que ao exteriorizar-se surgem eletricidades opostas, que tornam a desvanecer, uma na outra. Quer dizer: a força está constituída exatamente como a lei: diz-se que ambas não são, em nada, diferentes. As diferenças são a pura exteriorização universal ou a lei, e a pura força; as duas têm o mesmo conteúdo, a mesma constituição. Assim é descartada de novo a diferença como diferença de conteúdo, isto é, da Coisa. Nesse movimento tautológico, o entendimento, como resulta, persiste na unidade tranquila de seu objeto, e o movimento só recai no entendimento, não no objeto: é um explicar que não somente nada explica, como também é tão claro que ao fazer tenção de dizer algo diferente do que já foi dito, antes nada diz, mas apenas repete o mesmo. Nada de novo resulta na Coisa mesma através desse movimento que, aliás, só vem à consideração como movimento do entendimento. Nós porém nele reconhecemos justamente algo que fazia falta na lei: a saber, a mudança absoluta mesma. Com efeito: esse movimento, se o examinarmos mais de perto, é igualmente o contrário de si mesmo: põe uma diferença que, para nós, não é diferença nenhuma; e além disso, ele mesmo a suprassume como diferença. É a mesma mudança que se apresentava como jogo de forças: nesse havia a diferença entre solicitante e solicitada, entre a força exteriorizada e a recalcada sobre si mesma. Porém eram diferenças que em verdade não eram diferenças nenhumas, e que por isso tornavam a suprassumir-se imediatamente. O que está presente não é a mera unidade, de modo que nenhuma diferença seria posta; mas sim, esse movimento, que faz certamente uma diferença; mas, por não ser diferença nenhuma, é de novo suprassumida. Com o explicar, portanto, as mudanças e permutas que antes estavam fora do interior - só no fenômeno - penetraram no próprio suprassensível; nossa consciência, porém, se transferiu como objeto ao outro lado - para o entendimento - e nele experimenta a mudança. Essa mudança não é ainda uma mudança da Coisa mesma, mas antes, se apresenta justamente como mudança pura, já que o conteúdo dos momentos da mudança permanece o mesmo. Porém, enquanto o conceito como conceito do entendimento é o mesmo que o interior das coisas, essa mudança vem a ser para o entendimento como lei do interior. Assim, ele experimenta, como sendo lei do próprio fenômeno, que diferenças vêm a ser que não são diferenças nenhumas, ou que o homônimo se repele de si mesmo; e também, que as diferenças são apenas tais que não são nenhumas, e se suprassumem; ou, que o heterônimo se atrai. É uma segunda-lei cujo conteúdo se opõe ao que antes se chamava lei (a saber, de que a diferença permanecia constantemente igual a si mesma) - pois essa nova lei exprime, antes, o tornar-se desigual do igual, e tornar-se igual do desigual. O conceito induz a carência de pensamento a reunir as duas leis e a tornar-se consciente de sua oposição. A segunda lei, sem dúvida, é também uma lei, ou um ser interior igual a si mesmo; mas é antes uma igualdade consigo mesma da desigualdade - uma constância da inconstância. No jogo de forças, essa lei se mostrava justamente como esse transitar absoluto ou como mudança pura: o homônimo, a força, se decompõe numa oposição que primeiro se manifesta como uma diferença independente, mas que de fato demonstra não ser diferença nenhuma. Com efeito, é o homônimo que se repele de si mesmo, e esse repelido se atrai, essencialmente, porque ele é o mesmo. A diferença estabelecida - já que não é nenhuma - se suprassume de novo. Com isso se apresenta como diferença da Coisa mesma, ou como diferença absoluta; e essa diferença da Coisa é também o mesmo que o homônimo que se repeliu de si e desse modo põe somente uma oposição que não é nenhuma. Através desse princípio, o primeiro suprassensível, o reino tranquilo das leis, a cópia imediata do mundo percebido, transmuda-se em seu contrário. A lei era em geral o que permanece igual consigo, assim como suas diferenças. Agora, o que é posto, é que lei e diferenças são, ambas, o contrário delas mesmas: o igual a si, antes se repele de si; e o desigual a si, antes se põe como igual a si. De fato, só com essa determinação a diferença é interior, ou diferença em si mesma, enquanto o igual é desigual a si, e o desigual é igual a si. Esse segundo mundo suprassensível é dessa maneira um mundo invertido; e na verdade, enquanto um lado já estava presente no primeiro mundo suprassensível, é o inverso desse primeiro. Com isso, o interior está completo como fenômeno. Pois o primeiro mundo suprassensível era apenas a elevação imediata do mundo percebido ao elemento universal; tinha seu modelo nesse mundo percebido, que ainda retinha para si o princípio da mudança e da alteração. O primeiro reino das leis carecia desse princípio, mas agora o adquire como mundo invertido. Conforme a lei desse mundo invertido, o homônimo do primeiro mundo é assim o desigual de si mesmo; e o desigual desse primeiro mundo é também desigual a ele mesmo, ou vem a ser igual a si. Em momentos determinados, o resultado será este: o que na lei do primeiro mundo era doce, nesse Em si invertido é amargo, e o que naquela lei era negro, nessa é branco. O que na lei do primeiro era polo norte do ímã, no seu outro Em si suprassensível (isto é, na Terra) é o polo sul; e o que ali é polo sul aqui é polo norte. Igualmente, o que na primeira lei da eletricidade é polo do oxigênio vem a ser, na outra essência suprassensível, o polo do hidrogênio. E vice-versa, o polo do hidrogênio de lá é aqui polo do oxigênio. Numa outra esfera, segundo a lei imediata, a vingança contra o inimigo é a mais alta satisfação da individualidade ultrajada. Mas essa lei - segundo a qual devo mostrar-me, como essência, frente a quem não me trata como essência autônoma e, antes, suprimi-lo como essência - se converte através do princípio do outro mundo no oposto; e a restauração de mim mesmo como essência, mediante a supressão da essência alheia, se converte em autodestruição. Porém, se for erigida em lei essa inversão - que é representada no castigo do crime - será também de novo apenas a lei de um mundo que tem como sua contrapartida um mundo suprassensível invertido, no qual se honra o que no outro se despreza, e onde é ignomínia o que no primeiro é honra. O castigo, que segundo a lei do primeiro mundo desonra e destrói o homem, transmuda-se, em seu mundo invertido, no perdão que salvaguarda sua essência e o leva à honra. Visto superficialmente, esse mundo invertido é o contrário do primeiro; a tal ponto que o mantém do lado de fora e o repele de si, como uma efetividade invertida: um, é o fenômeno, mas o outro é o Em si; um, o mundo como é para Outro, o outro, ao contrário, como é para si. Assim, para utilizar os exemplos anteriores, o que tem sabor doce seria amargo, propriamente ou no interior da coisa; o que é polo norte no ímã efetivo do fenômeno, seria polo sul no ser interior ou essencial. O que na eletricidade fenomenal se apresenta como polo do oxigênio, seria polo do hidrogênio na eletricidade não fenomenal. Ou uma ação que no fenômeno é crime deveria poder ser no interior uma boa ação propriamente dita (um ato mau, ter uma boa intenção); o castigo ser castigo só no fenômeno; mas em si ou num outro mundo, ser benefício para o transgressor, Entretanto, tais oposições de "interior e exterior", "fenômeno e suprassensível" como de dois tipos de efetividade, aqui já não ocorrem. As diferenças repelidas não tornam a dividir-se entre duas substâncias que lhes deem suporte e confiram um subsistir separado - por onde o entendimento, surgido do interior, recaísse em sua posição precedente. Um dos lados, ou uma das substâncias, seria de novo o mundo da percepção, no qual uma das leis projetaria sua essência: frente a esse mundo haveria um mundo interior, justamente certo mundo sensível como o primeiro, mas na representação; não poderia ser apontado, visto, ouvido, ou saboreado como mundo sensível e não obstante seria representado como um certo mundo sensível. De fato porém, se um dos termos postos é algo percebido, e seu Em si, como inversão dele, é igualmente algo sensivelmente representado - nesse caso o amargo, que seria o Em si da coisa doce, é uma coisa tão efetiva como ela: é uma coisa amarga. O negro, que seria o Em si do branco, é um negro efetivo; o polo norte, que é o Em si do polo sul, é o polo norte presente no mesmo ímã; o polo do oxigênio, que é o Em si do polo do hidrogênio, é o polo do oxigênio presente na mesma pilha. O crime efetivo tem sua inversão e seu Em si como possibilidade na intenção como tal - mas não numa boa intenção, pois a verdade da intenção é somente o ato mesmo. Todavia, segundo seu conteúdo, o crime tem sua reflexão sobre si - ou sua inversão - no castigo efetivo, o qual é a reconciliação da lei com a efetividade que se lhe opôs no crime. Enfim, o castigo efetivo tem sua efetividade invertida nele mesmo: uma efetivação tal da lei que através dela a atividade, que tem por castigo, se suprassume a si mesma. A lei, de ativa que era, volta a ser lei tranquila e vigente, e se extinguem o movimento da individualidade contra a lei e o movimento da lei contra a individualidade. Assim, da representação da inversão que constitui a essência de um dos lados do mundo suprassensível, deve-se manter longe a representação sensível da consolidação das diferenças num distinto elemento do subsistir: deve-se representar e aprender em sua pureza esse conceito absoluto da diferença como diferença interior - o repelir-se fora de si mesmo do homônimo como homônimo, e o ser igual do desigual enquanto desigual. Há que pensar a mudança pura, ou a oposição em si mesma: a contradição. Com efeito, na diferença que é uma diferença interior, o oposto não é somente um dos dois - aliás seria um essente, e não um oposto; mas sim o oposto de um oposto, ou seja, nele está dado imediatamente o Outro. Ponho, na certa, o contrário do lado de cá: e, do lado de lá, o Outro de que é o contrário; portanto de um lado, o contrário em si e para si sem o Outro. Mas, justamente porque tenho o contrário em si e para si, é o contrário de si mesmo, ou seja, já tem de fato o Outro imediatamente em si mesmo. Assim o mundo suprassensível, que é o mundo invertido, tem, ao mesmo tempo, o outro mundo ultrapassado, e dentro de si mesmo: é para si o invertido, isto é, o invertido de si mesmo; é ele mesmo e seu oposto numa unidade. Só assim ele é a diferença como interior, ou como diferença em si mesmo, ou como infinitude. Nós vemos que, graças à infínitude, a lei cumpriu-se em si mesma como necessidade, e que todos os momentos do fenômeno foram recolhidos ao interior. Conforme resulta do que precede, o simples da lei é a infinitude, e isto significa o seguinte: a) a lei é igual a si mesmo, o qual porém é a diferença em si; ou é homônimo, que se repele de si mesmo, ou se fraciona. O que se chamava força simples desdobra-se a si mesmo, e é, por sua infinitude, a lei. b) a fração, que constitui as partes representadas na lei, se apresenta como subsistente. Essas partes, consideradas sem o conceito da diferença interior, são o espaço e o tempo, ou a distância e a velocidade, que surgem como momentos da gravidade. Mas são também indiferentes e sem necessidade, um em relação ao outro, e em relação à gravidade mesma; assim como essa gravidade simples em relação a eles ou a eletricidade simples em relação ao positivo e ao negativo. c) entretanto, por meio do conceito de diferença interior, esse desigual e indiferente, espaço e tempo etc. são uma diferença que não é diferença nenhuma, ou somente uma diferença de homônimo; e sua essência é a unidade. Em sua relação recíproca são animados como o positivo e o negativo; mas seu ser consiste antes em pôr-se como não ser, em suprassumir-se na unidade. Subsistem ambos os termos diferentes, são em si e são em si como opostos; isto é, cada qual é o oposto de si mesmo, tem o seu outro nele, e os dois são apenas uma unidade. Esta infinitude simples - ou o conceito absoluto - deve-se chamar a essência simples da vida, a alma do mundo, o sangue universal, que onipresente não é perturbado nem interrompido por nenhuma diferença, mas que antes é todas as diferenças como também seu Ser suprassumido; assim, pulsa em si sem mover-se, treme em si sem inquietar-se. É igual para si mesma, pois as diferenças são tautológicas: são diferenças que não são diferenças nenhumas. Portanto, essa essência igual a si mesma só a si mesma se refere. A si mesma; eis aí o Outro ao qual a relação se dirige, e o relacionar-se consigo mesma é, antes, o tracionar-se, ou, justamente, aquela igualdade consigo mesma é a diferença interior. Essas frações são por isso em si e para si mesmas. Cada qual é um contrário - o contrário de Outro - de forma que em cada um o Outro já é enunciado ao mesmo tempo em que ele. Ou seja: um não é o contrário de Outro, mas somente o contrário puro; e assim, cada um é, em si mesmo, o contrário de si. Ou, de modo geral, não é um contrário, senão puramente para si, uma pura essência igual a si mesma, que não tem nela diferença nenhuma. Assim, não precisamos indagar - e menos ainda considerar como filosofia a angústia com tal questão, ou então tê-la por insolúvel para a filosofia - como brota dessa pura essência, e como vem para fora dela, a diferença ou o Ser Outro; pois já ocorreu o fracionamento, a diferença foi excluída do igual a si mesmo, e posta de lado. Assim, o que devia ser o igual a si mesmo, já é antes uma das frações, em vez de ser a essência absoluta. O igual a si mesmo se fraciona, o que portanto significa também que se suprassume, já como fração; que se suprassume como ser Outro. Costuma-se dizer que a diferença não pode brotar da unidade; mas de fato a unidade é apenas um momento do fracionamento, é a abstração da simplicidade que defronta a diferença. Mas por ser abstração, é só um dos opostos, como já se disse. Ela é o fracionar-se, pois a unidade é um negativo, um oposto; assim é posta justamente como o que tem nele a oposição. Por isso, as diferenças entre fracionamento e vir a ser igual a si mesmo são também somente esse movimento do suprassumir-se. Com efeito, já que o igual a si mesmo, que deve primeiro fracionar-se ou tornar-se seu contrário, é uma abstração - ou seja, já é ele mesmo uma fração -, então seu fracionar-se é um suprassumir daquilo que ele é, e portanto o suprassumir de seu ser-fração. O vir a ser igual a si mesmo é também um fracionar-se: o que se torna igual a si mesmo defronta pois o fracionamento: quer dizer, põe a si mesmo de um lado, ou vem a ser, antes, uma fração. A infinitude, ou essa inquietação absoluta do puro mover-se a si mesmo, faz que tudo o que é determinado de qualquer modo - por exemplo, como ser - seja antes o contrário dessa determinidade. A infinitude já era, sem dúvida, a alma de tudo o que houve até aqui; mas foi no interior que primeiro ela mesma brotou livremente. O fenômeno - ou o jogo de forças - já a apresentava; mas foi só no explicar que surgiu, livre, pela primeira vez. Quando a infinitude - como aquilo que ela é - finalmente é objeto para a consciência, então a consciência é consciência de si. O explicar do entendimento só efetua inicialmente a descrição do que é a consciência de si. Suprassume as diferenças presentes na lei; as quais, embora já tornadas puras, são ainda indiferentes, e as põe numa unidade: a força. Mas esse tornar-se igual é também, imediatamente, um fracionar-se. De fato, o entendimento, através disso, suprassume as diferenças e assim põe o Uno da força, somente enquanto põe uma nova diferença - entre a lei e a força -, mas que ao mesmo tempo não é diferença nenhuma. E porque tal diferença também não é diferença nenhuma, o entendimento prossegue; suprassumindo de novo esta diferença, e fazendo a força constituída do mesmo modo que a lei. Mas esse movimento ou necessidade é ainda necessidade e movimento do entendimento; isto é: não é, como tal, seu objeto. Com efeito, nesse movimento, o entendimento tem por objetos: eletricidade positiva e negativa, distância e velocidade, força de atração e mil coisas mais, que constituem o conteúdo dos momentos do movimento. No explicar encontra-se tanta autossatisfação justamente porque a consciência está, por assim dizer, em imediato colóquio consigo mesma: só a si desfruta. Embora, sem dúvida, pareça tratar de outra coisa, de fato está somente ocupada consigo mesma. A infinitude certamente se torna objeto do entendimento na lei oposta - como inversão da primeira lei - ou na diferença interior; mas o entendimento de novo falha em atingi-la como infinitude, ao dividir a diferença em si em dois mundos, ou em dois elementos substanciais: o repelir-se a si mesmo do homônimo, e os desiguais que se atraem. Para o entendimento, o movimento, tal como é na experiência, é aqui um acontecer; e o homônimo e o desigual são predicados cuja essência é um substrato essente. O mesmo que para o entendimento é objeto em invólucro sensível, para nós é como puro conceito, em sua forma essencial. Esse apreender da diferença, como é em verdade - ou o apreender da infinitude enquanto tal, é para nós ou em si. Pertence à ciência a exposição do seu conceito; mas a consciência, quando possui nela imediatamente esse conceito, retoma à cena como forma própria ou nova figura da consciência; não reconhece sua essência no que precede, mas o considera como algo totalmente outro. Enquanto esse conceito de infinitude é seu objeto, ela é pois consciência da diferença como de algo também imediatamente suprassumido: a consciência é, para si mesma, o diferenciar do não diferenciado ou consciência de si. Eu me distingo de mim mesmo, e nisso é imediatamente para mim que este diferente não é diferente. Eu, o homônimo, me expulso de mim mesmo; mas este diferente, este posto como desigual, é imediatamente, enquanto diferente, nenhuma diferença para mim. Sem dúvida, a consciência de Outro, de um objeto em geral, é necessariamente consciência de si, ser refletido em si, consciência de si mesma em seu ser Outro. O processo necessário das figuras anteriores da consciência - cuja verdade era uma coisa, Outro que elas mesmas - exprime exatamente não apenas que a consciência da coisa só é possível para a consciência de si, mas também que só ela é a verdade daquelas figuras. Contudo é só para nós que essa verdade está presente: não ainda para a consciência. Pois a consciência de si veio a ser somente para si, mas ainda não como unidade com a consciência em geral. Nós vemos que no interior do fenômeno o entendimento na verdade não experimenta outra coisa que o fenômeno mesmo. Não o fenômeno do modo como é jogo de forças, mas sim, o jogo das forças em seus momentos absolutamente universais, e no movimento deles: de fato, o entendimento só faz experiência de si mesmo. A consciência, elevada sobre a percepção, apresenta-se concluída junto com o suprassensível através do meio-termo do fenômeno, mediante o qual divisa esse fundo das coisas. Agora estão coincidindo os dois extremos - um, o do puro interior; outro, o do interior que olha para dentro desse interior puro. Mas como desvaneceram enquanto extremos, desvaneceu também o meio termo enquanto algo outro que eles. Levanta-se, pois, essa cortina sobre o interior e dá-se o olhar do interior para dentro do interior: o olhar do homônimo não diferente que a si mesmo se repele, e se põe como interior diferente; mas para o qual também se dá, imediatamente, a não diferenciação dos dois - a consciência de si. Fica patente que por trás da assim chamada cortina, que deve cobrir o interior, nada há para ver; a não ser que nós entremos lá dentro - tanto para ver como para que haja algo ali atrás que possa ser visto. Mas ressalta, ao mesmo tempo, que não era possível chegar diretamente ali sem todos esses rodeios. Com efeito, esse saber, que é a verdade da representação do fenômeno e de seu interior, ele mesmo é apenas resultado de um movimento sinuoso. No seu percurso, desvanecem os modos de consciência - conhecimento sensível, percepção e entendimento; e também resultará que o conhecer daquilo que a consciência sabe enquanto sabe a si mesma, exige ainda mais rodeios - o que será explicitado no prosseguimento desta exposição. CONSCIÊNCIA•DE•SI IV A verdade da certeza de si mesmo Nos modos precedentes da certeza, o verdadeiro é para a consciência algo outro que ela mesma. Mas o conceito desse verdadeiro desvanece na experiência que a consciência faz dele. O objeto se mostra, antes, não ser em verdade como era imediatamente em si: o essente da certeza sensível, a coisa concreta da percepção, a força do entendimento, pois esse Em si se revela uma maneira como o objeto é somente para Outro. O conceito do objeto se suprassume no objeto efetivo; a primeira representação imediata se suprassume na experiência, e a certeza vem a perder-se na verdade. Surgiu porém agora o que não emergia nas relações anteriores, a saber: uma certeza igual à sua verdade, já que a certeza é para si mesma seu objeto, e a consciência é para si mesma o verdadeiro. Sem dúvida, a consciência é também nisso um ser Outro, isto é: a consciência distingue, mas distingue algo tal que para ela é ao mesmo tempo um não diferente. Chamemos conceito o movimento do saber, e objeto, o saber como unidade tranquila ou como Eu; então vemos que o objeto corresponde ao conceito, não só para nós, mas para o próprio saber. Ou, de outra maneira: chamemos conceito o que o objeto é em si, e objeto o que é como objeto ou para Outro; então fica patente que o ser em si e o ser para Outro são o mesmo. Com efeito, o Em si é a consciência, mas ela é igualmente aquilo para o qual é Outro (o Em si): é para a consciência que o Em si do objeto e seu ser para Outro são o mesmo. O Eu é o conteúdo da relação e a relação mesma; defronta Outro e ao mesmo tempo o ultrapassa; e este Outro, para ele, é apenas ele próprio. Com a consciência de si entramos, pois, na terra pátria da verdade. Vejamos como surge inicialmente a figura da consciência de si. Se consideramos essa nova figura do saber - o saber de si mesmo - em relação com a precedente - o saber de Outro - sem dúvida, que este último desvaneceu; mas seus momentos foram ao mesmo tempo conservados; a perda consiste em que estes momentos aqui estão presentes como são em si. O ser visado da certeza sensível, a singularidade e a universalidade - a ela oposta - da percepção, assim como o interior vazio do entendimento, já não estão como essências, mas como momentos da consciência de si; quer dizer, como abstrações ou diferenças que ao mesmo tempo para a consciência são nulas ou não são diferenças nenhumas, mas essências puramente evanescentes. Assim, o que parece perdido é apenas o momento-principal, isto é, o subsistir simples e independente para a consciência. Mas de fato, porém, a consciência de si é a reflexão, a partir do ser do mundo sensível e percebido; é essencialmente o retorno a partir do ser Outro. Como consciência de si é movimento; mas quando diferencia de si apenas a si mesma enquanto si mesma, então para ela a diferença é imediatamente suprassumida, como um ser Outro. A diferença não é; e a consciência de si é apenas a tautologia sem movimento do "Eu sou Eu". Enquanto para ela a diferença não tem também a figura do ser, não é consciência de si. Para a consciência de si, portanto, o ser Outro é como um ser, ou como momento diferente; mas para ela é também a unidade de si mesma com essa diferença, como segundo momento diferente. Com aquele primeiro momento, a consciência de si é como consciência e para ela é mantida toda a extensão do mundo sensível; mas ao mesmo tempo, só como referida ao segundo momento, a unidade da consciência de si consigo mesma, Por isso, o mundo sensível é para ela um subsistir, mas que é apenas um fenômeno, ou diferença que não tem em si nenhum ser. Porém essa oposição, entre seu fenômeno e sua verdade, tem por sua essência somente a verdade, isto é, a unidade da consciência de si consigo mesma. Essa unidade deve vir a ser essencial a ela, o que significa: a consciência de si é desejo, em geral. A consciência tem de agora em diante, como consciência de si, um duplo objeto: um, o imediato, o objeto da certeza sensível e da percepção, o qual porém é marcado para ela com o sinal do negativo; o segundo objeto é justamente ela mesma, que é a essência verdadeira e que de início só está presente na oposição ao primeiro objeto. A consciência de si se apresenta aqui como o movimento no qual essa oposição é suprassumida e onde a igualdade consigo mesma vem a ser para ela. Para nós, ou em si, o objeto que para a consciência de si é o negativo, retomou sobre si mesmo, do seu lado; como do outro lado, a consciência também fez o mesmo. Mediante essa reflexão-sobre-si, o objeto veio a ser vida. O que a consciência de si diferencia de si como essente não tem apenas, enquanto é posto como essente, o modo da certeza sensível e da percepção, mas é também Ser refletido sobre si; o objeto do desejo imediato é um ser vivo. Com efeito o Em si, ou o resultado universal da relação do entendimento com o interior das coisas, é o diferenciar do não diferenciável, ou a unidade do diferente. Mas essa unidade é também, como vimos, seu repelir-se de si mesmo; e esse conceito se fraciona na oposição entre a consciência de si e a vida. A consciência de si é a unidade para a qual é a infinita unidade das diferenças; mas a vida é apenas essa unidade mesma, de tal forma que não é, ao mesmo tempo, para si mesma. Assim, tão independente é em si seu objeto, quanto é independente a consciência. A consciência de si que pura e simplesmente é para si, e que marca imediatamente seu objeto com o caráter do negativo; ou que é, de início, desejo - vai fazer pois a experiência da independência desse objeto. A determinação da vida, tal como deriva do conceito ou do resultado universal, com o qual entramos nesta esfera, é suficiente para caracterizar a vida, sem que se deva desenvolver ainda mais sua natureza. Seu ciclo se encerra nos momentos seguintes. A essência é a infinitude, como o Ser suprassumido de todas as diferenças, o puro movimento de rotação, a quietude de si mesma como infinitude absolutamente inquieta, a independência mesma em que se dissolvem as diferenças do movimento; a essência simples do tempo, que tem, nessa igualdade consigo mesma, a figura sólida do espaço. Porém, nesse meio simples e universal as diferenças estão também como diferenças; pois essa universal fluidez só possui sua natureza negativa enquanto é um suprassumir das mesmas; mas não pode suprassumir as diferenças se essas não têm um subsistir. Justamente essa fluidez, como a própria independência igual a si mesma, é o subsistir - ou a substância - das diferenças, que assim estão nela como membros distintos e partes para si essentes. O ser não tem mais o significado de abstração do ser, nem a essencialidade pura desses membros tem a significação de abstração da universalidade; mas o seu ser é agora justamente aquela fluida substância simples do puro movimento em si mesmo. Porém a diferença desses membros, uns em relação aos outros, como diferença não consiste, em geral, em nenhuma outra determinidade que não a determinidade dos momentos da infinitude ou do puro movimento mesmo. Os membros independentes são para si; mas esse Ser para si é antes, imediatamente, sua reflexão na unidade - como essa unidade é por sua vez o fracionamento em figuras independentes. A unidade se fracionou por ser unidade absolutamente negativa ou infinita; e, por ser ela o subsistir, também a diferença tem independência somente nela. Essa independência da figura se manifesta como algo determinado, para Outro, posto que é uma fração; e assim, o suprassumir do fracionamento ocorre mediante um Outro. Mas esse suprassumir está nela mesma, porque justamente aquela fluidez é a substância das figuras independentes; ora, esta substância é infinita; logo, a figura é o fracionamento em seu subsistir mesmo, ou o suprassumir de seu Ser para si. Distinguindo mais exatamente os momentos aí contidos, nós vemos que como primeiro momento se tem o subsistir das figuras independentes, ou a repressão do que o diferenciar é dentro de si, a saber: não ser nada em si, e não ter nenhum subsistir. Mas o segundo momento é a subjugação desse subsistir à infinitude das diferenças. No primeiro momento está a figura subsistente: como para si essente - ou a substância infinita em sua determinidade -, que surgindo em contraste com a substância universal nega essa fluidez e continuidade com ela, e se afirma como não dissolvida nesse universal: ao contrário, se conserva por sua separação dessa sua natureza inorgânica e pelo consumo da mesma. No meio fluido universal, que é um tranquilo desdobrar-se em leque das figuras, a vida vem a ser, por isso mesmo, o movimento das figuras, isto é, a vida como processo. A fluidez universal simples é o Em si; a diferença das figuras é o Outro. Porém, devido a tal diferença, essa mesma fluidez vem a ser o Outro; pois ela agora é para a diferença, que é em si e para si mesma, e portanto o movimento infinito pelo qual aquele meio tranquilo é consumido; isto é, a vida como ser vivo. Mas, por esse motivo, essa inversão é por sua vez a "inversidade" em si mesma. O que é consumido é a essência; a individualidade, que às custas do universal se mantém e se dá o sentimento de sua unidade consigo mesma, suprassume assim diretamente sua oposição com o outro, por meio da qual é para si. A unidade consigo mesma, que ela se outorga, é justamente a fluidez das diferenças ou a dissolução universal. Inversamente, porém, o suprassumir da subsistência individual é também o produzi-la. Com efeito, como a essência da figura individual é a vida universal, e o para si essente é em si substância simples, então, ao pôr o outro dentro de si, suprassume essa sua simplicidade ou sua essência; isto é, a fraciona. Esse fracionamento da fluidez indiferenciada é precisamente o pôr da individualidade. Assim, a substância simples da vida é o seu fracionamento em figuras, e ao mesmo tempo a dissolução dessas diferenças subsistentes; e a dissolução do fracionamento é também um fracionar ou um articular de membros. Assim, coincidem, um com o outro, os dois lados do movimento total que tinham sido diferenciados, a saber: a figuração, tranquilamente abrindo-se em leque no meio universal da independência, e o processo da vida. Esse último é tanto figuração quanto o suprassumir da figura. O primeiro, a figuração, é tanto um suprassumir quanto uma articulação de membros. O elemento fluido é apenas a abstração da essência, ou só é efetivo como figura. O articular-se em membros é, por sua vez, um fracionar do articulado, ou um dissolver do mesmo. Esse circuito todo constitui a vida, a qual não é o que de início se enunciou: a continuidade imediata e a solidez de sua essência; nem é a figura subsistente e o Discreto para si essente: nem o puro processo deles; nem ainda o simples enfeixamento desses momentos; mas, sim, é o todo que se desenvolve, que dissolve seu desenvolvimento e que se conserva simples nesse movimento. Uma vez que partindo da primeira unidade imediata se retoma através dos momentos da figuração e do processo à unidade de ambos os momentos e, portanto, de novo à primeira substância simples, é que essa unidade refletida é outra que a primeira. Em contraste com a primeira unidade imediata - ou expressa como um ser -, esta segunda é a unidade universal que contém todos esses momentos como suprassumidos. É o gênero simples que no movimento da vida mesma não existe para si como este Simples; mas, neste resultado, a vida remete a outro que ela, a saber: à consciência para a qual a vida é como esta unidade, ou como gênero. Mas essa outra vida, para a qual é o gênero enquanto tal, e que é para si mesma gênero - a consciência de si - inicialmente é para si mesma apenas como esta simples essência, e tem por objeto a si mesma como o puro Eu. Em sua experiência, que importa examinar agora, esse objeto abstrato vai enriquecer-se para ela e adquirir o desdobramento que nós vimos na vida. O Eu simples é esse gênero, ou o Universal simples, para o qual as diferenças não são nenhumas, somente enquanto ele é a essência negativa dos momentos independentes configurados. Assim a consciência de si é certa de si mesma, somente através do suprassumir desse Outro, que se lhe apresenta como vida independente: a consciência de si é desejo. Certa da nulidade desse Outro, põe para si tal nulidade como sua verdade; aniquila o objeto independente, e se outorga, com isso, a certeza de si mesma como verdadeira certeza, como uma certeza que lhe veio a ser de maneira objetiva. Entretanto nessa satisfação a consciência de si faz a experiência da independência de seu objeto. O desejo e a certeza de si mesma, alcançada na satisfação do desejo, são condicionados pelo objeto, pois a satisfação ocorre através do suprassumir desse Outro; para que haja suprassumir, esse Outro deve ser. A consciência de si não pode assim suprassumir o objeto através de sua relação negativa para com ele; pois essa relação antes reproduz o objeto, assim como o desejo. De fato, a essência do desejo é Outro que a consciência de si; e através de tal experiência essa verdade veio a ser para a consciência. Porém, ao mesmo tempo, a consciência de si é também absolutamente para si, e é isso somente através do suprassumir do objeto; suprassumir que deve tornar-se para a consciência de si sua satisfação, pois ela é sua verdade. Em razão da independência do objeto, a consciência de si só pode alcançar satisfação quando esse objeto leva a cabo a negação de si mesmo, nela; e deve levar a cabo em si tal negação de si mesmo, pois é em si o negativo, e deve ser para o Outro o que ele é. Mas quando o objeto é em si mesmo negação, e nisso é ao mesmo tempo independente, ele é consciência. Na vida, que é o objeto do desejo, a negação ou está em Outro, a saber, no desejo, ou está como determinidade em contraste com outra figura independente; ou então como sua natureza inorgânica universal. Mas tal natureza universal independente, na qual a negação está como negação absoluta, é o gênero como tal, ou como consciência de si. A consciência de si só alcança sua satisfação em outra consciência de si. Nesses três momentos se completa o conceito da consciência de si: a) O puro Eu indiferenciado é seu primeiro objeto imediato. b) Mas essa imediatez mesma é absoluta mediação: é somente como o suprassumir do objeto independente; ou seja; ela é desejo. A satisfação do desejo é a reflexão da consciência de si sobre si mesma, ou a certeza que veio a ser verdade. c) Mas a verdade dessa certeza é antes a reflexão redobrada, a duplicação da consciência de si. A consciência de si é um objeto para a consciência, objeto que põe em si mesmo seu ser Outro, ou a diferença de nada, e nisso é independente. A figura diferente, apenas viva, suprassume sem dúvida no processo da vida mesma, sua independência, mas junto com sua diferença cessa de ser o que é. Porém o objeto da consciência de si é também independente nessa negatividade de si mesmo e assim é, para si mesmo, gênero, universal fluidez na peculiaridade de sua distinção: é uma consciência de si viva. É uma consciência de si para uma consciência de si. E somente assim ela é, de fato: pois só assim vem a ser para ela a unidade de si mesma em seu ser Outro. O Eu, que é objeto de seu conceito, não é de fato objeto. Porém o objeto do desejo é só independente por ser a substância universal indestrutível, a fluida essência igual a si mesma. Quando a consciência de si é o objeto, é tanto Eu quanto objeto. Para nós, portanto, já está presente o conceito do espírito. Para a consciência, o que vem a ser mais adiante, é a experiência do que é o espírito: essa substância absoluta que na perfeita liberdade e independência de sua oposição - a saber, das diversas consciências de si para si essentes - é a unidade das mesmas: Eu, que é Nós, Nós que é Eu. A consciência tem primeiro na consciência de si, como no conceito de espírito, seu ponto de inflexão, a partir do qual se afasta da aparência colorida do aquém sensível, e da noite vazia do além suprassensível, para entrar no dia espiritual da presença. A - INDEPENDÊNCIA E DEPENDÊNCIA DA CONSCIÊNCIA DE SI: DOMINAÇÃO E ESCRAVIDÃO A consciência de si é em si e para si quando e por que é em si e para si para Outra; quer dizer, só é como algo reconhecido. O conceito dessa sua unidade em sua duplicação, ou da infinitude que se realiza na consciência de si, é um entrelaçamento multilateral e polissêmico. Assim seus momentos devem, de uma parte, ser mantidos rigorosamente separados, e de outra parte, nessa diferença, devem ser tomados ao mesmo tempo como não diferentes, ou seja, devem sempre ser tomados e reconhecidos em sua significação oposta. O duplo sentido do diferente reside na própria essência da consciência de si: pois tem a essência de ser infinita, ou de ser imediatamente o contrário da determinidade na qual foi posta. O desdobramento do conceito dessa unidade espiritual, em sua duplicação, nos apresenta o movimento do reconhecimento. Para a consciência de si há outra consciência de si ou seja: ela veio para fora de si. Isso tem dupla significação: primeiro, ela se perdeu a si mesma, pois se acha numa outra essência. Segundo, com isso ela suprassumiu o Outro, pois não vê o Outro como essência, mas é a si mesma que vê no Outro. A consciência de si tem de suprassumir esse seu ser Outro. Esse é o suprassumir do primeiro sentido duplo, e por isso mesmo, um segundo sentido duplo: primeiro, deve proceder a suprassumir a outra essência independente, para assim vir a ser a certeza de si como essência; segundo, deve proceder a suprassumir a si mesma, pois ela mesma é esse Outro. Esse suprassumir de sentido duplo do seu ser Outro de duplo sentido é também um retorno, de duplo sentido, a si mesma; portanto, em primeiro lugar a consciência retoma a si mesma mediante esse suprassumir, pois se torna de novo igual a si mesma mediante esse suprassumir do seu ser Outro; segundo, restitui também a ela mesma a outra consciência de si, já que era para si no Outro. Suprassume esse seu ser no Outro, e deixa o Outro livre, de novo. Mas esse movimento da consciência de si em relação a outra consciência de si se representa, desse modo, como o agir de uma (delas). Porém esse agir de uma tem o duplo sentido de ser tanto o seu agir como o agir da outra; pois a outra é também independente, encerrada em si mesma, nada há nela que não seja mediante ela mesma. A primeira consciência de si não tem diante de si o objeto, como inicialmente é só para o desejo; o que tem é um objeto independente, para si essente, sobre o qual portanto nada pode fazer para si, se o objeto não fizer em si o mesmo que ela nele faz. O movimento é assim, pura e simplesmente, o duplo movimento das duas consciências de si. Cada uma vê a outra fazer o que ela faz; cada uma faz o que da outra exige - portanto faz somente o que faz enquanto a outra faz o mesmo. O agir unilateral seria inútil; pois, o que deve acontecer, só pode efetuar-se através de ambas as consciências. Por conseguinte, o agir tem duplo sentido, não só enquanto é agir quer sobre si mesmo, quer sobre o Outro, mas também enquanto indivisamente é o agir tanto de um quanto de Outro. Vemos repetir-se, nesse movimento, o processo que se apresentava como jogo de forças; mas agora na consciência. O que naquele jogo de forças era para nós, aqui é para os extremos mesmos. O meio-termo é a consciência de si que se decompõe nos extremos; e cada extremo é essa troca de sua determinidade, e passagem absoluta para o oposto. Como porém é consciência, cada extremo vem mesmo para fora de si; todavia ao mesmo tempo, em seu ser fora de si, é retido em si; é para si; e seu ser fora de si é para ele. É para ele que imediatamente é e não é outra consciência; e também que esse Outro só é para si quando se suprassume como para si essente; e só é para si no ser para si do Outro. Cada extremo é para o Outro o meio-termo, mediante o qual é consigo mesmo mediatizado e concluído; cada um é para si e para o Outro, essência imediata para si essente; que ao mesmo tempo só é para si através dessa mediação. Eles se reconhecem como reconhecendo-se reciprocamente. Consideremos agora este puro conceito do reconhecimento, a duplicação da consciência de si em sua unidade, tal como seu processo se manifesta para a consciência de si. Esse processo vai apresentar primeiro o lado da desigualdade de ambas as consciências de si ou o extravasar do meio-termo nos extremos, os quais, como extremos, são opostos um ao outro; um extremo é só o que é reconhecido; o outro, só o que reconhece. De início, a consciência de si é ser para si simples, igual a si mesma mediante o excluir de si todo o outro. Para ela, sua essência e objeto absoluto é o Eu; e nessa imediatez ou nesse ser de seu ser para si é um singular. O que é Outro para ela, está como objeto inessencial, marcado com o sinal do negativo. Mas o Outro é também uma consciência de si; um indivíduo se confronta com outro indivíduo. Surgindo assim imediatamente, os indivíduos são um para o outro, à maneira de objetos comuns, figuras independentes, consciências imersas no ser da vida - pois o objeto essente aqui se determinou como vida. São consciências que ainda não levaram a cabo, uma para a outra, o movimento da abstração absoluta, que consiste em extirpar todo ser imediato, para ser apenas o puro ser negativo da consciência igual a si mesma. Quer dizer: essas consciências ainda não se apresentaram, uma para a outra, como puro ser para si, ou seja, como consciência de si. Sem dúvida, cada uma está certa de si mesma, mas não da outra; e assim sua própria certeza de si não tem verdade nenhuma, pois sua verdade só seria se seu próprio ser para si lhe fosse apresentado como objeto independente ou, o que é o mesmo, o objeto fosse apresentado como essa pura certeza de si mesmo. Mas, de acordo com o conceito do reconhecimento, isso não é possível a não ser que cada um leve a cabo essa pura abstração do ser para si: ele para o outro, o outro para ele; cada um em si mesmo, mediante seu próprio agir, e de novo, mediante o agir do outro. Porém a apresentação de si como pura abstração da consciência de si consiste em mostrar-se como pura negação de sua maneira de ser objetiva, ou em mostrar que não está vinculado a nenhum ser-aí determinado, nem à singularidade universal do ser-aí em geral, nem à vida. Esta apresentação é o agir duplicado: o agir do Outro e o agir por meio de si mesmo. Enquanto agir do Outro, cada um tende, pois, à morte do Outro. Mas aí está também presente o segundo agir, o agir por meio de si mesmo, pois aquele agir do Outro inclui o arriscar a própria vida. Portanto, a relação das duas consciências de si é determinada de tal modo que elas se provam a si mesmas e uma a outra através de uma luta de vida ou morte. Devem travar essa luta porque precisam elevar à verdade, no Outro e nelas mesmas, sua certeza de ser para si. Só mediante o pôr a vida em risco, a liberdade se comprova; e se prova que a essência da consciência de si não é o ser, nem o modo imediato como ela surge, nem o seu submergir-se na expansão da vida; mas que nada há na consciência de si que não seja para ela momento evanescente; que ela é somente puro ser para si. O indivíduo que não arriscou a vida pode bem ser reconhecido como pessoa; mas não alcançou a verdade desse reconhecimento como uma consciência de si independente. Assim como arrisca sua vida, cada um deve igualmente tender à morte do outro; pois para ele o Outro não vale mais que ele próprio. Sua essência se lhe apresenta como Outro, está fora dele; deve suprassumir seu ser fora de si. O Outro é uma consciência essente e de muitos modos enredada; a consciência de si deve intuir seu ser Outro como puro ser para si, ou como negação absoluta. Entretanto, essa comprovação por meio da morte suprassume justamente a verdade que dela deveria resultar, e com isso também suprassume a certeza de si mesmo em geral. Com efeito, como a vida é a posição natural da consciência, a independência sem a absoluta negatividade, assim a morte é a negação natural desta mesma consciência, a negação sem a independência, que assim fica privada da significação pretendida do reconhecimento. Mediante a morte, sem dúvida, veio a ser a certeza de que ambos arriscavam sua vida e a desprezavam cada um em si e no Outro; mas essa certeza não é para os que travam essa luta. Suprassumem sua consciência posta nesta essencialidade alheia, que é o ser aí natural, ou seja, suprassumem a si mesmos, e vêm a ser suprassumidos como os extremos que querem ser para si. Desvanece porém com isso igualmente o momento essencial nesse jogo de trocas: o momento de se decompor em extremos de determinidades opostas; e o meio-termo desmorona em uma unidade morta, que se decompõe em extremos mortos, não opostos, e apenas essentes. Os dois extremos não se dão nem se recebem de volta, um ao outro reciprocamente através da consciência, mas deixam um ao outro indiferentemente livres, como coisas. Sua operação é a negação abstrata, não a negação da consciência, que suprassume de tal modo que guarda e mantém o suprassumido e com isso sobrevive a seu vir a ser suprassumido. Nessa experiência, vem a ser para a consciência de si que a vida lhe é tão essencial quanto à pura consciência de si. Na consciência de si imediata, o Eu simples é o objeto absoluto; que no entanto para nós ou em si é a mediação absoluta, e tem por momento essencial a independência subsistente. A dissolução daquela unidade simples é o resultado da primeira experiência; mediante essa experiência se põem uma pura consciência de si, e uma consciência que não é puramente para si, mas para outro, isto é, como consciência essente, ou consciência na figura da coisidade. São essenciais ambos os momentos; porém como, de início, são desiguais e opostos, e ainda não resultou sua reflexão na unidade, assim os dois momentos são como duas figuras opostas da consciência: uma, a consciência independente para a qual o ser para si é a essência; outra, a consciência dependente para a qual a essência é a vida, ou o ser para Outro. Uma é o senhor, outra é o escravo. O senhor é a consciência para si essente, mas já não é apenas o conceito dessa consciência, senão uma consciência para si essente que é mediatizada consigo por meio de outra consciência, a saber, por meio de uma consciência a cuja essência pertence ser sintetizada com um ser independente, ou com a coisidade em geral. O senhor se relaciona com estes dois momentos: com uma coisa como tal, o objeto do desejo, e com a consciência para a qual a coisidade é o essencial. Portanto, o senhor: a) como conceito da consciência de si é relação imediata do ser para si; mas, b) ao mesmo tempo como mediação, ou como um ser para si que só é para si mediante Outro, se relaciona. a') imediatamente com os dois momentos; e b') mediatamente, com cada um por meio do outro. O senhor se relaciona mediatamente com o escravo por meio do ser independente, pois justamente ali o escravo está retido; essa é sua cadeia, da qual não podia abstrair-se na luta, e por isso se mostrou dependente, por ter sua independência na coisidade. O senhor, porém, é a potência sobre esse ser, pois mostrou na luta que tal ser só vale para ele como um negativo. O senhor é a potência que está por cima desse ser; ora, esse ser é a potência que está sobre o Outro; logo, o senhor tem esse Outro por baixo de si: é este o silogismo da dominação. O senhor também se relaciona mediatamente por meio do escravo com a coisa; o escravo, enquanto consciência de si em geral, se relaciona também negativamente com a coisa, e a suprassume. Porém, ao mesmo tempo, a coisa é independente para ele, que não pode portanto, através do seu negar, acabar com ela até a aniquilação; ou seja, o escravo somente a trabalha. Ao contrário, para o senhor, através dessa mediação, a relação imediata vem a ser como a pura negação da coisa, ou como gozo - o qual lhe consegue o que o desejo não conseguia: acabar com a coisa, e aquietar-se no gozo. O desejo não o conseguia por causa da independência da coisa; mas o senhor introduziu o escravo entre ele e a coisa, e assim se conclui somente com a dependência da coisa, e puramente a goza; enquanto o lado da independência deixa-o ao escravo, que a trabalha. Nesses dois momentos vem a ser para o senhor o seu Ser-reconhecido mediante outra consciência a do escravo. Com efeito, essa se põe como inessencial em ambos os momentos; uma vez na elaboração da coisa, e outra vez, na dependência para com um determinado ser-aí; dois momentos em que não pode assenhorar-se do ser, nem alcançar a negação absoluta. Portanto, está presente o momento do reconhecimento no qual a outra consciência se suprassume como ser para si, e assim faz o mesmo que a primeira faz em relação a ela. Também está presente o outro momento, em que o agir da segunda consciência é o próprio agir da primeira, pois o que o escravo faz é justamente o agir do senhor, para o qual somente é o ser para si, a essência: ele é a pura potência negativa para a qual a coisa é nada, e é também o puro agir essencial nessa relação. O agir do escravo não é um agir puro, mas um agir inessencial. Mas, para o reconhecimento propriamente dito, falta o momento em que o senhor opera sobre o outro o que o outro operaria sobre si mesmo; e o escravo faz sobre si o que também faria sobre o Outro. Portanto, o que se efetuou foi um reconhecimento unilateral e desigual. A consciência inessencial é, nesse reconhecimento, para o senhor o objeto que constitui a verdade da certeza de si mesmo. Claro que esse objeto não corresponde ao seu conceito; é claro, ao contrário, que ali onde o senhor se realizou plenamente, tornou-se para ele algo totalmente diverso de uma consciência independente; para ele, não é tal consciência, mas uma consciência dependente. Assim, o senhor não está certo do ser para si como verdade; mas sua verdade é de fato a consciência inessencial e o agir inessencial dessa consciência. A verdade da consciência independente é por conseguinte a consciência escrava. Sem dúvida, esta aparece de início fora de si, e não como a verdade da consciência de si. Mas, como a dominação mostrava ser em sua essência o inverso do que pretendia ser, assim também a escravidão, ao realizar-se cabalmente, vai tornar-se, de fato, o contrário do que é imediatamente; entrará em si como consciência recalcada sobre si mesma e se converterá em verdadeira independência. Vimos somente o que a escravidão é em relação à dominação. Mas a consciência escrava é consciência de si, e importa considerar agora o que é em si e para si mesma. Primeiro, para a consciência escrava, o senhor é a essência; portanto, a consciência independente para si essente é para ela a verdade; contudo para ela a verdade ainda não está nela, muito embora tenha de fato nela mesma essa verdade da pura negatividade e do ser para si; pois experimentou nela essa essência. Essa consciência sentiu a angústia, não por isto ou aquilo, não por este ou aquele instante, mas sim através de sua essência toda, pois sentiu o medo da morte, do senhor absoluto. Aí se dissolveu interiormente; em si mesma tremeu em sua totalidade; e tudo que havia de fixo, nela vacilou. Entretanto, esse movimento universal puro, o fluidificar-se absoluto de todo o subsistir, é a essência simples da consciência de si, a negatividade absoluta, o puro ser para si, que assim é nessa consciência. É também para ela esse momento do puro ser para si, pois é seu objeto no senhor. Aliás, aquela consciência não é só essa universal dissolução em geral, mas ela se implementa efetivamente no servir. Servindo, suprassume em todos os momentos sua aderência ao ser-aí natural; e trabalhando, o elimina. Mas o sentimento da potência absoluta em geral, e em particular o do serviço, é apenas a dissolução em si; e embora o temor do senhor seja, sem dúvida, o início da sabedoria, a consciência aí é para ela mesma, mas não é o ser para si; porém encontra-se a si mesma por meio do trabalho. No momento que corresponde ao desejo na consciência do senhor, parecia caber à consciência escrava o lado da relação inessencial para com a coisa, porquanto ali a coisa mantém sua independência. O desejo se reservou o puro negar do objeto e por isso o sentimento de si mesmo, sem mescla. Mas essa satisfação é pelo mesmo motivo, apenas um evanescente, já que lhe falta o lado objetivo ou o subsistir. O trabalho, ao contrário, é desejo refreado, um desvanecer contido, ou seja, o trabalho forma. A relação negativa para com o objeto torna-se a forma do mesmo e algo permanente, porque justamente o objeto tem independência para o trabalhador. Esse meio-termo negativo ou agir formativo é, ao mesmo tempo, a singularidade, ou o puro ser para si da consciência, que agora no trabalho se transfere para fora de si no elemento do permanecer; a consciência trabalhadora, portanto, chega assim à intuição do ser independente, como intuição de si mesma. No entanto, o formar não tem só este significado positivo, segundo o qual a consciência escrava se torna para si um essente como puro ser para si. Tem também um significado negativo frente a seu primeiro momento, o medo. Com efeito: no formar da coisa, torna-se objeto para o escravo sua própria negatividade, seu ser para si, somente porque ele suprassume a forma essente oposta. Mas esse negativo objetivo é justamente a essência alheia ante a qual ele tinha tremido. Agora, porém, o escravo destrói esse negativo alheio, e se põe, como tal negativo, no elemento do permanecer: e assim se torna, para si mesmo, um para si essente. No senhor, o ser para si é para o escravo Outro, ou seja, é somente para ele. No medo, o ser para si está nele mesmo. No formar, o ser para si se torna para ele como o seu próprio, e assim chega à consciência de ser ele mesmo em si e para si. A forma não se torna outro que a consciência pelo fato de se ter exteriorizado, pois justamente essa forma é seu puro ser para si, que nessa exteriorização vem a ser para ela verdade. Assim, precisamente no trabalho, onde parecia ser apenas um sentido alheio, a consciência, mediante esse reencontrar-se de si por si mesma, vem a ser sentido próprio. Para que haja tal reflexão são necessários os dois momentos; o momento do medo e do serviço em geral, e também o momento do formar; e ambos ao mesmo tempo de uma maneira universal. Sem a disciplina do serviço e da obediência, o medo fica no formal, e não se estende sobre toda a efetividade consciente do ser-aí. Sem o formar, permanece o medo como interior e mudo, e a consciência não vem a ser para ela mesma. Se a consciência se formar sem esse medo absoluto primordial, então será apenas um sentido próprio vazio; pois sua forma ou negatividade não é a negatividade em si, e seu formar, portanto, não lhe pode dar a consciência de si como essência. Se não suportou o medo absoluto, mas somente alguma angústia, a essência negativa ficou sendo para ela algo exterior: sua substância não foi integralmente contaminada por ela. Enquanto todos os conteúdos de sua consciência natural não forem abalados, essa consciência pertence ainda, em si, ao ser determinado. O sentido próprio é obstinação, uma liberdade que ainda permanece no interior da escravidão. Como nesse caso a pura forma não pode tornar-se essência, assim também essa forma, considerada como expansão para além do singular, não pode ser um formar universal, conceito absoluto; mas apenas uma habilidade que domina certa coisa, mas não domina a potência universal e a essência objetiva em sua totalidade. B - LIBERDADE DA CONSCIÊNCIA DE SI: ESTOICISMO, CETICISMO E A CONSCIÊNCIA INFELIZ Para a consciência de si independente, sua essência é somente a pura abstração do Eu. Mas quando essa abstração se cultiva e se outorga diferenças, esse diferenciar não se lhe torna essência objetiva em si essente. Essa consciência de si não se torna, pois, um Eu que se diferencia verdadeiramente em sua simplicidade, ou que permanece igual a si mesmo nessa diferença absoluta. Ao contrário, no formar a consciência recalcada sobre si torna-se objeto para si mesma como forma da coisa formada e ao mesmo tempo contempla no senhor o ser para si como consciência. Porém na consciência escrava, como tal, não coincidem esses dois momentos um com o outro: o de si mesma como objeto independente, e o desse objeto como uma consciência, e, portanto, como sua própria essência. Para nós, ou em si, são a mesma coisa, a forma e o ser para si; e no conceito da consciência independente o ser em si é a consciência; por isso, o lado do ser em si ou da cais idade, que recebia a forma no trabalho, não é outra substância que a consciência. Surgiu, assim, para nós, uma nova figura da consciência de si: uma consciência que é para si mesma a essência como infinitude ou puro movimento da consciência: uma consciência que pensa, ou uma consciência de si livre. Pois é isto o que pensar significa: ser objeto para si não como Eu abstrato, mas como Eu que tem ao mesmo tempo o sentido de ser em si; ou seja: relacionar-se com essência objetiva de modo que ela tenha a significação do ser para si da consciência para a qual ela é. Para o pensar, o objeto não se move em representações ou figuras, mas sim em conceitos, o que significa: num ser em si diferente, que imediatamente para a consciência não é nada diferente dela. O representado, o figurado, o essente como tal, tem a forma de ser algo outro que a consciência; mas um conceito é, ao mesmo tempo, um essente, e essa diferença, enquanto está na consciência mesma, é seu conteúdo determinado; porém por ser tal conteúdo, ao mesmo tempo, algo conceitualizado, ela permanece imediatamente cônscia de sua unidade com esse essente determinado e diferente. Não é como na representação em que a consciência tem ainda de lembrar-se expressamente de que isso é sua representação; ao contrário, o conceito é para mim, imediatamente, meu conceito. No pensar, Eu sou livre; porque não estou em Outro, mas pura e simplesmente fico em mim mesmo, e o objeto, que para mim é a essência, é meu ser para mim, em unidade indivisa; e meu movimento em conceitos é um movimento em mim mesmo. Entretanto, na determinação dessa figura da consciência de si, é essencial reter com firmeza que ela é a consciência pensante, em geral, ou que seu objeto é a unidade imediata do ser em si e do ser para si. A consciência, sua própria homônima, que se repele de si mesma, torna-se para si elemento em si essente; mas, para si, só é esse elemento como essência universal em geral; não como esta essência objetiva no desenvolvimento e no movimento de seu ser multiforme. Como é sabido, chama-se estoicismo essa liberdade da consciência de si, quando surgiu em sua manifestação consciente na história do espírito. Seu princípio é que a consciência é essência pensante e que uma coisa só tem essencialidade, ou só é verdadeira e boa para ela, na medida em que a consciência aí se comporta como essência pensante. O objeto sobre o qual atuam o desejo e o trabalho é a expansão multiforme da vida, diferenciando-se em si mesma: sua singularização e complexificação. Esse agir multiforme se condensou agora na diferença simples que está no puro movimento do pensar. A diferença que tem mais essencialidade não é a diferença que se põe como coisa determinada, ou como consciência de um determinado ser-aí natural, como um sentimento ou como um desejo e fim para esse desejo; quer esse fim seja posto pela consciência própria ou alheia; mas somente a diferença que é pensada, ou que não se diferencia imediatamente de mim. Essa consciência estoica é por isso negativa no que diz respeito à relação de dominação e escravidão. Seu agir não é o do senhor que tem sua verdade no escravo, nem o do escravo que tem sua verdade na vontade do senhor e em seu servir; mas seu agir é livre, no trono como nas cadeias e em toda forma de dependência de seu ser aí singular. Seu agir é conservar-se na impassibilidade que continuamente se retira do movimento do ser-aí, do atuar como do padecer, para a essencialidade simples do pensamento. A obstinação é a liberdade que se apega a uma singularidade e se mantém dentro do âmbito da servidão; o estoicismo porém é a liberdade que imediatamente saindo sempre da servidão retoma à pura universalidade do pensamento. Como forma universal do espírito do mundo, o estoicismo só podia surgir num tempo de medo e de escravidão universais, mas também de cultura universal, que tinha elevado o formar até o nível do pensar. Embora a essência da consciência de si não seja outro que ela; nem a pura abstração do Eu, e sim um Eu que tem nele o ser Outro, mas como diferença pensada, de modo que em seu ser Outro o Eu retomou imediatamente a si; ainda assim a essência dessa consciência de si é ao mesmo tempo apenas uma essência abstrata. A liberdade da consciência de si é indiferente quanto ao ser-aí natural; por isso igualmente o deixou livre, e a reflexão é uma reflexão duplicada. A liberdade no pensamento tem somente o puro pensamento por sua verdade; e verdade sem a implementação da vida. Por isso é ainda só o conceito da liberdade, não a própria liberdade viva. Com efeito, para ela a essência é só o pensar em geral, a forma como tal, que afastando-se da independência das coisas retomou a si mesma. Mas porque a individualidade, como individualidade atuante, deveria representar-se como viva; ou, como individualidade pensante, captar o mundo vivo como um sistema de pensamento; então teria de encontrar-se no pensamento mesmo, para aquela expansão do agir, um conteúdo do que é bom, e para essa expansão do pensamento, um conteúdo do que é verdadeiro. Com isso não haveria absolutamente nenhum outro ingrediente, naquilo que é para a consciência, a não ser o conceito que é a essência. Porém aqui o conceito enquanto abstração, separando-se da multiplicidade variada das coisas, não tem conteúdo nenhum em si mesmo, exceto um conteúdo que lhe é dado. A consciência, quando pensa o conteúdo, o destrói como um ser alheio, sem dúvida; mas o conceito é conceito determinado e justamente essa determinidade é o alheio que o conceito possui nele. O estoicismo portanto caía em perplexidade quando lhe perguntavam, na linguagem de então, sobre o critério da verdade em geral; quer dizer, com mais propriedade, sobre um conteúdo do pensamento mesmo. À pergunta sobre o que era bom e verdadeiro, era dada ainda uma vez como resposta o mesmo pensar sem conteúdo: "é na racionalidade que deve consistir o bem e o verdadeiro". Mas essa igualdade consigo mesmo do pensar é apenas a pura forma na qual nada se determina. Por isso os termos universais do verdadeiro e do bem, da sabedoria e da virtude, onde o estoicismo tem de parar, de certo são geralmente edificantes; mas como de fato não podem chegar a nenhuma expansão do conteúdo, começam logo a produzir tédio. Essa consciência pensante, tal como se determinou, como liberdade abstrata, é portanto somente a negação incompleta do ser Outro; apenas se retirou do ser-aí, para si mesma; e não se levou a cabo como absoluta negação do ser-aí nela. De certo, o conteúdo vale para ela só como pensamento: aliás como pensamento determinado, e ao mesmo tempo como determinidade enquanto tal. O cepticismo é a realização do que o estoicismo era somente o conceito; - e a experiência efetiva do que é a liberdade do pensamento: liberdade que em si é o negativo, e que assim deve apresentar-se. De fato, com a reflexão da consciência de si para dentro do pensamento simples de si mesma, de encontro a essa reflexão caíram fora da infinitude do pensamento o ser-aí independente e a determinidade permanente. Agora, no cepticismo vem a ser explícita para a consciência a total inessencialidade e a não autonomia desse Outro. O pensamento torna-se o pensar consumado, que aniquila o ser do mundo multideterminado; e nessa multiforme figuração da vida, a negatividade da consciência de si livre torna-se a negatividade real. Fica patente que, como o estoicismo corresponde ao conceito da consciência independente, manifestada como relação de dominação e escravidão, assim o cepticismo corresponde à realização da mesma consciência como atitude negativa para com o ser Outro, isto é, ao desejo e ao trabalho. Mas, se o desejo e o trabalho não puderam levar a cabo a negação para a consciência de si, ao contrário, essa atitude polêmica para com a múltipla independência das coisas, terá êxito: já que se volta contra elas como consciência de si livre, previamente implementada em si mesma. Mais precisamente, porque essa atitude tem em si mesma o pensar ou a infinitude, e por isso as independências, conforme suas diferenças, para ela são apenas grandezas evanescentes. As diferenças, que no puro pensar de si mesmo são só abstrações das diferenças, tornam-se aqui todas as diferenças; e todo ser diferente se torna uma diferença da consciência de si. Com isso se determinou o agir do cepticismo em geral, e a maneira desse agir. O cepticismo revela o movimento dialético que são a certeza sensível, a percepção e o entendimento; e também a inessencialidade do que na relação de dominação e de servidão, e do que para o pensamento abstrato vale como algo determinado. Aquela relação abrange ao mesmo tempo, em si, uma maneira determinada, na qual também leis morais são dadas como mandamentos do senhor; porém as determinações no pensamento abstrato são conceitos da ciência, na qual o pensar sem conteúdo se expande, e de uma maneira puramente exterior, de fato, atribui o conceito a um ser independente dele, que constitui seu conteúdo; e só mantém como válidos determinados conceitos, embora sejam também puras abstrações. O dialético, como movimento negativo, tal como é, imediatamente, revela-se de início à consciência como algo a que ela está entregue, e que não é por meio da consciência mesma. Como cepticismo, ao contrário, o movimento dialético é momento da consciência de si - para a qual já não acontece, sem saber como, que desvaneça seu verdadeiro e real. Pois é essa consciência de si que na certeza de sua liberdade faz desvanecer até esse outro que se fazia passar por real; e não só o objetivo como tal: também sua própria relação com ele, na qual vale e é valorizada como objetiva. Assim também faz desvanecer seu perceber, como igualmente seu consolidar do que estava em risco de perder-se: a sofistaria e seu verdadeiro determinado e fixado por sua conta. Mediante essa negação consciente de si, garante a consciência de si para si mesma a certeza de sua própria liberdade: produz a experiência da liberdade, e assim a eleva à verdade. O que desvanece é o determinado ou a diferença que se estabeleça como firme e imutável, de qualquer modo e seja donde for. Nessa diferença nada há de permanente, e deve desvanecer ante o pensar, pois o diferente é justamente isto: não ser em si mesmo, mas ter sua essencialidade só em Outro. Porém o pensar é a penetração nessa natureza do diferente; é a essência negativa como simples. Assim, a consciência de si céptica experimenta, nas vicissitudes de tudo que queria consolidar-se para ela, sua própria liberdade, como dada e mantida para si através de si mesma, ela é essa ataraxia do pensar-se a si mesmo, a imutável e verdadeira certeza de si mesmo. Certeza que não surge de algo alheio, que faça desmoronar dentro de si seu desenvolvimento multiforme, nem surge como um resultado que tivesse seu vir a ser na retaguarda. Ao contrário: a consciência mesma é a absoluta inquietude dialética, essa mescla de representações sensíveis e pensadas, cujas diferenças coincidem e cuja igualdade se dissolve de novo, pois ela mesma é determinidade frente ao desigual. Mas de fato essa consciência justamente aqui, em vez de ser uma consciência igual a si mesma, é apenas uma confusão puramente casual - a vertigem de uma desordem que está sempre se reproduzindo. A consciência céptica é isso para si mesma, já que ela mesma mantém e produz essa confusão movimentada. Assim, ela confessa ser isso: confessa ser uma consciência singular, de todo contingente; uma consciência que é empírica, dirigida para o que não tem para ela realidade nenhuma: obedece àquilo que para ela não é nenhuma essência; faz e leva à efetividade o que para ela não tem verdade nenhuma. Mas como se valoriza dessa maneira, enquanto vida simples, contingente, e de fato animal - uma consciência de si perdida - também, em sentido contrário, volta a transformar-se em consciência de si universal igual a si mesma, por ser a negatividade de toda singularidade e de toda diferença. Dessa igualdade, ou nessa igualdade consigo mesma, recai a consciência naquela contingência e confusão, pois justamente essa negatividade movimentada só tem a ver com o singular e só se ocupa com o contingente. Assim, essa consciência é um desvario inconsciente que oscila para lá e para cá, de um extremo da consciência de si igual a si mesma, ao outro extremo da consciência casual, confusa e desconcertante. Não consegue rejuntar em si esses dois pensamentos de si mesma: ora conhece sua liberdade como elevação sobre toda confusão e casualidade do ser-aí; ora torna a conhecer-se como recaída na inessencialidade e como azáfama em torno dela. Faz desvanecer no seu pensar o conteúdo inessencial; mas exatamente nisso a consciência é algo inessencial: declara o absoluto desvanecer, mas o declarar é; e essa consciência é o desvanecer declarado. Declara a nulidade do ver, ouvir etc., e ela mesma vê, ouve, etc.; declara a nulidade das essências éticas e delas faz as potências de seu proceder. Seu agir e suas palavras se contradizem sempre; e desse modo, ela mesma tem uma dupla consciência contraditória da imutabilidade e igualdade; e da completa contingência e desigualdade consigo mesma. Mas mantém os termos dessa contradição separados um do outro, e se comporta nisso como no seu movimento puramente negativo em geral. Se lhe indicam a igualdade, ela indica a desigualdade e quando se lhe objeta essa desigualdade que acaba de declarar, passa adiante para declarar a igualdade. Seu falatório é, de fato, uma discussão entre rapazes teimosos: um diz A quando o outro diz B, e diz B quando o outro diz A: e assim cada um, à custa da contradição consigo mesmo, se paga a alegria de ficar sempre em contradição com o outro. No cepticismo a consciência se experimenta em verdade como consciência em si mesma contraditória; e dessa experiência surge uma nova figura que rejunta os dois momentos que o cepticismo mantém separados. A falta de pensamento do cepticismo a respeito de si mesmo tem de desvanecer porque de fato é uma consciência que tem nela essas duas modalidades. Essa nova figura é portanto uma figura que para si é a consciência duplicada de si como libertando-se, imutável e igual a si mesma. É a consciência de si como absolutamente confundindo-se e invertendo-se; e como consciência dessa sua contradição. No estoicismo, a consciência de si é a simples liberdade de si mesmo. No cepticismo, essa liberdade se realiza, aniquila o outro lado do ser-aí determinado; aliás, melhor dito, se duplica, e agora é para si mesma algo duplo. Desse modo, a duplicação que antes se repartia entre dois singulares - o senhor e o escravo - retoma à unidade; e assim está presente a duplicação da consciência de si em si mesma, que é essencial no conceito do espírito. Mas não está ainda presente a sua unidade, e a consciência infeliz é a consciência de si como essência duplicada e somente contraditória. A CONSCIÊNCIA INFELIZ Essa consciência infeliz, cindida dentro de si, já que essa contradição de sua essência é, para ela, uma consciência, deve ter numa consciência sempre também a outra; de tal maneira que é desalojada imediatamente de cada uma quando pensa ter chegado à vitória e à quietude da unidade. Mas seu verdadeiro retorno a si mesma, ou a reconciliação consigo, representará o conceito do espírito que se tornou um ser vivo e entrou na esfera da existência; porque nela mesma como uma consciência indivisa já é ao mesmo tempo uma consciência duplicada. Ela mesma é o intuir de uma consciência de si numa outra; e ela mesma é ambas, e a unidade de ambas é também para ela a essência. Contudo para si, ainda não é a essência mesma; ainda não é a unidade das duas. Por ser ela inicialmente apenas a unidade imediata das duas consciências de si, mas não serem as duas para ela a mesma consciência, e sim consciências opostas -, então, para essa consciência infeliz uma é como essência, a saber, a consciência simples e imutável; mas a outra, mutável de várias formas, é como o inessencial. Para ela, as duas são essências alheias uma à outra. Ela mesma, por ser a consciência dessa contradição, se põe do lado da consciência mutável, e é para si o inessencial. Mas como consciência da imutabilidade ou da essência simples, deve ao mesmo tempo proceder a libertar-se do inessencial, quer dizer, libertar-se de si mesma. Pois, embora seja de fato para si exclusivamente consciência mutável, e o imutável lhe seja algo alheio, ela mesma é consciência simples, e portanto imutável; por isso está cônscia dessa consciência imutável como sendo sua essência, mas de tal modo que de novo ela mesma para si não é essa essência. Por conseguinte, a posição que atribui às duas consciências não pode ser uma indiferença recíproca, quer dizer, uma indiferença de si mesma para com o Imutável; mas ela é imediatamente ambas as consciências; a relação entre ambas é, para ela, como uma relação da essência para com a inescência, de sorte que essa última deve ser suprassumida. Mas enquanto as duas consciências são igualmente essenciais e contraditórias, ela é somente o movimento contraditório, onde o contrário não chega ao repouso em seu contrário, mas nele se reproduz somente como contrário. Uma luta se trava, assim, com um inimigo contra o qual a vitória é, antes, uma capitulação; ter alcançado um dos contrários é, antes, a sua perda em seu contrário. A consciência da vida, de seu ser-aí e de seu operar, é somente a dor em relação a esse ser-aí e operar, pois nisso só possui a consciência de seu contrário como sendo a essência, e a consciência da própria nulidade. Daí parte na ascensão rumo ao Imutável. Mas tal ascensão é essa consciência mesma, e portanto, imediatamente, a consciência do contrário; isto é, de si mesma como singularidade. O Imutável que entra na consciência é, por isto mesmo, tocado igualmente pela singularidade, e só se faz presente junto com ela. E a singularidade, em vez de ter sido eliminada na consciência do Imutável, somente reponta ali sempre de novo. Mas nesse movimento a consciência experimenta justamente o surgir da singularidade no Imutável e do Imutável na singularidade. Para ela, a singularidade em geral vem a ser na essência imutável, e ao mesmo tempo sua própria singularidade nela. Porque a verdade desse movimento é precisamente o ser-uno dessa consciência duplicada. Essa unidade vem a ser para ela, mas primeiro, como uma unidade tal em que o dominante é ainda a diversidade dos dois termos. Assim, para essa consciência, a singularidade se encontra vinculada ao Imutável de um modo tríplice: 1° - ela mesma reponta de novo para si como oposta à essência imutável, e é recambiada ao início da luta, que permanece o elemento da relação em seu todo. 2° - O próprio Imutável tem nele a singularidade para a consciência, de maneira que a singularidade é figura do Imutável, que se encontra por isso revestido de toda a modalidade da existência. 3° - A consciência encontra a si mesma como este singular no Imutável. O primeiro Imutável é para a consciência apenas a essência alheia que condena a singularidade; e enquanto o segundo Imutável é uma figura da singularidade, com a consciência mesma, eis que no terceiro Imutável a consciência vem a ser espírito, tem a alegria de ali se encontrar a si mesma e se torna consciente de ter reconciliado sua singularidade com o universal. O que se apresenta aqui como modalidade e relação do Imutável resultou como a experiência que a consciência cindida faz em sua infelicidade. Ora, tal experiência não é, de certo, movimento unilateral seu, pois ela mesma é consciência imutável e por isso, ao mesmo tempo, consciência singular também; e o movimento é igualmente movimento da consciência imutável que nele reponta tanto quanto a singular. Com efeito, este movimento percorre os seguintes momentos: 1º - o Imutável é oposto à singularidade em geral. 2º - o Imutável é um singular oposto a outro singular. 3º - o Imutável, enfim, é um só com o singular. Entretanto, essa consideração, no que nos concerne, é aqui intempestiva; pois até agora a imutabilidade só surgiu como imutabilidade da consciência que portanto não é a verdadeira, mas ainda está afetada por uma oposição. Ainda não surgiu o Imutável tal como é em si e para si mesmo; não sabemos, pois, como ele se comportará. Até agora o que resultou foi apenas isto: para a consciência, que é aqui nosso objeto, estas determinações indicadas se manifestam no Imutável. Por esta razão, a consciência imutável conserva também em sua própria figuração o caráter e os traços fundamentais do ser-cindido e do ser para si, frente à consciência singular. Portanto, em geral, é apenas um acontecer para esta consciência, que o Imutável adquira a figura da singularidade. Também a consciência singular somente se encontra oposta a ele, e assim tem essa relação pela própria natureza. Encontrar-se enfim no Imutável lhe aparece, em parte, como produzido por ela mesma - ou ter ocorrido porque ela mesma é singular. Mas de outra parte, essa unidade com o Imutável lhe aparece como pertencendo ao Imutável, quanto à sua existência; e a oposição permanece nessa unidade mesma. De fato, através da figuração do Imutável, o momento do além não só permanece mas ainda se reforça; pois, se pela figura da efetividade singular parece de um lado achegar-se mais à consciência singular, de outro lado está frente a ela como um opaco Uno sensível, com toda a rigidez de um Efetivo. A esperança de tornar-se um com ele tem de ficar na esperança, isto é, sem implementação e sem presença. Com efeito, entre a esperança e sua implementação se interpõe, precisamente, a absoluta casualidade, ou a imóvel indiferença que reside na figuração mesma que fundamenta a esperança. Por força da natureza do Uno essente, pela efetividade de que se revestiu, ocorre necessariamente que no tempo se tenha desvanecido; e no espaço, haja sucedido longe, e absolutamente longe permaneça. Se no início o conceito simples da consciência cindida se determinava por seu empenho em suprassumir essa consciência enquanto singular para tornar-se consciência imutável, agora seu esforço tem por determinação suprassumir sua relação para com o puro Imutável não figurado, e somente se permitir a relação com o Imutável figurado. Com efeito: agora, para essa consciência, o ser um do singular com o Imutável é essência e objeto; como no conceito, o objeto essencial era o imutável abstrato e sem figura. Agora, o que tem de evitar é essa situação do absoluto ser-cindido do conceito. Mas essa consciência deve elevar ao absoluto vir a ser um sua relação inicialmente exterior com o Imutável figurado como sendo uma efetividade alheia. O movimento no qual a consciência inessencial se esforça por atingir esse ser um é também um movimento tríplice, conforme a tríplice relação que terá com seu Além configurado: 1º - como pura consciência; 2º - como essência singular que se comporta ante a efetividade como desejo e trabalho; 3º - como consciência de seu ser para si. Vejamos agora como essas três modalidades de seu ser estão presentes e determinadas naquela relação universal. Primeiro, se a consciência inessencial for, pois, considerada como consciência pura, nesse caso o Imutável figurado, enquanto é para a consciência pura, parece posto tal como é em si e para si mesmo. Só que o Imutável ainda não surgiu como é em e para si, como já foi dito. Isso de estar na consciência tal como é em si e para si mesmo deveria partir mais dele que da consciência; mas aqui sua presença só ocorre unilateralmente, por meio da consciência. E justamente por isso não é perfeita e verdadeira, mas permanece onerada de imperfeição - ou de uma oposição. Embora a consciência infeliz não possua tal presença, está ao mesmo tempo acima do puro pensar: seja do puro pensar do estoicismo, que faz abstração da singularidade em geral; seja do puro pensar do cepticismo, que é somente inquieto, e de fato é apenas a singularidade, como contradição sem consciência e movimento sem descanso. A consciência infeliz ultrapassa esses dois momentos: reúne e mantém unidos o puro pensar e a singularidade, porém não se elevou ainda àquele pensar para o qual a singularidade da consciência se reconciliou com o puro pensar mesmo. Está, antes, nesse meio-termo onde o pensar abstrato entra em contato com a singularidade da consciência como singularidade. Ela mesma é esse contacto: é a unidade do puro pensar e da singularidade. Também para ela é essa singularidade pensante ou o puro pensar, e o Imutável mesmo é essencialmente como singularidade. No entanto, não é para ela que esse seu objeto, o Imutável - que tem para ela essencialmente a figura da singularidade, - é ela mesma. Ela mesma, que é a singularidade da consciência. Nesta primeira modalidade, em que a tratamos como pura consciência, a consciência infeliz não se relaciona com seu objeto como pensante; embora seja em si pura singularidade pensante, a relação mútua entre eles não é puro pensar. A consciência, por assim dizer, apenas caminha na direção do pensar e é fervor devoto. Seu pensamento, sendo tal, fica em um informe badalar de sinos, ou emanação de cálidos vapores; um pensar musical que não chega ao conceito, o qual seria a única modalidade objetiva imanente. Sem dúvida, seu objeto virá ao encontro desse sentimento interior puro e infinito, mas não se apresentará como conceitual; surgirá pois como algo estranho. Está presente, assim, o movimento interior da alma pura, que se sente a si mesma, mas se sente doloridamente, como cisão. Movimento de uma nostalgia infinita, que tem a certeza que sua essência é aquela alma pura, puro pensar que se pensa como singularidade; e a certeza de ser conhecida e reconhecida por aquele objeto, porquanto ele se pensa como singularidade. Mas, ao mesmo tempo, essa essência é o Além inatingível, que foge quando abraçado, ou melhor, já fugiu. Já fugiu, pois de um lado é o Imutável que se pensa como singularidade, e assim a consciência nele alcança imediatamente a si mesma; a si mesma, mas como o oposto do Imutável. Em vez de captar a essência, apenas a sente, e caiu de volta em si mesma; como no ato de atingir não pode manter-se à distância como este oposto, em lugar de atingir a essência só captou a inessencialidade. Como de um lado, enquanto se esforça por atingir a si mesma na essência, só apreende sua própria efetividade separada, assim, de outro lado, não pode apreender o Outro como algo singular ou efetivo. Onde é procurado, não pode ser encontrado; pois deve justamente ser um Além, algo tal que não se pode encontrar. Buscado como singular, ele não é uma singularidade pensada universal; não é conceito, mas é singular como objeto ou como algo efetivo: objeto da certeza sensível imediata, e por isso mesmo é somente uma coisa tal que desvaneceu. Portanto, para a consciência, só pode fazer-se presente o sepulcro de sua vida. Mas, porque o próprio sepulcro é uma efetividade, e é contra a sua natureza manter uma posse duradoura, assim também essa presença do sepulcro é somente a luta de um esforço que tem de fracassar. Só que, ao fazer essa experiência - de que o sepulcro de sua essência imutável efetiva não tem nenhuma efetividade, e de que a singularidade evanescente, enquanto evanescente, não é a verdadeira singularidade -, a consciência renunciará a buscar a singularidade imutável como efetiva, ou a fixá-la como evanescente; e só assim está apta a encontrar a singularidade como verdadeira, ou como universal. Mas antes de tudo, o retorno da alma a si mesma deve tomar-se no sentido de que, para si, a alma tem efetividade enquanto ser singular. Para nós, ou em si, foi a pura alma que se encontrou, e em si mesma se saciou; pois embora para ela, em seu sentimento, a essência esteja dela separada, este sentimento é, em si, sentimento de si. Sentiu o objeto de seu puro sentir, e esse objeto é ela mesma; assim surge aqui como sentimento de si, ou como algo efetivo para si essente. Para nós, nesse retorno a si mesma, veio a ser sua segunda relação, a do desejo e do trabalho, que garante à consciência a certeza interior de si mesma, a qual - para nós - conseguiu mediante o suprassumir e o gozar da essência alheia; isto é: dessa mesma essência sob a forma de coisas independentes. Mas a consciência infeliz só se encontra como desejosa e trabalhadora. Para ela, não ocorre que encontrar-se assim tem por base a certeza interior de si mesma; e que seu sentimento da essência é esse sentimento de si. Enquanto não tem para si mesma essa certeza, seu interior permanece ainda a certeza cindida, de si mesma. A confirmação que através do trabalho e do gozo poderia obter, é por isso uma certeza igualmente cindida. Quer dizer: a consciência deveria, antes, aniquilar para si tal confirmação; de modo que, embora essa confirmação nela se encontre, seja só a confirmação do que é para si: a saber, a confirmação de sua cisão. Para essa consciência, a efetividade, contra a qual se volta o desejo e o trabalho, já não é uma nulidade em si, que ela apenas deva suprassumir e consumir. É uma efetividade cindida em dois pedaços, tal como a própria consciência: só por um lado é em si nula; mas pelo outro lado é um mundo consagrado, a figura do Imutável. Com efeito, esse assumiu em si a singularidade, e por ser universal enquanto é o Imutável, em geral sua singularidade tem a significação de toda efetividade. Se a consciência fosse, para si, consciência independente, e se para ela a efetividade fosse nula em si e para si, então no trabalho e no gozo chegaria ao sentimento de sua independência; e isso porque seria ela mesma que suprassumiria sua efetividade. Só que, sendo essa figura do Imutável para ela, não seria capaz de suprassumi-la por si mesma. Mas como chega, sem dúvida, à aniquilação da efetividade e ao gozo, isso lhe pode acontecer essencialmente porque o Imutável mesmo lhe abandona sua figura e lhe cede para seu gozo. De seu lado, a consciência surge aqui igualmente como algo efetivo, mas também como cindida interiormente. Essa cisão se apresenta em seu trabalhar e gozar por cindir-se em uma relação para com a efetividade - ou o ser para si - e em um ser em si. Aquela relação para com a efetividade é o alterar ou agir seja é o ser para si que pertence à consciência singular como tal. Mas nisso ela é também em si; esse lado pertence ao Além imutável: são as faculdades e as forças - um dom alheio que o Imutável concede igualmente à consciência para que dele goze. Em seu agir, portanto, a consciência está inicialmente na relação de dois extremos: mantém-se, de lado, como o aquém ativo, e frente a ela está a efetividade passiva. Ambos em relação recíproca, mas também ambos retrotraidos para dentro do Imutável e fixados em si. Dos dois lados se desprende mutuamente uma superfície apenas, que entra no jogo do movimento contra a outra. O extremo da efetividade é suprassumido mediante o extremo ativo. Mas, por seu lado, a efetividade só pode ser suprassumida porque sua essência imutável a suprassume; se repele de si, e abandona à atividade o que repeliu. A força ativa se manifesta como a potência em que a efetividade se dissolve; mas já que para essa consciência o Em si ou a essência é outro que ela, essa potência - sob a forma da qual emerge para a atividade - é para ela o Além de si mesma. Assim, em vez de retomar a si mesma a partir de seu agir, e de se ter comprovado para si mesma, a consciência antes reflete de volta esse movimento do agir no outro extremo; que por isso é apresentado como puro universal, como a potência absoluta da qual procede o movimento para todos os lados; e que é tanto a essência dos extremos que se rompem - como inicialmente apareceram - quanto a essência da mudança mesma. Porque a consciência imutável renuncia à sua figura e a oferece como dom, em troca a consciência singular dá graças. Quer dizer: se nega a satisfação da consciência de sua independência, e transfere a essência de seu agir de si para o além. De qualquer modo, através desses dois momentos do abandonar-se recíproco de ambas as partes, surge para a consciência a sua unidade com o Imutável. Só que essa unidade é ao mesmo tempo afetada de separação, e cindida de novo em si mesma: e mais uma vez ressalta dela a oposição entre o universal e o singular. Portanto, embora a consciência renuncie na aparência à satisfação de seu sentimento de si, ela assim mesmo alcança a satisfação efetiva desse sentimento; pois ela foi desejo, trabalho e gozo, e como consciência ela quis, agiu e gozou. Sua ação de graças, na qual reconhece o outro extremo como essência, e se suprassume - é igualmente seu próprio agir; que contrabalança o agir do outro extremo, e opõe ao benefício, que faz dom de si, um agir equivalente. Se aquele extremo lhe concede sua superfície, a consciência, todavia, dá graças, e com isso, ao renunciar a seu próprio agir - quer dizer, à sua essência mesma -, propriamente faz mais que o outro, que de si desprende uma superfície apenas. O movimento completo se reflete pois no extremo da singularidade; não somente no efetivo desejar, trabalhar e gozar, mas até mesmo no dar graças - em que parece acontecer o contrário. A consciência se sente aí como este singular que não se deixa iludir pela aparência de sua renúncia, pois sua verdade é que a consciência não renunciou a si. O que se efetuou foi apenas a dupla reflexão de dois extremos, e o resultado é a ruptura reiterada na consciência oposta do Imutável, e na consciência dos momentos que a defrontam, do querer, do implementar, do gozar e da própria renúncia a si mesma; ou seja, na consciência da singularidade para si essente, em geral. Deste modo se produziu a terceira relação do movimento dessa consciência que surge da segunda, como uma consciência tal que em verdade se comprovou como independente em seu querer e implementar. Na primeira relação era somente o conceito da consciência efetiva, ou a alma interior, que ainda não era efetiva no agir e no gozo. A segunda relação é essa efetivação como agir e gozar exteriores; mas a consciência que retoma dessa posição é uma consciência que se experimentou como efetiva e efetivante: uma consciência para a qual ser em si e para si é verdadeiro. Aqui porém o inimigo é agora descoberto na sua figura mais peculiar. Na luta da alma, a consciência singular só está como momento musical, abstrato; no trabalho e no gozo, como realização desse ser sem essência, a consciência pode se esquecer, imediatamente; e nessa efetividade, a peculiaridade consciente é prosternada pelo reconhecimento da ação de graças. Mas, na verdade, essa prostração é um retorno da consciência a si mesma; na verdade, a si mesma como à sua efetividade verdadeira. Essa terceira relação, na qual essa verdadeira efetividade constitui um dos extremos, é a relação dela - enquanto nulidade - com a essência universal. Resta a considerar ainda o movimento desta relação. De início, no que concerne à relação oposta da consciência, como ali sua realidade é para ela imediatamente o nulo, assim também seu agir efetivo se torna um agir de nada, e seu gozo se torna sentimento de sua infelicidade. Por isso, agir e gozo perdem todo conteúdo e sentido universais - pois assim teriam um ser em si e para si; e ambos se retiram à sua singularidade, à qual a consciência está dirigida para suprassumi-la. Nas funções animais, a consciência é cônscia de si como este singular efetivo. Essas funções, em vez de se realizarem descontraidamente, como algo que é nulo em si e para si - e que para o espírito não pode alcançar nenhuma importância nem essencialidade -, são antes objeto de séria preocupação, e se tornam mesmo o que há de mais importante, pois é nelas que o inimigo se manifesta em sua figura característica. Mas como esse inimigo se produz em sua própria derrota, a consciência ao fixá-lo a si, em vez de libertar-se, fica sempre detida nele; e se vê sempre poluída. Ao mesmo tempo, esse conteúdo de seu zelo, em lugar de ser algo essencial, é o mais vil; em vez de ser algo universal, é o mais singular; assim nos deparamos com uma personalidade só restringi da a si mesma e a seu agir mesquinho, recurvada sobre si; tão infeliz quanto miserável. Mas, ao sentimento de sua infelicidade e à miséria de seu agir, junta-se a ambos também a consciência de sua unidade com o imutável. Com efeito: essa tentativa de aniquilação imediata de seu ser efetivo é mediada pelo pensamento do Imutável, e ocorre nessa relação. A relação mediata constitui a essência do movimento negativo, no qual a consciência se dirige contra a sua singularidade que, no entanto, como relação em si é positiva, e vai produzir para essa consciência mesma sua unidade. Por isso, essa relação mediata é um silogismo, em que a singularidade - inicialmente fixada como oposta ao Em si - só mediante um terceiro termo é concluída com esse outro extremo. Através deste meio-termo, o extremo da consciência imutável é para a consciência inessencial; o que implica, também, que ela só pode ser para a consciência imutável através desse meio-termo. Esse meio-termo, portanto, é tal que representa os dois extremos, um para o outro, e é ministro recíproco de cada um junto do outro. Esse meio-termo é, por sua vez, uma essência consciente, pois é um agir que mediatiza a consciência enquanto tal; o conteúdo desse agir é o aniquilamento - que a consciência empreende - de sua singularidade. Assim, nesse meio-termo, a consciência se liberta do agir e do gozo como seus. Repele de si, como extremo para si essente, a essência do seu querer, e lança sobre o meio-termo, ou o ministro, a peculiaridade e a liberdade da decisão, e, com isto, a culpa de seu agir. Esse mediador, enquanto está em relação imediata com a essência imutável, desempenha seu ministério aconselhando sobre o que é justo. A ação, enquanto é seguimento de uma decisão alheia, deixa de ser própria, segundo o lado do agir ou do querer. Mas resta ainda à consciência inessencial o lado objetivo da ação, a saber: o fruto de seu trabalho e o gozo. Assim, repele de si isso também; e como renuncia à vontade própria, renuncia igualmente à efetividade consegui da no trabalho e no gozo. Renuncia à efetividade 1- em parte como à verdade alcançada de sua independência cônscia de si - enquanto a consciência se põe a fazer algo totalmente estranho: ritual que se move em representações e fala linguagem sem sentido; 2- em parte, como à propriedade exterior - enquanto abre mão do que possuía, que ganhara pelo trabalho; 3- em parte, como ao gozo possuído - enquanto no jejum e na mortificação torna-o de novo totalmente proibido para si. Através destes momentos - do renunciar à própria decisão, e depois à propriedade e ao gozo, e, enfim, através do momento positivo em que a consciência se põe a fazer algo que não compreende - ela se priva, em verdade e cabalmente, da consciência da liberdade interior e exterior, e da efetividade como seu ser para si. Tem a certeza de se ter extrusado verdadeiramente de seu Eu, e de ter feito de sua consciência de si imediata uma coisa, um ser objetivo. Só mediante esse sacrifício efetivo a consciência podia dar provas de sua renúncia a si mesma; porque só assim desvanece a fraude que se aloja no reconhecimento interior da ação de graças por meio do coração, da intenção e da boca - um reconhecimento que afasta de si toda a potência do ser para si e a atribui a um dom do alto. Mas até nesse afastar conserva para si a particularidade exterior na posse, que não abandona, e a particularidade interior na consciência da decisão que ela mesma toma, e na consciência do conteúdo dessa decisão determinada por ela; conteúdo que não trocou por outro conteúdo alheio que a preenchesse sem a menor significação. Entretanto, neste sacrifício efetivamente consumado, a consciência, como suprassumiu o agir enquanto seu, assim também em si desprendeu dela sua infelicidade. Que tal desprender tenha ocorrido em si é contudo um agir do outro extremo do silogismo, que é o extremo da essência em si essente. Aliás, esse sacrifício do extremo inessencial não era ao mesmo tempo um agir unilateral, mas continha em si o agir do Outro. Porque o renunciar à vontade própria, só por um lado é negativo: segundo seu conceito, ou em si. Mas ao mesmo tempo, é positivo, quer dizer: é pôr a vontade como Outro, e, determinadamente, pôr a vontade como um não singular, e sim como um universal. Para essa consciência, o significado positivo da vontade singular negativamente posta é a vontade do outro extremo; que, justamente por ser Outro para ela, não vem a ser através de si, mas por meio de um terceiro: do mediador, como conselho. Para ela, portanto, sua vontade vem a ser de fato vontade universal e em si essente; mas ela mesma não é para si este Em si. A renúncia de sua vontade, como singular, não é para ela segundo o conceito, o positivo da vontade universal. Igualmente, sua renúncia à posse e ao gozo tem somente o mesmo significado negativo; e o universal, que para ela vem a ser nesse processo, não é para ela seu próprio agir. Essa unidade do objetivo e do ser para si, que há no conceito do agir - e que por isso vem a ser para a consciência a essência e o objeto - essa unidade por não ser para a consciência o conceito de seu agir, tampouco vem a ser como objeto, imediatamente para ela e por meio dela. Porém faz que pelo ministro mediador se exprima esta certeza ainda cindida - de que somente em si sua infelicidade é o avesso, isto é, um agir que se satisfaz a si mesmo em seu agir, ou seja: um gozo bem-aventurado. Igualmente seu agir miserável é em si o avesso, isto é, o agir absoluto: segundo o conceito, o agir, só como agir do singular, é agir em geral. Mas, para ela mesma, o agir, e seu agir efetivo, continua sendo um agir miserável; seu gozo, dor; e o ser suprassumido dessa dor, no sentido positivo, um além. Contudo, nesse objeto - em que seu agir e seu ser, enquanto desta consciência singular, são para ela ser e agir em si -, a representação da razão veio a ser para ela: a certeza de ser a consciência em sua singularidade, absolutamente em si; ou de ser toda a realidade. V Certeza e verdade da razão No pensamento que captou - de que a consciência singular é em si a essência absoluta -, a consciência retoma a si mesma. Para a consciência infeliz o ser em si é o além dela mesma. Porém seu movimento nela implementou isto: a singularidade em seu completo desenvolvimento, ou a singularidade que é a consciência efetiva, como o negativo de si mesma; quer dizer, como um Extremo objetivo. Em outras palavras: arrancou de si seu ser para si e fez dele um ser. Nesse processo veio a ser também para a consciência sua unidade com esse universal. Unidade que para nós não incide mais fora dela - já que o singular suprassumido é o universal. E como a consciência se conserva a si mesma em sua negatividade, essa unidade constitui na consciência como tal a sua essência; No silogismo em que os extremos se apresentam como absolutamente segregados um do outro, sua verdade é o que aparece como meio-termo - anunciando à consciência imutável que o singular fez renúncia de si, e anunciando ao singular que o Imutável já não é um extremo para ele, pois com ele se reconciliou. Esse meio-termo é a unidade que sabe imediatamente os dois extremos e os põe em relação mútua, e que é a consciência dessa unidade; que enuncia à consciência - e portanto a si mesma - a certeza de ser toda a verdade. Porque a consciência de si é razão, sua atitude, até agora negativa frente ao ser Outro, se converte numa atitude positiva. Até agora, só se preocupava com sua independência e sua liberdade, a fim de salvar-se e conservar-se para si mesma, às custas do mundo ou de sua própria efetividade, já que ambos lhe pareciam o negativo de sua essência. Mas como razão, segura de si mesma, a consciência de si encontrou a paz em relação a ambos; e pode suportá-los, pois está certa de si mesma como sendo a realidade, ou seja, está certa de que toda a efetividade não é outra coisa que ela. Seu pensar é imediatamente, ele mesmo, a efetividade; assim, comporta-se em relação a ela como idealismo. Para ela, quando assim se apreende, é como se o mundo lhe viesse a ser pela primeira vez. Antes, não entendia o mundo: só o desejava e o trabalhava. Retirava-se dele recolhendo-se a si mesma, e o abolia para si, e a si mesma abolia como consciência: como consciência desse mundo enquanto essência e também como consciência da nulidade dele. Só agora - depois que perdeu o sepulcro de sua verdade e que aboliu a abolição de sua efetividade, e quando para ela a singularidade da consciência é em si a essência absoluta - descobre o mundo como seu novo mundo efetivo. Agora tem interesse no permanecer desse mundo, como antes tinha somente no seu desvanecer; pois seu subsistir se lhe torna sua própria verdade e presença. A consciência tem a certeza de que só a si experimenta no mundo. A razão é a certeza da consciência de ser toda a realidade: assim enuncia o idealismo o conceito da razão. Do mesmo modo que a consciência que vem à cena como razão tem em si essa certeza imediatamente, assim também o idealismo a enuncia de forma imediata: Eu sou Eu, no sentido de que o Eu para mim é objeto. Não no sentido de objeto da consciência de si em geral- que seria apenas um objeto vazio em geral; nem de objeto da consciência de si livre -, que seria somente um objeto retirado dos outros, que ainda são válidos ao lado dele; mas sim no sentido de que o Eu é objeto, com a consciência do não ser de qualquer outro objeto: é o objeto único, é toda a realidade e presença. Porém, a consciência de si não é toda a realidade somente para si, mas também em si: porque se torna essa realidade, ou antes, porque se demonstra como tal. Assim se demonstra através do caminho, no curso do qual o ser Outro, como em si, desvanece para a consciência: primeiro, no movimento dialético do visar, do perceber e do entendimento. Demonstra-se depois, no movimento através da independência da consciência, na dominação e escravidão; através do pensamento da liberdade do estoicismo, da libertação céptica e da luta de libertação absoluta da consciência cindida em si mesma; movimento em que o ser Outro desvanece para a consciência enquanto é somente para ela. Dois lados se apresentavam, um depois do outro: num a essência, ou o verdadeiro, tinha para a consciência a determinidade do ser; no outro, a determinidade de ser só para ela. Mas ambos os lados se reduziam a uma verdade única, a saber: - ou o Em si - somente é, enquanto é para a consciência; e o que é para ela, é também em si. A consciência, que é tal verdade, deixou para trás esse caminho e o esqueceu, ao surgir imediatamente, como razão; ou seja, essa razão, que surge imediatamente, surge apenas como certeza daquela verdade. Assevera somente que é toda a realidade, mas não conceitua sua asserção; ora, aquele caminho esquecido é o conceituar dessa asserção expressa de modo imediato. Igualmente, para quem não fez tal caminho, essa asserção é inconcebível quando a escuta nessa sua forma pura - pois numa forma concreta bem que faz essa asserção. Por conseguinte o idealismo, que começa por tal asserção sem mostrar aquele caminho, é por isso também pura asserção que não se concebe a si mesma; nem se pode fazer concebível a outros. Enuncia uma certeza imediata, contra a qual se mantêm firmes outras certezas imediatas, mas que foram perdidas naquele caminho. É portanto com igual direito que ao lado da asserção daquela certeza tomam também lugar as asserções dessas outras certezas. A razão apela para a consciência de si de cada consciência: Eu sou Eu; o Eu é meu objeto e minha essência, e nenhuma lhe negará essa verdade. Porém, ao fundar a verdade sobre esse apelo, sanciona a verdade da outra certeza, a saber: há para mim Outro; Outro que Eu é para mim objeto e essência; quando Eu sou para mim objeto e essência, sou isso apenas enquanto Eu me retiro do Outro, em geral, e tomo lugar ao lado dele como uma efetividade. Somente quando a razão surge como reflexão a partir dessa certeza oposta é que surge sua afirmação de si, não mais apenas como certeza e asserção, mas como verdade; e não ao lado de outras verdades, mas como a única verdade. O imediato surgir da verdade é a abstração de seu ser-presente, cuja essência e ser em si é o conceito absoluto - quer dizer, o movimento de seu ser que veio a ser. A consciência vai determinar sua relação ao ser Outro ou a seu objeto, de maneiras diversas, conforme a etapa, em que ela se encontre, do espírito do mundo que se torna consciente de si. O modo como o espírito do mundo em cada caso imediatamente encontra e determina a si mesmo e a seu objeto - ou como ele é para si - isso depende do que já veio a ser, ou do que já é em si. A razão é a certeza de ser toda a realidade. Mas esse Em si ou essa realidade é, ainda, um absolutamente universal: é a pura abstração da realidade. É a primeira positividade que a consciência de si, em si mesma, é para si: e o Eu, portanto, é apenas a pura essencialidade do essente, ou a categoria simples. Antes, a categoria tinha a significação de ser a essencialidade do essente, de modo indeterminado, quer essencialidade do essente em geral, quer do essente em contraste com a consciência. Mas agora, a categoria é essencialidade ou unidade simples do essente enquanto efetividade pensante. Ou ainda: a categoria significa que consciência de si e ser são a mesma essência - a mesma, não na comparação, mas em si e para si. Só o mau idealismo unilateral faz essa unidade reaparecer de um lado como consciência, e frente a frente com ela um Em si. Agora, essa categoria ou essa unidade simples da consciência de si e do ser tem contudo em si a diferença, pois sua essência é precisamente isto: ser imediatamente igual a si mesma no ser Outro, ou na diferença absoluta. Portanto, a diferença é; mas perfeitamente transparente, e como uma diferença que ao mesmo tempo não é diferença nenhuma. A diferença manifesta-se como uma multiplicidade de categorias. O idealismo enuncia a unidade simples da consciência como sendo toda a realidade, e faz dela imediatamente a essência, sem tê-la conceituado como essência absolutamente negativa. Ora, somente esta última tem em si a negação, a determinidade e a diferença. Mas isso que o idealismo propõe é inconcebível; e mais inconcebível ainda é que haja na categoria diferenças ou espécies. Essa asserção em geral, como aliás a asserção de um número determinado de espécies da categoria, é uma nova asserção. Essa porém implica em si mesma que não se deve mais aceitá-la como asserção. Com efeito, a diferença tem seu princípio no puro Eu, no puro entendimento mesmo. Desse modo, com isso se admite que a imediatez, o asseverar e o encontrar são abandonados, e que o conceber principia. Contudo, admitir a multiplicidade de categorias de uma maneira qualquer - por exemplo, a partir dos juízos - como um achado, e fazer passar por boas as categorias assim encontradas, isso deve ser considerado como um ultraje à ciência. Onde é que o entendimento poderia mostrar uma necessidade, se é incapaz de mostrá-la em si mesmo, que é a necessidade pura? Porque agora pertence desse modo à razão a pura essencialidade das coisas como também sua diferença, não se poderia mais falar de coisas propriamente ditas, isto é, uma coisa que seria para a consciência somente o negativo de si mesma. Pois as múltiplas categorias são espécies da categoria pura - o que significa: ela é ainda seu gênero ou essência, e não se lhes opõe. Mas elas já são algo ambíguo, que na sua multiplicidade tem ao mesmo tempo em si o ser Outro, em oposição à categoria pura; de fato, elas a contradizem por essa multiplicidade, e a unidade pura deve suprassumir em si tal multiplicidade, constituindo-se desse modo em unidade negativa das diferenças. Porém, como unidade negativa, exclui de si tanto as diferenças como tais, quanto essa primeira unidade pura e imediata como tal; é a singularidade, uma nova categoria que é consciência excludente, quer dizer, consciência para a qual há Outro. A singularidade é sua própria passagem, de seu conceito a uma realidade exterior: é o esquema puro, que tanto é consciência como, por isso mesmo - enquanto singularidade e Uno excludente -, é o aludir a outro. No entanto, esse Outro de tal categoria são apenas as outras primeiras categorias, a saber: a essencialidade pura e a diferença pura; e nessa categoria - isto é, precisamente no Ser-posto do Outro - ou nesse Outro mesmo, a consciência é igualmente ela mesma. Cada um desses momentos diversos remete a outro, mas ao mesmo tempo sem que neles chegue a nenhum ser Outro. A categoria pura remete às espécies que passam à categoria negativa ou à singularidade; essa última remete, por sua vez, àquelas. A categoria mesma é a consciência pura que permanece para si em cada espécie, como essa unidade clara consigo mesma - uma unidade porém que igualmente é remetida a um outro; o qual, quando é, já desvaneceu, e quando desvaneceu, é de novo produzido. Vemos neste ponto a consciência pura posta de uma dupla maneira. A primeira vez como irrequieto vai e vem, que percorre todos os seus momentos onde encontra flutuando o ser Outro, que se suprassume no ato de abarcar. A segunda vez, antes, como unidade tranquila certa de sua própria verdade. Para essa unidade, aquele movimento é o Outro; mas para aquele movimento, a unidade tranquila é que é o Outro: a consciência e o objeto se alternam nessas determinações recíprocas. Por conseguinte, a consciência ora é para si um buscar que vai e vem, enquanto seu objeto é o puro Em si e essência: ora é para si categoria simples, enquanto o objeto é o movimento das diferenças. Porém a consciência, como essência, é esse curso mesmo em sua totalidade: curso que consiste em sair de si como categoria simples, passando à simplicidade e ao objeto, e nele contemplar esse curso; suprassumir o objeto como distinto para apropriar-se dele, e proclamar-se como certeza de ser toda a realidade: certeza de ser tanto ela mesma como também seu objeto. Seu primeiro enunciar é somente essa abstrata palavra vazia de que tudo é seu. Com efeito, a certeza de ser toda a realidade é só a categoria pura. Essa primeira razão, que se conhece no objeto, encontra expressão no idealismo vazio que só apreende a razão como inicialmente é - e por indicar em todo o ser esse Meu puro da consciência, e enunciar as coisas como sensações ou representações, acredita ter mostrado esse Meu puro como realidade acabada. Tal idealismo tem de ser ao mesmo tempo um empirismo absoluto, porque para o enchimento desse Meu vazio, quer dizer, para a diferença e para a totalidade do desenvolvimento e da configuração dessa diferença, sua razão necessita de um "choque estranho" no qual só se encontra a multiplicidade do sentir e do representar. Torna-se, portanto, esse idealismo um duplo-sentido contraditório, tanto como o cepticismo, só que exprime de modo positivo o que o cepticismo faz negativamente. Mas como ele, tampouco consegue conciliar seus pensamentos contraditórios: o da consciência pura como sendo toda a realidade, e também o do choque estranho, ou seja, do sentir e representar sensíveis, como uma realidade igual. Debate-se alternadamente entre um pensamento e outro, e termina na má infinitude - quer dizer, na infinitude sensível. Quando a razão é toda a realidade, no sentido do Meu abstrato, e quando o Outro lhe é um Estranho indiferente, então se põe justamente, por parte da razão, esse saber de Outro; que já se apresentou como o visar da certeza sensível, como o perceber e como o entendimento acolhendo o visado e o percebido. Tal saber é ao mesmo tempo afirmado como sendo um saber não verdadeiro, por meio do conceito desse próprio idealismo, uma vez que só a unidade da apercepção é a verdade do saber. Para chegar por si mesma a esse Outro que lhe é essencial - ou seja, a esse Outro que é o Em si mas que ela não tem em si mesma -, a Razão pura desse idealismo é remetida a esse saber que não é um saber do verdadeiro. Ela assim se condena, sabendo e querendo, a um saber não verdadeiro; e não pode desprender-se do visar e do perceber, que para ela própria não tem verdade nenhuma. Encontra-se numa contradição imediata, ao afirmar como essência algo que é duplo, e pura e simplesmente oposto: a unidade da apercepção, e, igualmente, a coisa. Pois a coisa, ao ser chamada também choque estranho ou essência empírica, ou sensibilidade, ou coisa em si, em seu conceito fica sempre a mesma coisa estranha à unidade da apercepção. Esse idealismo cai em tal contradição porque afirma como verdadeiro o conceito abstrato da razão. Por isso a realidade lhe surge imediatamente como algo tal que não é a realidade da razão; quando a razão deveria ser toda a realidade. Permanece a razão um buscar irrequieto, que no próprio buscar declara pura e simplesmente impossível a satisfação do encontrar. Mas a razão efetiva não é tão inconsequente assim: ao contrário, sendo, de início só a certeza de ser toda a realidade, está consciente nesse conceito de não ser ainda, enquanto certeza, enquanto Eu, a realidade em verdade; e é impelida a elevar sua certeza à verdade, e a preencher o Meu vazio. A - A RAZÃO OBSERVADORA Essa consciência, para a qual o ser tem a significação do seu, nós a vemos agora adentrar-se de novo no visar e no perceber: mas não como na certeza de um que apenas é Outro, e sim com a certeza de ser esse Outro mesmo. Antes, só tinha acontecido perceber e experimentar vários aspectos na coisa; mas agora é a consciência que faz suas próprias observações e a experiência mesma. O visar e o perceber, que se suprassumiram só para nós, são agora suprassumidos pela consciência para ela mesma. A razão, pois, parte para conhecer a verdade; para encontrar como conceito o que era uma coisa para o visar e o perceber, isto é, para ter na coisidade somente a consciência de si mesma. Por isso a razão tem agora um interesse universal pelo mundo, já que ela é a certeza de ter no mundo a presença, ou seja, a certeza de que a presença é racional. Procura a razão seu Outro, sabendo que não possuirá nada de Outro a não ser ela mesma; busca apenas sua própria infinitude. A razão que, inicialmente, apenas se vislumbrava na efetividade - ou que só a sabia como o seu em geral -, agora avança nesse sentido para a tomada de posse universal da propriedade que lhe é assegurada; e planta em todos os cimos e em todos os abismos o marco de sua soberania. Mas esse Meu superficial não é seu interesse último: a alegria dessa universal tomada de posse ainda encontra em sua propriedade o Outro estranho, que a razão abstrata não tem em si mesma. A razão se vislumbra como uma essência mais profunda do que é o Eu puro, e deve exigir que a diferença - o ser multiforme - se torne para ela o próprio seu; que se intua como a efetividade, e que se ache presente como figura e como coisa. Porém a razão, mesmo revolvendo todas as entranhas das coisas, e abrindo-lhes todas as veias - a fim de ver-se jorrar dali para fora -, não alcançará essa felicidade; mas deve ter-se implementado antes em si mesma, para depois experimentar sua plena realização. A consciência observa; quer dizer, a razão quer encontrar-se e possuir-se como objeto essente, como modo efetivo, sensivelmente presente. De certo, a consciência dessa observação visa e diz que não pretende experimentar-se a si mesma, mas, pelo contrário, a essência das coisas como coisas. A consciência visa isso e o diz, porque embora sendo razão, ainda não tem a razão como tal por objeto. Soubesse tal consciência que a razão é igualmente essência das coisas e da consciência mesma, - e que a razão, em sua figura peculiar, só na consciência pode estar presente - então desceria às suas próprias profundezas, e buscaria a razão antes ali que nas coisas. Se já tivesse encontrado a razão no mais profundo de si mesma, essa seria novamente levada para fora, para a efetividade, a fim de nela contemplar sua expressão sensível; mas também a fim de tomá-la logo, como sendo essencialmente conceito. A razão, tal como vem à cena imediatamente, como a certeza da consciência de ser toda a realidade, toma essa realidade no sentido da imediatez do ser; e toma também a unidade do Eu com essa essência objetiva no sentido de uma unidade imediata, na qual ainda não separou - e tornou a reunir - o momento do ser e o momento do Eu, ou seja: no sentido de uma unidade que a razão não conheceu ainda. Portanto, como consciência observadora vai às coisas, visando tomá-las em verdade como coisas sensíveis, opostas ao Eu; só que o seu agir efetivo contradiz tal visão, pois a razão conhece as coisas, transforma seu ser sensível em conceitos, quer dizer, justamente em um ser que é ao mesmo tempo um Eu. Transforma assim o pensar em um pensar essente, ou o ser em um ser pensado; e afirma de fato que as coisas só têm verdade como conceitos. Para essa consciência observadora, somente resulta nesse processo o que as coisas são; mas para nós, o que é a consciência mesma. O resultado de seu movimento é, pois, que a consciência vem a ser, para si mesma, o que é em si. Temos a considerar o agir da razão observadora nos momentos de seu movimento; como ela apreende a natureza, o espírito e, enfim, a relação de ambos em forma de ser sensível; e como se busca enquanto efetividade essente. a - OBSERVAÇÃO DA NATUREZA Quando a consciência carente de pensamento proclama o observar e o experimentar como a fonte da verdade, suas palavras bem que poderiam soar como se apenas se tratasse do saborear, cheirar, tocar, ouvir e ver. Porém essa consciência, no afã com que recomenda o gostar, o cheirar, etc., esquece de dizer que também o objeto desse sentir já está de fato determinado para ela, essencialmente; e que, para ela, essa determinação do objeto vale pelo menos tanto como esse sentir. Tem de admitir igualmente que, em geral, não se trata só do perceber; assim, para dar um exemplo, a percepção de que este canivete está posto aqui ao lado da tabaqueira não tem valor de observação. O percebido deve ter pelo menos a significação de um universal, e não de um isto sensível. De início, esse universal é apenas o que permanece igual a si: seu movimento é somente a reiteração uniforme do mesmo agir. A consciência, na medida em que só encontra no objeto a universalidade ou o Meu abstrato, deve tomar sobre si mesma o movimento peculiar do objeto, e por não ser ainda seu entendimento, deve pelo menos ser sua recordação - a qual exprime de maneira universal o que na efetividade só está presente de maneira singular. Esse superficial extirpar do sensível para fora da singularidade, e a forma igualmente superficial da universalidade em que o sensível é apenas acolhido, sem se ter tornado em si mesmo algo universal, é o descrever das coisas, que não tem ainda o movimento no objeto mesmo; esse movimento está, antes, no ato de descrever. O objeto, ao ser descrito, perdeu por isso o interesse: se um for descrito, outro deve ser tomado em consideração e sempre procurado, para que a descrição não se esgote. Quando não é tão fácil encontrar coisas inteiras que sejam novas, então é preciso voltar às já encontradas, dividi-las e analisá-las ainda mais, e nelas descobrir ainda novos aspectos da coisidade. Esse instinto insaciável e inquieto não pode ficar sem material; mas encontrar um novo gênero conspícuo, ou então um novo planeta -, que embora sendo um indivíduo tem a natureza de um universal - é sorte que só toca a alguns felizardos. Mas a linha de demarcação do que é distintivo, digamos, do elefante, do carvalho, do ouro - do que é gênero e espécie -, passa através de múltiplas gradações dentro da infinita particularização do caos dos animais e das plantas; e das rochas, dos metais, e das terras etc., que só por meio de violência e artifício se devem representar. Mas nesse reino da indeterminidade do universal, onde a particularização se reaproxima da singularização, e de novo, aqui e ali, desce até ela completamente - uma inesgotável reserva se abre à observação e descrição. Mas aqui, onde parece abrir-se para elas um campo a perder-se de vista, a observação e a descrição dentro das fronteiras do universal podem ter encontrado, em vez de uma imensurável riqueza, somente os limites da natureza e do seu próprio agir: não podem saber se o que aparenta ser em si não é uma contingência. Pois o que leva em si a marca de uma formação confusa ou rudimentar, débil e mal se desenvolvendo fora da indeterminidade elementar, não pode sequer ter a pretensão de ser descrito. Embora esse buscar e descrever aparentemente só diga respeito às coisas, vemos que de fato não procede segundo o curso da percepção sensível. Ao contrário: aquilo pelo qual as coisas são conhecidas é mais relevante para a descrição que o conjunto restante das propriedades sensíveis. De certo, a própria coisa não pode delas prescindir; porém a consciência se desembaraça delas. Mediante essa distinção entre o essencial e o inessencial o conceito se eleva acima da dispersão sensível, e o conhecer declara nisso que se ocupa consigo mesmo - pelo menos tão essencialmente como se ocupa das coisas. Devido a essa dupla essencialidade cai numa perplexidade; sem saber se o que é para o conhecer essencial e necessário, o seja também na coisa. De um lado, os sinais característicos devem servir só ao conhecer, para distinguir, por meio deles, as coisas umas das outras. Mas, de outro lado, o que deve ser conhecido não é o inessencial das coisas, mas aquilo através do qual as próprias coisas se arrancam da continuidade universal do ser em geral, se separam do Outro e são para si. Os sinais característicos não devem só ter uma relação essencial com o conhecer, mas também devem ser as determinidades essenciais das coisas: o sistema artificial deve ser conforme ao sistema da própria natureza, e exprimir unicamente esse sistema. Isso se segue necessariamente do conceito da razão. O instinto da razão - pois a razão só procede como instinto nesse observar - atingiu em seus sistemas essa unidade na qual os próprios objetos da razão são de tal modo constituídos que tem neles uma essencialidade, ou um ser para si; e não são apenas o acidente deste momento ou deste lugar. Por exemplo, os sinais-distintivos dos animais são tirados das unhas e dos dentes; pois, de fato, não é só o conhecimento que distingue por meio disso um animal do outro, mas por meio deles o animal mesmo se separa, e com tais armas se mantém para si e separado do universal. A planta, ao contrário, não chega ao ser para si, mas apenas toca os limites da individualidade. Nesses limites, onde se mostra a aparência da divisão em sexos, as plantas foram estudadas e distinguidas umas das outras. Entretanto, o que se situa num nível inferior já não pode distinguir-se do outro, mas se perde quando entra em oposição. O ser em repouso e o ser em relação entram em conflito mútuo: a coisa é no primeiro caso algo diverso do que é no segundo; enquanto o indivíduo consiste em manter-se em sua relação para com o outro. Mas o que não é capaz disso, e quimicamente se torna outro do que é empiricamente, confunde o conhecer, e o conduz ao mesmo conflito, hesitando se deve manter-se em um lado, ou em outro, já que a própria coisa não é algo que permanece igual; e os seus lados incidem um fora do outro. Em tais sistemas do universal Que permanece igual a si, esse tem a significação do que permanece igual a si tanto do conhecimento, quanto das próprias coisas. Porém nessa expansão das determinidades que permanecem iguais, cada uma delas descreve tranquilamente a sequência de seu processo, e toma espaço para comportar-se a seu modo. Por sua vez, passa essencialmente a seu contrário, na confusão daquelas determinidades, pois o sinal-característico - a determinidade universal - é a unidade dos opostos: do que é determinado, e do que é em si universal; unidade que deve, portanto, decompor-se em tal oposição. Se agora, por um lado, a determinidade triunfa sobre o universal no qual tem sua essência, por outro, o universal conserva também o seu domínio sobre ela; leva a determinidade a seus limites, e ali mistura suas diferenças e essencialidades. O observar que as mantinha ordenadamente separadas, e acreditava ter nelas algo de fixo, vê que sobre um princípio cavalgam os outros; que se formam transições e confusões; que está unido o que de início tinha por simplesmente separado, e separado o que julgava unido. Portanto, justamente aqui, quando se trata de conhecer os sinais característicos em suas determinações mais gerais, por exemplo, o animal, a planta, esse manter-se firme no ser em repouso, que permanece igual a si mesmo, vê-se atormentado por instâncias que lhe tiram qualquer determinação, reduzindo ao silêncio a universalidade a que se tinha elevado, e reconduzindo a uma observação e uma descrição carentes de pensamento. Assim, esse observar que se restringe ao simples - ou que delimita a dispersão sensível mediante o universal - encontra em seu objeto a confusão de seu princípio; já que o determinado deve, por sua natureza, perder-se no seu contrário. Por isso a razão deve, antes, abandonar a determinidade inerte que tinha o semblante do permanecer, pela observação da mesma tal como é em verdade, a saber: como um referir-se ao seu contrário. O que se chama "sinais-característicos essenciais" são determinidades em repouso: quando apreendidas e expressas assim, como simples, não apresentam o que constitui sua natureza, que é a de serem momentos evanescentes do movimento que se redobra sobre si mesmo. Agora, quando o instinto da razão chega à determinidade conforme sua natureza, que consiste essencialmente em não ser para si, mas em passar ao seu oposto, então vai em busca da lei e do seu conceito: procura-os, de certo, como efetividade essente. No entanto, essa determinidade desvanecerá, de fato, para o instinto de razão; e os lados da lei se tornarão puros momentos ou abstrações, de tal modo que a lei virá à luz na natureza do conceito, que tinha destruído em si o subsistir indiferente da efetividade sensível. Para a consciência observadora a verdade da lei não está em si e para si mesma; está na experiência, como no modo em que o ser sensível é para ela. Mas se a lei não tem sua verdade no conceito, então é algo contingente, não uma necessidade; ou, de fato, não é uma lei. No entanto, que a lei seja essencialmente como conceito, isso não só não contraria a que esteja presente para a observação, senão que é antes por isso que tem um ser-aí necessário, e é objeto para a observação. O universal, no sentido da universalidade de razão, é também universal no sentido que o conceito tem nele: o de apresentar-se para a consciência como o presente e o efetivo. Ou seja: apresenta-se o conceito no modo da coisidade e do ser sensível - porém sem perder com isso sua natureza, e sem ter sucumbido no subsistir inerte ou na sucessão indiferente. O que é universalmente válido, também vigora universalmente. O que deve-ser, também é, de fato. O que apenas deve ser, sem ser, não tem verdade nenhuma. Portanto, o instinto da razão, por sua parte, se mantém com bom direito firme neste ponto; e não se deixa induzir em erro por esses entes de razão que somente devem ser, e que devem ter verdade como deve-ser - muito embora não sejam encontrados em nenhuma experiência. Não se deixa induzir em erro nem pelas hipóteses nem tampouco por todas as outras "invisibilidades" de um perene dever-ser. Com efeito, a razão é justamente essa certeza de possuir a realidade, e o que não é para a consciência como uma "autoessência", isto é, o que não se manifesta, para ela é absolutamente nada. Para essa consciência que fica no observar, torna-se de novo uma oposição ao conceito e ao universal em si o fato de que a verdade da lei é essencialmente realidade; ou seja, uma coisa tal como é sua lei, não é para a consciência uma essência da razão. A consciência acredita que obtém nisso algo estranho. Mas contradiz essa sua opinião no próprio fato de não tomar, ela mesma, sua universalidade no sentido de que todas as coisas sensíveis singulares deveriam ter-lhe mostrado a manifestação da lei para poder afirmar a verdade dela. A consciência não exige que se faça a prova com todas as pedras para afirmar que as pedras, ao serem levantadas da terra e soltas, caem. Talvez diga que, pelo menos, se deve ter experimentado com um bom número de pedras, e então se poderá concluir quanto às restantes por analogia, com a maior probabilidade, ou com pleno direito. Só que a analogia não dá nenhum pleno direito; mas ainda por sua própria natureza se contradiz com tanta frequência que pela analogia mesma se há de concluir que a analogia não permite fazer conclusão nenhuma. A probabilidade a que se reduziria o resultado da analogia perde, com referência à verdade, qualquer diferença de probabilidade maior ou menor; pode ser grande quanto quiser: não é nada em confronto com a verdade. Mas o instinto da razão aceita, de fato, tais leis como verdade e só é levado a fazer essa distinção em relação à sua necessidade, que ele não conhece. Mas então rebaixa a verdade da Coisa mesma à probabilidade, para designar o modo imperfeito como a verdade está presente para a consciência que ainda não alcançou a intelecção no puro conceito; pois a universalidade só está presente como simples universalidade imediata. Mas, ao mesmo tempo, em razão dessa universalidade, a lei tem verdade para a consciência. Para ela, é verdadeiro que a pedra cai porque para ela a pedra é pesada; quer dizer, porque no peso, a pedra em si e para si mesma, tem uma relação essencial com a terra - a relação que se exprime como queda. A consciência tem assim na experiência o ser da lei, mas tem igualmente a lei como conceito; e é somente por motivo das duas circunstâncias conjuntamente que a lei é verdadeira para a consciência: vale como lei para ela porque se apresenta no fenômeno, e porque ao mesmo tempo é, em si mesma, conceito. Porque a lei é ao mesmo tempo, em si, conceito, o instinto da razão necessariamente, mas sem saber que é isso que quer, procede a purificar, em direção ao conceito, a lei e seus momentos. Organiza experimentos a respeito da lei. A lei, logo que aparece, apresenta-se impura, envolta no ser sensível singular; e o conceito, que constitui a natureza da lei, submerso na matéria empírica. O instinto da razão em seus experimentos trata de descobrir o que ocorre em tais ou tais circunstâncias. Parece assim a lei ainda mais imersa no ser sensível; mas pelo contrário, o ser sensível é que se perde nesse processo. Esse experimento tem a significação intrínseca de encontrar as condições puras da lei; e isto não quer dizer outra coisa - embora a consciência, que assim se exprime, acredite estar dizendo algo diverso - a não ser elevar a lei plenamente à forma do conceito, e eliminar toda a aderência de seus momentos ao ser determinado. Por exemplo: inicialmente, a eletricidade negativa se deu a conhecer como eletricidade da resina e a eletricidade positiva, como eletricidade do vidro. Mediante experimentos, perdem de todo essa significação e se tornam puramente eletricidade positiva e negativa: cada uma delas já não pertence a uma espécie particular de coisas. Assim deixa de se poder dizer que há corpos eletricamente positivos e corpos eletricamente negativos. Também a relação entre ácido e base, e seu movimento recíproco, constituem uma lei em que essas oposições se manifestam como corpos. No entanto, essas coisas separadas não têm efetividade nenhuma; a força, que as destaca uma da outra, não pode impedi-las de confluir novamente em um só processo, já que são apenas essa relação. Não podem, como um dente ou uma garra, permanecer para si e assim serem mostradas. Sua essência consiste em passarem imediatamente a um produto neutro, o que faz de seu ser um suprassumido em si ou um universal. O ácido e a base têm a sua verdade unicamente enquanto universais. Como o vidro e a resina podem ser eletricamente tanto positivos quanto negativos, o ácido e a base também não estão ligados, como propriedades, a esta ou aquela efetividade, mas cada coisa é relativamente ácida ou alcalina. O que parece ser decididamente ácido ou base recebeu uma significação oposta em relação a outra coisa nas assim chamadas "sintomatias". O resultado dos experimentos suprassumem, desse modo, os momentos ou princípios ativos como propriedades das coisas determinadas, e liberta os predicados de seus sujeitos; esses predicados vêm a ser encontrados, tais como em verdade são, só enquanto universais. Em virtude dessa independência recebem pois o nome de "matérias", que não são nem corpos nem propriedades, e que de fato se evita chamar corpos - oxigênio etc., eletricidade positiva e negativa, calor etc. A "matéria", ao contrário, não é uma coisa essente, mas é o ser como universal, ou seja, o ser no modo do conceito. A razão que ainda é instinto estabelece essa diferença correta sem ter consciência de que, por experimentar a lei em todo o ser sensível, suprassume justo por isso o ser somente sensível da lei; nem de que ao compreender os momentos da lei como "matérias", sua essencial idade tornou-se então um universal, e nessa expressão é enunciada como um Sensível não sensível, como um ser incorpóreo e ainda assim objetivo. É preciso ver agora que rumo toma, para o instinto da razão, seu resultado; e qual é a nova figura de seu observar que surge assim. Nós vemos, como verdade dessa consciência experimentadora, a lei pura que se liberta do ser sensível; vemo-la como conceito que está presente no ser sensível e no entanto nele se move independente e solto; nele submerso, mas livre dele, e é conceito simples. O que é em verdade resultado e essência, surge agora para essa consciência mesma, mas como objeto. Na verdade, surge como uma espécie particular de objeto, enquanto justamente para a consciência esse objeto não é resultado, e não tem relação com o movimento precedente; e a relação da consciência para com ele surge como outro tipo de observar. Um objeto tal, que tem em si o processo na simplicidade do conceito, é o orgânico. É ele essa absoluta fluidez em que se dissolve a determinidade através da qual seria somente para outro. A coisa inorgânica tem a determinidade como sua essência, e por esse motivo só junto com outra coisa constitui a plenitude dos momentos do conceito; e portanto se perde ao entrar em movimento. Ao contrário, na essência orgânica todas as determinidades, mediante as quais está aberta para outro, estão reunidas sob a unidade orgânica simples. Nenhuma delas, que se relacione livremente com outro, emerge como essencial; e por isso em sua relação mesma, o orgânico se conserva. Neste ponto, o instinto da razão se aplica à observação dos lados da lei, que são em primeiro lugar, como decorre da determinação acima, a natureza orgânica e a inorgânica em sua relação mútua. A inorgânica é justamente para a orgânica, a liberdade das determinidades destacadas, que se opõe ao conceito simples da natureza orgânica. Dissolve-se nessas determinidades a natureza individual que ao mesmo tempo se separa de sua continuidade e é para si. Ar, água, terra, zonas e climas são esses elementos universais que constituem a essência simples indeterminada das individualidades, que nesses elementos estão igualmente refletidas em si. Nem a individualidade é pura e simplesmente em si e para si, nem tampouco os elementos. Ao contrário: na liberdade independente, em que surgem para a observação um frente ao outro, comportam-se ao mesmo tempo como relações essenciais; porém de tal modo que a independência e a indiferença recíprocas são o predominante; e que só parcialmente passam para a abstração. Portanto, a lei está presente a essa altura como a relação de um elemento com a formação do orgânico, que uma vez tem diante de si o ser elementar, e outra vez o representa em sua reflexão orgânica. Aliás, leis como estas: "os animais que pertencem ao ar têm a natureza de aves, os que pertencem à água, natureza de peixes; os animais nórdicos são peludos" - são leis que revelam de imediato uma pobreza que não corresponde à múltipla variedade orgânica. Além do mais, já que a liberdade orgânica sabe retirar suas formas dessas determinações, e oferece necessariamente todo o tipo de exceções a tais leis - ou regras, como quiserem chamá-las -, esse modo de determinar fica tão superficial para os seres mesmos a que se aplica, que inclusive a expressão de sua necessidade não pode ser senão superficial, e não leva além da grande influência. Por aí não se sabe exatamente o que pertence e o que não pertence a tal influência. Por conseguinte, não se podem chamar leis semelhantes relações entre o orgânico e os elementos em que vive pois, como já lembramos, por um lado tal relação não esgota, quanto ao seu conteúdo, todo o âmbito do orgânico; e por outro lado, os momentos da relação permanecem ainda indiferentes um ao outro, e não exprimem nenhuma necessidade. No conceito de ácido está o conceito de base, como no conceito de eletricidade positiva, o de eletricidade negativa. Mas, embora seja possível justapor o pelo espesso com as regiões nórdicas, a estrutura dos peixes com a água, a das aves com o ar, contudo no conceito de região nórdica não está o conceito de pelagem espessa, no conceito de mar não está o da estrutura dos peixes, e no conceito do ar, o da estrutura das aves. Em virtude dessa liberdade dos dois termos, um em relação ao outro, há também animais terrestres que têm os caracteres essenciais de uma ave, de um peixe etc. A necessidade, porque não pode ser conceituada como necessidade interior da essência, deixa também de possuir um ser-aí sensível, e não pode ser mais observada na efetividade, pois migrou para fora dela. Desse modo não se encontra na própria essência real, mas é o que se chama relação teleológica; relação, que, sendo extrínseca aos termos relacionados, é por isso, antes, o contrário de uma lei. É o pensamento totalmente liberto da natureza necessária, que a abandona e se move para si mesmo, acima dela. A relação, acima mencionada, do orgânico com a natureza dos elementos, não exprime a essência do próprio orgânico, mas ao contrário é no conceito de fim que ela está contida. De certo, para a consciência observadora, o conceito de fim não é a essência própria do orgânico, mas lhe recai fora da essência, e assim é para ela apenas essa relação teleológica exterior. Aliás, o orgânico, como até aqui foi determinado, é de fato o próprio fim real. Com efeito, por conservar a si mesmo na relação ao Outro, é justamente essa essência natural, em que a natureza se reflete no conceito, e em que são recolhidos no Uno momentos que na necessidade estão postos fora um do outro: uma causa e um efeito, um ativo e um passivo. Sendo assim, não temos aqui algo que surge somente como resultado da necessidade; ao contrário: porque o que surgia operou um retorno sobre si mesmo, o último ou o resultado é igualmente o primeiro: o que inicia o movimento e o que para si mesmo é o fim que ele torna efetivo. O orgânico não produz algo, mas somente se conserva; ou seja, o que é produzido, tanto já está presente, como está sendo produzido. Deve-se examinar mais de perto essa determinação - como é em si, e como é para o instinto da razão - para ver como ele aí se acha, mas sem se reconhecer em seu achado. O conceito de fim, ao qual se eleva a razão observadora, tanto é para ela conceito consciente, como está presente enquanto algo efetivo: para ela, não é uma relação exterior apenas, e sim sua essência. Esse efetivo - que por sua vez é um fim - refere-se segundo uma finalidade a outra coisa. Isso quer dizer que sua relação é uma relação contingente - segundo o que os dois são de modo imediato, pois são ambos independentes e indiferentes em sua relação recíproca. No entanto, a essência de sua relação é algo outro do que aparenta ser; e seu agir tem um sentido diverso do que é imediatamente para o perceber sensível. A necessidade está escondida no que acontece, e só no fim se manifesta; mas de tal maneira que o fim mostra justamente que essa necessidade era também o primeiro. O fim, porém, mostra essa prioridade de si mesmo, porque, através da alteração que o agir operou, nada resultou que já não fosse. Ou seja: se começamos do primeiro vemos que no fim ou no resultado de seu agir ele apenas retoma a si mesmo. Portanto, o primeiro se mostra exatamente como sendo algo tal que tem a si mesmo por seu fim; assim, como primeiro já retomou a si, ou é em si e para si mesmo. Logo, é a si mesmo que alcança através do movimento de seu agir; e seu sentimento de si é atingir-se só a si mesmo. Sendo assim, está sem dúvida presente a diferença entre o que ele é, e o que ele busca. Mas é só a aparência de uma diferença; por isso é, em si mesmo, conceito. A consciência de si, no entanto, é constituída de igual maneira: diferencia-se de si mesma de modo que, ao mesmo tempo, disso não resulta diferença nenhuma. Não encontra, pois, na observação da natureza orgânica outra coisa que essa essência: encontra-se como uma coisa, como uma vida; mas ainda faz uma diferença entre o que ela mesma é, e o que encontra: diferença, porém, que não é nenhuma. Como o instinto do animal busca e consome o alimento - mas com isso nada produz diferente de si - assim também o instinto da razão em seu buscar só a si mesmo encontra. Termina o animal com o sentimento de si. Ao contrário, o instinto da razão é, ao mesmo tempo, consciência de si. Entretanto, por ser instinto apenas, é posto de lado, em contraste com a consciência, e nela tem sua oposição. Sua satisfação é, pois, cindida por isso: na verdade, encontra-se a si mesmo - a saber, o fim - e igualmente encontra esse fim como coisa. Mas, primeiro, o fim recai para ele, fora da coisa que se apresenta como fim. E depois, esse fim como fim é ao mesmo tempo objetivo - e por conseguinte esse instinto da razão não recai em si como consciência, mas sim em um outro entendimento. Examinando mais de perto, vemos que reside igualmente no conceito da coisa essa determinação de que ela é fim em si mesma. Com efeito, a coisa se conserva: isso significa que sua natureza consiste, ao mesmo tempo, em ocultar a necessidade e em apresentá-la sob a forma de uma relação contingente. É que sua liberdade, ou seu ser para si, consiste precisamente em comportar-se para com seu necessário como se ele fosse um indiferente. Desse modo, a coisa se apresenta como algo cujo conceito incidisse fora do seu ser. Também a razão necessita contemplar seu conceito como incidindo fora dela - portanto, como uma coisa; e uma coisa tal que a razão lhe seja indiferente, e por sua parte seja indiferente à razão e ao seu conceito. Como instinto, a razão ainda permanece no interior desse ser ou dessa indiferença; e a coisa, que exprime o conceito, permanece, para o instinto da razão, algo outro que esse conceito, e o conceito, algo outro que a coisa. Para ele, a coisa orgânica é fim para si mesma, de tal modo que a necessidade que se apresenta como escondida no seu agir - enquanto o agente no agir se comporta como um essente para si diferente - incide fora do próprio orgânico. Mas o orgânico, como fim em si mesmo, só pode comportar-se enquanto tal, e não de outra maneira: por isso o fato de ser fim em si mesmo se manifesta e tem presença sensível, e assim vem a ser observado. O orgânico se mostra como algo que se conserva a si mesmo, e que retoma - e já retomou - a si. Mas nesse ser, a consciência observadora não reconhece o conceito de fim, ou não reconhece que o fim existe exatamente aqui, e como uma coisa; e não alhures em algum intelecto. Estabelece, entre o conceito de fim e entre o ser para si e conservar-se a si mesmo, uma diferença que não é nenhuma. Mas que não seja uma diferença, isso não é para a consciência: o que é para ela, é um agir que aparece como contingente e indiferente ao que se produz por meio dele; e que, no entanto, é a unidade que reúne os dois momentos - aquele agir e esse fim - que, para essa consciência, recaem fora um do outro. Nessa visão, o que cabe ao orgânico mesmo é o agir, que permeia entre seu primeiro e seu último momento, enquanto esse agir tem nele o caráter da singularidade. Mas o agir, enquanto tem o caráter da universalidade, não compete ao orgânico - esse agir em que o próprio agente é posto como igual ao que é produzido por ele, ou o agir enquanto conforme a um fim como tal. Aquele agir singular, que é somente meio, passa através de sua singularidade à determinação de uma necessidade totalmente singular e contingente. Portanto, segundo esse conteúdo imediato, é totalmente sem lei o que o orgânico faz para a conservação de si mesmo como indivíduo - ou como gênero -, já que o universal e o conceito incidem fora dele. Seria, pois, o seu agir uma operosidade vazia, sem conteúdo nela mesma; não seria sequer a operosidade de uma máquina, pois essa tem um fim, e sua operosidade tem, por isso, um conteúdo determinado. Abandonado assim pelo universal, seria apenas atividade de um essente como essente; quer dizer, atividade que ao mesmo tempo não reflete sobre si - como a de um ácido ou de uma base. Seria uma operosidade não destacável de seu ser-aí imediato, inclusive do ser-aí que se perde na relação a seu oposto, mas que poderia suster-se. Porém o ser, cuja operosidade aqui se examina, é posto como uma coisa que se conserva em sua relação com O seu oposto. A atividade, como tal, é apenas a pura forma, carente de essência de seu ser para si, Não incide fora dela sua substância, que não é o ser simplesmente determinado, mas o universal: ou seja, o seu fim. É a atividade que em si mesma retoma a si, sem ser a si mesma reconduzida por qualquer coisa de estranho. Mas, por isso, essa unidade da universalidade e da atividade não é para essa consciência observadora; com efeito, tal unidade é essencialmente o movimento interior do orgânico e só pode ser captada como conceito. Ora, o observar procura os momentos na forma do ser e do permanecer; e como a totalidade orgânica consiste essencialmente em que nela não estão contidos nem podem ser encontrados os momentos, a consciência transforma a oposição numa que seja conforme a seu modo de ver. A essência orgânica, dessa maneira, surge para a consciência como um relacionamento de dois momentos fixos e essentes - uma oposição cujos dois lados aparentam, de uma parte, ser dados à consciência na observação, mas de outra parte exprimem, por seu conteúdo, a oposição entre o conceito orgânico de fim e a efetividade. Mas, sendo aqui abolido o conceito como tal, tudo isso se apresenta de maneira obscura e superficial, onde o pensamento sucumbe na representação. Vemos assim que ao falar de interior o que se visa é mais ou menos o primeiro momento, e ao falar de exterior, o segundo: Seu relacionamento produz a lei de que o exterior é a expressão do interior. Examinando melhor esse interior com seu oposto e seu relacionamento mútuo, ressalta em primeiro lugar que os dois lados da lei já não soam como nas leis anteriores, em que cada um deles aparecia como um corpo particular - como se fossem coisas independentes. Em segundo lugar, já não supõem que o universal deva ter sua existência em algum lugar fora do essente. Ao contrário: em geral, a essência orgânica é indivisamente posta no fundamento como conteúdo do interior e do exterior, e é a mesma para os dois. Por isso ainda, a oposição é só puramente formal e seus lados reais têm, por sua essência, o mesmo em si; mas ao mesmo tempo parecem ter, para o observar, um conteúdo peculiar, enquanto o interior e o exterior são realidades opostas, e cada um deles, um ser distinto para o observar. Contudo, esse conteúdo peculiar, por ser a mesma substância e a mesma unidade orgânica, de fato pode ser apenas uma forma diferente dela. Ora, é isso que é significado pela consciência observadora quando diz que o exterior é somente a expressão do interior. No conceito de fim, vimos essas mesmas determinações da relação, isto é, a independência indiferente dos diferentes; e nessa independência, sua unidade em que desvanecem. Veremos agora que figura tem em seu ser o interior e exterior. O interior como tal deve também ter um ser exterior e uma figura, assim como o exterior enquanto tal - porque é objeto, ou seja, é também posto como essente, e como presente para a observação. A substância orgânica, como substância interior, é a alma simples, o puro conceito de fim ou o universal que em sua divisão permanece igualmente fluidez universal, e por isso se manifesta em seu ser como o agir ou o movimento da efetividade evanescente. Ao contrário, o exterior, oposto a esse interior essente, subsiste no ser inerte do orgânico. A lei, como relação desse interior com esse exterior, exprime assim seu conteúdo, uma vez na apresentação dos momentos universais ou essencialidades simples, e outra vez na apresentação da essencialidade efetiva, ou da figura. Aquelas primeiras propriedades orgânicas simples - para assim chamá-las - são sensibilidade, irritabilidade e reprodução. Essas propriedades - pelo menos as duas primeiras - parecem de certo não referir-se ao organismo em geral, mas só ao organismo animal. O organismo vegetal só exprime, de fato, o conceito simples do organismo que não desenvolve seus momentos. Por isso, considerando esses organismos enquanto devem ser para a observação, devemos nos ater ao organismo que representa o ser-aí desenvolvido desses momentos. Agora, no que diz respeito a esses momentos, eles resultam imediatamente do conceito do fim em si mesmo. Com efeito, a sensibilidade exprime, em geral, o conceito simples da reflexão orgânica em si, ou a fluidez universal do conceito; mas a irritabilidade exprime a elasticidade orgânica, a capacidade de se comportar como reagente, ao mesmo tempo, na reflexão; e exprime a efetivação, oposta ao primeiro ser dentro de si inerte. Nessa efetivação, aquele ser para si abstrato é um ser para outro. Por sua vez, a reprodução é a ação desse organismo total refletindo sobre si mesmo; é a sua atividade como fim em si ou como gênero; atividade, pois, em que o indivíduo de si mesmo se expulsa, e engendrando repete ou suas partes orgânicas, ou o indivíduo completo. A reprodução, tomada no sentido de autoconservação em geral, exprime o conceito formal do orgânico ou a sensibilidade. Porém ela é propriamente o conceito orgânico real, ou o todo que sobre si retoma - ou como indivíduo pela produção das partes singulares dele mesmo, ou como gênero, pela produção de indivíduos. A outra significação desses elementos orgânicos, enquanto são tomados como o exterior, é sua maneira figurada: sob essa forma estão presentes como partes efetivas mas também, ao mesmo tempo, como partes universais ou como sistemas orgânicos. A sensibilidade, digamos, como sistema nervoso, a irritabilidade como sistema muscular, a reprodução como sistema visceral da conservação do indivíduo ou do gênero. As leis peculiares do orgânico dizem respeito, portanto, a uma relação dos momentos orgânicos em sua dupla significação: a de serem ora uma parte da figuração orgânica, ora uma determinação fluida universal que pervade todos aqueles sistemas. Na expressão de tal lei, por exemplo uma sensibilidade determinada, como momento do organismo total, teria sua expressão num sistema nervoso de constituição determinada; ou ainda, estaria unida a uma reprodução determinada das partes orgânicas do indivíduo, ou a propagação do todo etc. Os dois lados de tal lei podem ser observados. O exterior, segundo o seu conceito, é o ser para outro; a sensibilidade, por exemplo, tem no sistema sensitivo seu modo imediatamente efetivado; e como propriedade universal é, nas suas exteriorizações, também algo objetivo. O lado que se chama interior tem seu próprio exterior que é distinto do que se chama exterior no todo. Podem-se observar, de certo, os dois lados de uma lei orgânica, mas não as leis segundo as quais se relacionam. A observação não alcança essas leis, não porque como observação tenha vista demasiado curta, ou porque não deva proceder empiricamente, e sim partir da ideia: tais leis, com efeito, se fossem algo real, deveriam ser efetivamente presentes e, portanto, observáveis. Porém a observação não as alcança porque o pensamento de leis dessa espécie se demonstra não ter verdade nenhuma. Assim, resulta ser uma lei a relação segundo a qual a propriedade orgânica universal, em um sistema orgânico, se transforma em coisa, e nela tem sua marca configurada, de modo que as duas sejam a mesma essência: num caso, presente como momento universal; no outro, como coisa. Mas além disso, o lado do interior é também, por si, uma relação de muitos lados; e assim se apresenta, à primeira vista, o pensamento de uma lei como relação das atividades ou propriedades orgânicas universais, umas com as outras. Se tal lei é possível, isso deve-se decidir conforme a natureza de uma tal propriedade. Ora, uma propriedade, enquanto é uma fluidez universal, por um lado não é algo delimitado, à maneira de uma coisa, que se mantenha na diferença de um ser-aí, o qual devesse constituir sua figura. Ao contrário: a sensibilidade ultrapassa o sistema nervoso, e pervade todos os outros sistemas do organismo. Por outra parte, essa propriedade é momento universal, que é essencialmente inseparado e inseparável da reação ou irritabilidade, e da reprodução. Com efeito, como reflexão em si, a sensibilidade já tem, simplesmente, a reação nela. O ser-refletido-em si somente é passividade, ou ser morto, e não sensibilidade; mas sem o ser-refletido-em si, tampouco a ação - que é o mesmo que a reação - é irritabilidade. A reflexão na ação, ou na reação; e a ação e a reação na reflexão - é isso justamente cuja unidade constitui o orgânico: uma unidade que tem uma mesma significação que a reprodução orgânica. Segue-se daí que em cada modo da efetividade deve estar presente o mesmo grau de sensibilidade e de irritabilidade - enquanto consideramos primeiro a relação mútua entre a sensibilidade e a irritabilidade. Segue-se também que um fenômeno orgânico pode ser igualmente bem apreendido e determinado - ou, se preferem, explicado - tanto segundo uma como segundo a outra. O mesmo que para alguém é sensibilidade elevada, para outro pode ser irritabilidade elevada e irritabilidade do mesmo grau. Dando-lhes o nome de fatores - e isso não deve ser uma palavra carente de sentido - há de se entender, por tal expressão, que são momentos do conceito, e portanto que o objeto real cuja essência esse conceito constitui, os contém de igual maneira. Se esse objeto, conforme um fator, for determinado como muito sensível, deve-se enunciar, segundo o outro fator, como igualmente irritável. Se, como necessário, se distinguem as propriedades orgânicas então são distintas segundo o conceito, e sua oposição é qualitativa. Mas quando, além dessa verdadeira distinção, elas se manifestam numa diversidade quantitativa, também são postas como diversas enquanto essentes e para a representação, de modo que possam formar os lados da lei. Sua posição qualitativa peculiar se torna uma oposição de grandeza, e então surgem leis desta espécie: "a sensibilidade e a irritabilidade variam na razão inversa de sua grandeza, de forma que quando uma cresce, a outra diminui". Para dizer melhor, tomando diretamente a grandeza por conteúdo, "a grandeza de uma coisa aumenta, quando sua pequenez diminui". Mas se um conteúdo determinado for dado a essa lei, algo como "a grandeza de um buraco aumenta à medida que diminui o material que o enche", então essa razão inversa pode ser transformada numa direta e exprimir-se assim: "a grandeza do buraco aumenta na razão direta do material retirado". Uma proposição tautológica; seja expressa como razão direta ou inversa, e que em sua expressão peculiar só quer dizer que "uma grandeza aumenta quando essa grandeza aumenta". O buraco e o material que o enche e é jogado fora são qualitativamente opostos, enquanto o real deles e sua grandeza determinada são, em ambos, uma só e a mesma coisa, de forma que sua oposição vazia de sentido vem a dar numa tautologia, Do mesmo modo, os momentos orgânicos são igualmente inseparáveis em seu real, e em sua grandeza - que é a grandeza desse real. Um momento só com o outro diminui, e só com ele aumenta, porque um só tem pura e simplesmente significação na medida em que o outro está presente. Ou melhor: é indiferente considerar um fenômeno orgânico como irritabilidade ou como sensibilidade; é indiferente em geral, mas também falando de sua grandeza. Também é indiferente exprimir o aumento de um buraco como seu aumento enquanto vazio, ou como aumento do material retirado para fora. Assim também, um número, por exemplo o 3, tem igual grandeza, quer seja designado como positivo ou como negativo. E se for aumentado de 3 para 4, então o positivo como o negativo se torna 4. Igualmente, num ímã o polo sul tem exatamente a mesma força que o polo norte; e uma eletricidade positiva, a mesma força que a negativa; ou o ácido, que é a base sobre a qual reage. Ora, um ser-aí orgânico é também uma grandeza - como esse 3, ou um ímã, etc. É esse ser-aí que é aumentado e diminuído. Quando é aumentado, aumentam seus dois fatores; como sucede com os dois polos do ímã, ou com as duas eletricidades, se um ímã etc. for reforçado. Os dois fatores tampouco podem ser diversos em intensidade e em extensão, de forma que um não possa diminuir em extensão, aumentando em intensidade, enquanto o outro, ao contrário, diminuísse em intensidade mas aumentasse em extensão. Isso cai no mesmo conceito de oposição vazia: a intensidade real é também pura e simplesmente tão grande quanto a extensão e vice-versa. Como é claro, nesse modo de legislar sucede exatamente o seguinte: primeiro, a irritabilidade e a sensibilidade constituem a oposição determinada. Mas esse conteúdo se perde, e a oposição se extravia na oposição formal do aumento e da diminuição da grandeza, ou na oposição da intensidade e extensão diversas. Tal oposição não tem mais nada a ver com a natureza da sensibilidade e da irritabilidade, e não mais a exprime. Por isso, semelhante jogo vazio - o do legislar - não está ligado aos momentos orgânicos, mas pode ser aplicado a tudo em toda a parte; e em geral se baseia na ignorância quanto à natureza lógica dessas oposições. Finalmente, considerando em vez de sensibilidade e irritabilidade, a reprodução referindo-a a um ou outro desses momentos, deixa de haver, sequer, ocasião para esse legislar. Com efeito, a reprodução não está em oposição a esses momentos, como eles estão um com o outro. Ora, como esse legislar repousa em tal oposição, aqui falta assim até mesmo a aparência de sua ocorrência. Esse legislar acima examinado contém as diferenças do organismo na sua significação de momentos de seu conceito; e deveria ser, estritamente falando, um legislar a priori. Porém nele está essencialmente contido este pensamento de que as diferenças têm a significação de coisas presentes; e de que a consciência simplesmente observadora deve ater-se, sem mais, ao ser-aí desses dados. A efetividade orgânica tem em si, necessariamente, uma oposição tal como seu conceito a exprime. Pode ser determinada como oposição entre irritabilidade e sensibilidade; do mesmo modo, os dois conceitos, por sua vez, aparecem distintos do da reprodução. A exterioridade, na qual são considerados aqui os momentos do conceito orgânico, é a exterioridade imediata, própria do interior; não o exterior que é o exterior no todo, e é figura. A seguir, vamos tratar do interior com referência a esse exterior. Mas entendendo a oposição dos momentos como é no ser-aí, a sensibilidade, a irritabilidade e a reprodução se degradam em propriedades ordinárias, que são universalidades tão indiferentes umas às outras como peso específico, cor, dureza etc. Nesse sentido, é claro, pode-se observar que um ser orgânico é mais sensível, mais irritável, ou tem maior força-reprodutiva que outro. Pode-se observar que a sensibilidade etc. de uma espécie é diferente da de outra; que frente a estímulos determinados um se comporta diversamente do outro, como o cavalo diante da aveia ou do feno, e o cão diante dos dois etc. pode ser observado que um corpo é mais duro que outro, e assim por diante. No entanto, quando correlacionadas e comparadas umas às outras, tais propriedades sensíveis - dureza, cor, e outras que tais - contradizem essencialmente uma conformidade à lei. O mesmo sucede com os fenômenos da receptividade a um estímulo, por exemplo, à aveia; da irritabilidade a certos pesos; e da disposição a gerar certa qualidade e quantidade de filhotes. Com efeito, a determinidade de seu ser sensível consiste justamente em existirem totalmente indiferentes uns em relação aos outros; em representarem a liberdade da natureza emancipada do conceito, de preferência à unidade de um relacionamento, o jogo irracional e oscilante entre os momentos do conceito na escala da grandeza contingente, de preferência a representar esses momentos mesmos. O outro lado, segundo o qual os momentos simples do conceito orgânico são comparados com os momentos da configuração, daria a lei propriamente dita. Essa expressaria o exterior verdadeiro como vestígio do interior. Ora, aqueles momentos simples, por serem propriedades fluidas que se interpenetram, não têm na coisa orgânica tal expressão real isolada, como o que se chama sistema singular da figura. Ou seja: a ideia abstrata do organismo só se expressa verdadeiramente naqueles três momentos por não serem nada de estável, mas apenas momentos do conceito e do movimento; o organismo, ao contrário, como configuração, não se capta nesses três sistemas determinados, tais como a anatomia os dissocia. À medida que tais sistemas devem ser encontrados em sua efetividade e legitimados pelo fato de serem encontrados, também é preciso lembrar que a anatomia não mostra somente três sistemas desse tipo e sim muitos mais. Aliás, mesmo abstraindo disso, o sistema sensitivo, em geral, tem de significar algo completamente distinto daquilo que se chama sistema nervoso; o sistema irritável, algo distinto o sistema muscular; ou o sistema reprodutivo, algo distinto dos órgãos de reprodução. Nos sistemas da figura, como tal, apreende-se o organismo segundo o aspecto abstrato da existência morta; seus momentos assim captados pertencem à anatomia e ao cadáver, não ao conhecimento e ao organismo vivo. Como partes mortas, esses momentos já deixaram de ser, pois deixam de ser processos. Pois o ser do organismo é essencialmente universalidade ou reflexão sobre si mesmo; por isso o ser de sua totalidade - como o de seus momentos - não pode subsistir em um sistema anatômico, mas antes, a expressão efetiva e sua exterioridade só estão presentes como um movimento que discorre através das distintas partes da configuração. Nesse movimento, o que se destaca e se fixa como sistema singular apresenta-se essencialmente como momento fluido, de tal modo que essa efetividade, tal como a anatomia encontra, não pode valer como sua realidade mas apenas como processo. Somente nesse processo as partes anatômicas têm também um sentido. Segue-se assim que nem os momentos do interior orgânico, tomados por si mesmos, são capazes de fornecer os lados de uma lei do ser; pois numa tal lei, sendo predicados de um ser-aí, seriam diferentes um do outro; e um não poderia enunciar-se de igual maneira, em lugar do outro. Segue-se também que esses momentos, postos em um lado, não teriam no outro sua realização num sistema fixo. Com efeito, em geral tal sistema está longe de encerrar uma verdade orgânica e também de ser a expressão daqueles momentos do interior. O essencial do orgânico - posto que em si é o universal - antes consiste (em geral) em ter seus momentos na efetividade de modo igualmente universal, quer dizer, como processos que se desenrolam; mas não em oferecer a imagem do universal numa coisa isolada. Dessa maneira, perde-se no orgânico a representação de uma lei, em geral. A lei quer apreender e exprimir a oposição como lados inertes - e, neles, a determinidade, que é sua relação recíproca. O interior, a que pertence a universalidade aparente fenomenal, e o exterior, a que pertencem as partes da figura inerte, deveriam constituir os lados da lei, em relação recíproca; porém ao serem mantidos assim separados um do outro, perdem sua significação orgânica. A representação da lei tem justamente por base que seus dois lados possuam uma subsistência indiferente, para si essente; e que a relação entre eles se distribua como uma dupla determinidade correspondente a tal relação. Porém cada lado do orgânico consiste, antes, nisto: em ser, em si mesmo, universalidade simples na qual se dissolvem todas as determinações; e em ser o movimento dessa dissolução. Focalizando a diferença desse modo de formular leis em relação às formas anteriores, sua natureza será plenamente esclarecida. Com efeito, se considerarmos retrospectivamente o movimento da percepção e do entendimento - que nela se reflete em si mesmo e com isso determina seu objeto - vemos que o entendimento ali não tinha diante de si em seu objeto a relação entre essas determinações abstratas, do universal e do singular, do essencial e do exterior. O entendimento é o transitar, para o qual esse transitar não se torna objetivo. Aqui, ao contrário, a própria unidade orgânica é o objeto, isto é a unidade que é justamente a relação entre aquelas oposições; relação que é puro transitar. Esse transitar, na sua simplicidade, é imediatamente universalidade e, enquanto a universalidade entra na diferença cuja relação a lei deve exprimir, seus momentos são como objetos universais dessa consciência, e a lei proclama que o exterior é a expressão do interior. Aqui, o entendimento captou o pensamento da lei mesma quando antes só buscava, em geral, leis cujos momentos flutuavam diante dele como um conteúdo determinado, e não como os pensamentos da lei. Assim, no que respeita o conteúdo, aqui não se devem manter tais leis que sejam apenas um acolher estático, na forma do universal, de diferenças puramente essentes. Ao contrário: só se devem aceitar leis que nessas diferenças tenham imediatamente também a inquietude do conceito, e portanto, ao mesmo tempo, a necessidade da relação entre os lados. Ora, o objeto, a unidade orgânica, combina imediatamente o infinito suprassumir; ou a negação absoluta do ser, com o ser inerte, e os momentos são essencialmente puro transitar; por esse motivo, justamente, não se produzem esses lados essentes, como os que são requeridos pela lei. Para obter esses lados, o entendimento deve ater-se ao outro momento da relação orgânica - quer dizer, ao ser-refletido em si mesmo do ser-aí orgânico. Porém esse ser se encontra tão perfeitamente refletido em si que nenhuma determinidade lhe resta quanto ao outro. O ser sensível imediato forma uma unidade imediata com a determinidade como tal, e portanto exprime uma diferença qualitativa nele: por exemplo, o azul em relação ao vermelho e o ácido em relação ao alcalino. Mas o ser orgânico, retornado a si mesmo, é de todo indiferente quanto ao outro: seu ser-aí é a universalidade simples; e recusa, ao observar, diferenças sensíveis permanentes, ou - o que é o mesmo - só mostra sua determinidade essencial como mudança das determinidades essentes. Portanto a diferença, que se exprime como diferença essente, consiste justamente em ser uma diferença indiferente, isto é, em ser como grandeza. Porém com isso o conceito é abolido e a necessidade desvanece. Ora, o conteúdo e a implementação desse ser diferente, a mudança das determinações sensíveis, reunidas na simplicidade de uma determinação orgânica, exprime ao mesmo tempo que esse conteúdo não tem precisamente aquela determinidade da propriedade imediata, e que o qualitativo recai na grandeza apenas, como vimos mais acima. O objetivo, apreendido como determinidade orgânica, já tem em si mesmo o conceito e se distingue do objeto que é para o entendimento, que procede como puramente perceptivo no apreender do conteúdo de suas leis. Não obstante, é certo que aquele apreender recai de todo no princípio e na modalidade do entendimento puramente perceptivo, pois o que é apreendido se utiliza para constituir momentos de uma lei. Assim recebe o modo de uma determinidade fixa, a forma de uma propriedade imediata ou de um fenômeno inerte; para ser finalmente acolhido na determinação da grandeza; e a natureza do conceito é sufocada. A troca de algo puramente percebido por algo em si refletido, de uma determinidade meramente sensível por uma determinidade orgânica, perde assim seu valor; e perde pelo fato de não ter o entendimento suprassumido ainda o costume de formular leis. Recorrendo à comparação de alguns exemplos a propósito dessa troca, o que para a percepção é um animal de músculos robustos, se determina como organismo animal de irritabilidade elevada. O que para a percepção é um estado de grande fraqueza, determina-se como estado de grande sensibilidade ou, se preferem, como uma afecção anormal, e precisamente como uma potenciação dessa sensibilidade (São expressões que traduzem o sensível não para o conceito, mas para o latim, e, ainda por cima, para um mau latim). Que o animal tenha fortes músculos, pode também expressá-lo o entendimento dizendo que possui uma grande força muscular; do mesmo modo que a grande debilidade pode ser expressa como uma força pequena. A determinação pela irritabilidade tem sobre a determinação pela força a vantagem de que essa última exprime a reflexão indeterminada, e aquela, a reflexão determinada. Com efeito, a força peculiar do músculo é justamente a irritabilidade. E tem, sobre a determinação "pelos fortes músculos", a vantagem de conter nela a reflexão sobre si - como já sucedia na força. Do mesmo modo, a fraqueza ou pouca força, a passividade orgânica, é expressa determinadamente pela sensibilidade. Mas essa sensibilidade, assim tomada e fixada para si, e ainda unida à determinação da grandeza, opõe-se com maior ou menor sensibilidade a uma irritabilidade maior ou menor. Assim porém cada uma delas sucumbe de todo no elemento sensível, e na forma ordinária de uma propriedade. Sua relação não é o conceito, mas ao contrário a grandeza na qual agora recai a oposição, tornando-se uma diferença carente de pensamento. Sem dúvida, retirando o que há de indeterminado nas expressões de força, robustez, fraqueza, ainda assim vai surgir agora um volutear igualmente fútil e indeterminado em torno das oposições de uma maior ou menor sensibilidade e irritabilidade, em seu crescer e decrescer, conjuntamente ou em direção oposta. Como a robustez e a fraqueza são determinações totalmente sensíveis e carentes de pensamento, também a maior ou menor sensibilidade ou irritabilidade é o fenômeno sensível apreendido e expresso do mesmo modo carente de pensamento. O conceito não passou a ocupar o lugar daquelas expressões carentes de conceito; ao contrário, a robustez e a fraqueza foram preenchidas mediante uma determinação, que tomada por si só se baseia no conceito e o tem por conteúdo, mas que perde de toda essa origem e esse caráter. Assim, por meio da forma da simplicidade e da imediatez em que esse conteúdo se converte em um lado da lei, e por meio da grandeza, que constitui o elemento da diferença dessas determinações - a essência, que originariamente é como conceito e como conceito é posta, mantém o modo da percepção sensível e permanece tão distante do conhecimento quanto o era na determinação segundo a robustez ou fraqueza da força, ou segundo as propriedades sensíveis imediatas. Agora falta ainda considerar o que é o exterior do orgânico somente para si e como nele se determina a oposição entre seu interior e seu exterior - do mesmo modo como o interior do todo inicialmente foi considerado na relação com o seu próprio exterior. O exterior, considerado para si, é a figuração em geral, o sistema da vida articulando-se no elemento do ser e essencialmente, ao mesmo tempo, o ser da essência orgânica para outro: essência objetiva em seu ser para si. Esse Outro se manifesta primeiro em sua natureza inorgânica externa. Como vimos acima, considerando os dois termos em ordem a uma lei, a natureza inorgânica não pode constituir um lado da lei frente à essência orgânica, uma vez que essa última é pura e simplesmente para si, e se refere à natureza inorgânica de um modo livre e universal. No entanto, se a relação dos dois lados for determinada mais precisamente na figura orgânica, então, essa por um lado está voltada contra a natureza inorgânica, mas, por outro lado, é para si, e refletida sobre si. A essência orgânica efetiva é o meio-termo que conclui o ser para si da vida junto com o exterior em geral, ou o ser em si. Mas o extremo do ser para si é o interior como Uno infinito que recupera em si os momentos da figura mesma, retirando-os de sua subsistência e vinculação com o exterior. Esse extremo é o carente de conteúdo, que se outorga seu conteúdo na figura e que nela aparece como o seu processo. Nesse extremo, como negatividade simples ou como singularidade pura, o orgânico tem sua liberdade absoluta, graças à qual é indiferente e garantido ante o ser para outro, e ante a determinidade dos momentos da figura. Essa liberdade é, igualmente, liberdade dos momentos mesmos: é sua possibilidade de se manifestarem e de serem apreendidos como ai essentes. E como nessa liberdade são livres e indiferentes quanto ao exterior, assim também o são reciprocamente, porque a simplicidade dessa liberdade é o ser ou sua substância simples. Esse conceito, ou essa liberdade pura, é uma só e a mesma vida, embora a figura - ou o ser para outro - possa ainda armar muitos jogos variados. É indiferente a esse rio da vida que espécie de moinhos ele faz girar. Antes de tudo, é preciso notar que neste ponto o conceito não deve entender-se como anteriormente, quando se considerava o interior propriamente dito em sua forma de processo ou do desenvolvimento de seus momentos. Aqui deve entender-se em sua forma de interior simples, que constitui o lado puramente universal, em contraste com a essência viva efetiva, ou como o elemento da subsistência dos membros essentes da figura; pois é dessa figura que aqui tratamos, e nela a essência da vida está como a simplicidade da subsistência. E então, o ser para outro ou a determinidade da figuração efetiva, acolhida nessa universalidade simples que é sua essência, é também uma determinidade não sensível simples e universal; que só pode ser a determinidade expressa como número. O número é o meio termo da figura que une a vida indeterminada com a vida efetiva: simples como uma, e determinado como a outra. O que na primeira - no interior - estaria como número, deveria ser expresso a seu modo pelo exterior, como efetividade multiforme, gênero de vida, cor etc.; como toda a multidão de diferenças, em geral, que se desenvolvem no fenômeno. Comparando os dois lados do todo orgânico - um, o exterior, outro o interior, de forma que cada qual tenha de novo em si um exterior e um interior - com seu interior respectivo, vemos que o interior do primeiro era o conceito como inquietude da abstração; mas que o segundo tem por interior a universalidade inerte, e nela também a determinidade inerte: o número. Portanto, se o primeiro lado - já que nele o conceito desenvolve seus momentos - promete leis ilusoriamente, devido à aparência de necessidade da relação, o segundo lado renuncia de vez a elas, porque o número se mostra como a determinação de um lado das suas leis. Pois o número é precisamente a determinidade de todo inerte, indiferente e morta na qual todo movimento e relacionamento se extinguem; e que rompeu a ponte que a unia com a vitalidade dos impulsos, com os hábitos, tipo de vida e com todo o ser-aí sensível. Porém, de fato, não é mais consideração do orgânico, essa consideração da figura do orgânico como tal, e do interior como um interior simplesmente da figura. Porque são postos como indiferentes um ao outro os dois lados que deveriam referir-se mutuamente; e assim é suprassumida a reflexão sobre si, que constitui a essência do orgânico. Mas a comparação tentada entre interior e exterior é antes transferida à natureza inorgânica. O conceito infinito é aqui somente a essência, escondida no íntimo do ser, ou que incide fora dele, na consciência de si: não tem mais sua presença objetiva como tinha no orgânico. Esse relacionamento entre interior e exterior deve ainda ser considerado em sua esfera peculiar. Em primeiro lugar, esse interior da figura, como singularidade simples de uma coisa orgânica, é o peso específico. Pode ser observado como ser simples, como a determinidade do número - a única de que é capaz; ou então, ser encontrado propriamente pela comparação das observações: dessa maneira parece fornecer um dos lados da lei. Figura, cor, dureza, resistência, e uma multidão inúmera de outras propriedades, formariam, em conjunto, o lado exterior, e teriam de exprimir a determinidade do interior - o número - de modo que um lado tivesse sua contrapartida no outro. Sendo que a negatividade já não é entendida aqui como movimento do processo, mas como unidade inerte ou ser para si simples, ela antes se manifesta como aquilo pelo qual a coisa resiste ao processo, e se mantém em si e como indiferente ao mesmo tempo. Mas, porque esse ser para si simples é uma indiferença inerte quanto ao outro, o peso específico aparece como uma propriedade ao lado das outras; com isso cessa todo o seu relacionamento necessário com essa multiplicidade, ou toda conformidade à lei. O peso específico, como esse interior simples, não tem a diferença nele mesmo, ou seja, só tem a diferença inessencial; pois justamente sua simplicidade pura suprassume toda a diferenciação essencial. Essa diferença inessencial - a grandeza - deveria ter no outro lado, que é a multiplicidade de propriedades, sua contrapartida, ou o Outro, porque só assim seria diferença, em geral. Se essa multiplicidade mesma for reunida na simplicidade da oposição e determinada, digamos, como coesão - de forma que essa seja o para si no ser Outro, assim como o peso específico é o puro ser para si -, nesse caso tal coesão é antes de tudo essa pura determinidade posta no conceito, em contraste com a primeira determinidade. E a maneira do legislar seria a que acima consideramos, no relacionamento entre sensibilidade e irritabilidade. Além disso, a coesão, como conceito do ser para si no ser Outro, é somente a abstração do lado que está oposto ao do peso específico, e, como tal, não tem existência nenhuma. Pois o ser para si no ser Outro é o processo em que o inorgânico teria que exprimir seu ser para si como uma autoconservação, que aliás o livraria de sair do processo como momento de um produto. Só que isso é precisamente contra sua natureza, que não tem nela mesma o fim ou a universalidade. Seu processo é, antes, somente o proceder determinado, o modo como se suprassume seu ser para si, seu peso específico. Esse proceder determinado, no qual a coesão subsistiria em seu verdadeiro conceito, e a grandeza determinada de seu peso específico são conceitos de todo indiferentes um para com o outro. Excluindo totalmente de consideração esse tipo de proceder, e restringindo-o à representação da grandeza, poder-se-ia talvez pensar essa determinação como se o peso específico maior, enquanto um ser dentro de si mais elevado, resistisse mais a entrar no processo que o peso específico menor. Mas, ao contrário, a liberdade do ser para si só se comprova na facilidade de relacionar-se com todas as coisas e de conservar-se nessa variedade multiforme. Aquela intensidade sem extensão dos relacionamentos é uma abstração carente de conteúdo, uma vez que a extensão constitui o ser-aí da intensidade. Mas, como foi lembrado, a auto conservação do inorgânico em seu relacionamento incide fora da sua natureza, porque o inorgânico não tem nele mesmo o princípio do movimento, ou porque seu ser não é a negatividade absoluta, não é conceito. Ao contrário, tomando esse outro lado do inorgânico não como processo mas como ser inerte - então é a coesão ordinária, uma propriedade sensível simples. Ela é posta de um lado, em contraste com o momento do ser Outro, deixado em liberdade, que se decompõe em múltiplas propriedades, mutuamente indiferentes, e que entra nelas como o peso específico. A multidão das propriedades, em conjunto, constitui o outro lado desse. Mas nele, como nos outros, o número é a única determinidade que não só exprime um relacionamento e uma passagem dessas propriedades, reciprocamente; senão que é justamente constituído essencialmente por não ter nenhum relacionamento necessário, mas por representar a abolição de toda a conformidade à lei: pois o número é a expressão da determinidade como uma determinidade inessencial. Sendo assim, uma série de corpos, cuja diferença é expressa como diferença-numérica de seus pesos específicos, não é em absoluto paralela a uma série que exprima a diferença de outras propriedades, mesmo se, para facilitar a Coisa Sache for tomada uma só propriedade ou algumas delas. Pois, de fato, o que nesse paralelo deveria constituir o outro lado, seria unicamente todo o bloco dessas propriedades. Para organizá-las entre elas e reuni-las em um todo, de uma parte estão presentes para a observação as determinidades de grandeza dessas variegadas propriedades, mas de outra parte suas diferenças entram em jogo como qualitativas. Ora, o que nesse aglomerado de propriedades deveria ser designado como positivo ou negativo, e se suprassumiria mutuamente - em geral a figuração interna, a exposição e a enunciação da fórmula, que seria muito complexa -, tudo isso pertenceria ao conceito. Mas o conceito é excluído justamente pela maneira como as propriedades se apresentam e são apreendidas: como essentes. Nesse ser, nenhuma mostra o caráter de um negativo com respeito à outra, se não que uma é, nem mais nem menos que a outra, e não indica aliás sua posição no ordenamento do todo. Em uma série que procede por diferenças paralelas, a relação poderia entender-se como crescente dos dois lados, ou como crescente de um lado e decrescente de outro. Numa tal série, só se trata da última expressão simples desse todo concentrado que deveria constituir um dos lados da lei frente ao lado do peso específico. Porém, esse lado, como resultado essente, não é outra coisa que o já mencionado: uma propriedade singular, como seria a coesão ordinária. Ao lado dela, indiferentemente, outras estão presentes, inclusive o peso específico. Qualquer outra propriedade poderia ser escolhida com igual direito, quer dizer, com igual falta de direito, para representar o outro lado todo. Cada uma delas representaria a essência, mas não seria a Coisa mesma. Assim, o intento de encontrar séries de corpos que se organizem segundo esse paralelismo simples de dois lados, e exprimam a natureza essencial dos corpos segundo uma lei desses lados, deve ser considerado como um pensamento que desconhece sua tarefa própria e os meios através dos quais ela deva ser cumprida. Anteriormente, o relacionamento entre o exterior e o interior na figura que deve apresentar-se à observação, foi transferido, sem mais, à esfera do inorgânico. Agora pode-se indicar melhor a determinação que produz essa transferência, resultando disso ainda outra forma e comportamento dessa relação. Em geral, falta no orgânico justamente o que no inorgânico parece oferecer a possibilidade de tal comparação entre o interior e o exterior. O interior inorgânico é um interior simples, que se oferece à percepção como propriedade essente. A grandeza é, essencialmente, a determinidade do interior, o qual se manifesta como propriedade essente, indiferente ao exterior e às outras numerosas propriedades sensíveis. Porém o ser para si, do Orgânico-vivente, não se apresenta assim, de um lado, em contraste com seu exterior, mas tem em si mesmo o princípio do ser Outro. Determinando o ser para si como relacionamento consigo mesmo, que é simples e que se conserva, então seu ser Outro será a negatividade simples; e a unidade orgânica, a unidade do relacionar-se consigo igual a si mesmo, e a negatividade pura. Essa unidade é, como unidade, o interior do orgânico; por isso ele é em si universal, ou é gênero. Mas a liberdade do gênero ante sua efetividade é outra coisa que a liberdade do peso específico ante a sua figura; que é uma liberdade essente, ou uma liberdade que se põe ao lado como propriedade especial. Mas, por ser liberdade essente, também é apenas uma determinidade que pertence essencialmente a essa figura; ou mediante a qual essa figura, como essência, é algo determinado. A liberdade do gênero, porém, é uma liberdade universal, e indiferente quanto à sua figura, ou quanto à sua efetividade. A determinidade que compete ao ser para si do inorgânico, como tal, incide no orgânico sob o seu ser para si; enquanto no inorgânico, somente sob seu ser. Embora já no inorgânico a determinidade igualmente esteja só como propriedade, contudo é a ela que pertence a dignidade da essência; porque, como negativo simples, contrasta com o ser-aí enquanto ser para outro. Ora, esse negativo simples, em sua última determinidade singular, é um número. Ao contrário, o orgânico é uma singularidade que é, por sua vez, negatividade pura; e que por isso elimina em si a determinidade fixa do número que compete ao ser indiferente. À medida que o orgânico tem nele o momento do ser indiferente - inclusive o momento do número -, pode assim o número ser tomado apenas como um jogo que se faz no orgânico, mas não como a essência de sua vitalidade. A pura negatividade, princípio do processo, não recai fora do orgânico: portanto, esse orgânico não a tem em sua essência como uma determinidade, mas a própria singularidade do orgânico é, em si, universal. Entretanto, essa singularidade pura não está no orgânico, desenvolvida e efetiva em seus momentos, como sendo eles mesmos abstratos ou universais. Ao contrário: essa expressão passa fora daquela universalidade, que recai na interioridade. Ora, o universal determinado, a espécie, se insinua entre a efetividade ou a figura - isto é, a singularidade que se desenvolve - e o universal orgânico, ou o gênero. A existência, a que chega a negatividade do universal - ou do gênero - é apenas o movimento desenvolvido de um processo que percorre as partes da figura essente. O gênero orgânico seria consciência se nele tivesse suas partes distintas como simplicidade inerte; e se sua negatividade simples como tal fosse assim ao mesmo tempo o movimento que percorre as partes também simples e imediatamente universais em si mesmas - que no caso seriam efetivas como tais momentos. No entanto, a determinidade simples, como determinidade da espécie, está presente no gênero orgânico de uma maneira carente de espírito. A efetividade começa a partir do gênero, ou seja, o que entra na efetividade não é o gênero como tal, isto é: não é absolutamente o pensamento. O gênero como orgânico efetivo se faz apenas substituir por um representante. Mas esse representante, o número, parece indicar a passagem do gênero à figuração individual, e oferecer à observação os dois lados da necessidade - entendida ora como determinidade simples, ora como figura desenvolvida até à multiplicidade. Na verdade, porém, o número antes designa a indiferença e a liberdade recíprocas do universal e do singular. O singular foi abandonado pelo gênero a uma diferença carente de essência - a diferença de grandeza; mas o singular mesmo, enquanto ser vivo, mostra-se também livre dessa diferença. A universalidade verdadeira, como já foi determinada, é aqui somente a essência interior; como determinidade da espécie, é a universalidade formal. Em contraste com ela, coloca-se aquela universalidade verdadeira ao lado da singularidade, a qual por isso é uma singularidade vivente, que mediante o seu interior se põe acima de sua determinidade como espécie. Entretanto, essa singularidade não é, ao mesmo tempo, o indivíduo universal no qual a universalidade tenha igualmente uma efetividade exterior: o indivíduo universal incide fora do orgânico-vivente. Porém esse indivíduo universal, tal como é imediatamente - o indivíduo das figurações naturais -, não é a consciência mesma. Se tivesse de ser consciência não poderia incidir fora dele seu ser-aí como indivíduo singular, orgânico, vivente. Temos pois um silogismo, em que um dos extremos é a vida universal como universal ou como gênero; o outro extremo, porém, é a mesma vida universal, mas como singular, ou como indivíduo universal. O meio-termo é composto pelos dois extremos: um parece insinuar-se no meio-termo como universalidade determinada ou como espécie; e o segundo, como singularidade propriamente dita ou como individualidade singular. E porque esse silogismo pertence, em geral, ao lado da figuração, está compreendido sob ele o que se distingue como natureza inorgânica. Agora a vida universal, como essência simples do gênero, desenvolve de seu lado as diferenças do conceito e deve apresentá-las como uma série de determinidades simples; por isso essa série é um sistema de diferenças postas indiferentemente, ou uma série-numérica. Anteriormente, o orgânico foi oposto, na forma da singularidade, a essa diferença, carente de essência, que não exprime nem contém a natureza vivente da própria singularidade; e o mesmo deve ser dito a respeito do inorgânico, segundo o seu ser aí completo, desenvolvido na multidão de suas propriedades. Mas agora é preciso considerar o indivíduo universal, não somente como livre de qualquer articulação do gênero, mas também de sua potência. O gênero se divide em espécie segundo a determinidade universal do número, ou também pode tomar por base de sua divisão as determinidades singulares de seu ser-aí, por exemplo, a figura, a cor etc. Mas nessa calma tarefa, sofre violência por parte do indivíduo universal - a Terra -, que, como negatividade universal faz valer, contra o sistematizar do gênero, as diferenças tais como a Terra tem em si, e cuja natureza, devido à substância a que pertencem, é diferente da natureza do gênero. Esse agir do gênero torna-se uma tarefa totalmente restringi da, que o gênero só pode levar adiante dentro do contexto daqueles elementos possantes; e que, interrompida de todo modo por sua violência sem freio, torna-se cheia de lacunas e fracassos. Em consequência disso, no ser-aí figurado, a razão só pode vir a ser para a observação como vida em geral. Uma vida, porém, que em seu diferenciar não tem em si efetivamente uma seriação e uma articulação racionais, e não é um sistema de figuras fundado em si mesmo. Suponhamos que, no silogismo da figuração orgânica, o meio-termo, em que recai a espécie, e sua efetividade enquanto individualidade singular, tivesse nele mesmo os extremos da universalidade interior e da individualidade universal. Se assim fosse, esse meio-termo teria no movimento de sua efetividade a expressão e a natureza da universalidade, e seria o desenvolvimento sistematizando-se a si mesmo. É desse modo que a consciência, entre o espírito universal e sua singularidade, ou consciência sensível, tem por meio-termo o sistema das figurações da consciência, como uma vida do espírito ordenando-se para constituir um todo: é o sistema considerado nesta obra, e que, como história do mundo, tem seu ser-aí objetivo. Mas a natureza orgânica não tem história: de seu universal - a vida - precipita-se imediatamente na singularidade do ser-aí; e os momentos unificados nessa efetividade - a determinidade simples e a vitalidade singular - produzem o vir a ser apenas como o movimento contingente, no qual cada um desses momentos é ativo em sua parte, e no qual o todo é conservado. Porém essa mobilidade é, para si mesma, limitada somente a seu próprio ponto, porque nele o todo não está presente; e não está presente porque aqui não está como todo para si. Assim, a razão observadora só chega na natureza do orgânico à intuição de si mesma como vida universal em geral. Além disso, para a própria razão, a intuição do desenvolvimento e da realização dessa vida só é possível segundo sistemas diferenciados de uma maneira totalmente universal. A determinação ou essência desses sistemas não está no orgânico como tal, mas no indivíduo universal, e, sob essas diferenças vindas da Terra, a intuição do desenvolvimento e da realização dessa vida torna-se possível somente de acordo com as seriações que o gênero tenta estabelecer. A universalidade da vida orgânica em sua efetividade, sem a mediação verdadeira para si essente, deve portanto precipitar-se imediatamente no extremo da singularidade; entretanto, a consciência observadora só tem diante de si, como coisa, o visar da natureza. Embora a razão possa ter um interesse ocioso em observar esse visar, deve limitar-se ao descrever e ao narrar das intenções e caprichos da natureza. Essa liberdade, carente de espírito, do visar, na certa vai oferecer, seja como for, embriões de leis, traços de necessidade, alusões à ordem e à classificação, relações argutas e aparentes. Mas ao relacionar o orgânico com as diferenças essentes do inorgânico - elementos, zonas, climas - a observação, no que respeita à lei e à necessidade, não vai além da grande influência. Mas há outro lado, em que a individualidade não tem a significação da Terra, mas a do Uno imanente à vida orgânica. Esse Uno, em unidade imediata com o universal, constitui o gênero -, mas um gênero cuja unidade simples só se determina como número e deixa livre, portanto, o fenômeno qualitativo. Nesse lado, pois, a observação não pode ir além das indicações adequadas, das relações interessantes, das deferências ao conceito. Mas tais indicações adequadas não são nenhum saber da necessidade; as relações interessantes ficam só no interesse, porém o interesse ainda é só o visar da razão. E as deferências do indivíduo para com o conceito são uma gentileza de criança, que, ao pretenderem ter algum valor em si e para si, são apenas infantis. b. A OBSERVAÇÃO DA CONSCIÊNCIA DE SI EM SUA PUREZA E EM SUA REFERÊNCIA À EFETIVIDADE EXTERIOR: LEIS LÓGICAS E LEIS PSICOLÓGICAS A observação da natureza encontra o conceito realizado na natureza inorgânica: sob a forma de leis cujos momentos são coisas que ao mesmo tempo se comportam como abstrações. Mas esse conceito não é uma simplicidade refletida em si mesma. Ao contrário, a vida da natureza orgânica é somente essa simplicidade em si mesma refletida. A oposição em si mesma, como oposição do universal e do singular, não se decompõe nesses momentos na essência dessa vida mesma. A essência não é o gênero que se separe e se mova em seu elemento carente de diferenças, e que ao mesmo tempo permaneça para si mesmo indiferenciado em sua oposição. A observação só encontra esse conceito livre, cuja universalidade contém em si mesma, de modo igualmente absoluto, a singularidade desenvolvida, só no próprio conceito existente como conceito, ou na consciência de si. Retomando agora a si mesma, e dirigindo-se ao conceito que é efetivo enquanto livre, a observação encontra primeiro as leis do pensar. Essa singularidade - que nele mesmo é o pensar - é o movimento abstrato do negativo, movimento de todo retraído para dentro da simplicidade; e as leis ficam fora da realidade. Não têm nenhuma realidade: isso, em geral, não significa outra coisa que: as leis são sem verdade. Mas se não devem ser a verdade total, que pelo menos sejam a verdade formal. Só que o puro formal sem realidade é o ente de razão, ou a abstração vazia, sem ter nela a cisão - que não seria outra coisa que o conteúdo. De outro lado, essas leis são leis do puro pensar. Ora, o pensar é o universal em si, e portanto um saber que tem nele o ser, imediatamente; e no ser toda a realidade. Por isso tais leis são conceitos absolutos, e são indivisamente as essencialidades tanto da forma quanto das coisas. Uma vez que a universalidade, movendo-se em si, é o conceito simples que é cindido - o conceito dessa maneira tem conteúdo em si, e justamente um que é todo o conteúdo; só não é um ser sensível. É um conteúdo que não está em contradição com a forma, nem, de modo algum, separado dela. Ao contrário: é essencialmente a própria forma, já que essa não é outra coisa que o universal separando-se em seus momentos puros. Essa forma ou conteúdo - tal como é para a observação como observação - recebe a determinação de um conteúdo achado, dado; quer dizer, um conteúdo apenas essente. Torna-se um calmo ser de relações, um grande número de necessidades dissociadas, que como conteúdo fixo em si e para si devem ter verdade em sua determinidade, e assim são de fato subtraídas à forma. Mas essa verdade absoluta de determinidades fixas, ou de muitas leis diversas, contradiz a unidade da consciência de si, ou seja, a unidade do pensar e da forma em geral. O que é enunciado como lei fixa e permanente em si pode ser somente como um momento da unidade refletindo-se em si, e surgir apenas como uma grandeza evanescente. Porém quando essas leis são arrancadas, pela operação que as examina, a esse conjunto coeso do movimento e expostas isoladamente, o conteúdo não lhes vem a faltar, pois têm nelas um conteúdo determinado; o que lhes falta é antes a forma, que é sua essência. De fato, essas leis não são a verdade do pensamento; não porque devam ser apenas formais, e não ter nenhum conteúdo, mas antes pela razão oposta: porque em sua determinidade - ou justamente como um conteúdo ao qual a forma foi subtraída - devem valer como algo de absoluto. Em sua verdade, como momentos evanescentes na unidade do pensar, deveriam ser tomadas como saber, ou como movimento pensante, mas não como leis do saber. Mas o observar não é o saber mesmo, e não o conhece; ao contrário, inverte a natureza do saber dando-lhe a figura do ser, isto é, só entende sua negatividade como leis do ser. É bastante, neste ponto, ter indicado a partir da natureza universal da Coisa a nenhuma verdade das assim chamadas leis do pensamento. Um desenvolvimento mais preciso pertence à filosofia especulativa, na qual essas leis se mostram como em verdade são, a saber, como momentos singulares evanescentes cuia verdade é tão somente o todo do movimento pensante: o próprio saber. Essa unidade negativa do pensar é para si mesma, ou melhor, é o ser para si mesmo, o princípio da individualidade; e é, em sua realidade, consciência operante. Pela natureza da Coisa, a consciência observadora será conduzida até essa outra consciência, como realidade daquelas leis. Mas porque esse nexo entre as leis de pensar e a consciência operante não é evidente para a consciência observadora, ela acredita que o pensar, em suas leis, fica de um lado, e que de outro lado recebe outro ser naquilo que lhe é objeto agora, ou seja, na consciência operante. Essa consciência é para si de modo que suprassume o ser Outro, e tem sua efetividade nessa intuição de si mesmo como o negativo. Abre-se pois novo campo para a observação na efetividade operante da consciência. A psicologia contém grande número de leis, segundo as quais o espírito se comporta diversamente para com os diversos modos de sua efetividade - enquanto essa efetividade é um ser Outro encontrado. Tal comportamento consiste, por uma parte, em acolher em si mesmo esses modos diversos, em adaptar-se ao que é assim encontrado: hábitos, costumes, modos de pensar, enquanto o espírito é neles objeto para si mesmo como efetividade. Mas, por outra parte, esse comportamento consiste em saber-se atuando espontaneamente frente a eles, a fim de retirar para si, dessa efetividade, só algo especial segundo a própria inclinação e paixão, e, portanto, em adaptar o objetivo a si mesmo. No primeiro caso, o espírito se comporta negativamente para consigo mesmo, enquanto singularidade; no outro caso, negativamente para consigo, enquanto universal. Conforme o primeiro lado, a independência só confere ao encontrado a forma da individualidade consciente em geral, e, no que respeita o conteúdo, permanece no interior da efetividade universal encontrada. Mas, conforme o outro lado, a independência confere a essa efetividade ao menos uma modificação peculiar, que não contradiz seu conteúdo essencial, ou seja, uma modificação pela qual o indivíduo, como efetividade especial e como conteúdo peculiar, se opõe àquela efetividade universal. Essa oposição vem a tornar-se crime quando o indivíduo suprassume essa efetividade de uma maneira apenas singular; ou vem a tornar-se outro mundo - outro direito, outra lei e outros costumes, produzidos em lugar dos presentes - quando o indivíduo o faz de maneira universal e, portanto, para todos. A psicologia observadora enuncia, primeiro, suas percepções dos modos universais que se lhe apresentam na consciência ativa; encontra numerosas faculdades, inclinações e paixões. Ora, na enumeração de tal coleção não se deixa reprimir a lembrança da unidade da consciência de si; por isso a psicologia deve, ao menos, chegar até ao ponto de maravilhar-se de que possam estar juntas no espírito, como num saco, tantas coisas tão contingentes e heterogêneas, especialmente porque não se mostram como coisas mortas, mas como movimentos irrequietos. Na enumeração dessas diversas faculdades, a observação está no lado universal: a unidade dessas múltiplas capacidades é o lado oposto a essa universalidade: a individualidade efetiva. Tem menos interesse do que descrever as espécies de insetos, musgos etc., isso de apreender as diferenças efetivas, de modo a descrever um homem como tendo mais inclinação a isso, e outro, mais inclinação àquilo; que fulano tem mais inteligência que sicrano. De fato, espécies vegetais e animais dão à observação o direito de tomá-las assim, de modo singular e carente de conceito, pois pertencem essencialmente ao elemento da singularização contingente. Ao contrário, tomar a individualidade consciente de uma maneira carente de espírito, como fenômeno singular essente, tem a contradizê-lo o fato de que sua essência é o universal do espírito. Aliás, enquanto o apreender faz ao mesmo tempo a individualidade entrar na forma da universalidade, ele encontra a lei da individualidade; e parece então ter um fim racional e desempenhar uma tarefa necessária. Os momentos constitutivos do conteúdo da lei são, de um lado, a própria individualidade, e, de outro, sua natureza inorgânica universal, ou seja, as circunstâncias, situações, hábitos, costumes, religião etc. que são "achados" e em função dos quais a individualidade determinada tem de ser concebida. Eles contêm o determinado como também o universal, e são ao mesmo tempo algo presente que se oferece à observação, e se exprime, de outro lado, na forma da individualidade. A lei dessas relações entre os dois lados deveria agora conter o tipo de efeito e de influência que essas circunstâncias determinadas exercem sobre a individualidade. Essa individualidade consiste justamente nisto: 1- em ser o universal e portanto em confluir de uma maneira tranquila imediata com esse universal que está presente como costumes, hábitos, etc.; 2- e, ao mesmo tempo, em comportar-se como oposta a eles, e portanto em subvertê-los: 3- como também em comportar-se, em sua singularidade, com total indiferença a seu respeito; não os deixando agir sobre ela, nem sendo ativa contra eles. Só da própria individualidade depende, pois, o que deve ter influência sobre ela, e qual influência isso deva ter - o que vem a dar exatamente no mesmo. Portanto dizer que tal individualidade, mediante essa influência, se tornou esta individualidade determinada não significa outra coisa senão que ela já era isso antes. Circunstâncias, situações, costumes etc., que uma vez são indicados como dados, e outra vez são indicados nesta individualidade determinada, somente exprimem a essência indeterminada da individualidade - da qual não se trata aqui. O indivíduo não seria o que é, se essas circunstâncias, maneiras de pensar, costumes, estado do mundo em geral, não tivessem sido; porque tal substância universal é tudo que se acha nesse estado do mundo. Entretanto, para poder particularizar-se neste indivíduo - pois trata-se justamente de conceber um tal indivíduo - o estado do mundo deveria particularizar-se em si e para si mesmo, e nessa determinidade, que teria a si conferido, deveria ter agido sobre um indivíduo: só assim teria feito dele este indivíduo determinado que é. Fosse o exterior constituído, em si e para si, tal como se manifesta na individualidade, essa seria bem compreensível a partir dele. Teríamos então uma dupla galeria de quadros, em que uma seria reflexo da outra; uma, a galeria da determinidade completa e da delimitação das circunstâncias exteriores; outra, a mesma galeria, mas traduzida nessa modalidade segundo a qual as circunstâncias estão dentro da essência consciente. Uma seria a superfície da esfera; sua essência consciente seria o centro que representaria em si a superfície. Mas a superfície da esfera - o mundo do indivíduo - tem imediatamente a dupla significação de ser mundo e situação em si e para si essentes, e de ser o mundo do indivíduo: ou enquanto esse indivíduo, somente confluindo com ele, teria feito entrar em si o mundo tal como é, comportando-se a seu respeito somente como consciência formal; ou então, é o mundo do indivíduo enquanto o dado presente foi subvertido por ele. Como, pois, a efetividade é susceptível de uma dupla significação em virtude dessa liberdade, então o mundo do indivíduo tem de ser concebido a partir do indivíduo mesmo. A influência da efetividade, que é representada como essente em si e para si, sobre o indivíduo, recebe através desse indivíduo o sentido absolutamente oposto: o indivíduo, ou deixa correr imperturbado o fluxo da efetividade que o influencia, ou então o interrompe e o inverte. Desse modo porém a necessidade psicológica torna-se uma palavra tão vazia, que se dá a possibilidade absoluta de que o indivíduo que teria tido aquela influência pudesse também não ter tido. Desaparece, com isso, o ser que seria em si e para si, e que deveria formar um dos lados da lei, e precisamente o lado universal. A individualidade é o que é seu mundo como um mundo seu: é ela o círculo do seu agir, em que se apresentou como efetividade. É pura e simplesmente a unidade do ser enquanto dado e do ser enquanto construído: unidade em que os lados não incidem fora um do outro - como ocorria na representação da lei psicológica, em que um dos lados era o mundo em si como presente, e o outro, a individualidade como para si essente. Ou seja: se forem considerados esses lados, cada um para si, não se dá mais nenhuma necessidade, e nenhuma lei de sua relação mútua. c. OBSERVAÇÃO DA RELAÇÃO DA CONSCIÊNCIA DE SI COM SUA EFETIVIDADE IMEDIATA: FISIOGNOMIA E FRENOLOGIA A observação psicológica não encontra nenhuma lei da relação da consciência de si para com a efetividade, ou com o mundo oposto a essa consciência de si. Devido à recíproca indiferença dos dois lados, a observação é relançada em direção à determinidade peculiar da individualidade real, que é em si e para si; ou que na sua mediação absoluta contém como abolida a oposição do ser para si e do ser em si. A individualidade é o objeto que agora veio a ser para a observação - ou o objeto ao qual a observação passa agora. O indivíduo é em si e para si: é para si, ou é um agir livre; mas também é em si ou tem ele mesmo um determinado ser originário. Uma determinidade que é segundo o conceito; mas que a psicologia queria encontrar fora do indivíduo. Portanto surge, no indivíduo mesmo, a oposição que consiste em ser, de dupla maneira, tanto o movimento da consciência, quanto o ser fixo da efetividade fenomenal - efetividade essa que no indivíduo é, imediatamente, a sua. Esse ser - o corpo da individualidade determinada - é sua originariedade, o seu "não ter feito". Mas porque o indivíduo, ao mesmo tempo, é somente "o que tem feito", então o seu corpo é também a expressão de si mesmo, por ele produzida: é ao mesmo tempo um signo que não permaneceu uma Coisa imediata, mas no qual o indivíduo somente dá a conhecer o que é quando põe em obra sua natureza originária. Observando os momentos aqui presentes, tendo em vista a consideração anterior, aqui se nota uma figura humana universal, ou, ao menos, a figura universal de um clima, de um continente, de um povo, como antes se notavam a mesma cultura e os mesmos costumes universais. A isso se juntam as circunstancias particulares e a situação dentro da efetividade universal: aqui essa efetividade particular está como a formação particular da figura do indivíduo. De outra parte, como antes se opunham o agir livre do indivíduo e a efetividade como a sua, em contraste com a efetividade presente, aqui se tem a figura como expressão de sua efetivação posta por ele mesmo: os traços e as formas de sua essência auto ativa. Mas a efetividade, tanto universal quanto particular, que a observação anteriormente encontrava fora do indivíduo, é aqui a sua efetividade, seu corpo congênito. É justamente nesse corpo que incide a expressão pertencente ao seu agir. Na consideração psicológica deveriam estar relacionadas entre si a efetividade em si e para si essente, e a individualidade determinada. Mas aqui a individualidade determinada total é objeto da observação, e cada lado de sua oposição é, por sua vez, esse todo. Ao todo exterior pertence, pois, não apenas o ser originário, o corpo congênito, mas igualmente sua formação; e essa pertence à atividade do interior. O corpo é a unidade do ser não formado e do ser formado, e é a efetividade do indivíduo penetrada pelo ser para si. Esse todo abrange em si os lados fixos determinados e originários, e também os traços que somente surgem mediante o agir. Esse todo é; e este ser é a expressão do interior, do indivíduo posto como consciência e como movimento. O interior, igualmente, não é mais auto atividade formal, carente de conteúdo ou indeterminada, cujo conteúdo e determinidade, como ocorria antes, se encontrassem nas circunstâncias exteriores. Agora é um caráter originário, determinado em si, cuja forma é somente a atividade. Vamos portanto considerar neste ponto a relação entre esses dois lados: veremos como deve ser determinada, e o que se há de entender sob essa expressão do interior no exterior. Em primeiro lugar, esse exterior só torna o interior visível como órgão ou - em geral - faz do interior um ser para outro, uma vez que o interior, enquanto está no órgão, é a atividade mesma. A boca que fala, a mão que trabalha - e também as pernas, se quiserem - são órgãos que efetivam e implementam, que têm neles o agir como agir ou o interior como tal. Todavia, a exterioridade que o exterior ganha mediante os órgãos é o ato, como uma efetividade separada do indivíduo. Linguagem e trabalho são exteriorizações nas quais o indivíduo não se conserva nem se possui mais em si mesmo; senão que nessas exteriorizações faz o interior sair totalmente de si, e o abandona a Outro. Assim, tanto se pode dizer que essas exteriorizações exprimem demasiado o interior, como dizer que o exprimem demasiado pouco. Demasiado - porque o interior mesmo nelas irrompe, e não resta nenhuma oposição entre ele e suas exteriorizações, que não só fornecem uma expressão do interior, mas são imediatamente o interior mesmo. Demasiado pouco - porque o interior na linguagem e na ação se faz Outro, abandona-se ao elemento da transmutação, que, subvertendo a palavra falada e o ato consumado, faz deles algo diverso do que são em si e para si, enquanto ações de um indivíduo determinado. As obras, frutos das ações, perdem, por essa exterioridade vinda da ingerência de outros, o caráter de serem algo permanente em contraste com as outras individualidades. Mas, além disso, por se comportarem como um exterior separado e indiferente quanto ao interior que contém, as obras podem ser algo outro do que aparentam ser, e isso por causa do próprio indivíduo, que ou faz as obras com o intuito de darem a aparência de outra coisa do que em verdade são; ou porque é demasiado incompetente para se proporcionar esse lado exterior que propriamente queria, e para consolidá-lo de modo que sua obra não seja subvertida pelos outros. Portanto, o agir, entendido como obra consumada, tem duas significações opostas: ou é a individualidade interior, e não sua expressão - ou então, como exterior, é uma efetividade livre do interior, e que é algo totalmente diverso do interior mesmo. Por causa dessa ambiguidade, devemos voltar-nos para o interior, a fim de ver como é ainda no indivíduo mesmo, mas de modo visível, ou exterior. No órgão, contudo, o interior está somente como agir imediato, que alcança sua exterioridade no ato, o qual representa - ou não, o interior. O órgão, considerado segundo essa oposição, não garante assim a expressão que é procurada. Ora bem, se a figura exterior, enquanto não é órgão ou não é agir, tomada pois como um todo em repouso, só pudesse exprimir a individualidade interior, ela nesse caso se comportaria como uma coisa subsistente, que em seu ser-aí passivo acolhesse tranquilamente o interior, como algo estranho, tornando-o assim o signo desse interior. Um signo ou seja, uma expressão exterior contingente cujo lado efetivo seria para si carente de significado: uma linguagem cujos sons e combinações de sons não são a Coisa mesma, mas a ela vinculados através de livre-arbítrio, e para o qual seriam contingentes. Tal conexão arbitrária de elementos, sendo um exterior para o outro, não dá lei nenhuma. A fisiognomia, no entanto, se distingue de outras artes nocivas e estudos nada sadios, porque deve considerar a individualidade determinada na oposição necessária de um interior com um exterior; do caráter considerado como essência consciente, em oposição ao caráter visto como figura essente. Relaciona entre eles os dois momentos, de modo que se refiram um ao outro mediante seu conceito, e assim devam constituir o conteúdo de uma lei. Ao contrário, na Astrologia, na Quiromancia e "ciências" semelhantes parece que só se refere exterior a exterior, certa coisa a outra que lhe é estranha. Esta constelação, no instante do nascimento, e - trazendo esse exterior mais para perto do corpo - estas linhas da mão, são momentos exteriores para a vida longa ou breve, e para o destino do homem singular, em geral. Como exterioridades, são indiferentes um ao outro e não têm, um para o outro, a necessidade que deve estar contida na relação de um exterior com um interior. A mão, certamente, não parece algo tão exterior para o destino, mas antes parece relacionar-se com ele como com um interior. Pois o destino, por sua vez, é só a manifestação do que a individualidade determinada é em si como determinidade interior originária. Para saber agora o que essa determinidade é em si, o quiromante como o fisiognomista chegam aí por um caminho mais curto que o de Solon, por exemplo. Ele julgava que tal conhecimento só era possível pelo curso - e depois do curso - da vida inteira; considerava o fenômeno, mas os quiromantes e fisiognomistas consideram o em si. Contudo, é fácil ver que a mão deva apresentar o em si da individualidade do ponto de vista do destino, pelo fato de ser ela, depois do órgão da linguagem, o melhor meio pelo qual o homem chega à sua manifestação e efetivação. Ela é o artista inspirado de sua felicidade: dela pode-se dizer que é o que o homem faz, porque na mão, como no órgão ativo de seu aperfeiçoar-se, o homem está presente como força animadora. Ora, como o homem é originariamente seu próprio destino, a mão exprimirá portanto esse em si. Uma nova maneira de considerar o órgão, diversa da precedente, resulta dessa determinação de que o órgão da atividade é nele tanto um ser quanto o agir - ou de que no órgão o ser em si interior está presente e tem um ser para outro. Em geral, os órgãos mostraram que não podem ser tomados como expressões do interior, porque neles o agir está presente como agir, enquanto o agir como ato é somente exterior. Dessa maneira, interior e exterior incidem fora um do outro, são - ou podem ser - mutuamente estranhos. Segundo a determinação considerada, o órgão, por sua vez, deve ser tomado como meio-termo dos dois; pois justamente a presença nele do agir constitui ao mesmo tempo uma exterioridade desse agir, e, sem dúvida, uma exterioridade diversa da que é o ato, já que essa nova exterioridade fica para o indivíduo e no indivíduo. Agora, esse meio-termo - e unidade do interior e do exterior - é antes de tudo exterior também. Mas, depois, essa exterioridade é acolhida igualmente no interior. Como exterioridade simples, ela está em contraste com a exterioridade dispersa; a qual, ou é só uma obra ou condição singular, contingente para a individualidade toda, ou então, como exterioridade total, é o destino despedaçado em uma quantidade de obras e de condições. Por conseguinte, as simples linhas da mão, e igualmente o timbre e o volume da voz, como determinidade individual da linguagem - e também a própria linguagem enquanto recebe da mão uma existência mais fixa do que por meio da voz e se torna escrita, e na verdade, mais precisamente, manuscrito - tudo isso é expressão do interior. Desse modo essa expressão, como exterioridade simples, se encontra mais uma vez defronte da exterioridade multiforme da ação e do destino, perante os quais se comporta como interior. Tomemos primeiro como interior, como essência da ação e do destino, a natureza determinada e a particularidade congênita do indivíduo, junto com o que vieram a ser através da cultura. Nesse caso o indivíduo terá sua manifestação e exterioridade, primeiro na boca, na mão, na voz, na escrita à mão, não menos que nos outros órgãos e em suas determinidades permanentes. Só depois ele se exprimirá mais amplamente saindo para o exterior em sua efetividade no mundo. Como agora esse meio termo se determina como a exteriorização, a qual ao mesmo tempo foi reabsorvida para dentro do interior, seu ser-aí não está restringido ao órgão imediato do agir. Esse meio termo é antes o movimento e a forma - que nada realizam - do rosto e da figura em geral. Esses traços e seus movimentos são, segundo esse conceito, um agir retido, que permanece no indivíduo, e segundo a relação do indivíduo com o agir efetivo são o próprio controlar-se e examinar-se do indivíduo: - exteriorização enquanto reflexão sobre a exteriorização efetiva. O indivíduo, portanto, não fica mudo em seu agir exterior, ou em relação a ele; pois esse agir é ao mesmo tempo refletido, sobre si, e exterioriza esse ser-refletido sobre si. É o agir teórico - ou a linguagem do indivíduo consigo mesmo sobre seu agir -, que é também inteligível para outros, pois a própria linguagem é exteriorização. Nesse interior, que permanece interior em sua exteriorização, é pois observado o ser-refletido do indivíduo, a partir de sua efetividade. Vejamos o que se passa com tal necessidade posta nessa unidade. Esse ser-refletido é, primeiro, diferente do ato mesmo e pode, assim, ser algo outro, e ser tomado por algo outro do que é; vê-se pela expressão do rosto se alguém é sério no que diz ou faz. Inversamente, porém, o que deve ser a expressão do interior, é ao mesmo tempo expressão essente, e decai, por isso, na determinação do ser que é absolutamente contingente para a essência consciente de si. Portanto, é expressão, de certo, mas ao mesmo tempo é também apenas um signo, de forma que, para o conteúdo expresso, a constituição do que o exprimiu é de todo diferente. O interior, sem dúvida, nessa manifestação é um Invisível visível, mas sem ser ligado a ele: tanto pode estar numa manifestação como em outra; como outro interior pode estar na mesma manifestação. Lichtenberg diz com razão: "supondo que o fisiognomista tenha capturado uma só vez o homem, bastaria tomar uma resolução decidida para tornar-se de novo incompreensível por milênios”. Na relação precedente, as circunstancias dadas eram um essente, do qual a individualidade tomava o que podia e queria; ora abandonando-se a ele, ora o subvertendo. Por esse motivo, tal essente não continha a necessidade e a essência da individualidade. De modo semelhante, aqui o ser aparente imediato da individualidade é um ser tal que ora exprime o ser-refletido a partir da efetividade, e o seu ser dentro de si mesmo; ora, para a individualidade é somente um signo, indiferente quanto ao significado; e que portanto na verdade nada significa. Tal signo é, para a individualidade, tanto seu rosto, quanto sua máscara que pode retirar. A individualização impregna sua figura, nela se move e fala; mas todo esse ser-aí transborda também como um ser indiferente em relação à vontade e à ação. A individualidade apaga nesse ser a significação que tinha antes: a de ter nela seu ser-refletido em si ou a essência verdadeira; e inversamente, põe antes sua verdadeira essência e sua vontade no ato. A individualidade abandona aquele ser-refletido-em si, que está expresso nos traços e põe a própria essência na obra. E nisso contradiz a relação que fora estabelecida pelo instinto da razão, que se põe a observar a individualidade consciente de si para procurar o que deva ser nela o interior e o exterior. Esse ponto de vista nos leva ao pensamento típico que está na base da suposta ciência fisiognômica, A oposição a que chegou essa observação é, segundo a forma, a oposição do prático e do teórico - ambos postos justamente dentro da prática mesma -, a oposição da individualidade efetivando-se no agir - tomando o agir no seu sentido mais geral - e a oposição da própria individualidade, enquanto, desprendendo-se desse agir, em si reflete e o agir é seu objeto. O observar acolhe essa oposição segundo a mesma relação invertida em que essa oposição se determina no fenômeno. Para ele, o ato mesmo e a obra - seja a de linguagem, seja a de uma efetividade mais consolidada - valem como o exterior inessencial; enquanto o ser dentro de si da individualidade vale como o interior essencial. Entre os dois lados que a consciência prática tem nela - a intenção e o ato; o visar sobre sua ação e a ação mesma -, a observação escolhe o primeiro como o verdadeiro interior. Esse deve ter sua exteriorização mais ou menos inessencial na operação, porém na sua figura corporal tem sua exteriorização verdadeira. Essa última exteriorização é a presença sensível imediata do espírito individual. A interioridade, que deva ser a verdadeira, é a peculiaridade da intenção e a singularidade do ser para si. Os dois constituem o espírito visado. O que o observar tem como seus objetos é, portanto, ser-aí visado; e por entre tais objetos procura leis. O visar imediato sobre a presença visada do espírito é a fisiognomia natural: o julgamento apressado sobre a natureza interior, sobre o caráter de sua figura, à primeira vista. O objeto desse visar é de tal espécie, que está na sua essência ser em verdade outra coisa do que apenas ser sensível imediato. De certo, o que está presente é justamente esse ser refletido em si no sensível, a partir do sensível; e o que é o objeto do observar é a visibilidade como visibilidade do invisível. Mas, a rigor, essa presença sensível imediata é a efetividade do espírito, tal como é somente para o visar. Sob esse aspecto, o observar se ocupa com seu ser-aí visado, com a fisiognomia, a escrita à mão, o tom da voz, etc. Refere tal ser-aí justamente a tal interior visado. Não é o assassino, o ladrão, que devem ser conhecidos, mas a capacidade de ser isso. A determinidade fixa e abstrata perde-se, assim, na determinidade concreta e indefinida do indivíduo singular, que requer agora descrições bem mais engenhosas que aquelas qualificações. Tais descrições engenhosas dizem mais que as qualificações de assassino, ladrão, bondoso, íntegro etc., mas ainda não dizem o bastante para o fim almejado, que é exprimir o ser visado ou a individualidade singular. São tão insuficientes como as descrições da figura que não vão além de uma fronte achatada, um nariz comprido, etc. Com efeito, a figura singular, como também a consciência de si singular, são inexprimíveis enquanto ser visado. A ciência do conhecimento do homem, que focaliza o homem visado, como a fisiognomia que focaliza sua efetividade visada, e quer elevar a uma ciência os juízos carentes de consciência da fisiognomia natural, são por isso uma coisa sem pé nem cabeça, que não pode chegar a dizer o que visa - porque somente visa - e seu conteúdo é apenas algo visado. As leis que essa ciência se propõe encontrar são relações entre esses dois lados visados, e por isso não podem ser senão um visar vazio. Aliás, esse suposto saber, que pretende ocupar-se com a efetividade do espírito, tem precisamente por objeto o espírito, que elevando-se de seu ser-aí sensível se reflete em si mesmo; e o ser-aí determinado é, para o espírito, uma contingência indiferente. Por conseguinte, nas suas leis descobertas, ele deve saber imediatamente que nelas não se diz nada: só há puro falatório, ou somente um visar de si - expressão que tem a verdade de enunciar como sendo o mesmo: dizer seu visar e não aduzir com isso a Coisa, mas só um visar de si. Essas observações, por seu conteúdo, não ficam atrás de outra desse tipo: "Todas as vezes que há feira, chove", diz o vendedor. "E também toda a vez que estendo a roupa para secar", diz a lavadeira. Lichtenberg, que assim caracteriza a observação fisiognômica, diz ainda: "Se alguém dissesse: ages na verdade como um homem honesto, mas vejo por teu aspecto que te forças, e que és um canalha no teu coração, não há dúvida que até a consumação dos séculos qualquer sujeito de brios responderia com um soco na cara." Tal réplica acerta no alvo, pois é a refutação do primeiro pressuposto de tal ciência do visar, segundo a qual, justamente, a efetividade de um homem é seu rosto. O verdadeiro ser do homem é, antes, seu ato; nele, a individualidade é efetiva e é ela que suprassume o visado em seus dois lados. Primeiro, suprassume o visado como ser corporal em repouso, pois a individualidade, antes, se apresenta na ação como essência negativa que apenas é enquanto suprassume o ser. Em seguida, o ato suprassume a inexprimibilidade do visar, igualmente no que se refere à individualidade consciente de si, que no visar é uma individualidade infinitamente determinada e determinável. No ato consumado, essa falsa infinitude é aniquilada. O ato é algo simplesmente determinado, um universal, algo a ser apreendido em sua abstração: é homicídio, furto ou benefício, ato heroico, etc. Pode-se dizer do ato que ele é. O ato é isto; e seu ser não é somente um signo, mas a Coisa mesma. O ato é isto, e o homem individual é o que o ato é. Na simplicidade desse ser o homem é para os outros homens uma essência universal essente, e deixa de ser algo apenas visado. No ato, sem dúvida, o homem não está posto como espírito. Mas - pois que se trata de seu ser como ser -, de um lado, um ser duplicado está em confronto no ser da figura e no ser do ato; pois cada um deles pretende ser a efetividade humana. Contudo, há que afirmar só o ato como o ser autêntico do homem; e não sua figura - que deveria exprimir o que ele visa por seus atos, ou o que se acredita ser ele capaz de fazer. De outro lado, porque são também opostas sua obra e sua possibilidade interior (capacidade, ou intenção), é somente a obra que se deve considerar como sua efetividade verdadeira, mesmo se o homem esteja iludido a seu respeito, e ao retomar a si mesmo de sua operação acredite que é nesse interior outro do que era no ato. A individualidade, confiando-se ao elemento objetivo, enquanto se torna obra, abandona-se, sem dúvida, a ela para ser alterada e subvertida. Mas o que constitui o caráter do ato é isto: ser ou um Ser efetivo que se conserva; ou apenas uma obra visada, que some na sua nulidade. A objetividade não altera o ato mesmo; somente mostra o que ele é, quer dizer, se é ou não é nada. O desmembramento desse ser em intenções e semelhantes finezas, pelas quais o homem efetivo - isto é, seu ato -, deveria ser explicado retrocedendo de novo a um ser visado, deve-se abandonar à ociosidade do visar - sejam quais forem as intenções que possa nutrir sobre sua efetividade. Essa ociosidade, pondo em obra sua sabedoria inoperante, quer negar ao agente o caráter da razão, e maltratá-lo a ponto de lhe explicar o ser, antes por sua figura e traços que por seu ato. Deve receber a réplica a que aludimos acima, que lhe prove não ser a figura o Em si, mas antes um objeto para sentar a mão. Considerando agora o âmbito das relações em geral, nas quais a individualidade consciente de si pode ser observada, em ordem a seu exterior, resta ainda uma relação que a observação deve tomar por objeto. Na psicologia é a efetividade exterior das coisas que deve ter sua contrapartida consciente de si no espírito, e torná-lo concebível. Ao contrário, na fisiognomia, o espírito deve ser conhecido em seu próprio exterior como em um ser que seria a linguagem - a invisibilidade visível - de sua essência. Resta ainda a determinação do lado da efetividade segundo a qual a individualidade exprimiria a própria essência na sua imediatez puramente aí essente, imediata e fixa. Distingue-se, pois, da fisiognomia essa última relação por ser a presença falante do indivíduo, que em sua exteriorização operante apresenta a exteriorização que em si se reflete e contempla, ao mesmo tempo: que é movimento; mas os traços estáticos são essencialmente um ser mediatizado. Porém na determinação ainda por examinar, o exterior é enfim uma efetividade completamente estática, que em si mesma não é um signo falante; mas que, separada do movimento consciente de si, se apresenta para si, e é como uma simples coisa. Antes de tudo, é claro que a relação do interior com o exterior deve ser concebida como uma relação de nexo causal; pois a relação de um em si essente com outro em si essente - enquanto relação é necessária, é essa relação de nexo causal. Para a individualidade espiritual exercer um efeito sobre um corpo, deve ser como causa, ela mesma corporal. Porém o corpóreo, em que ela está como causa, é um órgão; não o órgão do agir sobre a efetividade exterior, e sim o do agir da essência consciente de si em si mesma, que só se exterioriza em relação ao seu corpo. Ora, não é fácil ver que órgãos podem ser esses. Pensando somente nos órgãos em geral, estaria à mão, facilmente, o órgão do trabalho; e também o órgão da sexualidade etc. Só que tais órgãos devem ser considerados como instrumentos ou como partes, que o espírito tem por meio termo; o espírito seria um dos extremos, e o outro extremo, a ele oposto, o objeto exterior. Mas aqui na fisiognomia se entende um órgão em que o indivíduo consciente de si se mantém como um extremo para si, perante sua própria efetividade a ele oposta: um órgão que, ao mesmo tempo, não é voltado para o exterior, mas refletido em sua ação; e em que o lado do ser não é um ser para outro. Na relação fisiognômica, de certo, o órgão é também considerado como um ser-aí em si refletido e que fala sobre o agir. Mas esse ser é um ser objetivo; e o resultado da observação fisiognômica é que a consciência de si se defronta com essa sua efetividade exatamente como o faria com algo indiferente. Mas a indiferença aí desvanece, já que esse ser-refletido-em si é ele mesmo operante; por isso obtém esse ser-aí uma relação necessária com ele. No entanto, para que seja operante sobre o ser-aí, deve também ter um ser, mas não propriamente um ser objetivo; e além disso tem de ser indicado como este órgão. Na vida ordinária, a cólera, por exemplo, foi localizada no fígado, como certo agir interior. Platão confere ao fígado função mais alta, - ou a mais alta, segundo alguns: a profecia, ou seja, o dom de proferir o sagrado e o eterno de maneira irracional. Porém o movimento que o indivíduo tem no fígado, no coração etc., não se pode considerar como movimento seu, de todo em si refletido; mas está nos órgãos antes como um movimento já plasmado no corpo, e um ser-aí animal voltado para fora, para a exterioridade. O sistema nervoso, ao contrário, é o repouso imediato do orgânico em seu movimento. Os nervos são também órgãos da consciência, submersa na sua direção para o exterior; mas o cérebro e a espinha dorsal podem ser considerados como a presença imediata da consciência de si - presença que em si permanece, não é objetiva nem tende para o exterior. À medida que o momento do ser, que tem esse órgão, é um ser para outro, um ser-aí, então é ser morto, e não mais presença da consciência de si. Porém esse ser dentro de si é, segundo seu conceito, uma fluidez onde os círculos ali traçados imediatamente se dissolvem e nenhuma diferença pode exprimir-se como essente. Entretanto, o espírito não é algo abstratamente simples, mas um sistema de movimentos, nos quais se distingue em momentos, embora permanecendo livre nessa distinção. Como organiza seu corpo, em geral, em diversas funções, destinando cada parte singular a uma só função, pode-se assim representar que o ser fluido de seu ser dentro de si é algo organizado. E parece que assim deva ser representado, pois o ser refletido dentro de si do espírito no cérebro mesmo é de novo somente um meio termo entre sua pura essência e sua organização corporal. Como um meio deve ter a natureza dos dois extremos, por isso tem, do lado do segundo extremo, também a organização essente. O ser espiritual orgânico possui ao mesmo tempo o lado necessário de um ser-aí subsistente em repouso; deve retroceder como extremo do ser para si, e ter defronte, como o outro extremo, o ser-aí em repouso. Esse é então o objeto sobre o qual atua como causa. Ora bem: se o cérebro e a medula são aquele ser para si corporal do espírito, então o crânio e a coluna vertebral são o outro extremo que dali se destaca: a saber, a coisa fixa e inerte. Aliás, quem reflete sobre a localização própria do ser-aí do espírito, não o coloca nas costas, mas somente na cabeça. Podemos pois, ao indagar sobre um saber como o que se apresenta aqui, contentar-nos com essa razão - que não é tão má, no caso - para limitar esse ser-aí ao crânio. Se a alguém ocorresse que as costas são o ser-aí do espírito porque, às vezes, saber e ação podem parcialmente lhe entrar ou sair por trás, isso não provaria que a medula fosse a sede do espírito, e o espinhaço o ser-aí onde imprime sua marca; porque provaria demasiado. Também se poderiam lembrar outros meios exteriores de atingir a atividade do espírito, para estimulá-la ou freá-la. A coluna vertebral está, pois, excluída; de pleno direito, se quiserem. Pode-se construir uma doutrina de filosofia natural, tão boa quanto muitas outras, ainda excluindo que só o crânio contenha os órgãos do espírito. Com efeito, isso foi antes excluído do conceito dessa relação, motivo pelo qual o crânio era tomado como o lado do ser-aí, Embora não se deva recorrer ao conceito da Coisa, a experiência ensina que, se é com o olho como órgão que se vê, não é da mesma maneira que com o crânio se mata, rouba ou faz poesia etc. Para essa significação do crânio, da qual ainda se vai falar, é preciso abster-se de usar a expressão órgão. Com efeito, embora se costume dizer que para os homens razoáveis não é a palavra mas a Coisa que importa, contudo isso não dá licença para designar uma Coisa com um nome que não lhe convenha. Seria ao mesmo tempo incompetência e impostura; dando a entender e fingindo que não tem a palavra justa, esconder de si que lhe falta na realidade, a Coisa, isto é, o conceito: pois caso o possuísse, encontraria também a palavra justa. O que foi determinado aqui, inicialmente, foi apenas isto: como o cérebro é a cabeça viva, o crânio é o "caput mortuum". Nesse ser morto, pois, os movimentos espirituais e os modos determinados do cérebro deveriam dar-se sua representação de efetividade exterior, que aliás ainda está no indivíduo mesmo. Quanto à relação desses movimentos e modos com o crânio - que como ser morto não tem o espírito imanente em si mesmo, - primeiro se oferece a relação acima estabeleci da Trata-se de uma relação exterior e mecânica, em que os órgãos próprios - e esses estão no cérebro - aqui arredondam o crânio; ali o alargam ou achatam, ou ainda nele influem do modo como se queira representar. Sem dúvida, sendo o crânio uma parte do organismo, deve-se pensar que nele haja, como em qualquer osso, uma autoformação viva. Ora, considerando desse ângulo, é antes o crânio que pressiona o cérebro e lhe impõe uma delimitação exterior; o que bem pode fazer, por ser mais duro. Nesse caso porém subsistiria sempre a mesma relação na determinação da atividade mútua do crânio e do cérebro; pois se o crânio é o determinante ou o determinado, isso em nada altera a conexão causal em geral. Só que assim o crânio se tornaria o órgão imediato da consciência de si, pois nele, como causa, se encontraria o lado do ser para si. Como porém o ser para si, como a vitalidade orgânica compete aos dois da mesma maneira, a conexão causal entre o cérebro e o crânio incide, de fato, fora deles. Esse desenvolvimento dos dois se ligaria ao interior, e seria uma harmonia orgânica preestabelecida, que deixaria os dois livres, um quanto ao outro: cada um com sua própria figura, à qual a figura do outro não precisaria corresponder. Mas ainda: a figura e a qualidade seriam deixadas livres uma da outra, como o são a forma da uva e o gosto do vinho. Mas à medida que a determinação do ser para si recai do lado do cérebro, e a do ser-aí do lado do crânio, é preciso também colocar no interior da unidade orgânica uma conexão causal entre os dois lados, uma relação necessária deles como exteriores um ao outro, quer dizer, uma relação também exterior, através da qual cada um teria sua figura determinada pelo outro, reciprocamente. Quanto à determinação em que um órgão da consciência de si seria causa ativa para o lado que o defronta, isso pode ser debatido de diversas maneiras: o assunto diz respeito à constituição de uma causa, considerada conforme seu ser-aí indiferente, sua figura e grandeza; uma causa, cujo interior e ser para si devem justamente ser algo tal que não interesse o ser-aí imediato. A autoformação orgânica do crânio é, em primeiro lugar, indiferente quanto à influência mecânica nele exercida. A relação entre essas duas relações é exatamente essa indeterminidade e ilimitação - pois a primeira a relação orgânica é um referir-se de si a si mesmo. Em segundo lugar, admite-se que o cérebro acolha em si as diferenças do espírito como diferenças essentes, e que haja uma quantidade de órgãos interiores ocupando um espaço distinto. Ora, isso contradiz a natureza, que assigna um ser-aí próprio aos momentos do conceito, pondo a simplicidade fluida da vida orgânica puramente de um lado, e do outro lado a articulação e a divisão dessa vida em suas diferenças; de modo que as diferenças, como aqui se devem entender, se mostram como coisas anatômicas particulares. Aliás, mesmo admitindo isso, ainda fica indeterminado: se um momento espiritual, conforme sua maior ou menor força - ou fraqueza - originária, deve possuir num caso um órgão cerebral mais extenso e no outro, um mais reduzido, ou se é justamente o inverso. Também fica indeterminado se o aperfeiçoamento do intelecto aumenta ou diminui o órgão; se o faz mais pesado e grosso, ou mais fino. Permanecendo indeterminada a constituição de uma causa, fica também indeterminada a maneira como ocorre sua influência sobre o crânio: se é um dilatar, ou um estreitar e contrair. Se tal influência foi determinada um tanto mais especificamente do que falando em um excitar - ainda assim fica indeterminado se isso ocorre inchando - à maneira de um emplastro de cantáride - ou encolhendo - como faz o vinagre. Para todos esses pontos de vista podem-se aduzir razões plausíveis, porque a relação orgânica, que é bem mais compreensiva, permite tanto um como o outro, e é indiferente a todo esse entendimento. No entanto, a consciência observadora não tem por que preocupar-se querendo determinar essa relação. Pois, além disso, o que está de um lado não é o cérebro como parte animal, mas o cérebro como ser da individualidade consciente de si. Essa individualidade, como caráter permanente e como agir consciente que se move, é para si e dentro de si; frente a esse ser para si e dentro de si estão sua efetividade e seu ser-aí para Outro. O ser para si e dentro de si é a essência e o sujeito que têm no cérebro um ser, o qual é subsumido sob essa essência e que só recebe seu valor mediante a significação imanente. Mas o outro lado da individualidade consciente de si - o lado do ser-aí - é o ser como independente e como sujeito, ou como uma coisa, e precisamente um osso; a efetividade e ser-aí do homem é sua caixa craniana. É esta a relação e o entendimento que na consciência observadora têm os dois lados desse relacionamento. A consciência observadora agora tem que ocupar-se com o relacionamento mais determinado desses lados. A caixa craniana tem, de certo, em geral, a significação de ser a efetividade imediata do espírito. Mas a variedade de aspectos do espírito dá a seu ser-aí uma variedade correspondente. O que se deve conseguir é a determinidade de significação dos lugares singulares em que esse ser-aí se divide: há que ver como esses lugares têm neles uma indicação dessa determinidade. A caixa craniana não é nenhum órgão de atividade, nem tampouco um movimento que seja linguagem. Não se furta, nem se assassina com a caixa craniana etc.; e por semelhantes atos ela não se altera o mínimo que seja; e assim não se torna um gesto de linguagem. O crânio é um essente que não tem valor de um signo. Os traços do rosto, o gesto, o tom - e também uma coluna, um marco numa ilha deserta - anunciam logo que se visa alguma outra coisa do que imediatamente apenas são. Dão-se logo a entender como signos porque têm neles uma determinidade que indica assim algo diverso, já que não lhes pertence peculiarmente. Também à vista de um crânio muitas coisas diversas podem ocorrer, como a Hamlet ao ver o crânio de Yorick. Mas a caixa craniana, tomada por si, é uma coisa tão indiferente e anódina que nada há para ver ou visar imediatamente, a não ser a própria. O crânio nos lembra, sem dúvida, o cérebro e sua determinidade, e também um crânio de outra conformação; mas não um movimento consciente. Porquanto não leva nele impressos uma mímica, um gesto, nem algo enfim que enuncie sua proveniência de um agir consciente de si. Ora, ele é essa efetividade que deveria representar, na individualidade, outro lado tal que já não fosse um ser refletindo-se em si mesmo, mas um ser puramente imediato. Aliás, como o crânio não sente, parece que poderia resultar para ele significação mais precisa, no caso em que sensações determinadas fizessem conhecer por sua vizinhança que função se possa atribuir ao crânio mesmo. Pelo fato de um modo consciente do espírito ter seu sentimento numa certa região do crânio, esse lugar indicará de algum modo, na sua figura, esse modo do espírito e sua particularidade. Por exemplo: muita gente por ocasião de um pensar concentrado, ou mesmo em geral, ao pensar, se queixa de sentir uma tensão dolorosa em algum ponto da cabeça. Assim também os atos de matar, roubar, fazer poesia etc., poderiam ser acompanhados cada um de uma sensação própria, que além disso poderia ter sua localização particular. Essa região do cérebro, que desse modo seria mais móvel e ativa, com verossimilhança plasmaria mais a região mais próxima do crânio; ou ainda, essa região, por simpatia ou por consenso, não ficaria inerte, mas aumentaria ou diminuiria, ou se modelaria da maneira que fosse. Mas o que torna inverossímil essa hipótese é que o sentimento, em geral, é algo indeterminado; e o sentimento na cabeça, como centro, poderia ser o sentimento universal de todo o padecer. De tal modo que junto com o prurido ou dor de cabeça do ladrão, do assassino, do poeta, misturam-se outros que não podem distinguir-se entre eles, nem distinguir-se dos que se chamam puramente corpóreos. Assim como não se pode diagnosticar a doença pelo sintoma da dor de cabeça, restringindo sua significação apenas ao corporal. De fato, de qualquer lado que se considere a Coisa, desaparece todo o relacionamento necessário entre os lados, como também qualquer indicação a seu respeito que fale por si mesma. Se o relacionamento tem de ocorrer, resta somente como necessária uma harmonia carente de conceito, livre e preestabelecida - das determinações correspondentes dos dois lados, pois um deles deve ser efetividade carente de espírito, simples coisa. De um lado está, pois, uma quantidade de regiões inertes do crânio, e do outro uma quantidade de propriedades espirituais: o seu número e sua determinação vão depender do estado da psicologia. Quanto mais pobre a apresentação do espírito, tanto mais facilitada a tarefa por esse lado. Quanto menos numerosas, mais delimitadas, mais fixas e ossificadas as propriedades do espírito, tanto serão mais semelhantes e comparáveis às determinações do osso mesmo. Embora essa comparação seja muito facilitada pela pobreza da representação do espírito, há sempre dos dois lados um grande número de determinações; resta para a observação a total contingência de suas relações. Se cada um dos filhos de Israel tirasse da areia do mar - à qual todos juntos deveriam corresponder - o grão de areia que simboliza, grandes seriam a indiferença e o arbítrio do processo para atribuir a cada um seu grão. Mas não seriam maiores que os do processo que assignaria a toda capacidade da alma, a toda paixão, regiões correspondentes do crânio e conformações ósseas. E ainda deveriam ser levadas em conta todas as nuanças do caráter de que costumam falar a psicologia e o conhecimento mais refinado do homem. O crânio do assassino tem isto -, que não é órgão, nem também signo, mas esta bossa. Ora, esse assassino tem uma porção de outras propriedades, como também outras bossas e junto com as bossas tem fossas também; pode-se fazer a escolha entre bossas e fossas. E sua disposição ao homicídio pode de novo ser referida a qualquer uma das bossas ou das fossas: e essas, por sua vez, a qualquer uma das propriedades do assassino - pois ele não é essa abstração de um assassino, nem tem uma única bossa e uma única fossa. Por conseguinte, as observações estabelecidas sobre esse ponto têm o mesmo valor que as do vendedor e da lavadeira, quando um vai à feira e a outra vai estender roupa. Vendedor e lavadeira poderiam ainda fazer a observação de que chove sempre que este vizinho passa, ou quando se comeu porco assado. Como a chuva é indiferente a essas circunstancias, assim é indiferente para a observação esta determinidade do espírito com respeito a este determinado ser do crânio. Com efeito, dos dois objetos dessa observação, um é um seco ser para si, uma propriedade ossificada do espírito; o outro é um seco ser em si. Uma coisa tão óssea, como são ambas, é perfeitamente indiferente a todo o resto. Para a grande bossa é exatamente tão indiferente ter na sua vizinhança um assassino, quanto ao assassino ter fossa por perto. Aliás, resta sempre a possibilidade de uma bossa numa região qualquer estar unida a qualquer propriedade, paixão etc. Pode-se representar o assassino com uma grande bossa aqui, nesta região do crânio, e o ladrão com uma, ali. Desse lado, a frenologia é capaz de se estender muito mais, pois até agora parece limitar-se à ligação de uma bossa com uma propriedade no mesmo indivíduo, de modo que esse possua ambas. Mas já a frenologia natural - pois deve haver uma frenologia dessas, como há uma fisiognomia natural - ultrapassa esse limite. Não só acha que um homem finório tenha atrás da orelha uma bossa do tamanho de um punho, mas ainda representa que a esposa infiel possua protuberâncias na testa; não na sua, mas na do marido. Também se pode representar com uma forte bossa, em algum ponto do crânio, quem vive sob o mesmo teto que o assassino - ou seu vizinho, ou num âmbito mais extenso, seus concidadãos. Do mesmo modo como se pode representar o besouro que depois de acariciado pelo caranguejo pula sobre o jumento, e depois etc. Mas quando a possibilidade não se toma no sentido de possibilidade de representação, mas no sentido de possibilidade interior ou possibilidade do conceito, então o objeto é uma efetividade tal que é - e deve ser - uma pura coisa, sem semelhante significação que só pode ter na representação. Apesar da indiferença dos dois lados, pode o observador aplicar-se a estabelecer relações, apoiando-se em parte no princípio universal da razão de que o exterior é a expressão do interior, e, de outro, ajudando-se da analogia com os crânios animais. Esses poderão certamente ter um caráter mais simples que os crânios humanos; ao mesmo tempo, mais difícil é dizer que caráter é esse, porque não é nada fácil um homem qualquer penetrar com sua representação na natureza de um animal. Então o observador encontra, para confirmar as leis que pretende ter descoberto, uma excelente ajuda numa diferença que neste ponto deve necessariamente nos ocorrer. Há que admitir, pelo menos, que o ser do espírito não pode ser tomado como algo simplesmente inabalado e inabalável. O homem é livre; deve-se admitir que o ser originário são apenas disposições sobre as quais o homem pode muito, ou que precisam de circunstâncias favoráveis para se desenvolverem. Vale dizer: um ser originário do espírito há que ser precisamente enunciado também como algo tal, que não exista como ser. Suponhamos que essas observações contradigam aquilo que a alguém ocorra afirmar como lei. Se fizer bom tempo em dia de feira, ou de lavar a roupa, o vendedor e a lavadeira podem dizer que, a rigor, deveria chover, e que em todo o caso está presente a disposição do tempo para a chuva. Dá-se o mesmo com as observações sobre o crânio. Este indivíduo propriamente deveria ser assim, como diz o crânio segundo a lei: tem uma disposição originária que aliás não se desenvolveu plenamente. Essa qualidade não está presente, mas deveria estar. A lei e o dever-ser se fundam sobre a observação da chuva efetiva, e do sentido efetivo que está nessa determinidade do crânio: porém se a efetividade não está presente serve, igualmente bem, a possibilidade vazia. Tal possibilidade, isto é, a não efetividade da lei estatuída, e portanto também observações que a contradizem, devem ocorrer necessariamente. E isso porque a liberdade do indivíduo e as circunstâncias favoráveis ao desenvolvimento são indiferentes quanto ao ser em geral entendido ou como interior originário, ou como exterior ossificado. E também porque o indivíduo pode ser ainda algo diverso do que é originariamente no interior, e, ainda mais, do que é como um osso. Estamos assim ante a possibilidade de que uma determinada bossa ou fossa do crânio seja tanto algo efetivo, quanto uma disposição apenas, na verdade indeterminada, seja para o que for. Há possibilidade de que o crânio designe algo que não é efetivo. Vemos suceder como sempre, no caso de uma má desculpa: pode servir para refutar o que queria justificar. Vemos que, pela natureza da Coisa, o visar é levado a dizer - mas de modo carente de pensamento - o contrário do que tem por seguro: - a dizer que por meio deste osso se indica qualquer coisa, mas que também, e igualmente, nada se indica. Nessa desculpa, o que se oferece confusamente ao próprio visar é o pensamento verdadeiro que justamente o destrói: o pensamento de que o ser como tal, em geral, não é a verdade do espírito. Como a disposição já é um ser originário, que nenhuma participação tem na atividade do espírito, também o osso, de seu lado, é algo exatamente assim. Sem a atividade espiritual, o essente é para a consciência uma coisa, e não sua essência; é tão pouco sua essência, que é, antes, o contrário: a consciência só é efetiva para si através da negação e da abolição de semelhante ser. Sob esse aspecto, deve-se ver, como renegação total da razão, fazer passar um osso como o ser-aí efetivo da consciência. Ora, é isso que se faz quando se considera o crânio como o exterior do espírito, já que o exterior é justamente a efetividade essente. De nada serve dizer que desse exterior apenas se conclui o interior, o qual é algo diverso; que o exterior não é o interior mesmo, mas só sua expressão. Com efeito, em sua relação recíproca, do lado do interior recai a determinação da efetividade que se pensa e é pensada, mas do lado do exterior a determinação da efetividade essente. Assim, quando se diz a um homem: "Tu (teu interior) és isto porque teu osso é assim constituído", isso não significa outra coisa que: "Eu tomo um osso por tua efetividade". A réplica a semelhante julgamento, mencionada a propósito da fisiognomia, deve servir aqui: um tapa pode mudar o aspecto das partes moles, e lhes imprimir um deslocamento, demonstrando somente que não são um verdadeiro Em si, e ainda menos a efetividade do espírito. Aqui, a rigor, a réplica deveria ir até a quebrar o crânio de quem julga assim, para lhe mostrar, de uma maneira tão grossa como sua sabedoria, que um osso não é para o homem nada de Em si, e muito menos sua verdadeira efetividade. O instinto tosco da razão consciente de si rejeitará, sem mais, tal frenologia. Rejeitará também esse outro instinto observador da razão, que chegando até o vislumbre do conhecer o entendeu de maneira carente de espírito: de que "o exterior é a expressão do interior". Mas às vezes, quanto pior é o pensamento, menos aparece onde está exatamente sua falha, e mais difícil é isolá-la. Diz-se que o pensamento é tanto pior quanto mais pura e vazia é a abstração que vale por sua essência. Porém a oposição de que aqui se trata tem por membros a individualidade consciente de si, e a abstração da exterioridade totalmente convertida em coisa: aquele ser interior do espírito, entendido como um ser fixo, carente de espírito, oposto precisamente a tal ser. Mas assim sendo, parece ter a razão observadora atingido sua culminância, a partir da qual deve abandonar-se a si mesma e fazer reviravolta. Com efeito, só o que é totalmente mau tem em si a necessidade imediata de se converter. Pode-se dizer assim do povo judaico que é e foi mais reprovado por se encontrar imediatamente defronte da porta da salvação. O que esse povo deveria ser em si e para si, essa essência ativa, ele não é para si, mas a transfere para além de si. Por essa extrusão, ele se possibilita um ser-aí superior, no qual vai poder recuperar seu objeto. Um ser-aí mais elevado do que teria, caso houvesse permanecido dentro da imediatez do ser. Com efeito, o espírito é tanto maior, quanto maior é a oposição da qual retorna a si mesmo. O espírito se faz essa oposição no suprassumir de sua unidade imediata, e na extrusão de seu ser para si. Só que se tal consciência não se reflete, o meio termo onde permanece é o vazio sem salvação, pois o que deveria preenchê-lo tornou-se um extremo solidificado. Assim, essa última etapa da razão observadora é a pior de todas; mas, por isso, sua reversão é necessária. Lançando um olhar retrospectivo sobre a série de relações consideradas até agora, e que constituem o conteúdo e o objeto da observação, vemos que: 1 - No primeiro modo, o ser sensível desvanece já na observação das relações da natureza inorgânica. Os momentos de suas relações apresentam-se como puras abstrações e como conceitos simples, que deveriam estar firmemente unidos ao ser-aí das coisas; mas esse se perdeu, de forma que o momento se mostra como puro movimento ou como universal. Esse processo livre, completo em si mesmo, conserva a significação de algo objetivo: mas agora vem à cena como um Uno. No processo do inorgânico, o Uno é o interior inexistente; e inversamente, o processo existente como Uno é o orgânico. 2 - O Uno, enquanto ser para si ou essência negativa, defronta o universal, esquiva-se dele, e permanece livre para si. Desse modo o conceito, realizado somente no elemento da singularização absoluta, não encontra na existência do orgânico sua expressão autêntica, que seria a de estar ali como universal; porém permanece um exterior, ou, - o que é o mesmo - um interior da natureza orgânica. 3 - O processo orgânico é livre somente em si, mas não para si mesmo; o ser para si de sua liberdade emerge no fim; existe como outra essência, como uma sabedoria sua consciente de si que está fora desse processo. Volta-se pois a razão observadora para essa sabedoria, para o espírito, para o conceito existindo como universalidade ou fim existindo como fim; de agora em diante sua própria essência é seu objeto. Volta-se primeiro a razão observadora para a pureza do objeto; mas sendo ela o apreender desse objeto como um objeto essente, movendo-se em suas diferenças - suas leis do pensamento se tornam relações do permanente com o permanente. Ora, como o conteúdo dessas leis são apenas momentos, elas se perdem no Uno da consciência de si. Esse novo objeto, tomado igualmente como algo essente, é a consciência de si singular e contingente; mantém-se, pois, a observação dentro do espírito visado e da relação contingente entre uma efetividade consciente e uma efetividade inconsciente. Em si mesmo, o objeto em questão é só a necessidade desse relacionamento; a observação, portanto, ainda o abraça mais estreitamente, e compara sua efetividade querente e operante com sua efetividade em si mesma refletida e contemplativa que por sua vez é também objetiva. Embora esse exterior seja na verdade uma linguagem do indivíduo, que ele possui em si mesmo, é ao mesmo tempo, enquanto signo, algo indiferente ao conteúdo que deveria significar; como o que põe para si mesmo o signo é indiferente quanto a ele. Por isso a observação retrocede dessa linguagem mutável ao ser fixo e enuncia, segundo seu conceito próprio, que exterioridade - não como órgão, nem como linguagem, ou signo, mas como coisa morta - é a efetividade exterior e imediata do espírito. O que fora suprassumido pela primeiríssima observação da natureza inorgânica - a saber, que o conceito deveria estar presente como coisa - é restaurado por essa última modalidade da observação, que assim faz da efetividade do próprio espírito uma coisa, ou, exprimindo inversamente, dá ao ser morto a significação do espírito. Sendo assim, a observação chegou ao ponto em que enuncia o que era nosso conceito sobre ela - a saber, que a certeza da razão busca a si mesma como efetividade objetiva. Certamente, com isso não se quer dizer que o espírito, representado por um crânio, seja enunciado como coisa. Nenhum materialismo - como se diz - está implicado nesse pensamento, ao contrário, o espírito deve ser algo diverso deste osso. Porém a expressão "o espírito é", não significa senão que "o espírito é uma coisa". Se o ser como tal - ou o ser-coisa - é atribuído como predicado ao espírito, a verdadeira expressão disso é, pois, que o espírito é algo como um osso. Portanto deve ser visto como da maior importância que se tenha encontrado a verdadeira expressão de que do espírito foi dito simplesmente: "ele é". Aliás, quando se diz do espírito: "ele é", "tem um ser", "é uma coisa"; uma efetividade singular - não se visa com isso algo que se possa ver ou tomar na mão, ou nele tropeçar etc. Contudo se diz uma coisa dessas: o que na verdade é dito, se exprime na proposição de que "o ser do espírito é um osso". Esse resultado tem agora uma dupla significação: primeiro sua significação verdadeira, enquanto é um complemento do resultado do movimento anterior da consciência de si. A consciência de si infeliz se extrusava de sua independência e lutava para converter seu ser para si numa coisa. Retrocedia, com isso, da consciência de si à consciência - isto é, à consciência para a qual o objeto é um ser, uma coisa. Mas o que é coisa é a consciência de si; ela é assim a unidade do Eu e do ser, a categoria. Quando o objeto é determinado desse modo para a consciência, ela tem razão. A consciência, como também a consciência de si, é em si propriamente razão: mas só pode dizer que tem razão a propósito da consciência para a qual o objeto se determinou como categoria. Contudo é ainda diferente disso o saber do que é a razão. A categoria que é a unidade imediata do ser e do Seu deve percorrer as duas formas; e a consciência observadora é justamente aquela à qual a categoria se apresenta sob a forma de ser. Em seu resultado, essa consciência enuncia como proposição aquilo de que é certeza inconsciente, a proposição que está contida no conceito da razão: é o juízo infinito, segundo o qual o Si é uma coisa - um juízo que se suprassume a si mesmo. Através desse resultado, pois, acrescenta-se à categoria esta determinação de que ela é essa oposição que se suprassume. A categoria pura, que para a consciência está na forma do ser ou da imediatez, é o objeto ainda não mediatizado, apenas presente; e a consciência é justamente assim um comportamento não imediatizado. O momento daquele juízo infinito é a passagem da imediatez para a mediação ou negatividade. O objeto presente é, por conseguinte, determinado como um negativo; porém a consciência é determinada como consciência de si perante ele. Ou seja: a categoria, que tinha percorrido a forma do ser no observar, é posta agora na forma do ser para si; a consciência já não quer encontrar-se imediatamente, mas produzir-se a si mesma mediante sua atividade. É ela mesma para si o fim de seu agir - como antes no observar só lidava com as coisas. A outra significação do resultado já foi considerada; é a do observar carente de conceito, que não sabe entender-se nem designar-se a não ser designando friamente um osso como efetividade de consciência de si. E um osso como se encontra enquanto coisa sensível, que ao mesmo tempo não perde sua objetividade para a consciência. Tal observar não possui nenhuma consciência clara do que diz, e não apreende sua proposição na determinidade de seu sujeito e predicado, e da relação dos dois; e menos ainda, no sentido do juízo infinito - que a si mesmo se dissolve - e no sentido do conceito. Assim, por uma mais profunda consciência de si do espírito, que aqui aparece como certa honestidade natural, o observar prefere esconder de si mesmo a ignomínia de um pensamento nu, carente de conceito, que toma um osso pela efetividade da consciência de si. Maquia esse pensamento com a mesma carência de pensamento, misturando relações variadas de causa e efeito, de signo, de órgão etc., que aqui não têm nenhum sentido - dissimulando dessa maneira, por distinções que delas derivam, o chocante dessa proposição. Fibras cerebrais e coisas semelhantes, consideradas como o ser do espírito, já são uma efetividade pensada, apenas hipotética; mas não a efetividade aí essente, sentida e vista: não são a efetividade verdadeira. Quando as fibras aí estão, quando se veem, são objetos mortos, e assim não valem mais como o ser do espírito. Mas a objetividade propriamente dita deve ser uma objetividade imediata, sensível, de modo que o espírito seja posto como efetivo nessa objetividade morta; pois o osso é o morto, enquanto está no próprio vivente. O conceito dessa representação é que a razão mesma é para si toda a coisidade, inclusive a coisidade puramente objetiva. Mas a razão é isso no conceito, ou seja, somente o conceito é sua verdade. Quanto mais puro é O próprio conceito, mais se degrada em sua vã representação, se o seu conteúdo não for tomado como conceito mas como representação. Quando o juízo que a si mesmo suprassume não é tomado com a consciência dessa infinidade que é a sua - mas como uma proposição permanente, e como um juízo em que sujeito e predicado valem cada um para si - então o Si é fixado como Si, e a coisa como coisa. Na verdade, um deve ser o outro. A razão - essencialmente conceito - é cindida imediatamente em si mesma e em seu contrário; uma oposição que, justamente por isso, também é imediatamente suprassumida. Mas ao oferecer-se desse modo como sendo ela mesma e o seu contrário, é mantida firmemente no momento totalmente singular desse desintegrar-se, e apreendida irracionalmente. Quanto mais puros os seus momentos, tanto mais chocante é a manifestação desse conteúdo, o qual ou é somente para a consciência ou então é enunciado ingenuamente por ela. A profundeza que o espírito tira do interior para fora, mas que só leva até sua consciência representativa e ali a larga, como também a ignorância de tal consciência sobre o que diz são a mesma conexão do sublime e do ínfimo, que no organismo vivo a natureza exprime ingenuamente, na combinação do órgão de sua maior perfeição - o da geração - com o aparelho urinário. O juízo infinito, como infinito, seria a perfeição da vida compreendendo-se a si mesma. Mas a consciência da vida comporta-se como o urinar, ao permanecer na representação. B - A EFETIVAÇÃO DA CONSCIÊNCIA DE SI RACIONAL ATRAVÉS DE SI MESMA A RAZÃO ATIVA A consciência de si encontrou a coisa como a si, e a si como coisa, quer dizer: é para ela que essa consciência é em si efetividade objetiva. Não é mais a certeza imediata de ser toda a realidade; mas é uma certeza tal, que o imediato tem para ela a forma de um suprassumido, de modo que sua objetividade só vale como superfície, cujo interior e essência é a própria consciência de si. Assim sendo, o objeto a que ela se refere positivamente é uma consciência de si; um objeto que está na forma da coisidade, isto é, um objeto independente. No entanto, a consciência de si tem a certeza de que esse objeto independente não lhe é nada de estranho, pois sabe que por ele é reconhecida em si. Ela então é o espírito, que tem a certeza de ter sua unidade consigo mesmo na duplicação de sua consciência de si e na independência das duas consciências de si daí resultantes. Essa certeza agora tem de elevar-se à verdade, para a consciência de si: o que para ela vale como sendo em si, e em sua certeza interior, deve entrar na sua consciência e vir a ser para ela. Comparando o caminho até aqui percorrido, já se pode caracterizar as estações universais dessa efetivação em geral. A saber: assim como a razão observadora repetira no elemento da categoria o movimento da consciência, isto é, a certeza sensível, a percepção e o entendimento - assim também esta razão ativa percorrerá de novo o duplo movimento da consciência de si, e da independência passará à sua liberdade. De início, essa razão ativa só está consciente de si mesma como de um indivíduo, e enquanto tal deve exigir e produzir sua efetividade em outro. Mas depois, ao elevar sua consciência à universalidade, torna-se razão universal, e o indivíduo é consciente de si como razão, como algo já reconhecido em si e para si, que unifica em sua pura consciência toda a consciência de si. É a essência espiritual simples que, ao chegar à consciência é, ao mesmo tempo, substância real; para dentro dela retomam, como a seu fundamento, todas as formas anteriores, que assim, em relação a ela, são momentos singulares simples de seu vir a ser. Os momentos se desprendem, sem dúvida, e aparentam formas próprias; mas de fato só têm ser-aí e efetividade sustidos pelo fundamento; e só têm verdade na medida que neles estão e permanecem. Tomemos em sua realidade essa meta alcançada: o conceito, que já surgiu para nós - isto é, a consciência de si reconhecida, que tem em outra consciência de si livre a certeza de si mesma, e aí precisamente encontra sua verdade. Destaquemos esse espírito ainda interior como substância já amadurecida em seu ser-aí, O que vemos patentear-se nesse conceito é o reino da eticidade. Com efeito, esse reino não é outra coisa que a absoluta unidade espiritual dos indivíduos em sua efetividade independente. É uma consciência de si universal em si, que é tão efetiva em outra consciência, que essa tem perfeita independência - ou seja, é uma coisa para ela. Tão efetiva que justamente nessa independência está cônscia da sua unidade com a outra, e só nessa unidade com tal essência objetiva é consciência de si. Essa substância ética, na abstração da universalidade, é apenas lei pensada; mas, não menos imediatamente, é a consciência de si efetiva ou o etos. Inversamente, a consciência singular só é esse Uno essente porque em sua própria singularidade está cônscia da consciência universal, como de seu próprio ser: porque seu agir e seu ser aí são o etos universal. É na vida de um povo que o conceito da efetivação da razão consciente de si tem de fato sua realidade consumada: ao intuir, na independência do Outro, a perfeita unidade com ele; ou seja, ao ter por objeto, como meu ser para mim, essa livre coisidade de outro, por mim descoberta - que é o negativo de mim mesmo. A razão está presente como fluida substância universal, como imutável coisidade simples, que igualmente se refrata em múltiplas essências completamente independentes, como a luz nas estrelas, em seus inúmeros pontos rutilantes. Em seu absoluto ser para si, tais essências não só em si se dissolvem na substância independente simples, mas ainda são para si mesmas; cônscias de serem tais essências simples singulares, porque sacrificam sua singularidade e porque essa substância universal é sua alma e essência. Do mesmo modo, esse universal é, por sua vez, o agir dessas essências como singulares; ou a obra por elas produzida. O agir e o atarefar-se puramente singulares do indivíduo referem-se às necessidades que possui como ser natural, quer dizer, como singularidade essente. Graças ao meio universal que sustém o indivíduo, graças à força de todo o povo, sucede que suas funções inferiores não sejam anuladas, mas tenham efetividade. Na substância universal, porém, o indivíduo não só tem essa forma da subsistência de seu agir em geral, mas também seu conteúdo. O que ele faz, é o talento universal, o etos de todos. Esse conteúdo, enquanto se singulariza completamente, está em sua efetividade encerrado nos limites do agir de todos. O trabalho do indivíduo para prover a suas necessidades, é tanto satisfação das necessidades alheias quanto das próprias; e o indivíduo só obtém a satisfação de suas necessidades mediante o trabalho dos outros. Assim como o singular, em seu trabalho singular, já realiza inconscientemente um trabalho universal, assim também realiza agora o trabalho universal como seu objeto consciente: torna-se sua obra o todo como todo, pelo qual se sacrifica, e por isso mesmo dele se recebe de volta. Nada há aqui que não seja recíproco, nada em que a independência do indivíduo não se atribua sua significação positiva - a de ser para si - na dissolução de seu ser para si e na negação de si mesmo. Essa unidade do ser para outro - ou do fazer-se coisa - com o ser para si, essa substância universal fala sua linguagem universal nos costumes e nas leis de seu povo. No entanto, essa imutável essência não é outra coisa que a expressão da individualidade singular que aparenta ser-lhe oposta. As leis exprimem o que cada indivíduo é e faz; o indivíduo não as conhece somente como sua coisidade objetiva universal, mas também nela se reconhece, ou: conhece-a como singularizada em sua própria individualidade, e na de cada um de seus concidadãos. Assim, no espírito universal, tem cada um a certeza de si mesmo - a certeza de não encontrar, na efetividade essente, outra coisa que a si mesmo. Cada um está tão certo dos outros quanto de si mesmo. Vejo em todos eles que, para si mesmos, são apenas esta essência independente, como Eu sou. Neles vejo a livre unidade com os outros, de modo que essa unidade é através dos Outros como é através de mim. Vejo-os como me vejo, e me vejo como os vejo. Por conseguinte, em um povo livre, a razão em verdade está efetivada: é o espírito vivo presente. Nela, o indivíduo não apenas encontra sua determinação, isto é, sua essência universal e singular expressa e dada como coisidade, senão que ele mesmo é tal essência e alcançou também sua determinação. Por isso os homens mais sábios da Antiguidade fizeram esta máxima: que a sabedoria e a virtude consistem em viver de acordo com os costumes de seu povo. Mas a consciência de si, que de início só era espírito imediatamente e segundo o conceito, saiu dessa felicidade que consiste em ter alcançado sua determinação e em viver nela. Ou, então: ainda não alcançou sua felicidade. Pode-se dizer igualmente uma coisa como a outra: comecemos pela primeira alternativa. A razão tem de sair dessa felicidade, pois somente em si, ou imediatamente, a vida de um povo livre é a eticidade real. Ou seja: é uma eticidade essente, e por isso esse espírito universal é, ele mesmo, um espírito singular. A totalidade dos costumes e das leis é uma substância ética determinada, que só se despoja da limitação no momento superior, a saber, na consciência a respeito de sua essência. Somente nesse conhecer tem sua verdade absoluta, mas não imediatamente em seu ser; pois, nesse, a substância ética é, por uma parte, uma substância limitada, e, por outra, é a limitação absoluta justamente porque o espírito está na forma de ser. Além disso, a consciência singular, tendo sua existência imediatamente na eticidade real ou no povo, é uma confiança maciça, para a qual o espírito ainda não se dissociou em seus momentos abstratos, e portanto essa consciência ainda não sabe que é a pura singularidade para si. Mas quando chega esse pensamento - como tem que ser - então essa unidade imediata com o espírito, ou seu ser nele, sua confiança está perdida. Isolada para si, agora a consciência singular é para si a essência; não mais o espírito universal. O momento dessa singularidade da consciência de si está, sem dúvida, dentro do próprio espírito universal, mas somente como uma grandeza evanescente - a qual, do mesmo modo que surge para si, também se dissolve nele imediatamente; e chega à consciência como confiança apenas. Cada momento, sendo momento da essência, deve chegar a apresentar-se como essência. Ora, quando o momento é assim fixado, o indivíduo se enfrenta com as leis e os costumes; que são um pensamento sem essencialidade absoluta, uma teoria abstrata sem efetividade. Mas o indivíduo é para si, como este Eu, a verdade viva. Ou então na outra alternativa a consciência de si ainda não alcançou essa felicidade de ser substância ética, o espírito de um povo. Pois ao retomar da observação, inicialmente o espírito enquanto tal ainda não se efetivou por si mesmo: foi posto somente como essência interior ou como abstração. Ou seja: de início, o espírito é imediatamente apenas. Mas sendo de modo imediato, o espírito é singular: é a consciência prática que avança para dentro do mundo por ela descoberto, a fim de duplicar-se nessa determinidade de um singular; para produzir-se como um isto, como uma réplica essente de si mesmo; para tornar-se consciente dessa unidade de sua efetividade com a essência objetiva. A consciência tem a certeza dessa unidade; dá por válido que já está presente em si essa unidade, ou essa harmonia de si e da coisidade. Mas tem certeza também que essa unidade só deve vir a ser para essa consciência mediante ela mesma, ou, que seu fazer é igualmente o encontrar dessa unidade. Ora, essa unidade se chama felicidade; por isso o indivíduo é enviado por seu espírito ao mundo para buscar sua felicidade. Para nós, a verdade dessa consciência de si racional é a substância ética; no entanto, para ela, aqui está somente o começo de sua experiência ética do mundo. Segundo a alternativa de que a consciência ainda não chegou à substância ética, esse movimento impele em sua direção. O que nessa substância se suprassume, são os momentos singulares que valem como isolados para a consciência de si. Têm a forma de um querer imediato, ou de um impulso natural que alcança sua satisfação; essa, por sua vez, é o conteúdo de um novo impulso. Porém de acordo com a alternativa, de que a consciência de si perdeu a felicidade de estar na substância, estão esses impulsos naturais unidos à consciência de seu fim, como a verdadeira determinação e essencialidade. A substância ética é rebaixada a predicado carente de si, cujos sujeitos vivos são os indivíduos que através de si mesmos têm de implementar sua universalidade e, por própria conta, cuidar de sua determinação. Na alternativa de que o reino da eticidade está por alcançar, essas figuras da consciência são o vir a ser da substância ética e a antecedem. Na alternativa de que esse reino já foi encontrado e perdido, tais figuras vêm depois, e revelam à consciência de si qual sua determinação. Na primeira alternativa, a imediatez ou a rudeza dos impulsos se perdem no movimento em que se põe à prova qual é a sua verdade; e seu conteúdo sobe a um nível superior. Mas na segunda alternativa, o que se perde é a falsa representação da consciência que coloca nesses impulsos sua determinação. Na primeira, o fim que os impulsos alcançam é a substância ética imediata; na segunda, porém, é a consciência dessa substância, e, justamente, uma consciência que sabe a substância como sua própria essência. Desse modo, seria esse movimento o vir a ser da moralidade: uma figura mais elevada que a anterior. Essas figuras, porém, ao mesmo tempo só constituem um lado do vir a ser da moralidade - o que incide no ser para si, ou um lado em que a consciência suprassume os seus fins; não o aspecto conforme o qual a moralidade jorra da substância mesma. Como esses momentos não podem ainda ter a significação de serem erigidos em fim - em oposição à eticidade perdida - valem pois aqui segundo o seu conteúdo espontâneo, e o fim para o qual impelem é a substância ética. Entretanto, por adequar-se melhor a nossos tempos a forma em que se manifestam quando a consciência, tendo perdido sua ética, de novo a procura repetindo aquelas formas - podem representar-se melhor tais momentos segundo os exprime essa alternativa. A consciência de si, que de início é somente o conceito do espírito, toma esse caminho com a determinidade de ser para si a essência como espírito singular. Seu fim é, pois, dar-se a efetivação como espírito singular - e como singular, desfrutar-se nessa efetivação. Na determinação de ser, para si, a essência como algo para si essente, a consciência de si é a negatividade do Outro. Assim, ela mesma, em sua consciência, surge como o positivo em contraste com alguma coisa que sem dúvida é, mas que para ela tem a significação de algo não em si essente. Aparece a consciência cindida entre essa efetividade encontrada e o fim que implementa através do suprassumir da efetividade, e, antes, faz dele efetividade em lugar dessa. Mas seu primeiro fim é seu ser para si imediato e abstrato, ou seja: é intuir-se como este singular em outro, ou intuir outra consciência de si como a si mesma. A experiência do que é a verdade desse fim eleva mais alto a consciência de si. A partir de agora é fim para si enquanto ao mesmo tempo é universal e tem a lei imediatamente nela. Mas no cumprimento dessa lei de seu coração faz a experiência de que a essência singular aqui não pode manter-se, já que o bem só pode efetuar-se através do sacrifício do singular; e a consciência de si torna-se virtude. A experiência, que a virtude faz, só pode ser isto: seu fim já foi conseguido em si; a felicidade se encontra no agir, imediatamente; e o agir mesmo é o bem. O conceito de toda essa esfera, a saber, que a coisidade é o ser para si do espírito, vem a ser no seu movimento para a consciência de si. Por isso, quando encontrou esse conceito, ela é, para si, realidade, como individualidade que imediatamente se exprime, e não encontra mais nenhuma resistência em uma efetividade oposta; individualidade para a qual somente esse exprimir mesmo é objeto e fim. a. O PRAZER E A NECESSIDADE A consciência de si que é para si, em geral, a realidade, tem nela mesma seu objeto. Mas o tem como um objeto que primeiro é só para si, e não é ainda essente. O ser a defronta como uma efetividade outra que a sua; e mediante a implementação de seu ser para si vai rumo ao objetivo de intuir-se como outra essência independente. Esse primeiro fim consiste em tornar-se consciente de si como essência singular em outra consciência de si, ou em reduzir essa outra a si mesma; ela tem a certeza que em si esse outro já é ela mesma. Na medida em que tal consciência se elevou da substância ética e do ser calmo do pensamento, ao seu ser para si, deixou para trás a lei do etos, e do ser-aí, os conhecimentos da observação e a teoria. Ficou tudo para trás - como uma sombra cinza evanescente. Com efeito, esse saber é, antes, o saber de algo que tem outro ser para si e outra efetividade que não os da consciência de si. Nele não penetrou o espírito da universalidade do saber e do agir, espírito de celeste aparência, em que silenciam a sensação e o gozo da singularidade, e sim o espírito da terra, para o qual somente o ser que é a efetividade da consciência singular vale como verdadeira efetividade. Como o Dr. Fausto de Goethe, Despreza intelecto e ciência - supremos dons dos homens - entregou-se ao demônio e deve ir para o inferno. Lança-se, pois, à vida e leva à plena realização a individualidade pura na qual emerge a consciência de si. Mais do que produzir para si sua felicidade, imediatamente a colhe e desfruta. As sombras da ciência, das leis e dos princípios que se interpõem entre ela e a sua própria efetividade, desvanecem como névoa sem vida, incapaz de acolher a consciência de si com a certeza de sua realidade. Ela então toma a vida como se colhe um fruto maduro; e que, do modo como se oferece à mão, essa o agarra. Seu agir é um agir do desejo somente segundo um dos momentos. Não procede à eliminação da essência objetiva toda, mas só da forma de seu ser Outro ou de sua independência, que é uma aparência carente de essência; porque, em si, o ser outro vale para a consciência de si, como a mesma essência; - ou como sua ipseidade. O elemento, em que o desejo e o seu oposto subsistem independentes e indiferentes um ao outro, é o ser-aí vivo. O gozo do desejo o suprassume na medida em que convém a seu objeto. Mas aqui o elemento que confere aos dois uma efetividade separada é, antes, a categoria: um ser que é essencialmente um representado. É portanto a consciência da independência que os mantém separados - seja a consciência somente natural seja a consciência cultivada em um sistema de leis. Para a consciência de si, que sabe o Outro como sua própria ipseidade, tal separação não é em si. Chega pois ao gozo do prazer, à consciência de sua própria efetivação em uma consciência que se manifesta como independente, ou na intuição da unidade das duas consciências de si independentes. Alcança seu fim, mas ali experimenta justamente o que é a verdade desse fim. Concebe-se a si mesma como esta essência singular para si essente. Porém a efetivação desse fim é por sua vez o suprassumir dele, já que a consciência de si não se torna objeto como este singular, mas sim como unidade de si mesma e de outra consciência de si - por isso, como singular suprassumido ou como universal. O prazer desfrutado possui, decerto, a significação positiva de ter vindo a ser para si mesmo como consciência de si objetiva; mas igualmente, a negativa de ter suprassumido a si mesmo. Ora, como a consciência de si só concebia sua efetivação naquela significação positiva, sua experiência entra em sua consciência como contradição. Ali vê aniquilada pela essência negativa a efetividade, que alcançara, de sua singularidade; embora carente de efetividade, a essência negativa vazia a defronta e é a potência que a devora. Tal essência outra coisa não é que o conceito do que essa individualidade é em si; individualidade essa que ainda é a mais pobre figura do espírito que se efetiva, pois é somente, para si, a abstração da razão, ou a imediatez da unidade do ser para si e do ser em si; portanto, sua essência é só a categoria abstrata. No entanto, não tem mais a forma do ser simples imediato, como ocorria no espírito observador, onde o ser abstrato - posto como algo estranho - é a coisidade em geral. Agora entraram nessa coisidade o ser para si e a mediação. Portanto surge aqui a coisidade como o círculo cujo conteúdo é a pura relação desenvolvida das essencialidades simples. A efetivação, que essa individualidade conseguiu, não consiste, pois, em outra coisa que em ter projetado esse círculo de abstrações, desde o confinamento da simples consciência de si para dentro do elemento do ser para ela, ou da expansão objetiva. O que se torna, pois, no prazer desfrutado, objeto da consciência de si como sua essência, é a expansão dessas essencialidades vazias - da pura unidade, da pura diferença e de sua relação. Além disso, o objeto que a individualidade experimenta como sua essência não tem conteúdo nenhum. É o que se chama necessidade; com efeito, necessidade, destino etc., são justamente uma coisa que ninguém sabe dizer o que faz, quais suas leis determinadas e seu conteúdo positivo. Porque é o conceito absoluto intuído como ser, a relação simples e vazia, mas irresistível e imperturbável, cuja obra é apenas o nada da singularidade. A necessidade é essa conexão firme, porque as coisas conectadas são essencialidades puras, ou abstrações vazias: unidade, diferença e relação são categorias; cada uma delas nada é em si e para si, mas só em relação ao seu contrário; portanto não podem separar-se uma da outra. É através de seu conceito que mutuamente se referem, pois as categorias são os conceitos puros mesmos: essa relação absoluta e esse movimento abstrato constituem a necessidade. A individualidade somente singular, que só tem, de início, o puro conceito de razão por seu conteúdo, em vez de precipitar-se da teoria morta para a vida, o que fez foi jogar-se na consciência de sua própria carência de vida, e só participa de si como necessidade vazia e alheia - como efetividade morta. A passagem se efetua da forma do Uno para a forma da universalidade; de uma abstração absoluta para outra; do fim do puro ser para si, que rejeitou a comunidade com outros, para o contrário puro, que é por isso o ser em si igualmente abstrato. Isto se manifesta assim: o indivíduo somente foi ao chão, e a absoluta dureza da singularidade se espatifa em contacto com a efetividade, igualmente dura mas contínua. Ora, enquanto o indivíduo como consciência é a unidade de si mesmo e de seu contrário, essa queda no chão é ainda para ele; como também seu fim e sua efetivação, e igualmente a contradição entre o que para ele era essência, e o que a essência é em si. O indivíduo experimenta o duplo sentido subjacente no que fazia, isto é: ter levado sua vida; levava a vida, mas o que encontrava era, antes, a morte. Essa passagem de seu ser vivo para a necessidade sem vida se lhe manifesta, pois, como uma inversão, que por nada é mediatizada. O mediador deveria ser algo em que os dois lados fossem um só - portanto, a consciência que conhecesse um momento no outro: - seu fim e agir no destino, e seu destino no seu fim e agir; sua essência própria nessa necessidade. Porém essa unidade é para essa consciência justamente o prazer mesmo, ou o sentimento singular simples. A passagem do momento desse seu fim ao momento de sua essência verdadeira é para ela um puro salto no oposto, pois esses momentos não estão contidos e ligados no sentimento, mas só no puro Si, que é um universal ou o pensar. Assim, por meio da experiência - em que sua verdade deveria vir a ser para ela - a consciência tornou-se, antes, um enigma para si mesma: as consequências de seus atos não são, para ela, atos seus; o que lhe acontece não é, para ela, a experiência do que é em si; a passagem não é uma simples mudança de forma do mesmo conteúdo e essência, ora representado como essência e conteúdo da consciência, ora como objeto ou essência intuída de si mesma. A necessidade abstrata vale portanto como potência da universalidade, uma potência apenas negativa e não concebida, contra a qual a individualidade se despedaça. Até este ponto chega a manifestação dessa figura da consciência de si; o último momento de sua existência é o pensamento de sua perda na necessidade, ou o pensamento dela mesma como uma essência absolutamente estranha a si. A consciência de si porém sobreviveu, em si, a essa perda: pois essa necessidade ou a universalidade pura é sua essência própria. Essa reflexão da consciência sobre si mesma, que faz saber a necessidade como Si, é uma nova figura sua. b. A LEI DO CORAÇÃO E O DELÍRIO DA PRESUNÇÃO O que seja, na verdade, a necessidade na consciência de si, aparece claro nesta sua nova figura: a necessidade é a própria consciência de si, que nessa figura é para si como o necessário: sabe que tem em si imediatamente o universal ou a lei. A lei, devido a essa determinação de estar imediatamente no ser para si da consciência, chama-se lei do coração. Essa figura, enquanto singularidade, é para si essência - como a anterior; porém é mais rica, por ter a determinação pela qual seu ser para si vale como necessário ou universal. Assim, a lei, que é imediatamente a própria da consciência de si, ou um coração - mas um coração que tem nele uma lei -, é o fim que essa consciência vai efetivar. Resta ver se sua efetivação corresponde a tal conceito, e se nela a consciência de si experimentará essa lei sua como sendo a essência. Frente a esse coração está uma efetividade; pois dentro do coração a lei primeiro é somente para si, ainda não se efetivou, e por isso é também algo outro que o conceito. Determina-se esse Outro, portanto, como uma efetividade - que é o oposto do que se tem de efetivar - e sendo assim é a contradição entre a lei e a singularidade. De um lado, pois, essa efetividade é uma lei, pela qual a individualidade singular é oprimida: uma violenta ordem do mundo, que contradiz a lei do coração. De outro lado, é uma humanidade padecente sob essa ordem, que não segue a lei do coração, mas está submetida a uma necessidade estranha. Para a figura atual da consciência, essa efetividade que se manifesta perante ela não é, evidentemente, outra coisa que a relação anterior, cindida entre a individualidade e a sua verdade; relação de uma necessidade atroz pela qual a individualidade é oprimida. Para nós, o movimento precedente comparece ante essa nova figura; porque, em si, essa figura emergiu dele, o momento donde provém é necessário para ela. Manifesta-se porém esse momento como algo encontrado, enquanto ela não tem consciência nenhuma sobre sua origem. Para essa figura, a essência consiste antes em ser para si mesma; ou em ser o negativo contrastando com o Em si positivo. Essa individualidade tende, pois, a suprassumir a necessidade que contradiz a lei do coração, como também o sofrimento por ela causado. Sendo assim, a individualidade já não é a frivolidade da figura anterior, que somente queria o prazer singular; mas é a seriedade de um alto desígnio, que procura seu prazer na apresentação de sua própria essência sublimada, e na produção do bem da humanidade. O que a individualidade torna efetiva é a lei mesma, portanto seu prazer é ao mesmo tempo prazer universal de todos os corações. As duas coisas lhe são inseparáveis: seu prazer é "o conforme à lei" e a efetivação da lei da humanidade universal, o preparo de seu prazer singular; porquanto, no seu interior, a individualidade e a necessidade são imediatamente um só, e a lei é lei do coração. A individualidade ainda não se deslocou de seu posto, e a unidade das duas ainda não se efetuou através do movimento mediatizante entre elas, nem tampouco através da disciplina. A efetivação da essência imediata indisciplinada vale como a apresentação de uma excelência do indivíduo e como a produção do bem da humanidade. Ao contrário, a lei que se opõe à lei do coração é separada do coração e livre para si. A humanidade que lhe pertence não vive na unidade bem-aventurada da lei com o coração, mas sim, ou na separação e no sofrimento atroz; ou, pelo menos, na privação do gozo de si mesma - no acatamento da lei; e na privação de sua própria excelência - na transgressão da lei. Ora, como essa despótica ordem divina e humana está separada do coração, é para este uma aparência, que ainda deve perder o que lhe está associado; a saber, o poder e a efetividade. Acidentalmente, pode ocorrer que essa ordem coincida no conteúdo com a lei do coração - que nesse caso poderá tolerá-la. Mas, para esse coração, a essência não é pura conformidade à lei como tal, e sim a consciência de si mesma que o coração nela encontra, o fato de que nela se satisfaz. Mas onde o conteúdo da necessidade nada é em si segundo seu conteúdo, e deve ceder à lei do coração. O indivíduo cumpre, assim, a lei de seu coração: tornar-se ordem universal, e o prazer, uma efetividade em si e por si conforme à lei. Mas nessa efetivação, a lei de fato escapou do coração e tornou-se, imediatamente, apenas a relação que deveria ser suprassumida. Por essa efetivação, justamente, a lei do coração deixa de ser lei do coração. Nela recebe, com efeito, a forma do ser, e agora é potência universal, à qual esse coração é indiferente; de modo que o indivíduo, pelo fato de estabelecer sua própria ordem, não a encontra mais como sua. Com a efetivação de sua lei, ele não produz sua lei; pois embora, em si, seja a sua, para o indivíduo é uma efetivação estranha. O que ele faz é enredar-se na ordem efetiva, como numa superpotência estranha, que aliás não só lhe é estranha, mas inimiga. O indivíduo, através de seu ato, põe-se no elemento - melhor, como o elemento - universal da efetividade essente. Seu ato deve, até mesmo pelo sentido que lhe confere, ter o valor de uma ordem universal. Mas assim, o indivíduo libertou-se de si mesmo, cresce para si como universalidade, e se purifica da singularidade. O indivíduo - que só quer conhecer a universalidade sob a forma de seu imediato ser para si - não se reconhece nessa universalidade livre; e contudo, ao mesmo tempo, lhe pertence, pois ela é seu agir; agir que tem, pois, a significação pervertida de contradizer a ordem universal, já que seu ato deve ser ato de seu coração singular, e não efetividade universal livre. Mas, ao mesmo tempo, o indivíduo a reconheceu no ato, pois o agir tem o sentido de pôr sua essência como efetividade livre, quer dizer, reconhecer a efetividade como sua essência. Por meio do conceito de seu agir, o indivíduo determinou de maneira mais exata como é que se volta contra ele a universalidade efetiva - da qual ele se fez propriedade. Seu agir, como efetividade, pertence ao universal; mas seu conteúdo é a própria individualidade, querendo manter-se como este singular, oposto ao universal. Não se trata aqui do estabelecimento de qualquer lei determinada; porém a unidade imediata do coração singular com a universalidade, é o pensamento que deve valer e ser erigido em lei: "que todo coração deve reconhecer-se a si mesmo no que é lei". Mas só o coração deste indivíduo pôs sua efetividade no seu ato, que exprime seu ser para si ou seu prazer. O ato deve valer imediatamente como universal, quer dizer, é na verdade algo particular: da universalidade tem apenas a forma; seu conteúdo particular deve, como tal, valer por universal. Por isso os outros não encontram realizada nesse conteúdo a lei de seu coração, e sim a de outro. Ora, de acordo com a lei universal, justamente - de que "cada um deve encontrar seu coração no que é lei" -, voltam-se contra a efetividade que este indivíduo propunha, assim como ele se voltava contra a dos outros. Por conseguinte, o indivíduo, como antes abominava somente a lei rígida, agora acha os corações dos próprios homens, contrários a suas excelentes intenções e dignos de abominação. Para essa consciência, a natureza da efetivação e da eficiência lhe é desconhecida, porque só conhece a universalidade como imediata, e a necessidade como necessidade do coração. Não sabe que essa efetivação como essente é antes, em sua verdade, o universal em si - no qual some a singularidade da consciência que a ele se confia, para ser esta singularidade imediata. Portanto, em lugar desse Ser seu, o que ela consegue é a alienação de si mesma no ser. Mas aquilo em que a consciência não se reconhece já não é a necessidade morta, e sim a necessidade enquanto vivificada por meio da individualidade universal. Essa ordem divina e humana, que encontrou vigente, a consciência a tomou por uma efetividade morta. Nela, não teriam consciência de si mesmos, não somente ela - que se fixa como este coração para si essente oposto ao universal -, mas também os outros que a tal ordem pertencem. Mas antes, ela encontra essa ordem vivificada pela consciência de todos, e como lei de todos os corações. Faz a experiência de que a efetividade é uma ordem vivificada; e isso justamente porque ao mesmo tempo torna efetiva a lei de seu coração. Isso significa apenas que a individualidade se torna para si objeto como universal; um objeto, aliás, em que não se reconhece. Por conseguinte, o que para essa figura da consciência de si resulta como o verdadeiro de sua experiência contradiz o que ela é para si. Mas o que é para si tem também, para tal figura, a forma da universalidade absoluta: é a lei do coração, que imediatamente é um só com a consciência de si. Ao mesmo tempo, a ordem viva e subsistente é também sua própria essência e obra; não produz outra coisa a não ser essa ordem, que está em unidade igualmente imediata com a consciência de si. Dessa maneira, é a uma essencialidade duplicada e oposta que essa consciência pertence - contraditória em si mesma e dilacerada no que tem de mais íntimo. A lei desse coração é somente aquilo em que a consciência de si reconhece a si mesma. Porém, através da efetivação dessa lei, a ordem que vigora universalmente se lhe tornou sua própria essência, e sua própria efetividade. Portanto, o que se contradiz em sua consciência - a lei e o coração - estão ambos para ela na forma da essência e da sua própria efetividade. Quando enuncia esse momento de sua queda consciente e nisso o resultado de sua experiência, a consciência de si mostra-se como a subversão íntima de si mesma, como o desvario da consciência para a qual sua essência é imediatamente inessência, sua efetividade imediatamente inefetividade. O desvario não pode entender-se como se, em geral, algo inessencial fosse tido por essencial, algo inefetivo por efetivo; como se o que fosse para alguém essencial ou efetivo não o fosse para outrem; e como se a consciência da efetividade e da inefetividade - ou da essencialidade e da inessencialidade - incidissem fora uma da outra. Se algo é de fato efetivo ou essencial para a consciência, em geral, mas não o é para mim, então, na consciência de seu nada, eu - já que sou a consciência em geral - tenho ao mesmo tempo a consciência de sua efetividade; ora, quando os dois momentos são fixados, isso forma uma unidade que é o desvario em geral. Contudo, nesse desvario, o que está desvairado para a consciência é apenas um objeto; não a consciência como tal, em si e para si mesma. Porém, no resultado da experiência que se revelou aqui, a consciência na sua lei está cônscia de si mesma, como este Efetivo; e, ao mesmo tempo, tornou-se cônscia de sua inefetividade, enquanto consciência de si, enquanto efetividade absoluta; porque essa mesma essencialidade, essa mesma efetividade se lhe alienou. Ou seja: os dois lados, segundo sua contradição, valem imediatamente como sua essência para essa consciência - que portanto está desvairada no seu mais íntimo. O pulsar do coração pelo bem da humanidade desanda assim na fúria de uma presunção desvairada; no furor da consciência para preservar-se de sua destruição. Isso, porque ela projeta fora de si a perversão que é ela mesma, e se esforça por considerá-la e exprimi-la como um Outro. Então a consciência denuncia a ordem universal como uma perversão da lei do coração e da sua felicidade. Perversão inventada e exercida por sacerdotes fanáticos, por tiranos devassos com a ajuda de seus serviçais, que humilhando e oprimindo procuram ressarcir-se de sua própria humilhação. Em seu desvario, a consciência denuncia a individualidade como fonte de seu desvario e perversão; mas uma individualidade alheia e contingente. Porém o coração, ou seja, a singularidade - que pretende ser imediatamente universal - da consciência, é a fonte mesma desse desvario e perversão. Seu agir só tem por resultado que essa contradição chegue à sua consciência. Com efeito, o verdadeiro para ele é a lei do coração - algo meramente visado, que não suportou a luz do dia, como a ordem estabelecida; mas que, ao contrário, apenas exposto a essa luz, cai por terra. Essa lei, que é a sua, deveria ter efetividade; nesse caso, a lei, enquanto efetividade, enquanto ordem vigente, é para ela fim e essência. Mas também, imediatamente para ela a efetividade - precisamente a lei como ordem vigente - é, antes, o nada. Do mesmo modo, sua própria efetividade - o coração mesmo como singularidade da consciência - é, para si, a essência. Ora, ele tem por fim pôr essa efetividade como essente; logo, a essência ou o fim enquanto lei é antes, para ele, imediatamente o seu Si como algo não singular, e por isso mesmo, como uma universalidade que o coração seria para sua consciência mesma. Através do agir, esse seu conceito se torna seu objeto. Com efeito, o coração experimenta seu Si, antes como inefetivo - e a inefetividade como sua efetividade. Assim esse coração não é uma individualidade alheia e contingente; mas é justamente em si, sob todos os aspectos, pervertido e perversor. Aliás, se é perversa e perversiva a individualidade imediatamente universal, essa ordem universal - lei de todos os corações, ou seja, lei do pervertido - em si não é menos o pervertido, como denunciava o desvario furioso. De uma parte, na resistência que a lei de um coração encontra na lei dos outros singulares, a ordem universal demonstra ser a lei de todos os corações. As leis vigentes são defendidas contra a lei de um indivíduo, porque não são uma necessidade morta e vazia, carente de consciência, e sim a universalidade e a substância espirituais. Nelas vivem como indivíduos, e são conscientes de si mesmos, aqueles para quem essas leis têm sua efetividade. E isso de tal modo, que embora queixando-se dessa ordem como se contrariasse sua lei interior, e mantendo contra ela as suposições do coração, de fato estão pelo coração ligados a ela, como à sua essência, e tudo perdem se lhes for retirada, ou se dela se excluírem eles mesmos. Como nisso justamente consistem a efetividade e o poder da ordem pública, essa ordem se manifesta como a essência universalmente vivificada, igual a si mesma; enquanto a individualidade se mostra como sua forma. Porém essa ordem é igualmente o pervertido. Com efeito, por ser essa ordem a lei de todos os corações, e por serem todos os indivíduos imediatamente esse universal, ela é uma efetividade, a qual é somente a efetividade da individualidade para si essente, ou do coração. A consciência, que estabelece a lei de seu coração, experimenta assim resistência da parte dos outros, pois tal lei contradiz as leis igualmente singulares de seus corações. Na sua resistência, nada mais fazem que estabelecer suas próprias leis e fazê-las vigorar. O universal, que está presente, é portanto apenas uma resistência universal, uma luta de todos contra todos, em que cada um faz valer sua singularidade própria, mas ao mesmo tempo não chega lá, porque sua singularidade experimenta a mesma resistência e por sua vez é dissolvida pelas outras individualidades. O que parece ser ordem pública é assim essa beligerância geral, em que cada um arranca o que pode, exerce a justiça sobre a singularidade dos outros, consolida sua própria singularidade que igualmente desvanece por obra dos outros. Essa ordem é o curso do mundo, aparência de uma marcha constante, mas que é somente uma universalidade visada, e cujo conteúdo é antes o jogo inessencial da consolidação das singularidades e da sua dissolução. Consideremos os dois lados da ordem universal, contrastando um com o outro: a última universalidade tem por conteúdo a individualidade irrequieta, para o qual o visar ou a singularidade é a lei - o Efetivo, Inefetivo; e o Inefetivo é o Efetivo. Mas é, ao mesmo tempo, o lado da efetividade da ordem, porquanto lhe pertence o ser para si da individualidade. O outro lado é o universal como essência tranquila, mas, por isso mesmo, um interior apenas; não que seja totalmente nada, mas também não é efetividade nenhuma: só mediante a suprassunção da individualidade - que se arrogou a efetividade - é que pode tornar-se efetiva. Essa figura da consciência é a virtude: consiste em tornar-se certo de si na lei, no verdadeiro e no bem em si; e em saber, ao contrário, a individualidade como o pervertido e o perversor; e em ter, por isso, de sacrificar a singularidade da consciência. c. A VIRTUDE E O CURSO DO MUNDO Na primeira figura da razão ativa, a consciência de si era, para si, pura individualidade, e frente a ela se postava a universalidade vazia. Na segunda figura, cada uma das duas partes continha os dois momentos - lei e individualidade: uma das partes, o coração, era sua unidade imediata, e a outra, sua oposição. Aqui, na relação entre a virtude e o curso do mundo, os dois membros são, cada um, unidade e oposição desses momentos, ou seja, são um movimento da lei e da individualidade - um em relação ao outro, mas em sentido oposto. Para a consciência da virtude, a lei é o essencial, enquanto a individualidade é o que deve ser suprassumido, tanto na sua consciência mesma quanto no curso do mundo. Nela, a individualidade própria deve disciplinar-se sob o universal, o verdadeiro e o bem em si. Porém, mesmo assim, fica ainda sendo consciência pessoal: a verdadeira disciplina é só o sacrifício da personalidade toda, como garantia de que a consciência de fato já não está presa a singularidades. Ao mesmo tempo, nesse sacrifício singular, é extirpada no curso do mundo a individualidade, por ser também um momento simples, comum aos dois termos. A individualidade se comporta no curso do mundo de maneira inversa da que tinha na consciência virtuosa, a saber: ela se faz essência, e em contrapartida subordina a si o que em si é bom e verdadeiro. Além do que, para a virtude, o curso do mundo não é somente esse universal pervertido pela individualidade; mas a ordem absoluta é igualmente um momento comum aos dois termos; só que no curso do mundo não está presente, para a consciência como efetividade essente, mas é sua essência interior. Portanto, essa ordem não tem de ser produzida só pela virtude, já que o produzir, enquanto agir, é consciência da individualidade; a qual deve, antes, ser suprassumida. Porém com esse suprassumir, somente se dá espaço ao Em si do curso do mundo, para que possa entrar na existência em si e para si. O conteúdo universal do efetivo curso do mundo já se deu a ver: examinado mais de perto, não é outra coisa que os dois movimentos anteriores da consciência de si. Deles brotou a figura da virtude; posto que são sua origem, elas os têm diante de si; porém empreende suprassumir sua origem, realizar-se ou vir a ser para si. O curso do mundo é, pois, de um lado, a individualidade singular que busca seu prazer e gozo; assim agindo, encontra sua ruína, e desse modo satisfaz o universal. Mas essa satisfação mesma - como aliás os outros momentos dessa relação - é uma figura e um movimento pervertidos do universal. A efetividade é somente a singularidade do prazer e do gozo, enquanto o universal é o seu oposto: uma necessidade que é apenas a figura vazia do universal, uma reação puramente negativa e um agir carente de conteúdo. O outro momento do curso do mundo é o da individualidade que pretende ser lei em si e para si, e que nessa pretensão perturba a ordem estabelecida. Na verdade, a lei universal se mantém contra essa enfatuação, e não surge mais como algo oposto à consciência e vazio; nem como necessidade morta, mas sim como necessidade na consciência mesma. Porém essa lei universal, quando existe como relação consciente da efetividade absolutamente contraditória, é o desvario; e quando é como efetividade objetiva, então é a perversidade em geral. Portanto o universal se apresenta, de certo, nos dois lados, como a potência de seu movimento; mas a existência dessa potência é apenas a perversão universal. Agora deve o universal receber da virtude sua verdadeira efetividade, mediante o suprassumir da individualidade - do princípio da perversão. O fim da virtude é, pois, reverter de novo o curso pervertido do mundo, e trazer à luz sua verdadeira essência. Primeiro, essa essência verdadeira está no curso do mundo somente como seu Em si; não é ainda efetiva. Por isso a virtude nela crê, apenas. Procede a elevar essa fé ao contemplar, mas sem gozar dos frutos de seu trabalho e sacrifício. Com efeito: na medida em que a virtude é individualidade, ela é o agir da luta que trava com o curso do mundo; seu fim e sua verdadeira essência são o triunfo sobre a efetividade do curso do mundo: a existência assim efetuada do bem é desse modo a cessação de seu agir, ou da consciência da individualidade. Como é que essa luta se sustenta; que experimenta nela a virtude; se, com o sacrifício que a virtude assume, o curso do mundo sucumbe e a virtude triunfa; são questões que se devem decidir pela natureza das armas vivas que os lutadores empunham. Com efeito, essas armas não são outra que a essência dos próprios lutadores, a qual só surge para ambos de modo recíproco. Ora, suas armas já se revelaram pelo que, em si, está presente nessa luta. O universal, para a consciência virtuosa, é verdadeiro na fé, ou em si; não é ainda uma universalidade efetiva, e sim, abstrata: está nessa consciência como fim, e no curso do mundo como interior. Para o curso do mundo, é justamente nessa determinação que o universal se apresenta também na virtude, pois essa apenas quer realizar o bem, e não o dá ainda como efetividade. Pode-se também considerar essa determinidade de modo que o bem - enquanto surge na luta contra o curso do mundo - se apresente como sendo para outro; como algo que não é em si e para si mesmo, pois, aliás, não pretenderia dar-se sua verdade mediante a subjugação de seu contrário. Dizer que o bem é só para outro significa o mesmo já mostrado sobre o bem na consideração oposta: a saber, que o bem é uma abstração apenas, que só tem realidade na relação, e não em si e para si. O bem ou o universal, tal como surge aqui, é o que se chama dons, capacidades, forças. É um modo de ser do espiritual em que é apresentado como um universal, o qual precisa do princípio da individualidade para sua vivificação e movimento, e tem sua efetividade nesse princípio. Por esse princípio - enquanto está na consciência da virtude - o universal é bem aplicado; mas enquanto está no curso do mundo, é mal empregado: é um instrumento passivo, que, manobrado pela individualidade livre, é indiferente ao uso que faz dele. Pode também ser mal empregado para a produção de uma efetividade que seja sua destruição: é uma matéria sem vida, privada da independência própria, que pode ser modelada de um jeito ou de outro, inclusive para sua destruição. Como esse universal está igualmente à disposição tanto da consciência da virtude como do curso do mundo, pode-se questionar se a virtude assim armada vencerá o vício. As armas são as mesmas: são essas capacidades e forças. Sem dúvida, a virtude tem em reserva sua fé na unidade originária de seu fim com a essência do curso do mundo; no decorrer da luta, essa deve cair sobre a retaguarda do inimigo, e implementar em si o seu fim. Desse modo, para o cavaleiro andante da virtude, seu próprio agir e lutar são propriamente uma finta, que não pode levar a sério - já que empenha sua verdadeira valentia em que o bem seja em si e para si - isto é, que se cumpra por si mesmo. E também, uma finta que não deve fazer que seja levada a sério. Com efeito, o que ele volta contra o inimigo, e encontra voltado contra si mesmo, o que expõe à deterioração e ao desgaste, tanto nele quanto no inimigo, não deve ser o bem mesmo, já que a luta é para sua preservação e cumprimento. O que se põe em risco nessa luta, são apenas dons e capacidades indiferentes. Esses porém, de fato, não são outra coisa que precisamente esse universal mesmo, carente de individualidade, que deve ser preservado e efetivado através da luta. Entretanto, esse universal, ao mesmo tempo, já está imediatamente efetivado através do conceito mesmo da luta; é o Em si, o universal, e sua efetivação significa unicamente que ele é igualmente para outro. Os dois lados acima apresentados, segundo cada um dos quais o universal se tornava uma abstração, já não são separados: ao contrário, na luta e pela luta o bem é posto, a um só tempo, dos dois lados. Mas a consciência virtuosa entra em luta contra o curso do mundo como contra um oposto ao bem. Ora, o que o curso do mundo oferece à consciência na luta, é o universal; e não só como um universal abstrato, mas como um universal vivificado pela individualidade, e essente para outro: ou seja, o bem efetivo. Assim, onde quer que a virtude entre em contato com o curso do mundo, toca sempre posições que são a existência do bem mesmo, o qual, como o Em si do curso do mundo, está inseparavelmente imbricado em todas as suas manifestações e tem seu ser-aí na efetividade do curso do mundo. Esse, portanto, é invulnerável para a virtude. Justamente tais existências do bem - e assim, relações invioláveis - são todos esses momentos que a virtude teria de atacar e de sacrificar. Lutar, portanto, só pode ser um vacilar entre conservar e sacrificar - ou antes, não pode caber nem o sacrifício do próprio, nem o ferimento do estranho. Assemelha-se a virtude não só a um combatente, que na luta está todo ocupado em conservar sua espada sem mancha; e mais ainda: que entrou na luta para preservar as suas armas. Não só não pode fazer uso de suas próprias armas, como além disso deve manter intactas as do adversário, e protegê-las contra seu próprio ataque: porquanto são, todas, partes nobres do bem, pelo qual a virtude entrou na luta. Para esse inimigo, ao contrário, a essência não é o Em si, mas a individualidade. Sua força é, pois, o princípio negativo, para o qual nada há de subsistente, nem de absolutamente sagrado, senão que arrisca e pode suportar a perda de toda e qualquer coisa. Por isso, a vitória é certa, tanto nela mesma como pela contradição em que se enreda o inimigo. O que para a virtude é em si, para o curso do mundo é apenas para ele: é livre de qualquer momento que seja sólido para a virtude, e ao qual ela esteja ligada. O curso do mundo tem em seu poder tal momento, que lhe vale como um momento que tanto pode suprassumir como fazer subsistir; e assim tem em seu poder também o cavaleiro virtuoso, a ele vinculado. Não pode desembaraçar-se dele como de um manto que o envolvesse do exterior, e dele se libertar jogando-o atrás, já que esse momento é para ele a essência de que não se pode desfazer. Enfim, quanto à emboscada em que o bom Em si deveria astutamente surpreender o curso do mundo pela retaguarda - tal esperança, em si, não vale nada. O curso do mundo é a consciência desperta, certa de si mesma, que não se deixa atacar por detrás mas faz frente por todos os lados. Com efeito, o curso do mundo é tal que tudo é para ele, tudo está diante dele. Porém o bom Em si, é para o seu inimigo; assim é na luta que acabamos de ver. Mas enquanto não é para ele, mas em si, é o instrumento passivo dos dons e capacidades, a matéria carente de efetividade; representado como ser-aí, seria uma consciência adormecida, que ficou para trás, não se sabe onde. Portanto a virtude é vencida pelo curso do mundo, pois o seu fim de fato é a essência inefetiva abstrata, e porque, com vistas à efetividade, seu agir repousa em diferenças que só residem nas palavras. A virtude pretendia consistir em levar o bem à efetividade por meio do sacrifício da individualidade; ora, o lado da efetividade não é outro que o lado da individualidade. O bem deveria ser aquilo que é em si, e o que se põe em oposição ao que é; no entanto, o Em si, segundo sua realidade e verdade, é o ser mesmo. Primeiro, o Em si é a abstração da essência frente à efetividade; mas a abstração é justamente aquilo que não é verdadeiramente, porém que é só para a consciência. Quer dizer: é o que se chama efetivo, pois efetivo é aquilo que essencialmente é para outro, ou seja: é o ser. Entretanto, a consciência da virtude repousa nessa diferença do Em si e do ser que não tem verdade nenhuma. O curso do mundo deveria ser a perversão do bem, por ter a individualidade por seu princípio. Só que essa individualidade é o princípio da efetividade; pois é justamente a consciência por meio da qual o em si essente é também para outro. O curso do mundo perverte o imutável; de fato, porém, o inverte do nada da abstração ao ser da realidade. Assim, o curso do mundo triunfa sobre o que constitui a virtude em oposição a ele; triunfa sobre a virtude para a qual a abstração sem essência é a essência. No entanto, não triunfa sobre algo real, mas sobre o produzir de diferenças que não são nenhumas; sobre discursos pomposos a respeito do bem supremo da humanidade, e de sua opressão; e a respeito do sacrifício pelo bem, e do mau uso dos dons. Semelhantes essências e fins ideais desmoronam como palavras ocas que exaltam o coração e deixam a razão vazia; edificam, mas nada constroem. Declamações que só enunciam este conteúdo determinado: o indivíduo que pretende agir por fins tão nobres e leva adiante discursos tão excelentes, vale para si como uma essência excelente. Tudo isso não passa de uma intumescência, que faz sua cabeça e a dos outros ficarem grandes, mas grandes por uma oca flatulência. A virtude antiga tinha significação segura e determinada, porque tinha uma base, rica de conteúdo, na substância de um povo, e se propunha como fim, um bem efetivo já existente. Não se revoltava contra a efetividade como se fosse uma perversão universal e contra um curso do mundo. Mas a virtude de que se trata aqui é uma que está fora da substância, uma virtude carente de essência - uma virtude somente da representação e das palavras, privada daquele conteúdo substancial. O vazio dessa retórica em luta contra o curso do mundo se descobriria de imediato caso se devesse dizer o que sua retórica significa; por isso tal significado é pressuposto como bem conhecido. A exigência de dizer esse bem conhecido, ou seria atendida por uma nova torrente de retórica, ou então se lhe oporia o apelo ao coração que diz interiormente qual sua significação. Quer dizer: teria de confessar a impossibilidade de dizê-lo de fato. A cultura de nossa época parece ter alcançado a certeza da nulidade dessa retórica embora de maneira inconsciente. De fato, parece haver desaparecido qualquer interesse por toda a massa daquele palavreado, e pelo modo de pavonear-se com ele; perda que se exprime no fato de que tudo isso só produz tédio. Assim o resultado, que dessa oposição surge, consiste em desembaraçar-se a consciência como de um manto vazio, da representação de um bem em si, que não teria ainda efetividade nenhuma. Na sua luta, fez a experiência de que o curso do mundo não é tão mau como aparentava, já que sua efetividade é a efetividade do universal. Com essa experiência se descarta o meio de produzir o bem através do sacrifício da individualidade; pois a individualidade é precisamente a efetivação do em si essente. A perversão deixa de ser vista como uma perversão do bem porque é, antes, a conversão do bem, entendido como um mero fim, em efetividade; o movimento da individualidade é a realidade do universal. Mas de fato, por isso mesmo o que como curso do mundo defrontava a consciência do em si essente, é vencido e desvanece. O ser para si da individualidade ali se opunha à essência ou ao universal, e se manifestava como uma efetividade separada do ser em si. Mas, como se demonstrou que a efetividade está em unidade inseparável com o universal, então se demonstra que o ser para si do curso do mundo - tanto como o Em si da virtude - são apenas uma maneira de ver, e nada mais. A individualidade do curso do mundo pode bem supor que só age para si, ou por egoísmo; ela é melhor do que imagina: seu agir é ao mesmo tempo um agir universal em si essente. Quando age por egoísmo, não sabe simplesmente o que faz. Quando assegura que todos os homens agem por egoísmo, apenas afirma que todos os homens não possuem nenhuma consciência do que seja o agir. Quando a individualidade age para si, então isso é justamente o surgimento para a efetividade do que era apenas em si essente. Portanto, o fim do ser para si, que se supõe oposto ao Em si; suas espertezas vazias e também suas explicações sutis, que sabem detectar o egoísmo em toda a parte, igualmente desvaneceram - como o fim do Em si e sua retórica. O agir e o atarefar-se da individualidade são, pois, fim em si mesmo. O uso das forças, o jogo de sua exteriorização, são o que lhes confere vida, senão seriam o Em si morto. O Em si não é um universal irrealizado, inexistente e abstrato; mas ele mesmo é imediatamente essa presença e efetividade do processo da individualidade. c - A INDIVIDUALIDADE QUE É PARA SI REAL EM SI E PARA SI MESMA A consciência de si agora captou o conceito de si, que antes era só o nosso a seu respeito - o conceito de ser, na certeza de si mesma, toda a realidade. Daqui em diante tem por fim e essência a interpenetração movente do universal - dons e capacidades - e da individualidade. Os momentos singulares de sua implementação e interpenetração - antes da unidade na qual confluíram - são os fins considerados até aqui. Eles desvaneceram, como abstrações e quimeras que pertencem às primeiras figuras fátuas da consciência de si espiritual, e que só têm sua verdade no ser que pretendem o coração, a presunção e os discursos; e não, na razão. Agora a razão, certa de sua realidade em si e para si, já não busca produzir-se como fim, em oposição à efetividade imediatamente essente, mas tem por objeto de sua consciência a categoria como tal. Isto significa que foi suprassumida a determinação da consciência de si para si essente ou negativa, na qual surgia a razão; aquela consciência de si encontrava uma efetividade que era o negativo seu, e só efetivava seu fim suprassumindo-a. Como porém o fim e o ser em si se mostraram o mesmo que o ser para outro e a efetividade encontrada, a verdade já não se separa da certeza: - quer o fim posto se tome como certeza de si mesmo, e sua efetivação como verdade; quer o fim se tome como verdade e a efetividade como certeza. Aliás, a essência, e o fim em si e para si mesmo, são a certeza da própria realidade imediata - a interpenetração do ser em si e do ser para si, do universal e da individualidade. O agir é, nele mesmo, sua verdade e efetividade. Para o agir é fim em si e para si mesmo, a representação ou a expressão da individualidade. Com esse conceito, pois, a consciência de si retomou a si das determinações opostas que a categoria tinha para ela; e que sua atitude como observadora e depois como ativa tinha para com a categoria. Tem agora a pura categoria mesma por seu objeto; ou, é a pura categoria que veio a ser consciente de si mesma. Acertou as contas com suas figuras precedentes: jazem no esquecimento, atrás dela; não se deparam com a consciência de si como seu mundo encontrado, mas se desenvolvem apenas no interior dela como momentos transparentes. Entretanto, na sua consciência eles ainda se põem como um movimento que tem os momentos diferentes fora um do outro, que ainda não se recolheu à sua própria unidade substancial. Mas em todos os momentos, a consciência mantém firme a unidade do ser e do Si, unidade que é o gênero deles. Assim despojou-se a consciência de toda a oposição e de todo o condicionamento de seu agir; sai fresca de si, não rumo a Outro, mas rumo a si mesma. A matéria do operar e o fim do agir residem no próprio agir, já que a individualidade é, nela mesma, a efetividade. Por conseguinte, o agir tem o aspecto do movimento de um círculo que livre no vácuo se move em si mesmo, sem obstáculos; ora se amplia, ora se reduz, e, perfeitamente satisfeito, só brinca em si mesmo e consigo mesmo. O elemento, em que a individualidade apresenta sua figura, tem o significado de um puro assumir dessa figura: é a luz do dia, em geral, onde a consciência quer mostrar-se. O agir nada altera, e não vai contra nada: é a pura forma de trasladar o não tornar-se visto para o tornar-se visto. O conteúdo, que é trazido à luz do dia e que se apresenta, é o mesmo que este agir já é em si. O agir é em si: eis sua forma como unidade pensada; o agir é efetivo: - eis sua forma como unidade essente; o agir é conteúdo somente nessa determinação da simplicidade, em contraste com a determinação de seu trasladar-se e de seu movimento. a - O REINO ANIMAL DO ESPÍRITO E A IMPOSTURA - OU A COISA MESMA Essa individualidade em si real é, primeiro, uma individualidade singular e determinada. A realidade absoluta, tal como a individualidade se sabe, é portanto - como ela se torna consciente disso -, a realidade universal e abstrata, sem implementação nem conteúdo; apenas o pensamento vazio dessa categoria. Vejamos como este conceito da individualidade em si mesma real se determina em seus momentos, e como lhe entra na consciência o conceito que forma dela mesma. O conceito dessa individualidade - de que ela, como tal, é para si mesma toda a realidade - inicialmente é resultado. A individualidade ainda não apresentou seu movimento e realidade, e aqui é posta imediatamente como simples ser em si. Mas a negatividade, que é o mesmo que aparece como movimento, está no simples Em si como determinidade; e o ser, ou o simples Em si, torna-se uma determinada esfera do essente. A individualidade entra em cena, pois, como natureza originária determinada: como natureza originária, porque é em si; como originariamente determinada, porque o negativo está no Em si; o qual, portanto, é uma qualidade. Seja como for, essa limitação do ser não pode limitar o agir da consciência, porque essa é aqui um perfeito relacionar se de si consigo mesma; está suprassumida a relação para com o Outro, que a limitaria. A determinidade originária da natureza é, pois, somente princípio simples - um elemento universal transparente, onde a individualidade não só permanece livre e igual a si mesma, como também aí desenvolve sem entraves as suas diferenças; e na efetivação delas é pura ação recíproca consigo mesma. É semelhante à vida animal indeterminada que infunde seu sopro de vida ao elemento da água, do ar, ou da terra - e na terra ainda a outros princípios mais determinados - e imerge nesses princípios todos os seus momentos; mas apesar dessa limitação do elemento mantém-nos em seu poder e mantém-se na sua unidade, permanecendo a mesma vida animal universal enquanto esta organização particular. Essa natureza originária determinada da consciência, que nela é livre e permanece inteiramente, manifesta-se como o próprio conteúdo imediato e único do que é o fim para o indivíduo. De certo, o conteúdo é determinado, mas só é conteúdo em geral enquanto consideramos isoladamente o ser em si. Mas, na verdade, o conteúdo é a realidade penetrada pela individualidade: a efetividade tal como a consciência tem em si enquanto singular, e que de início é posta, como essente, e não ainda como agente. Mas para o agir, de um lado, essa determinidade não constitui uma limitação que ele queira superar, porquanto tal determinidade, considerada como qualidade essente, é a simples cor do elemento onde se move. De outro lado, porém, a negatividade só é a determinidade no ser. Mas o agir mesmo não é outra coisa que a negatividade: assim, na individualidade agente, a determinidade se dissolve na negatividade, em geral; ou no conjunto de toda a determinidade. No agir e na consciência do agir, a natureza originária simples alcança agora aquela diferença que corresponde ao agir. Primeiro, o agir está presente como objeto, e justamente como objeto que ainda pertence à consciência, ou seja, como fim. Desse modo se opõe a uma efetividade presente. O segundo momento é o movimento do fim, representado como em repouso, a efetivação como relação do fim para com a efetividade inteiramente formal, que assim é a representação da passagem mesma, ou o meio. O terceiro momento afinal é o objeto - quando não é mais fim de que o agente está imediatamente cônscio como seu, mas quando vai para fora do agente e é para ele, como Outro. No entanto, segundo o conceito dessa esfera, esses diversos aspectos agora devem ser estabelecidos de tal forma que neles o conteúdo permaneça o mesmo; sem que nenhuma diferença se introduza, nem entre a individualidade e o ser em geral, nem entre o fim e a individualidade como natureza originária, ou entre ele e a efetividade presente; nem tampouco entre o meio e a efetividade como fim absoluto; nem entre a efetividade efetuada e o fim ou a natureza originária, ou o meio. De início, a natureza originariamente determinada da individualidade, sua essência imediata, não está ainda posta como agente, e assim chama-se faculdade especial, talento, caráter etc. Essa colocação característica do espírito deve ser considerada como o único conteúdo do próprio fim, e, com absoluta exclusividade, como a realidade. Quem se representasse a consciência como ultrapassando esse conteúdo, e querendo levar à efetividade outro conteúdo, representar-se-ia a consciência como um nada labutando rumo ao nada. Além disso, essa essência originária não é só o conteúdo do fim, mas também é em si, a efetividade que aliás se manifesta como matéria dada do agir, como efetividade encontrada que deve formar-se no agir. O agir, precisamente, é só o puro trasladar da forma do Ser ainda não representado à forma do Ser representado. O ser em si daquela efetividade, oposta à consciência, afundou na pura aparência vazia. Essa consciência quando se determina a agir não se deixa induzir em erro pela aparência da efetividade presente; e também deve concentrar-se no conteúdo originário de sua essência, em vez de embaraçar-se em pensamentos e fins vazios. Sem dúvida, esse conteúdo originário só é para a consciência quando essa o efetivou; está descartada porém a diferença entre uma coisa que é para a consciência só dentro de si e uma efetividade em si essente que está fora dela. Só que, para que seja para a consciência o que é em si, deve agir: ou seja, o agir é precisamente o vir a ser do espírito como consciência. Assim, a partir de sua efetividade, sabe o que é em si. O indivíduo não pode saber o que ele é antes de se ter levado à efetividade através do agir. Mas com isso parece não poder determinar o fim de seu agir antes de ter agido; mas, ao mesmo tempo, o indivíduo, enquanto consciência, deve ter antes à sua frente a ação como inteiramente sua, isto é, como fim. Assim o indivíduo que vai agir parece encontrar-se em um círculo onde cada momento já pressupõe o outro, e desse modo não pode encontrar nenhum começo. Com efeito, só a partir da ação aprende a conhecer sua essência originária que deve ser seu fim; mas para agir deve possuir antes o fim. Mas, por isso mesmo, tem de começar imediatamente, e sejam quais forem as circunstancias; sem mais ponderações sobre o começo, o meio, e o fim, deve passar à atividade, pois sua essência e sua natureza em si essente são princípio, meio e fim: tudo em um só. Como começo, essa natureza está presente nas circunstâncias do agir, e o interesse que o indivíduo encontra em algo já é a resposta dada à questão: se há de agir, e o que fazer aqui. Pois o que parece uma efetividade que foi encontrada, é em si sua natureza originária, que tem somente a aparência de um ser: uma aparência que reside no conceito do agir que se fraciona, mas que se exprime como sua natureza originária no interesse que encontra nessa efetividade. Igualmente, o como ou os meios estão determinados, em si e para si. O talento, do mesmo modo, não é outra coisa que a individualidade originária determinada que se considera como meio interior, ou como passagem do fim à efetividade. Mas o meio efetivo, a passagem real, são a unidade do talento e da natureza da Coisa, presente no interesse. No meio, o talento representa o lado do agir; o interesse, o do conteúdo; ambos são a individualidade mesma, enquanto interpenetração do ser e do agir. Assim, o que está presente são as circunstâncias encontradas, que em si constituem a natureza originária do indivíduo; em seguida, o interesse, que põe as circunstâncias como coisa sua, ou como fim; e por último, a conjunção e a suprassunção dessa oposição no meio. Essa conjunção incide ainda no interior da consciência, e o todo que se acaba de considerar é um dos lados de uma oposição. Essa aparência de oposição, que ainda resta, é suprassumida através da própria passagem, ou do meio, por ser esse a unidade do exterior e do interior: o contrário da determinidade, que possui como meio interior. O meio suprassume, pois, essa determinidade e se põe a si mesmo - essa unidade do agir e do ser - igualmente como um exterior, como a individualidade mesma que veio a ser efetiva; isto é: posta para si mesma como essente. Dessa maneira a ação em sua totalidade não sai de si mesma, nem como circunstâncias, nem como fim, nem como meio, nem como obra. No entanto, com a obra, parece introduzir-se a diferença das naturezas originárias; a obra é algo determinado, do mesmo modo que a natureza originária que ela exprime. Com efeito, ao ser deixado em liberdade pelo agir - como efetividade essente - a negatividade está na obra como qualidade. Mas em confronto com ela, a consciência se determina como o que inclui em si a determinidade como negatividade em geral, como agir: a consciência é, portanto, o universal em contraste com aquela determinidade da obra. Pode então compará-la com outras obras, e daí apreender as individualidades mesmas como diferentes: pode entender o indivíduo que abarca mais amplamente em sua obra, por ter mais forte energia na vontade ou possuir natureza mais rica, isto é, cuja determinidade originária é menos limitada. Inversamente, pode entender outra natureza como mais fraca e mais pobre. Em contraste com essa diferença inessencial de grandeza, o bem e o mal exprimiriam uma diferença absoluta; mas aqui essa não encontra espaço. O que for tomado como bem ou como mal é igualmente um agir e empreender; um apresentar-se e exprimir-se de uma individualidade. Portanto, tudo é bom: não seria possível dizer com exatidão o que deveria ser o mal. O que se denominaria "uma obra má" é, de fato, a vida individual de determinada natureza que nela se efetiva; vida que seria rebaixada à obra má só através de um pensamento comparativo - aliás vazio, porque passa por cima da essência da obra, que consiste em ser um auto-exprimir-se da individualidade; e porque busca na obra e dela exige ninguém sabe o quê. O pensamento comparativo só poderia levar em conta a diferença acima exposta; mas essa, como diferença de grandeza, é, em si, diferença inessencial: especialmente aqui, porque diversas obras e individualidades seriam comparadas entre si. Ora, as individualidades são indiferentes umas às outras: cada uma só se refere a si mesma. Só a natureza originária é o Em si, ou o que poderia pôr-se na base como padrão de medida para o julgamento sobre a obra e vice-versa. Mas as duas coisas se correspondem mutuamente: nada é para a individualidade que não seja por meio dela, ou seja, não há nenhuma efetividade que não seja sua natureza e seu agir; e nenhum agir, nem Em si da individualidade, que não seja efetivo. Unicamente esses momentos devem ser comparados. Portanto, não tem cabimento em geral nem exaltação, nem lamentação, nem arrependimento. Coisas como essas procedem de um pensamento que imagina outro conteúdo e outro Em si, diverso da natureza originária do indivíduo e de sua atualização que se dá na efetividade. Seja o que for que ele faça, ou que lhe aconteça, foi ele quem fez, e isto é ele: o indivíduo só pode ter a consciência do simples traslado de si mesmo da noite da possibilidade para o dia da presença; do Em si abstrato para a significação do Ser efetivo. E pode ter esta certeza: o que vem a seu encontro na luz do dia é o mesmo que jazia adormecido na noite. Decerto, a consciência dessa unidade é também uma comparação; mas o que se compara tem só a aparência de oposição: uma aparência de forma que não passa de aparência para a consciência de si da razão, certa de que a individualidade é nela a efetividade. Assim o indivíduo, porque sabe que em sua efetividade nada pode encontrar a não ser a unidade dela com o próprio indivíduo, ou somente a certeza de si mesmo em sua verdade; e porque desse modo alcança sempre o seu fim, só sente em si alegria. Este é o conceito que forma sobre si a consciência certa de si como absoluta interpenetração da individualidade e do ser. Vejamos se tal conceito se confirma na experiência, e se sua realidade lhe corresponde. A obra é a realidade que a consciência se dá. Nela, o indivíduo é para a consciência o que é em si, de modo que a consciência para a qual ele vem a ser na obra não é a consciência particular, mas sim a universal. Na obra em geral, a consciência se transferiu para o elemento da universalidade: para o espaço, sem determinidade, do ser. A consciência que se retira de sua obra é de fato a consciência universal - porque nessa oposição se torna a negatividade absoluta, ou o agir - em contraste com sua obra, que é determinada. A consciência, pois, se ultrapassa enquanto obra, e ela própria é o espaço sem determinidade, que não se encontra preenchido por sua obra. Se antes sua unidade se mantinha no conceito, isso sucedia justamente porque a obra tinha sido suprassumida como obra essente. Mas a obra tem de ser; resta a examinar como no seu ser a individualidade manterá sua universalidade e saberá como satisfazer-se. Antes de tudo, há que considerar para si a obra que veio a ser. Recebeu nela a natureza toda da individualidade; portanto, seu próprio ser é um agir em que todas as diferenças se interpenetram e dissolvem. A obra é assim lançada para fora em um subsistir no qual a determinidade da natureza originária se retoma contra as outras naturezas determinadas, nas quais interfere e que interferem nela; e nesse movimento universal se perde como momento evanescente. No âmbito do conceito da "individualidade real em si e para si" são iguais entre si todos os momentos: circunstâncias, fim, meio e efetivação; e a natureza determinada originária só vale como elemento universal. Na obra, ao contrário - porque esse elemento universal se torna ser objetivo -, sua determinidade enquanto tal vem à luz do dia e é em sua dissolução que encontra sua verdade. Assim se apresenta essa dissolução, vista mais de perto: o indivíduo, como este indivíduo, veio a ser nessa determinidade efetivo para si; determinidade que não é só o conteúdo da efetividade, mas também sua forma. Ou seja, a efetividade como tal, em geral, é justamente essa determinidade, de ser oposta à consciência de si. Por esse lado se revela como uma efetividade alheia apenas encontrada, que desvaneceu do conceito. A obra é: quer dizer, é para outras individualidades; é como uma efetividade que lhes é alheia. As outras individualidades devem pôr sua própria obra em lugar dela, para obterem a consciência de sua unidade com a efetividade, através do seu agir. Dito de outro modo: seu interesse por aquela obra, posta através de sua natureza originária, é outra coisa que o interesse peculiar dessa obra, que por isso se mudou em algo diverso. Em geral, a obra é assim algo de efêmero, que se extingue pelo contrajogo de outras forças e de outros interesses, e que representa a realidade da individualidade mais como evanescente do que como implementada. Assim surge para a consciência, em sua obra, a oposição entre o agir e o ser: oposição que nas figuras anteriores da consciência era ao mesmo tempo o começo do agir, mas aqui é somente o resultado. De fato, porém, a oposição constituía igualmente o fundamento, quando a consciência como individualidade em si real passava a agir; porque era pressuposto do agir a natureza originária determinada, enquanto o Em si; e o puro implementar pelo implementar a tinha por conteúdo. Ora, o puro agir é a forma igual a si mesma, à qual portanto a determinidade da natureza originária é desigual. Nesse ponto como em outros, não importa qual dos termos se chama conceito, e qual se chama realidade: a natureza originária é o pensado, ou o Em si, em contraste com o agir no qual tem primeiro a sua realidade. Ou seja: a natureza originária é o ser, quer da individualidade como tal quer da individualidade como obra; o agir, porém, é o conceito originário, como absoluta passagem ou como o vir a ser. A consciência experimenta em sua obra essa inadequação do conceito e da realidade que em sua essência reside; pois na obra a consciência vem a ser para si mesma tal como é em verdade, e desvanece o conceito vazio que tinha de si mesma. Nessa contradição fundamental da obra - que é a verdade desta "individualidade real em si e para si" - emergem de novo todos os lados da individualidade como lados contraditórios; quer dizer, a obra, como conteúdo da individualidade toda, transferida do agir - que é a unidade negativa que mantém prisioneiros todos os momentos - para o ser, deixa agora livres estes momentos, que no elemento da subsistência se tornam indiferentes uns aos outros. Conceito e realidade separam-se, pois, como fim e como o que é essencialidade originária. É contingente que o fim tenha essência verdadeira, ou que o Em si seja erigido em fim. Igualmente, conceito e realidade se dissociam um do outro como passagem à efetividade e como fim; ou seja, é contingente a escolha do meio que exprime o fim. E finalmente, o agir do indivíduo é ainda contingente com referência à efetividade em geral - tenham ou não em si uma unidade esses momentos interiores em conjunto. A fortuna decide tanto por um fim mal determinado, e por um meio mal escolhido, como decide contra eles. Surge agora para a consciência em sua obra a oposição entre o querer e o implementar, entre o fim e o meio, e também dessa interioridade em seu conjunto e da própria efetividade - que em geral recolhe em si a contingência de seu agir. No entanto, estão presentes também a unidade e a necessidade do agir: um lado atropela outro, e a experiência da contingência do agir é apenas uma experiência contingente. A necessidade do agir consiste em que o fim é pura e simplesmente referido à efetividade, e essa unidade é o conceito do agir: age-se porque o agir é em si e para si mesmo a essência da efetividade. Decerto, na obra ressalta a contingência que tem o Ser implementado em contraste com o querer e o efetuar: tal experiência, que parece valer como a verdade, contradiz aquele conceito da ação. Contudo, se consideramos o conteúdo dessa experiência em sua plenitude, tal conteúdo é a obra evanescente. O que se mantém não é o desvanecer, pois o desvanecer é por sua vez efetivo, vinculado à obra, e com ela também desvanece. O negativo soçobra com o positivo, do qual é a negação. Esse desvanecer do desvanecer reside no conceito da mesma "individualidade em si real", pois aquilo onde a obra desvanece - ou que desvanece na obra - é a efetividade objetiva que devia proporcionar, à chamada experiência, sua supremacia sobre o conceito que a individualidade tem de si mesma. Mas a efetividade objetiva é um momento que na própria consciência não tem mais verdade em si: a verdade consiste somente na unidade da consciência com o agir, e a obra verdadeira é somente essa unidade do agir e do ser, do querer e do implementar. Portanto, para a consciência, em virtude da certeza que está no fundamento do seu agir, a própria efetividade oposta a essa certeza é também algo que só é para a consciência. A oposição já não pode apresentar-se nessa forma de seu Ser para si, em contraste com a efetividade, para a consciência que a si retomou como consciência de si, pois para ela toda a oposição desvaneceu. No entanto, a oposição e a negatividade, que vêm à cena na obra, não afetam apenas o conteúdo da obra, ou ainda o conteúdo da consciência, mas a efetividade como tal; e com isso afetam a oposição presente só nessa efetividade e por meio dela, e o desvanecer da obra. Assim a consciência reflete dessa maneira em si, a partir de sua obra efêmera, e afirma seu conceito e sua certeza como o essente e o permanente em contraste com a experiência da contingência do agir. Experimenta de fato seu conceito no qual a efetividade é só um momento: algo que é para a consciência, e não o em si e para si. Experimenta a efetividade como momento evanescente, que portanto só vale para a consciência como ser em geral, cuja universalidade é uma só e a mesma coisa com o agir. Esta unidade é a obra verdadeira, e a obra verdadeira é a Coisa mesma, a qual pura e simplesmente se afirma e é experimentada como o que permanece, independente da Coisa que é a contingência do agir individual enquanto tal, das circunstâncias, do meio e da efetividade. A Coisa mesma só se opõe a esses momentos enquanto se supõe que devem ser válidos isoladamente, pois ela é essencialmente sua unidade, como interpenetração da efetividade e da individualidade. Sendo um agir - e como agir, puro agir em geral - é também, por isso mesmo, agir deste indivíduo. E sendo esse agir como ainda lhe pertencendo, em oposição à efetividade, isto é como fim, também é a passagem dessa determinidade à oposta: e enfim, é uma efetividade que está presente para a consciência. A Coisa mesma exprime, pois, a essencialidade espiritual, em que todos esses momentos estão suprassumidos como válidos para si; nela, portanto, só valem como universais. Ali, a certeza de si mesma é para a consciência uma essência objetiva - uma Coisa, objeto engendrado pela consciência de si como seu, mas que nem por isso deixa de ser objeto livre e autêntico. A coisa da certeza sensível e da percepção tem agora, para a consciência de si, sua significação unicamente através dela: nisso reside a diferença entre uma coisa e a Coisa. Aqui se fará o percurso de um movimento correspondente ao da certeza sensível e da percepção. Por conseguinte, na Coisa mesma, enquanto interpenetração que se tornou objetiva da individualidade e da objetividade mesma, veio a ser para a consciência de si seu verdadeiro conceito de si, ou chegou à consciência de sua substância. Ao mesmo tempo a consciência de si, como é aqui, é a consciência de uma substância; consciência que recém veio a ser e portanto é imediata. Essa é a maneira determinada como a essência espiritual aqui se faz presente, sem ter ainda completado seu desenvolvimento de substância verdadeiramente real. A Coisa mesma nessa consciência imediata da substância possui a forma de essência simples, que como universal contém em si seus diferentes momentos, aos quais pertence; mas também é de novo indiferente para com eles, enquanto momentos determinados; é livre para si e vale com esta Coisa mesma simples e abstrata: vale como a essência. Os diferentes momentos da determinidade originária ou da Coisa deste indivíduo, de seu fim, dos meios, do próprio agir-e da efetividade - são para essa consciência momentos singulares os quais pode deixar de lado e abandonar pela Coisa mesma; mas de outro lado, todos só têm por essência a Coisa mesma de modo que se encontre em cada um deles, como universal abstrato, e possa ser seu predicado. Ela mesma ainda não é o sujeito, pois como sujeito valem aqueles momentos por se situarem do lado da singularidade em geral, enquanto a Coisa mesma é por ora apenas o simplesmente Universal. Ela é o gênero que se encontra em todos esses momentos como em suas espécies e é também livre em relação a eles. Chama-se consciência honesta a que chegou a esse idealismo que a Coisa mesma exprime e que de outra parte possui nela o verdadeiro como essa universalidade formal. A consciência honesta tem de agir na Coisa mesma, sempre e exclusivamente; por isso se atarefa nos diferentes momentos ou espécies dela. Quando não a alcança em alguns de seus momentos ou de seus significados, então por isso mesmo dela se apossa em outro, de forma que sempre obtém de fato essa satisfação que segundo seu conceito lhe pertence. Haja o que houver, a consciência honesta vai sempre implementar e atingir a Coisa mesma, já que é o predicado de todos esses momentos como este gênero universal. Se a consciência não leva um fim à efetividade, pelo menos o quis; isto é: faz de conta que o fim como fim, o puro agir que nada opera, são a Coisa mesma. Pode dizer assim, para se consolar, que sempre alguma coisa foi feita ou posta em movimento. Porquanto o próprio universal contém subsumidos o negativo ou o desvanecer, também é ainda um agir seu que a obra se aniquile: ela solicitou os outros a isso, e ainda encontra satisfação no desvanecer de sua efetividade. É como meninos maus, que recebendo uma palmada se alegram a si mesmos, por terem sido precisamente a causa do castigo. Caso a consciência honesta não tenha sequer tentado, e nada feito em absoluto para executar a Coisa mesma - é que não teve possibilidade de fazê-lo. A Coisa mesma é para ela, justamente, a unidade de sua decisão e da realidade: a consciência afirma que a efetividade não seria outra coisa senão o que lhe é possível. Finalmente, se em geral algo interessante se fez sem seu concurso, então essa efetividade para ela é a Coisa mesma, justamente pelo interesse que ali encontra, embora não a tenha produzido. Se é uma sorte que lhe acontece pessoalmente, a ela se apega, como se fosse ação e mérito seus. Então, se é um acontecimento mundial, com o qual não tem nada que ver, também o faz seu; e um interesse ineficaz vale como partido que tomou pró ou contra, que combateu ou apoiou. De fato a honestidade dessa consciência, bem como a satisfação que goza de toda maneira, consistem manifestamente em não trazer para um confronto seus pensamentos que tem sobre a Coia mesma. Para ela, a Coisa mesma é tanto Coisa sua como absolutamente obra nenhuma; ou seja, é o puro agir, ou o fim vazio, ou ainda, uma efetividade desativada. Faz sujeito desse predicado uma significação depois da outra, e as esquece sucessivamente. Agora, no simples ter querido ou ainda, não ter podido, a Coisa mesma tem a significação de fim vazio, e de unidade pensada do querer e do implementar. O consolo pelo fracasso do fim, pois pelo menos foi querido, pelo menos foi puramente agido - como também a satisfação de ter dado aos outros algo para fazerem, fazem do puro agir ou de uma obra totalmente má, a essência: porque se deve chamar uma obra má a que não é absolutamente nenhuma. Afinal, se num golpe de sorte a consciência honesta se encontra com a efetividade, toma esse ser sem ação pela Coisa mesma. Porém a verdade dessa honestidade é não ser tão honesta como parece. Com efeito, não pode ser tão carente de pensamento a ponto de deixar caírem fora um do outro esses momentos diversos; mas deve ter a consciência imediata de sua oposição, já que se referem pura e simplesmente um ao outro. O puro agir é essencialmente o agir deste indivíduo, e esse agir também essencialmente uma efetividade ou uma Coisa. Inversamente, a efetividade só é essencialmente como agir seu, tanto como agir em geral; e seu agir é ao mesmo tempo, só como agir em geral, e assim é também efetividade. Quando pois parece ao indivíduo que só lida com a Coisa mesma como efetividade abstrata, acontece que também está lidando com ela como agir seu. Mas igualmente, quando o indivíduo quer lidar exclusivamente com o agir e o atarefar-se, não está tomando isso a sério mas de fato lida com uma Coisa e com a Coisa como a sua. Quando enfim parece querer só a sua Coisa e o seu agir, novamente está lidando com a Coisa em geral ou com a efetividade permanente em si e para si. A Coisa mesma e seus momentos aqui aparecem como conteúdo; mas também, com igual necessidade, estão presentes na consciência como formas. Surgem como conteúdo apenas para desvanecer e cada um cede o lugar a outro. Devem, pois, estar presentes na determinidade de suprassumidos; aliás, assim são aspectos da própria consciência. A Coisa mesma está presente como o Em si ou como reflexão da consciência em si mesma; porém a suplantação dos momentos, uns pelos outros, assim se expressa na consciência: nela os momentos não são postos em si, mas somente para Outro. Um dos momentos do conteúdo é trazido pela consciência à luz, e apresentado aos outros; mas a consciência, ao mesmo tempo, reflete fora dele sobre si mesma, e o oposto também está presente nela: a consciência o retém para si como o seu. Ao mesmo tempo, não há um desses momentos que apenas se limite a projetar-se para o exterior, enquanto o outro ficaria retido só no interior; mas a consciência os alterna porque ora de um ora de outro momento, deve fazer o essencial para si e para os outros. O todo é interpenetração semovente da individualidade e do universal; mas como este todo está presente para a consciência só como essência simples, e assim, como abstração da Coisa mesma, os momentos do todo caem fora da Coisa e fora um do outro; como momentos dissociados. O todo como tal só será apresentado exaustivamente por meio da alternância dissociadora do projetar para fora e do guardar para si. E porque nessa alternância a consciência tem um momento para si - como um momento essencial em sua reflexão -, mas tem outro momento que é só exteriormente, nela e para os outros; - por isso surge um jogo de individualidades, uma com a outra, jogo em que se enganam e se encontram enganadas umas pelas outras, como se enganam a si mesmas. A individualidade, pois, parte para executar algo: parece assim ter convertido algo em Coisa. Age a individualidade, e no agir vem a ser para outros, e lhe parece que está lidando com a efetividade. Então os outros tomam o agir daquela individualidade como um interesse pela Coisa enquanto tal, e em vista do fim de que a Coisa seja em si implementada, não importa se pela primeira individualidade ou por eles. Assim, quando mostram esta Coisa já por eles efetuada ou, quando não, lhe oferecem e prestam ajuda, eis que aquela consciência já saiu do ponto onde pensam que está. O que lhe interessa na Coisa é seu agir e atarefar-se; e quando os outros se dão conta que era isso a Coisa mesma, se sentem também ludibriados. Mas, de fato, sua precipitação mesma em vir ajudar não era outra coisa que a vontade de ver e de mostrar o seu agir, e não a Coisa mesma. Isto é: queriam enganar os outros, do mesmo modo como lamentam ter sido enganados. Como agora se patenteou que o próprio agir e atarefar-se - o jogo de suas forças - valem pela Coisa mesma, a consciência parece pôr sua essência em movimento, para si e não para os outros - apenas preocupada com o agir como o seu e não como um agir dos outros; por isso deixa os outros em paz na Coisa deles. Só que eles se enganam mais uma vez: a consciência já está fora de onde eles pensam que está. Já não se ocupa da Coisa como desta sua Coisa singular, mas dela se ocupa como Coisa, como universal que é para todos. Intromete-se então no agir e na obra deles; e, se já não pode tomar-lhes das mãos, ao menos se interessa por isso, ocupando-se em proferir julgamentos. Imprime na obra dos outros a marca de sua aprovação e de seu louvor, pois, no seu entender, não está louvando somente a obra mesma, mas também sua própria magnanimidade e moderação - em não ter danificado a obra como obra, nem sequer com suas críticas. Quando demonstra interesse pela obra, é a si mesma que nela se deleita. Também a obra por ela criticada é bem-vinda, justamente por esse desfrute de seu próprio agir que proporciona à consciência. Mas os que se sentem - ou se mostram - ludibriados por essa intromissão, o que queriam era enganar de igual maneira. Fazem de conta que seu agir e afã é algo só para eles, onde somente têm por fim a si e a sua própria essência. Só que, enquanto algo fazem, e com isso se expõem e mostram à luz do dia, contradizem imediatamente por seu ato a pretensão de excluir a própria luz do dia, a consciência universal e a participação de todos. A efetivação é, antes, uma exposição do Seu no elemento universal, onde vem a ser - e tem de vir a ser - a Coisa de todos. É também um engano de si mesmo e dos outros supor que se lida só com a pura Coisa. Uma consciência que descobre uma Coisa, faz, antes, a experiência de que os outros vêm voando como moscas para o leite fresco posto à mesa; querem ver-se mexendo nele. Mas também, por seu lado, experimentam nessa consciência que ela não trata a Coisa como objeto, e sim como algo seu. Ao contrário, se o que deve ser essencial é só o agir mesmo, o uso das forças e capacidades, ou o exprimir-se desta individualidade - então ambos os lados fazem a experiência de que todos se agitam e se têm por convidados. Em lugar do puro agir ou de um agir singular e característico, se oferece algo que é igualmente para outros, ou uma Coisa mesma. Nos dois casos sucede o mesmo, e só tem significação diferente e contraste com o que era aceito e devia valer. A consciência experimenta os dois lados como momentos igualmente essenciais, e aí também experimenta o que é a natureza da Coisa mesma. A Coisa mesma não é somente uma Coisa oposta ao agir em geral e ao agir singular; nem um agir que se opusesse à subsistência e que fosse o gênero livre de seus momentos - que constituiriam as suas espécies. A Coisa mesma é uma essência cujo ser é o agir do indivíduo singular e de todos os indivíduos e cujo agir é imediatamente para outros, ou uma Coisa; e que só é Coisa como agir de todos e de cada um. É a essência que é a essência de todas as essências: a essência espiritual. A consciência experimenta que nenhum daqueles momentos é sujeito; mas que, ao contrário, se dissolve na Coisa mesma universal. Os momentos da individualidade, que para essa consciência carente de pensamento valiam sucessivamente como sujeito, se agrupam na individualidade simples, que sendo esta, é ao mesmo tempo imediatamente universal. A Coisa mesma perde, assim, a condição de predicado e a determinidade de universal abstrato e sem vida; ela é, antes: a substância impregnada pela individualidade; o sujeito, em que a individualidade está tanto como ela mesma, ou como esta, quanto como de todos os indivíduos; o universal, que só é um ser como este agir de todos e de cada um; uma efetividade, porque esta consciência a sabe como sua efetividade singular e como efetividade de todos. A pura Coisa mesma é o que acima se determinava como categoria: o ser que é Eu, ou o Eu que é ser, mas como pensar que ainda se distingue da consciência de si efetiva. Porém os momentos da consciência de si efetiva - enquanto os denominamos conteúdo, fim, agir e efetividade seus - ou os chamamos sua forma e ser para si e ser para outro - se põem aqui como um só com a própria categoria simples; que é, portanto, ao mesmo tempo, todo conteúdo. b - A RAZÃO LEGISLADORA A essência espiritual no seu ser simples é pura consciência e esta consciência de si. A natureza originariamente determinada do indivíduo perdeu seu significado positivo, de ser em si o elemento e o fim de sua atividade: é apenas um momento suprassumido, e o indivíduo é um Si, como Si universal. Inversamente, a Coisa mesma formal tem sua implementação na individualidade agente que se diferencia em si mesma, pois suas diferenças constituem o conteúdo daquele universal. A categoria é em si, como o universal da pura consciência. É também para si, pois o Si da consciência é também um momento seu. A categoria é o ser absoluto, porquanto aquela universalidade é a simples igualdade consigo mesmo do ser. Assim, o que é objeto para a consciência tem a significação de ser o verdadeiro. O verdadeiro é e vale no sentido de ser, e de valer em si e para si mesmo: é a Coisa absoluta que já não sofre a oposição entre a certeza e a verdade, entre o universal e o singular, entre o fim e sua realidade. Ao contrário; seu ser-aí é a efetividade e o agir da consciência de si; essa Coisa é portanto a substância ética, e sua consciência, consciência ética. Seu objeto vale também para ela como o verdadeiro, porque reúne a consciência de si e o ser em uma unidade. Vale como o absoluto pois a consciência de si não pode nem quer mais ultrapassar este objeto, porque ali está junto a si mesma: não pode, porque ele é todo o seu ser e todo o seu poder; não quer, porque ele é o Si ou o querer desse Si. É o objeto real nele mesmo como objeto, por ter nele a diferença da consciência. Divide-se em "massas" que são as leis determinadas da essência absoluta. Porém são massas que não ofuscam o conceito, pois nele permanecem incluídos os momentos do ser e da pura consciência e do Si - uma unidade que constitui a essência dessas "massas", e que nessa diferença faz que os momentos não se separem mais um do outro. Essas leis ou massas da substância ética são imediatamente reconhecidas. Não é possível indagar sobre sua origem e justificação, nem ir à busca de Outro: pois outro que a essência em si e para si essente, seria somente a própria consciência de si. Mas a consciência de si não é outra coisa que essa essência, pois ela mesma é o ser para si dessa essência, a qual por isso mesmo é a verdade, por ser tanto o Si da consciência, quanto seu Em si, ou pura consciência. Enquanto a consciência de si se sabe como momento do ser para si dessa substância, então exprime nela o ser-aí da lei, de tal forma que a sã razão sabe imediatamente o que é justo e bom. Tão imediatamente ela o sabe, como imediatamente para ela também é válido, e imediatamente diz: isto é justo e bom. E diz precisamente: isto, pois são leis determinadas; é a Coisa mesma implementada, cheia de conteúdo. O que assim imediatamente se dá, deve também ser imediatamente aceito e considerado. Há que ver como estão constituídos na certeza ética imediata, o ser que ela exprime, ou as "massas" imediatamente essentes da essência ética - como na certeza sensível se tinha que ver o que ela enunciava imediatamente como essente. Os exemplos de algumas dessas leis vão demonstrar isso; enquanto nós as tomamos na forma de máximas da sã razão que sabe, não há por que aduzir logo no início o momento que deve nelas valer, quando consideradas como leis éticas imediatas. "Cada um deve falar a verdade". Nesse dever que se enuncia como incondicionado vai-se logo admitir a condição: "se souber a verdade". O mandamento, pois, será agora assim enunciado: Cada um deve falar a verdade, sempre segundo seu conhecimento e convicção a respeito dela. A sã razão, justamente essa consciência ética que sabe imediatamente o que é justo e bom, explicará também que essa condição já estava de tal modo unida à sua máxima universal que ela sempre assim entendeu aquele mandamento. Mas dessa maneira admite que, de fato, ao enunciar a máxima já a infringe, imediatamente. Dizia: "cada um deve falar a verdade"; mas entendia: "de acordo com seu conhecimento e convicção sobre ela". Isto é, falava uma coisa e entendia outra; ora, falar diversamente do que se entende, significa não falar a verdade. Uma vez corrigida a inverdade ou a inabilidade, a máxima agora assim se exprime: "Cada um deve falar a verdade conforme o conhecimento e a convicção que dela tenha em cada caso". Mas, com isso, a necessidade universal, o válido em si que a máxima queria enunciar, se inverte antes numa completa contingência. Com efeito: que a verdade deva ser dita, depende de uma contingência: se é que eu conheço; se é que estou convencido a respeito. Assim não se enuncia nada mais do que isto: que se deve dizer o verdadeiro e o falso misturados, conforme suceda que alguém os conheça, entenda ou conceba. Essa contingência do conteúdo tem a universalidade só na forma de uma proposição sob a qual se expressa; porém como máxima ética promete um conteúdo universal e necessário e assim contradiz a si mesma pela contingência do conteúdo. Finalmente, se a máxima for corrigi da dizendo que se deve evitar a contingência do conhecimento e da convicção acerca da verdade, e que a verdade deve também ser conhecida - isso seria um mandamento que contradiz frontalmente o ponto de partida. Primeiro, a sã razão devia ter imediatamente a capacidade de enunciar a verdade; mas agora se diz que devia sabê-la. Quer dizer: a sã razão não sabe exprimi-la imediatamente. Considerando do lado do conteúdo, esse então é descartado na exigência de que se deve conhecer a verdade, posto que tal exigência se refere ao saber em geral: "deve-se saber". Portanto o que é exigido é algo que está, antes, livre de todo conteúdo determinado. Ora, o que estava em questão aqui era um conteúdo determinado, uma diferença na substância ética. Só que essa determinação imediata da substância ética é um conteúdo que se manifesta como uma completa contingência; e ao ser elevado à universalidade e à necessidade - de modo que o saber seja enunciado como lei - antes desvanece. Outro mandamento famoso é: “Ama o próximo como a ti mesmo". É dirigido ao indivíduo em relação aos indivíduos; a relação é afirmada como do singular para com o singular, ou como uma relação de sentimento. O amor ativo - pois o inativo não tem ser nenhum e portanto não está em questão - visa afastar o mal de um homem e lhe trazer o bem. Para esse efeito é preciso distinguir o que é o mal para o homem, e qual é o bem apropriado contra esse mal; e em geral, o que é seu bem-estar. Quer dizer: devo amar o próximo com inteligência; um amor ininteligente talvez lhe faria mais dano que o ódio. Mas o bem-estar essencial e inteligente é, em sua figura mais rica e mais importante, o agir inteligente universal do Estado. Comparado com esse agir, o agir do indivíduo como indivíduo é, em geral, algo tão insignificante que quase não vale a pena falar dele. Aliás, aquele agir é de tão grande potência que se o agir singular se lhe quisesse opor - ou ser exclusivamente para si no delito, ou então por amor a outrem - defraudando o universal quanto ao direito e à parte que lhe cabe no singular, isso seria totalmente inútil e irresistivelmente destruído. Resta ao bem-fazer, que é sentimento, apenas a significação de um agir inteiramente singular: uma assistência que é tão contingente quanto momentânea. O acaso não só determina a ocasião da obra, mas determina também se é uma obra em geral, se ela não volta a dissolver-se logo, e mesmo a converter-se em mal. Assim, esse agir em benefício dos outros, que se enuncia como necessário, é de tal modo constituído que talvez possa existir, talvez não; e que, se a ocasião se oferece fortuitamente, pode ser uma obra, talvez boa, talvez não. Com isso essa lei tem um conteúdo tão pouco universal quanto a primeira já analisada, e não exprime algo em si e para si - como deveria, enquanto lei ética absoluta. Vale dizer: tais leis ficam somente no dever-ser, mas não têm nenhuma efetividade: não são leis, mas apenas mandamentos. De fato, porém, fica evidente, pela natureza da Coisa mesma, que é preciso renunciar a um conteúdo absoluto universal, por ser inadequada à substância simples - e esta é sua essência: ser simples - qualquer determinidade que nela se ponha. O mandamento em sua "absoluteza" simples exprime um ser ético imediato. A diferença que nele se mostra é uma determinidade e, portanto, um conteúdo que se encontra sob a absoluta universalidade desse ser simples. Já que se deve renunciar assim a um conteúdo absoluto, somente pode convir ao mandamento a universalidade formal, isto é, que não se contradiga; pois a universalidade sem conteúdo é a universalidade formal, e um conteúdo absoluto significa, por sua vez, uma diferença que não é nenhuma, ou seja: a carência de conteúdo. O que resta à razão legisladora, portanto, é a pura forma da universalidade, ou, de fato, a tautologia da consciência que se opõe ao conteúdo, e que não é um saber do conteúdo essente ou autêntico, mas um saber da essência - ou da igualdade consigo mesmo do conteúdo. A essência ética portanto não é um conteúdo - ela mesma e imediatamente - mas apenas um padrão de medida para estabelecer se um conteúdo é capaz de ser lei ou não, na medida em que não se contradiz a si mesmo. A razão legisladora é rebaixada à razão examinadora. c - A RAZÃO EXAMINANDO AS LEIS Uma diferença na substância ética simples é, para ela, uma contingência, que vimos no mandamento determinado produzir-se como contingência do saber, da efetividade e do agir. A comparação entre esse ser simples e a determinidade que não lhe correspondia era em nós que se dava. A substância simples aí se mostrou universalidade formal ou pura consciência, a qual, livre de conteúdo, a ele se opõe; e que é um saber sobre ele como conteúdo determinado. Dessa maneira, a determinidade fica sendo o que era a Coisa mesma. Porém na consciência, ela é Outro; isto é: não é mais o gênero inerte e carente de pensamento, mas se refere ao particular, e vale como sua potência e sua verdade. Essa consciência parece ser, de início, o mesmo examinar que antes éramos nós. Seu agir, parece, não pode ser outro que o já acontecido: uma comparação do universal com o determinado, donde resultaria, como antes, sua inadequação. Mas a relação do conteúdo para com o universal aqui é diversa; pois o universal adquiriu outra significação - a de universalidade formal. O conteúdo determinado é capaz dessa universalidade porque nela vem a ser considerado só em relação a si mesmo. No nosso examinar, a compacta substância universal estava frente à determinidade que se desenvolvia como contingência da consciência na qual a substância entrava. Aqui desvaneceu um dos membros da comparação: o universal já não é a substância essente e válida, ou o justo em si e para si; mas é o simples saber ou forma que compara um conteúdo somente consigo mesmo e o observa, a ver se é uma tautologia. As leis não são mais dadas, e sim examinadas. E as leis já foram dadas, para a consciência examinadora, que acolhe seu conteúdo simplesmente como é, sem entrar na consideração da singularidade e da contingência que aderiam à sua efetividade, como aliás fizemos nós. A consciência examinadora fica no mandamento como mandamento, e procede com respeito a ele de modo igualmente simples, como é simples seu padrão de medida. Mas por essa razão é que o examinar não vai longe, porque justamente o padrão de medida é a tautologia: indiferente ao conteúdo, acolhe em si tanto este conteúdo quanto o oposto. Suponhamos esta questão: Em si e para si deve ser lei que haja propriedade; em si e para si, não por sua utilidade para outros fins. A essencialidade ética consiste precisamente nisto: que a lei seja igual só a si mesma, e que, mediante essa igualdade consigo, seja portanto fundada na sua própria essência; não seja algo condicionado. A propriedade em si e para si não se contradiz; é uma determinidade isolada, ou posta como igual só a si mesma. A não propriedade, as coisas sem dono, ou a comunhão de bens também não se contradizem. É uma determinidade simples - um pensamento formal como o seu conteúdo, a propriedade - que algo a ninguém pertença; ou esteja à disposição de quem primeiro se apossar dele; ou pertença a todos em conjunto ou a cada um segundo as próprias necessidades ou em partes iguais. Sem dúvida, se a coisa sem dono vem a ser considerada como um objeto necessário da necessidade, então é necessário que se torne a posse de um singular qualquer; e seria contraditório erigir, antes, em lei a liberdade da coisa. Mas por falta de dono da coisa não se entende uma absoluta falta de dono mas sim que a coisa deve aceder à posse de acordo com a necessidade do singular; não para ficar guardada, de certo, mas para ser imediatamente usada. Entretanto, prover à necessidade única e exclusivamente segundo a contingência, contradiz a natureza da essência consciente - a única de que se fala aqui. Pois a essência consciente deve representar-se sua necessidade sob a forma da universalidade: prover a sua existência toda, e se proporcionar um bem permanente. Assim pois não está em consonância consigo mesmo o pensamento de que uma coisa se torna casualmente posse da primeira pessoa viva que se apresente, de acordo com suas necessidades. Na comunidade de bens (onde se proveria as necessidades de maneira universal e constante), ou cada um participa dos bens quanto precisar, e assim se contradizem mutuamente essa desigualdade e a essência da consciência cujo princípio é a igualdade dos indivíduos singulares; ou então a partilha igual se faria conforme o último princípio, e assim a cota de participação não tem relação com a necessidade; relação, aliás, que só é o seu conceito. Mas se desta maneira a não propriedade se mostra contraditória, isso só acontece por não ter sido deixada como determinidade simples. Dá-se o mesmo com a propriedade quando dissolvida em momentos. A coisa singular, que é propriedade minha, vale por isso como algo universal, consolidado, permanente. Ora, isto contradiz sua natureza, que consiste em ser utilizada e em desvanecer. Ao mesmo tempo vale como o Meu: todos os outros o reconhecem e dele se excluem. Mas, em ser eu reconhecido reside, antes, minha igualdade com os outros, que é o contrário da exclusão. O que possuo é uma coisa, isto é, um ser para outros em geral, totalmente universal e sem a determinidade de ser só para mim; que Eu a possua, contradiz a sua coisidade universal. Portanto, propriedade se contradiz por todos os lados, tal como não propriedade: cada uma tem em si esses momentos da singularidade e da universalidade, que são opostos e se contradizem. No entanto, cada uma dessas determinidades representadas como simples, como propriedade e não propriedade, sem ulterior desenvolvimento, é uma determinidade tão simples quanto a outra; quer dizer, não contraditória. O padrão de medida da lei, que a razão tem em si mesma, se ajusta igualmente bem a tudo, e assim de fato não é um padrão de medida. Seria aliás estranho se a tautologia, o princípio de contradição - que é reconhecido só como princípio formal no conhecimento da verdade teórica, isto é, como algo de todo indiferente à verdade e à inverdade - devesse ser mais para o conhecimento da verdade prática. Nos dois momentos, até agora considerados, da implementação da essência espiritual antes vazia, se suprassumiu o pôr de determinidades imediatas na substância ética, e em seguida o saber a seu respeito, examinando se são leis. O resultado disso parece ser o seguinte: não têm cabimento nem leis determinadas, nem um saber dessas leis. Só a substância é a consciência de si mesma como essencialidade absoluta, a qual, portanto, não pode abdicar nem da diferença nela presente, nem do saber a seu respeito. Se o legislar e o examinar leis demonstraram não serem nada, isto significa que ambos, tomados singular e isoladamente, são momentos precários da consciência ética. O movimento, em que surgem, tem o sentido formal de que a substância ética, através desse movimento, se apresenta como consciência. Podem-se considerar esses dois momentos como formas da honestidade, enquanto determinações mais precisas da consciência da Coisa mesma. A honestidade que em outros casos se ocupava com seus momentos formais, aqui lida com um conteúdo de dever ser - o conteúdo do bem e do justo - e com o examinar de tal verdade sólida, entendendo possuir na sã razão e no discernimento inteligente o que faz a força e a validez desses mandamentos. Sem esta honestidade, porém, as leis não valem como essência da consciência; nem vale tampouco o exame das leis como um agir de dentro da consciência. No entanto, esses momentos, ao surgirem cada um para si, imediatamente como uma efetividade, um deles exprime um pôr e um ser, sem validez, de leis efetivas; e o outro exprime uma libertação dessas leis que também não é válida. Como lei determinada, a lei tem um conteúdo contingente; o que tem aqui a significação de ser lei de uma consciência singular com um conteúdo arbitrário. Esse legislar imediato é também a insolência tirânica que faz do arbítrio a lei, e faz da eticidade a obediência ao arbítrio: obediência a leis que são somente "leis" mas que não são, ao mesmo tempo, mandamentos. Do mesmo modo o segundo momento, enquanto isolado, significa o examinar das leis, o mover do inabalável e a temeridade do saber que à força de raciocínios se liberta das leis absolutas e as toma por um arbítrio estranho ao saber. Nas duas formas, esses momentos são uma atitude negativa para com a substância, ou para com a real essência espiritual. Ou seja: neles não tem a substância ainda sua realidade, mas a consciência ainda a contém sob a forma de sua própria imediatez. A substância é apenas um querer e um saber deste indivíduo e o dever de um mandamento sem efetividade e de um saber da universalidade formal. Mas quando esses modos se suprassumem, a consciência retomou ao universal e aquelas oposições desvaneceram. A essência espiritual é, pois, substância efetiva, porque esses modos não valem como singulares, mas somente como suprassumidos; e a unidade, onde são momentos apenas, é o Si da consciência, que posta de agora em diante na essência espiritual faz com que esta seja efetiva, plena e consciente de si. Por isso a essência espiritual, em primeiro lugar, é para a consciência como lei em si essente: foi suprassumida a universalidade do examinar, que era formal, não em si essente. Em segundo lugar, é uma lei eterna, que não tem seu fundamento na vontade deste indivíduo, mas que é em si e para si; a absoluta vontade pura de todos, que tem a forma do ser imediato. Não é tampouco um mandamento que só deva ser, mas que é e vale; é o Eu universal da categoria, que é imediatamente a efetividade e o mundo é somente essa efetividade. Mas porque essa lei essente vale pura e simplesmente, a obediência da consciência de si não é serviço a um senhor, cujas ordens fossem um arbítrio, e nelas a consciência não se reconhece. Ao contrário: as leis são pensamentos de sua própria consciência absoluta, que ela mesma tem imediatamente. Não é que creia nelas, pois a fé contempla também a essência, mas uma essência estranha. A consciência de si ética faz imediatamente um só com a essência por meio da universalidade do seu Si; a fé, ao contrário, principia de uma consciência singular, é o movimento dessa consciência tendendo sempre rumo a essa unidade, sem atingir a presença de sua essência. A consciência ética, ao contrário, se suprassumiu enquanto singular, levou a cabo essa mediação; e somente porque a levou a cabo, é consciência de si imediata da substância ética. A diferença entre a consciência de si e a essência é, assim, perfeitamente transparente. Por isso as diferenças na essência não são determinidades contingentes. Ao contrário: por causa da unidade da essência e da consciência de si - da qual somente poderia vir a desigualdade - elas são as "massas" em que se articula a unidade, impregnando-as de sua própria vida: espíritos inconsúteis, e a si mesmos claros, figuras celestes sem mácula que conservam em suas diferenças a inocência intacta e a harmonia de sua essência. A consciência de si é igualmente relação simples e clara com essas leis. Elas são, e nada mais: é o que constitui a consciência de sua relação. Para a Antígona de Sófocles, valem como direito divino não escrito e infalível. "Não é de hoje, nem de ontem, mas de sempre Que vive esse direito e ninguém sabe Quando foi que surgiu e apareceu". As leis são. Se indago seu nascimento, e as limito ao ponto de sua origem, já passei além delas: pois então sou eu o universal, e elas, o condicionado e o limitado. Se devem legitimar-se dos olhos de minha inteligência, já pus em movimento seu ser em si, inabalável, e as considero como algo que para mim talvez seja verdadeiro, talvez não seja. Ora, a disposição ética consiste precisamente em ater-se firmemente ao que é justo, e em abster-se de tudo o que possa mover, abalar e desviar o justo . Se um depósito for feito a meus cuidados, é propriedade de outrem, e eu o reconheço, porque assim é, e me mantenho inflexível nessa atitude. Se retiver para mim o depósito, não incorro absolutamente em nenhuma contradição, segundo o princípio de meu examinar, a tautologia. Com efeito, já não o considero como propriedade alheia; ora, reter algo, que não considero propriedade de outro, é perfeitamente consequente. A mudança do ponto de vista não é contradição, pois o que está em questão não é o ponto de vista, mas o objeto, o conteúdo, que não deve contradizer-se. Quando dou um presente, posso mudar o ponto de vista de que algo é minha propriedade, pelo ponto de vista de que é propriedade de outrem, sem tornar-me por isso culpado de contradição; do mesmo modo, também posso seguir o caminho inverso. Portanto, não é porque encontro algo não contraditório que isso é justo: mas é justo porque é o justo. Algo é propriedade de outrem: isso constitui o fundamento. Não tenho que raciocinar a propósito, nem perquirir ou descobrir toda a sorte de pensamentos, correlações, considerandos; nem cogitar em estatuir leis ou examiná-las. Por tais movimentos de meus pensamentos, eu subverteria aquela relação já que de fato poderia a meu bel-prazer fazer que seu contrário fosse conforme a meu saber tautológico e indeterminado e erigi-lo em lei. Entretanto é determinado, em si e para si, se é esta determinação ou a oposta que é o justo. Eu poderia erigir para mim a lei que quisesse, ou então nenhuma; mas quando começo a examinar, já estou num caminho não ético. Quando para mim o justo é em si e para si, então estou dentro da substância ética, que é assim a essência da consciência de si; mas essa é sua efetividade e seu ser-aí; seu Si e sua vontade. VI O Espírito A razão é espírito quando a certeza de ser toda a realidade se eleva à verdade, e quando) é consciente de si mesma como de seu mundo e do mundo como de si mesma. O vir a ser do espírito, mostrou-o o movimento imediatamente anterior, no qual o objeto da consciência - a categoria pura - se elevou ao conceito da razão. Na razão observadora, a pura unidade do Eu e do ser, do ser para si e do ser em si, é determinada como Em si ou como ser, e a consciência da razão se encontra. Mas a verdade do observar é antes o suprassumir desse instinto que encontra imediatamente, desse ser-aí carente de consciência. Na razão ativa, a categoria intuída, a coisa encontrada, entram na consciência como o ser para si do Eu, que agora se sabe como Si na essência objetiva. Contudo, a determinação da categoria como ser para si - o oposto ao ser em si - é também unilateral, e é um momento que suprassume a si mesmo. Por isso na individualidade para si real a categoria é determinada, para a consciência, tal como é na sua verdade universal: como essência em si e para si essente. Essa determinação, ainda abstrata, que constitui a Coisa mesma, é só a essência espiritual; e sua consciência é um saber formal a seu respeito, vagueando em torno do conteúdo diversificado dessa essência. De fato, essa consciência difere ainda da substância como algo singular; ora estatui leis arbitrárias, ora acredita ter em seu saber as leis tais como são em si e para si; e se tem como potência que as julga. Ou então, considerada do lado da substância, é a essência espiritual em si e para si essente que ainda não é a consciência de si mesma. Entretanto, a essência em si e para si essente, que ao mesmo tempo é para si efetiva como consciência, e que se representa a si mesma para si, é o espírito. Sua essência espiritual já foi designada como substância ética; o espírito, porém, é a efetividade ética. O espírito é o Si da consciência efetiva, à qual o espírito se contrapõe - ou melhor, que se contrapõe a si mesma - como mundo efetivo objetivo. Mas esse mundo perdeu também para o Si toda a significação de algo estranho, assim como o Si perdeu toda a significação de um ser para si separado do mundo, - fosse dependente ou independente dele. O espírito é a substância e a essência universal, igual a si mesma e permanente: o inabalável e irredutível fundamento e ponto de partida do agir de todos, seu fim e sua meta, como também o Em si pensado de toda a consciência de si. Essa substância é igualmente a obra universal que, mediante o agir de todos e de cada um, se engendra como sua unidade e igualdade, pois ela é o ser para si, o Si, o agir. Como substância, o espírito é igualdade consigo mesmo, justa e imutável; mas como ser para si, é a essência que se dissolveu, a essência bondosa que se sacrifica. Nela cada um executa sua própria obra, despedaça o ser universal e dele toma para si sua parte. Tal dissolução e singularização da essência é precisamente o momento do agir e do Si de todos. É o movimento e a alma da substância, e a essência universal efetuada. Ora, justamente por isso - porque é o ser dissolvido no Si - não é a essência morta, mas a essência efetiva e viva. Por conseguinte, o espírito é a essência absoluta real que a si mesma se sustém. São abstrações suas, todas as figuras da consciência até aqui consideradas; elas consistem em que o espírito se analisa, distingue seus momentos, e se demora nos momentos singulares. Esse ato de isolar tais momentos tem o espírito por pressuposto e por subsistência; ou seja, só existe no espírito, que é a existência. Assim isolados, têm a aparência de serem, como tais: mas são apenas momentos ou grandezas evanescentes - como mostrou sua processão e retorno a seu fundamento e essência; essência que é justamente esse movimento de dissolução desses momentos. Aqui, onde se põe o espírito - ou a reflexão dos momentos sobre si mesmos -, pode nossa reflexão a seu respeito recordar brevemente que, por esse lado, eram eles: consciência, consciência de si e razão. 1 - O espírito é, pois, consciência em geral - que em si compreende certeza sensível, percepção e o entendimento -, quando na análise de si mesmo retém o momento segundo o qual é, para ele, a efetividade essente objetiva, e abstrai de que essa efetividade seja seu próprio ser para si. 2 - Ao contrário, quando fixa o outro momento da análise, segundo o qual seu objeto é seu ser para si, então o espírito é consciência de si. 3 - Mas, como consciência imediata do ser em si e para si - como unidade da consciência e da consciência de si -, o espírito é a consciência que tem razão; que, como o ter indica, possui o objeto como determinado em si racionalmente, ou seja, pelo valor da categoria; porém de tal modo que o objeto ainda não tem para a consciência o valor da categoria. O espírito é a consciência tal como acabamos de considerar. 4 - Essa razão, que o espírito tem, é enfim intuída por ele como razão que é; ou como a razão que no espírito é efetiva, e que é seu mundo, assim o espírito é em sua verdade; ele é o espírito, é a essência ética efetiva. O espírito é a vida ética de um povo, enquanto é a verdade imediata: o indivíduo que é um mundo. O espírito deve avançar até à consciência do que ele é imediatamente; deve suprassumir a bela vida ética, e atingir, através de uma série de figuras, o saber de si mesmo. São figuras, porém, que diferem das anteriores por serem os espíritos reais, efetividades propriamente ditas; e serem em vez de figuras apenas da consciência, figuras de um mundo. O mundo ético vivo é o espírito em sua verdade; assim que o espírito chega ao saber abstrato de sua essência, a eticidade decai na universalidade formal do direito. O espírito, doravante cindido em si mesmo, inscreve em seu elemento objetivo, como em uma efetividade rígida, um dos seus mundos - o reino da cultura - e, em contraste com ele, no elemento do pensamento, o mundo da fé - o reino da essência. No entanto, os dois mundos, apreendidos pelo espírito, que dessa perda retoma a si mesmo - apreendidos pelo conceito - são embaralhados e revolucionados pela pura inteligência e por sua difusão, o iluminismo. O reino dividido e distendido entre o aquém e o além retoma à consciência de si, que agora na moralidade se apreende como essencialidade, e apreende a essência como Si efetivo. Já não coloca fora de si seu mundo e o fundamento dele, mas faz que dentro de si tudo se extinga; e, como boa consciência, é o espírito certo de si mesmo. O mundo ético - o mundo cindido entre o aquém e o além - bem como a visão moral do mundo - são assim os espíritos, cujo movimento e retorno ao simples Si para si essente do espírito vai desenvolver-se. Surgirá, como meta e resultado deles, a consciência de si efetiva do espírito absoluto. A - O ESPÍRITO VERDADEIRO. A ETICIDADE O espírito, em sua verdade simples, é consciência, e põe seus momentos fora um do outro. A ação o divide em substância e em consciência da substância, e divide tanto a substância quanto a consciência. A substância, como essência universal e fim, contrapõe-se a si mesma como à efetividade singularizada. O meio-termo infinito é a consciência de si, que sendo em si unidade de si e da substância, torna-se agora, para si, o que unifica a essência universal e sua efetividade singularizada: eleva à essência sua efetividade e opera eticamente; faz a essência descer à efetividade, e implementa o fim, isto é, a substância somente pensada; produz a unidade de seu Si e da substância como obra sua e, portanto, como efetividade. No dissociar-se da consciência em seus momentos, a substância simples conservou, por um lado, a oposição frente à consciência de si, e por outro lado apresenta nela mesma a natureza da consciência - de diferenciar-se em si mesma, como um mundo organizado em suas massas. A substância se divide, assim, em uma essência ética diferenciada: em uma lei humana e uma lei divina. Do mesmo modo, a consciência de si, que se lhe contrapõe, atribui-se, segundo sua essência, uma dessas potências; e como saber se cinde na ignorância do que faz e no saber a respeito disso: um saber que é, por isso, enganoso. A consciência de si experimenta assim, em seu ato, tanto a contradição daquelas potências em que a substância se divide, e sua mútua destruição, como também a contradição entre seu saber sobre a eticidade da sua ação, e o que é ético em si e para si; e aí encontra sua própria ruína. De fato, porém, a substância ética, mediante esse movimento, veio a ser a consciência de si efetiva; ou seja, este Si se tornou algo em si e para si essente. Mas nisso, precisamente, a eticidade foi por terra. a - O MUNDO ÉTICO. A LEI HUMANA E A LEI DIVINA, O HOMEM E A MULHER A substância simples do espírito se divide como consciência. Ou seja: assim como a consciência do ser sensível abstrato passa à percepção, assim também a certeza imediata do ser ético real; e como, para a percepção sensível, o ser simples se torna uma coisa de propriedades múltiplas, assim para a percepção ética, o caso do agir é uma efetividade de múltiplas relações éticas. Contudo, como para a percepção sensível a supérflua multiplicidade das propriedades se condensa na oposição essencial entre singularidade e universalidade - com maior razão para a percepção ética, que é a consciência substancial e purificada -, a multiplicidade dos momentos éticos se torna a dualidade de uma lei da singularidade e de uma lei da universalidade. Porém cada uma dessas massas da substância permanece sendo o espírito todo. Se, na percepção sensível, as coisas não têm outra substância a não ser as duas determinações de singularidade e universalidade, aqui essas determinações exprimem apenas a oposição superficial recíproca dos dois lados. A singularidade tem, na essência que nós aqui consideramos, a significação da consciência de si em geral, e não de uma consciência singular contingente. Assim, a substância ética é nessa determinação a substância efetiva, o espírito absoluto realizado na multiplicidade da consciência aí essente. O espírito é a comunidade, que para nós, ao entrarmos na figuração prática da razão em geral, era a essência absoluta; e que aqui emergiu em sua verdade para si mesmo, como essência ética consciente, e como essência para a consciência, que nós temos por objeto. É o espírito que é para si enquanto se mantém no reflexo dos indivíduos, e que é em si - ou substância -, enquanto os contém em si mesmo. Como substância efetiva, o espírito é um povo; como consciência efetiva, é cidadão do povo. Essa consciência tem sua essência no espírito simples, e tem a certeza de si mesma na efetividade desse espírito, no povo total, e aí tem imediatamente sua verdade; assim, não em algo que não é efetivo; mas em um espírito que existe e vigora. Esse espírito pode chamar-se a lei humana, por ser essencialmente na forma da efetividade consciente dela mesma. Na forma da universalidade, é a lei conhecida e o costume corrente. Na forma da singularidade, é a certeza efetiva de si mesmo no indivíduo em geral. A certeza de si, como individualidade simples, é o espírito como governo. Sua verdade é a vigência manifesta, exposta à luz do dia - uma existência que para a certeza imediata emerge na forma do ser-aí deixado em liberdade. Contudo, outra potência se contrapõe a essa potência ética e a essa manifestabilidade: é a lei divina. Com efeito, o poder ético do Estado tem, como movimento do agir consciente de si, sua oposição na essência simples e imediata da eticidade. Como universalidade efetiva, o poder do Estado é uma força voltada contra o ser para si individual; e como efetividade em geral, encontra ainda outro que ele mesmo na essência interior. Como já lembramos, cada um dos opostos modos de existir da substância ética a contém inteira, e também todos os momentos de seu conteúdo. Se a comunidade é, pois, a substância ética como agir efetivo consciente de si, então o outro lado tem a forma da substância imediata ou essente. Assim, essa última é, de uma parte, o conceito interior, ou a possibilidade universal da eticidade em geral; mas de outra parte, tem nela igualmente o momento da consciência de si. Esse momento que exprime a eticidade nesse elemento da imediatez, ou do ser; ou que exprime uma consciência imediata de si, tanto como de essência quanto como deste Si em Outro, quer dizer, uma comunidade ética natural - é a família. A família, como o conceito carente de consciência, e ainda interior, se contrapõe à efetividade consciente de si; como o elemento da efetividade do povo, se contrapõe ao povo mesmo; como ser ético imediato se contrapõe à eticidade que se forma e se sustém mediante o trabalho em prol do universal: os Penates se contrapõem ao espírito universal. Embora o ser ético da família se determine como imediato, no entanto a família não está no interior de sua essência ética enquanto ela é o comportamento da natureza de seus membros, ou o relacionamento desses é a relação imediata de membros efetivos singulares. Com efeito, o ético é em si universal, e essa relação da natureza é essencialmente também um espírito; e somente é ético enquanto essência espiritual. Vejamos em que consiste sua eticidade característica. Em primeiro lugar, por ser o ético o universal em si, o relacionamento ético dos membros da família não é o relacionamento da sensibilidade, ou a relação do amor. O ético parece agora que deve ser colocado na relação do membro singular da família para com a família toda, como para com a substância, de forma que seu agir e efetividade só tenham a família por fim e conteúdo. Mas o fim consciente, que tem o agir desse todo, na medida em que concerne esse próprio todo, é também o singular. A aquisição e conservação do poder e riqueza, por um lado, só dizem respeito à necessidade, e pertencem ao desejo. Por outro lado, em sua determinação mais alta, se tornam algo apenas mediato. Essa determinação não incide no interior da família mesma, mas se abre ao verdadeiramente universal, à comunidade. Quanto à família, é antes negativa e consiste em pôr o Singular fora da família, em subjugar sua naturalidade e singularidade, e em educá-la para a virtude, para a vida no - e para o - universal. O fim positivo peculiar da família é o Singular como tal. Ora, para que essa relação seja ética, nem o que age, nem aquele a quem a ação se dirige, podem apresentar-se segundo uma contingência - como seria o caso em uma ajuda ou serviço eventual. O conteúdo da ação ética deve ser substancial, ou seja, completo e universal; por isso ela só pode relacionar-se com o Singular total, ou com ele como universal. E também não se trata de algo como uma prestação de serviço, que lhe proporcione a completa felicidade: - isso seria apenas uma representação, pois tal serviço, como ação imediata e efetiva, só produz nele algo singular. Nem se trata de um serviço, como a educação, que efetivamente tome o Singular, enquanto totalidade, por objeto e em uma série de procedimentos cuidadosos o produza como obra sua. Nesse caso, excetuando o fim negativo em relação à família, a ação efetiva só tem um conteúdo limitado. Enfim, ainda menos se trata de algo como um socorro, pelo qual em verdade o Singular todo seja alvo, pois o socorro mesmo é um ato totalmente acidental, cuja ocasião é uma efetividade qualquer, que pode ser ou não ser. Por conseguinte, a ação que abarca a existência toda do parente consanguíneo, é a que o tem por objeto e conteúdo: não o cidadão, pois esse não pertence à família, nem o menino que deve tornar-se cidadão, e deixar de contar como este Singular; e sim este Singular que pertence à família, porém tomado como uma essência universal, subtraída à efetividade sensível, isto é, singular. Essa ação já não concerne o vivo, mas sim o morto: aquele que da longa série de seu ser-aí disperso, se recolheu em uma figuração acabada, e, se elevou da inquietação da vida contingente à quietude da universalidade. Já que somente como cidadão ele é efetivo e substancial, o Singular, enquanto não é cidadão e pertence à família, é apenas a sombra inefetiva sem medula. Essa universalidade que o Singular como tal alcança, é o puro ser, a morte: é o ser que veio a ser, natural e imediato, e não o agir de uma consciência. O dever do membro da família é, por isso, acrescentar esse lado, de forma que seu ser último, esse ser universal, não pertença só à natureza, nem permaneça algo irracional; mas seja um agido, e nele seja afirmado o direito da consciência. Ou seja: como, na verdade, a quietude e a universalidade da essência consciente de si não pertencem à natureza, o significado da ação é que seja descartada a aparência de tal agir que a natureza se arroga, e a verdade se estabeleça. O que a natureza faz no Singular é o lado segundo o qual seu vir a ser em direção ao universal se apresenta como o movimento de um essente. Esse movimento recai, sem dúvida, no interior da comunidade ética, e a tem como fim: a morte é a consumação e o trabalho supremo, que o indivíduo como tal empreende pela comunidade. Mas enquanto o indivíduo é essencialmente singular, é acidental que sua morte estivesse imediatamente conexa com seu trabalho pelo universal e fosse seu resultado. Se a morte em parte foi tal resultado, a morte é -, a negatividade natural, o movimento do Singular como essente; nesse movimento a consciência não retoma a si mesma, nem se torna consciência de si. Ou seja: sendo o movimento do essente um movimento tal que o essente é suprassumido e atinge o ser para si - a morte é o lado da cisão, em que o ser para si alcançado é Outro que o essente, que iniciou o movimento. Porque a eticidade é o espírito em sua verdade imediata, os lados, em que a consciência do espírito se dissocia, incidem também nessa forma da imediatez; e a singularidade passa àquela negatividade abstrata que, sem consolo nem reconciliação em si mesma, deve essencialmente recebê-los mediante uma ação exterior e efetiva. Assim, a consanguinidade completa o movimento natural abstrato, por acrescentar o movimento da consciência, interromper a obra da natureza e arrancar da destruição o consanguíneo. Ou melhor, já que é necessária a destruição - seu vir a ser o puro ser - a consanguinidade toma sobre si o ato da destruição. Acontece por isso que também o ser morto, o ser universal, se torne um ser retomado a si, um ser para si ou que a pura singularidade singular, carente de forças, seja elevada à individualidade universal. O morto, por ter libertado seu ser de seu agir, ou do Uno negativo - é a singularidade vazia, apenas um passivo ser para Outro, abandonado a toda a individualidade irracional inferior e às forças da matéria abstrata. Agora elas são mais poderosas que o morto: a primeira, em razão da vida que possui, e as outras, por causa de sua natureza negativa. A família afasta do morto esse agir que o profana, o agir dos desejos inconscientes e das essências abstratas; põe o seu agir no lugar do agir deles e faz o parente desposar o seio da terra, a individualidade elementar imperecível. Desse modo, torna-o sócio de uma comunidade que, antes, mantém subjugadas e prisioneiras as forças das matérias singulares e as vitalidades inferiores, que queriam desencadear-se contra o morto e destruí-lo. Esse último dever constitui assim a lei divina perfeita, ou a ação ética positiva para com o Singular. Qualquer outra relação para com ele - que não fique no amor, mas seja ética - pertence à lei humana, e tem a significação negativa de elevar o Singular acima da inclusão na comunidade natural, a que pertence enquanto efetivo. Embora o direito humano já tenha por conteúdo e potência a substância ética efetiva consciente de si - o povo todo - e o direito divino, a lei ética divina, por sua vez tenham por conteúdo e potência o Singular que está além da efetividade, nem por isso o Singular é sem potência. Sua potência é o puro Universal abstrato, o indivíduo elementar que, como é o fundamento da individualidade, reconduz à pura abstração - como à sua essência - a individualidade que se desprende do elemento e constitui a efetividade, consciente de si, do povo. Adiante se desenvolverá mais amplamente como é que essa potência se apresenta no povo mesmo. Ora bem, em uma lei como na outra há diferenças e graus. Com efeito, por terem em si as duas essências o momento da consciência, dentro delas mesmas a diferença se desdobra, constituindo seu movimento e sua vida peculiar. A consideração dessas diferenças indica a maneira da atividade e da consciência de si das duas essências universais do mundo ético, como também seu nexo e a passagem de uma para a outra. A comunidade - a lei do alto que vigora manifestamente à luz do dia - tem sua vitalidade efetiva no Governo, como o lugar onde ela é indivíduo. O Governo é o espírito efetivo, refletido sobre si, o Si simples da substância ética total. Sem dúvida, essa força simples permite à essência expandir-se na organização de seus membros e atribuir, a cada parte, subsistência e ser para si próprio. O espírito tem aí sua realidade ou seu ser-aí, e a família é o elemento dessa realidade. Mas, ao mesmo tempo, o espírito é a força do todo que congrega de novo essas partes no Uno negativo, dá-lhes o sentimento de sua dependência e as conserva na consciência de ter sua vida somente no todo. Pode assim a Comunidade organizar-se, de um lado, nos sistemas da independência pessoal e da propriedade, do direito pessoal e do direito real. Igualmente, as modalidades do trabalho podem articular-se e tornar-se associações independentes, para os fins, inicialmente singulares, da obtenção e do gozo de bens. O espírito da universal-associação é a simplicidade e a essência negativa desses sistemas que se isolam. Para não deixar que se enraízem e endureçam nesse isolar-se, e que por isso o todo se desagregue e o espírito se evapore, o Governo deve, de tempos em tempos, sacudi-los em seu íntimo pelas guerras, e com isso lhes ferir e perturbar a ordem rotineira e o direito à independência. Quanto aos indivíduos, que afundados ali se desprendem do todo e aspiram ao ser para si inviolável, e à segurança da pessoa, o Governo, no trabalho que lhes impõe, deve dar-lhes a sentir seu senhor: a morte. Por essa dissolução da forma da subsistência, o espírito impede o soçobrar do ser-aí ético no natural; preserva o Si de sua consciência e o eleva à liberdade e à sua força. A essência negativa se mostra como a potência peculiar da comunidade, e como a força de sua autoconservação. A comunidade encontra assim a verdade e o reforço de seu poder na essência da lei divina, e no reino subterrâneo. A lei divina que reina na família possui, de seu lado, também diferenças em si mesma, cujo relacionamento constitui o movimento vivo de sua efetividade. Mas entre as três relações - homem e mulher, pais e filhos, irmão e irmã - em primeiro lugar a relação do homem e da mulher é o imediato reconhecer-se de uma consciência na outra, e o conhecer do mútuo ser-reconhecido. Esse reconhecer-se, por ser o natural e não o ético, é apenas a representação e a imagem do espírito, e não O espírito efetivo mesmo. Mas a representação ou a imagem tem sua efetividade em Outro que ela. Essa relação não tem, pois, sua efetividade nela mesma, mas na criança: em Outro, cujo vir a ser é a relação mesma, e no qual a relação desvanece. Essa mudança das gerações, que se sucedem, tem sua base permanente no povo. A piedade mútua do marido e da mulher está, pois, misturada com uma relação natural, e com a sensibilidade; e sua relação não tem em si mesma seu retorno a si. O mesmo ocorre com a segunda relação, a piedade recíproca dos pais e dos filhos. A piedade dos pais para com seus filhos está justamente afetada por essa emoção de ter no Outro a consciência de sua efetividade, e de ver o seu ser para si vir a ser nele, sem poder recuperá-lo; senão que permanece uma efetividade alheia, peculiar. Inversamente, a piedade dos filhos para com os pais é afetada pela emoção de ter o vir a ser de si mesmo - ou o Em si - em outro Evanescente, e de só alcançar o ser para si e a própria consciência de si através da separação da origem - uma separação em que essa origem se esgota. Essas duas relações permanecem no interior da transição e da desigualdade dos lados que lhes são assignados. Mas a relação sem mistura encontra lugar entre irmão e irmã. São o mesmo sangue, o qual porém neles chegou à sua quietude e equilíbrio. Por isso não se desejam um ao outro; não deram nem receberam mutuamente esse ser para si, mas são individualidade livre um em relação ao outro. O feminino tem pois, como irmã, o mais elevado pressentimento da essência ética; mas não chega à consciência e à efetividade da mesma, uma vez que a lei da família é a essência interior, em si essente que não está exposta à luz da consciência, mas permanece como sentimento interior e como o divino subtraído à efetividade. O feminino está ligado a esses Penates, e neles intui, de uma parte, sua substância universal, mas, de outra parte, sua singularidade; de tal maneira porém que essa relação da singularidade não seja, ao mesmo tempo, a relação natural do prazer. Como filha, a mulher deve ver agora os pais desvanecerem com emoção natural e tranquilidade ética - pois só às custas dessa relação chega ao ser para si de que é capaz; assim, não intui nos pais seu ser para si de maneira positiva. Porém as relações da mãe e da esposa têm a singularidade; de uma parte, como algo natural que pertence ao prazer; de outra parte, como algo negativo, que neles só enxerga seu desvanecer; e por isso mesmo, de outra parte como algo contingente, que pode ser substituído por outro. No lar da eticidade, aquilo em que se baseiam as relações da mulher não é este marido, nem este filho, mas um marido, filhos em geral; sua base não é a sensibilidade, mas o universal. A diferença da eticidade da mulher em relação à do homem consiste justamente em que a mulher, em sua determinação para a singularidade e no seu prazer, permanece imediatamente universal e alheia à singularidade do desejo. No homem, ao contrário, esses dois lados se separam um do outro, e enquanto ele como cidadão possui a força consciente de si da universalidade, adquire com isso o direito ao desejo. Assim, enquanto nessa relação da mulher a singularidade está mesclada, sua eticidade não é pura; mas na medida em que a eticidade é pura, a singularidade é indiferente, e a mulher carece do momento de se reconhecer como este Si no Outro. Porém o irmão é para a irmã a essência igual e tranquila, em geral. O reconhecimento dela está nele, puro e sem mistura de relação natural. A indiferença da singularidade e a sua contingência ética não estão, pois, presentes nessa relação. Mas o momento do Si singular, que reconhece e é reconhecido, pode afirmar aqui o seu direito, porque está unido ao equilíbrio do sangue e à relação carente de desejo. Por isso, a perda do irmão é irreparável para a irmã; e seu dever para com ele, o dever supremo. Essa relação é, ao mesmo tempo, o limite em que a família, circunscrita a si mesma, se dissolve e vai para fora de si. O irmão é o lado segundo o qual o espírito da família se torna a individualidade que se volta para Outro e passa à consciência da universalidade. O irmão abandona essa eticidade da família - imediata elementar e por isso propriamente negativa - a fim de conquistar e produzir a eticidade efetiva, consciente de si mesma. O irmão passa da lei divina, em cuja esfera vivia, à lei humana. A irmã, porém, se torna - ou a mulher permanece - a dona da casa, e a guardiã da lei divina. Dessa maneira, os dois sexos ultrapassam sua essência natural e entram em cena em sua significação ética, como diversidades que dividem entre si as diferenças que a substância ética se confere. Essas duas essências universais do mundo ético têm, pois, sua determinada individualidade nas consciências de si diferenciadas por natureza - já que o espírito ético é a unidade imediata da substância com a consciência de si: uma imediatez, portanto, que se manifesta ao mesmo tempo como o ser-aí de uma diferença natural, segundo o lado da realidade e da diferença. Esse é o lado que na figura da Individualidade para si mesma real se mostrava no conceito da essência espiritual como natureza originariamente determinada. Perde esse momento a indeterminidade que ainda possuía ali, e também a diversidade contingente das disposições e capacidades. É agora a oposição determinada dos dois sexos, cuja naturalidade recebe ao mesmo tempo a significação de sua determinação ética. No entanto, a diferença dos sexos e de seu conteúdo ético permanece na unidade da substância, e seu movimento é justamente o constante vir a ser da mesma substância. Pelo espírito da família, o homem é enviado à comunidade e nela encontra sua essência consciente de si. Como desse modo a família possui na comunidade sua universal substância e subsistência, assim, inversamente, a comunidade tem na família o elemento formal de sua efetividade; e na lei divina, sua força e legitimação. Nenhuma das duas leis é unicamente em si e para si. A lei humana, em seu movimento vital, procede da lei divina; a lei vigente sobre a terra, da lei subterrânea; a lei consciente, da inconsciente; a mediação, da imediatez: - e cada uma retoma, igualmente, ao ponto donde procede. A potência subterrânea, ao contrário, tem sobre a terra sua efetividade: mediante a consciência torna-se ser-aí e atividade. As essências éticas universais, são, assim, a substância como consciência universal e a substância como consciência singular; elas têm o povo e a família por sua efetividade universal, mas têm o homem e a mulher por seu Si natural e individualidade atuante. Nós vemos, nesse conteúdo do mundo ético, atingidos os fins que se propunham as anteriores figuras da consciência, carentes de substância. O que a razão aprendia somente como objeto, tornou-se consciência de si, e o que esta só tinha dentro dela mesma, está presente como verdadeira efetividade. O que a observação sabia como um achado, em que o Si não tinha nenhuma parte, aqui é um costume encontrado, mas também uma efetividade que ao mesmo tempo é ato e obra de quem a encontra. O Singular, que busca o prazer do gozo de sua singularidade, encontra-o na família; e a necessidade, em que o prazer desaparece, é sua própria consciência de si como de cidadão de seu povo. Ou seja: é saber a lei do coração como lei de todos os corações, e a consciência do Si como a ordem universal reconhecida; é a virtude que goza dos frutos de seu sacrifício, que realiza o que tem em mira, isto é, elevar a essência à presença efetiva, e seu gozo é essa vida universal. Enfim, a consciência da Coisa mesma é satisfeita na substância real, que de modo positivo contém e retém os momentos abstratos daquela categoria vazia. A Coisa mesma encontra nas potências éticas um conteúdo autêntico, que tomou o lugar dos mandamentos carentes de substância, que a sã razão pretendia dar e saber. Possui assim um critério, cheio de conteúdo para o exame, não das leis, mas do que foi feito não das normas, mas das ações. O todo é um equilíbrio estável de todas as partes, e cada parte é um espírito semelhante ao indígena, que não procura sua satisfação fora de si - mas a possui dentro de si, pelo motivo de que ele mesmo está nesse equilíbrio com o todo. Por isso esse equilíbrio na verdade só pode ser vivo, por surgir nele a desigualdade e ser reconduzida à igualdade pela justiça. Porém a justiça nem é uma essência estranha que se encontre no além; nem tampouco é a efetividade - indigna dela - de uma recíproca impostura, perfídia, ingratidão, etc., que executasse a sentença à maneira de um acaso irrefletido, como um nexo irracional e como uma ação ou omissão destituída de consciência. Ao contrário: como justiça do direito humano, que reconduz ao universal o ser para si que saiu do equilíbrio - isto é, a independência dos estamentos e dos indivíduos - a justiça é o governo do povo, que é a individualidade presente a si da essência universal, e a própria vontade, consciente de si, de todos. Mas a justiça, que reconduz ao equilíbrio o universal que se torna prepotente sobre o Singular, é igualmente o espírito simples de quem sofreu o agravo. Esse espírito não está cindido em alguém que foi agravado, e em uma essência situada no além: ele mesmo é essa potência subterrânea, e é sua Erínie a que exerce a vingança. Com efeito, sua individualidade, seu sangue, continua vivendo na casa: sua substância tem uma efetividade perene. O agravo que no reino da eticidade pode ser infligido ao Singular é somente este: que alguma coisa simplesmente lhe aconteça. A potência que inflige esse agravo à consciência - de fazer dela uma pura coisa - é a natureza; é a universalidade - não da comunidade, mas a universalidade abstrata do ser; e na reparação do agravo infligido, a singularidade não se volta contra a comunidade - pois não foi dela que sofreu o agravo - mas contra o ser. Como vimos, a consciência do sangue do indivíduo repara esse agravo, de modo que aquilo que aconteceu se torne antes uma obra; para que o ser, o derradeiro estado, seja algo querido e, portanto, agradável. Dessa maneira, o reino ético é, em sua subsistência, um mundo imaculado, que não é manchado por nenhuma cisão. Seu movimento é igualmente um tranquilo vir a ser - de uma potência sua para a outra - de modo que cada uma receba e produza a outra. Nós o vemos, de certo, dividir-se em duas essências, e em sua respectiva efetividade; mas sua oposição é, antes, a confirmação de uma pela outra. O ponto onde imediatamente se tocam como efetivas - seu meio-termo e elemento - é sua imediata interpenetração. Um extremo - o espírito universal consciente de si - é concluído com seu outro extremo, sua força e seu elemento, ou seja, com o espírito carente de consciência, mediante a individualidade do homem. Ao contrário, é na mulher que a lei divina tem sua individualização, ou seja, é nela que o espírito, carente de consciência, do Singular tem seu ser-aí. Mediante a mulher, como meio-termo, esse espírito emerge da inefetividade para a efetividade: do que não sabe e que não é sabido, para o reino consciente. A união do homem e da mulher constitui o meio-termo ativo do todo, o elemento, que, cindido nestes extremos da lei divina e da lei humana, é igualmente sua unificação imediata; que faz, daqueles dois primeiros silogismos, um mesmo silogismo e que unifica em um só os movimentos opostos: - o movimento descendente da efetividade para a inefetividade, da lei humana que se organiza em membros independentes, para o perigo e prova da morte; e o movimento ascendente da lei do mundo subterrâneo para a efetividade da luz do dia e para o ser-aí consciente. O primeiro desses movimentos compete ao homem; o segundo a mulher. b - A AÇÃO ÉTICA. O SABER HUMANO E O DIVINO, A CULPA E O DESTINO Porém a consciência de si ainda não surgiu em seu direito como individualidade singular, devido ao modo como a oposição está constituída nesse reino ético: nele a individualidade, por um lado, só tem valor como vontade universal; por outro lado, como sangue da família: este Singular só vale como sombra inefetiva. Nenhum ato foi ainda cometido; ora, o ato é o Si efetivo. O ato perturba a calma organização do mundo ético, e seu tranquilo movimento. O que aparece no mundo ético como ordem e harmonia de suas duas essências - uma das quais confirma e completa a outra - torna-se através do ato uma transição de opostos, em que cada qual se mostra mais como anulação de si mesmo e do outro do que como sua confirmação. Transforma-se no movimento negativo - ou na eterna necessidade do destino assustador, que devora no abismo de sua simplicidade tanto a lei divina quanto a lei humana, como também as duas consciências de si em que essas duas potências têm seu ser-aí, Para nós, essa necessidade vem a dar no absoluto ser para si da consciência de si puramente singular. O fundamento - do qual e sobre o qual esse movimento procede - é o reino da eticidade; mas a atividade desse movimento é a consciência de si. Como consciência ética, ela é a pura orientação simples para a essencialidade ética, ou seja, o dever. Nela não existe nenhum arbítrio, e também nenhum conflito, nenhuma indecisão, já que foram abandonados o legislar e o examinar das leis; ao contrário, a essencialidade ética é para essa consciência algo imediato, inabalável e imune à contradição. Por conseguinte, não se oferece o triste espetáculo de uma colisão da paixão com o dever, e ainda menos o espetáculo cômico de uma colisão de dever contra dever; uma colisão que segundo o conteúdo equivale à colisão entre paixão e dever, pois a paixão é também capaz de ser representada como dever. Com efeito, o dever, quando a consciência se retira de sua essencialidade substancial imediata para dentro de si mesma, torna-se o Universal-formal em que se adapta igualmente bem qualquer conteúdo, como se mostrou acima. Porém é cômica a colisão de deveres, por exprimir a contradição, e justamente a contradição de um Absoluto oposto: assim exprime um absoluto e imediatamente, a nulidade desse suposto absoluto, ou dever. A consciência ética, porém, sabe o que tem de fazer e está decidida a pertencer seja à lei divina, seja à lei humana. Essa imediatez de sua decisão é um ser em si e tem, por isso, ao mesmo tempo a significação de um ser natural, como vimos. O que assigna um sexo a uma lei e o outro sexo a outra, é a natureza, e não a contingência das circunstâncias ou da escolha. Ou, inversamente: as duas potências éticas se conferem, nos dois sexos, seu ser-aí individual e sua efetivação. Ora, como de uma parte a eticidade consiste nessa decisão imediata, e assim para a consciência, só uma lei é a essência; e como de outra parte as potências éticas são efetivas no Si da consciência, por isso recebem elas a significação de se excluírem e de se oporem: na consciência de si elas são para si, assim como no reino da eticidade são apenas em si. A consciência ética, porque está decidida por uma só dessas potências, é essencialmente caráter. Não é válida para a consciência a igual essencialidade de ambas: a oposição se manifesta, por isso, como uma colisão infeliz do dever somente com a efetividade carente de direito. A consciência ética está, como consciência de si, nessa oposição; e como tal empreende submeter, pela força à lei a que pertence, essa efetividade oposta; ou então burlá-la. Como vê o direito somente de seu lado, e do outro, o agravo, a consciência que pertence à lei divina enxerga, do outro lado, a violência humana contingente. Mas a consciência, que pertence à lei humana, vê no lado oposto a obstinação e a desobediência do ser para si interior. Os mandamentos do governo são, com efeito, o sentido público universal, exposto à luz do dia; mas a vontade da outra lei é o sentido subterrâneo, enclausurado no interior, que em seu ser-aí se manifesta como vontade da singularidade, e que, em contradição com a primeira lei, é o delito, Surge assim na consciência a oposição entre o sabido e o não sabido, como também na substância a oposição entre o consciente e o carente de consciência - o direito absoluto da consciência de si ética entra em conflito com o direito divino da essência. A efetividade objetiva, como tal, tem essência para a consciência de si como consciência; mas segundo sua substância essa consciência de si é a unidade de si e desse oposto, e a consciência de si ética é a consciência da substância. O objeto, enquanto oposto à consciência de si, perdeu por isso completamente a significação de ter essência para si. Como desvaneceram, há muito, as esferas em que o objeto é apenas uma coisa, assim também desvaneceram as esferas em que a consciência solidifica algo de si, e faz, de um momento singular, a essência. Contra tal unilateralidade tem a efetividade uma força própria: alia-se à verdade contra a consciência, e lhe mostra enfim o que é a verdade. Mas a consciência ética bebeu, da taça da substância absoluta, o olvido de toda a unilateralidade do ser para si, de seus fins e conceitos peculiares; e por isso afogou, ao mesmo tempo, nessa água do Estige toda essencialidade própria e significação independente da efetividade objetiva. É portanto seu direito absoluto que, agindo conforme a lei ética, não encontre outra coisa nessa efetivação que o cumprimento dessa lei mesma, e o ato não mostre outra coisa senão o agir ético. O ético, enquanto essência absoluta e ao mesmo tempo potência absoluta, não pode sofrer perversão de seu conteúdo. Fosse apenas a essência absoluta sem a potência, poderia experimentar uma perversão por parte da individualidade; mas essa, como consciência ética, com o abandonar de seu ser para si unilateral, renunciou ao perverter. Inversamente, a simples potência seria pervertida pela essência, caso fosse ainda tal ser para si. Graças a essa unidade, a individualidade é pura forma da substância, que é o conteúdo; e o agir é o passar do pensamento à efetividade, somente como o movimento de uma oposição carente de essência, cujos momentos não possuem conteúdo e essencialidade que sejam particulares e distintos entre si. O direito absoluto da consciência ética consiste pois nisto: que o ato - a figura de sua efetividade - não seja outra coisa senão o que ela sabe. Mas a essência ética cindiu-se em duas leis; e a consciência - enquanto esse comportar-se indiviso para com a lei - é assignada a uma delas somente. Assim como essa consciência simples insiste no direito absoluto de que se manifeste a ela, enquanto consciência ética, a essência tal como é em si, assim também essa essência insiste no direito de sua realidade, isto é, no direito de ser dúplice. Ao mesmo tempo, porém, esse direito da essência não se contrapõe à consciência de si, como se a essência estivesse alhures; mas é a própria essência da consciência de si. Só nela tem seu ser-aí e sua potência; e sua oposição é o ato da consciência de si. Pois ela, justamente, quando se sabe como Si, e parte para o ato, ergue-se da imediatez simples e põe ela mesma a cisão. Abandona mediante o ato a determinidade da eticidade - a de ser a certeza simples da verdade imediata - e põe a separação de si mesma: em si, como o que é atuante, e na efetividade oposta que é, para ela, negativa. Assim, pelo ato, a consciência de si torna-se culpa. Com efeito, ela é seu agir, e o agir é sua mais própria essência. A culpa recebe também a significação de delito, pois a consciência de si, como simples consciência ética, consagrou-se a uma lei, mas renegou a outra e a violou mediante seu ato. A culpa não é uma essência indiferente e ambígua, de forma que o ato, tal como efetivamente se expõe à luz do dia, pudesse ser o agir do seu Si; ou então não ser, como se o agir pudesse estar vinculado a algo exterior e contingente, que não lhe pertencesse; e assim, por esse lado, o agir fosse inocente. Ao contrário: o agir mesmo é essa cisão, que consiste em pôr-se para si mesmo e a isso contrapor uma efetividade exterior estranha. Depende do próprio agir - e é resultado dele - que uma tal efetividade exista. Inocente, portanto, é só o não agir - como o ser de uma pedra; nem mesmo o ser de uma criança é inocente. No entanto, conforme o conteúdo, a ação ética tem nela o momento do delito, porque não suprassume a repartição natural das duas leis entre os dois sexos: ao contrário, como orientação indivisa para a lei, permanece dentro da imediatez natural, e enquanto agir faz dessa unilateralidade, a culpa. Essa culpa consiste em escolher só um dos lados da essência, e em comportar-se negativamente para com o outro; quer dizer, em violá-lo. Adiante se exporá com mais precisão onde incidem na vida ética universal a culpa e o crime, o agir e o operar. É imediatamente claro que não é este Singular que opera e que é culpado, pois como este Si é apenas sombra inefetiva, ou seja, só é como Si universal, e a individualidade é puramente o momento formal do agir em geral, sendo seu conteúdo as leis e os costumes, que, determinadamente para o Singular, são os de seu estamento. É a substância como gênero, o qual, através de sua determinidade, se torna espécie, sem dúvida; mas a espécie continua sendo, ao mesmo tempo, o universal do gênero. Dentro do povo, a consciência de si desce do universal somente até a particularidade, e não até à individualidade singular, que põe no agir da consciência de si, um Si exclusivo, uma efetividade negativa de si mesma. Contudo, na base de seu operar, está a firme confiança no todo, à qual nada de alheio se mistura: nem medo nem hostilidade. A consciência de si ética experimenta agora, no seu ato, a natureza desenvolvida do operar efetivo; quer se tenha dedicado à lei divina, quer à lei humana. A lei que é para ela manifesta uniu-se na essência com a lei oposta. A essência é a unidade de ambas, mas o ato só realizou uma, em contraposição à outra. Entretanto, por estar unida com ela na essência, o cumprimento de uma evoca a outra, e a evoca como uma essência violada, e agora hostil, reclamando vingança; a isso o ato a reduziu. Ao operar só se expõe à luz do dia um lado da decisão, em geral. Mas a decisão é, em si, o negativo, ao qual se contrapõe Outro, um estranho para ele, que é o saber. A efetividade, pois, guarda oculto nela o outro lado, estranho ao saber, e não se mostra à consciência tal como é em si e para si. Ao filho, o pai não se mostra no ofensor que ele fere, nem a mãe na rainha que toma por esposa. Desse modo, está à espreita da consciência de si ética uma potência avessa à luz que, quando o fato ocorreu, irrompe, e a colhe em flagrante. Com efeito, o ato consumado é a oposição suprassumida do Si que sabe e da efetividade que se lhe contrapõe. Quem opera, Édipo, não pode renegar o delito e sua culpa. O ato é isto: mover o imóvel, e produzir o que antes só estava encerrado na possibilidade; e com isso, unir o inconsciente ao consciente, o não essente ao ser. Nessa verdade, o ato surge assim à luz do dia - como algo em que está unido um elemento consciente a um inconsciente, o próprio a um estranho: como a essência dividida; a consciência lhe experimenta o outro lado, e o experimenta também como lado seu, mas como potência violada por ela e provocada de modo hostil. Pode ser que o direito, que se mantinha à espreita, não esteja presente para a consciência operante em sua figura peculiar; mas somente esteja em si, na culpa interior da decisão e do operar. Porém a consciência ética é mais completa, sua culpa mais pura, quando conhece antecipadamente a lei e a potência que se lhe opõem, quando as toma por violência e injustiça, por uma contingência ética; e como Antígona, comete o delito sabendo o que faz. O ato consumado inverte o ponto de vista da consciência; a implementação enuncia, por si mesma, que o que é ético deve ser efetivo, pois a efetividade do fim é o fim do agir. O agir enuncia justamente a unidade da efetividade e da substância; que a efetividade não é contingente para a essência, mas que, em união com ela, não é assignada a nenhum direito que não seja o direito verdadeiro. Devido a essa efetividade, e em virtude do seu agir, a consciência ética deve reconhecer seu oposto como efetividade sua; deve reconhecer sua culpa: "Porque sofremos, reconhecemos ter errado". Esse reconhecer exprime a cisão suprassumida do fim ético e da efetividade; exprime o retorno à disposição ética, que sabe nada ter valor a não ser o direito. Desse modo, porém, a ação abandona seu caráter e a efetividade do seu Si, e foi à ruína. Seu ser consiste nisto: em pertencer à sua lei ética como à sua substância. Ora, no reconhecer do oposto, deixou essa lei de ser sua substância; e em lugar de sua efetividade, o que alcançou foi a inefetividade, a disposição. Sem dúvida, a substância se manifesta na individualidade, como seu pathos, e a individualidade se manifesta como o que vivifica a substância, - e por isso está acima dela. Mas é um pathos que ao mesmo tempo é seu caráter; a individualidade ética, imediatamente e em si, é um só com esse seu universal; só nele tem sua existência, e não é capaz de sobreviver à ruína que essa potência ética sofre por causa da oposta. Mas, com isso, tem ela a certeza de que aquela individualidade, cujo pathos é essa potência oposta, não sofre um mal maior do que infligiu. O movimento dessas potências éticas, uma em relação à outra, e das individualidades que as põem em vida e ação, só atinge seu verdadeiro fim ao sofrerem ambos os lados a mesma ruína. Com efeito, nenhuma dessas potências tem sobre a outra a vantagem de ser um momento mais essencial da substância. A igual essencialidade e a subsistência indiferente das duas - uma ao lado da outra - constituem seu ser carente de si. No ato são como essência do Si, mas uma diferente essência do Si, - o que contradiz a unidade do Si, e constitui sua carência de direito e sua necessária ruína. O caráter, igualmente, de uma parte pertence, segundo seu pathos ou substância, somente a uma dessas potências. Mas de outra parte, segundo o lado do saber, tanto um caráter como o outro está cindido em um consciente e um inconsciente. Cada um deles - enquanto provoca essa oposição, e enquanto mediante o ato tanto o saber como o não saber são obra sua - põe-se nessa situação de culpa que o consome. A vitória de uma potência e de seu caráter, e a derrota do outro lado seriam assim apenas a parte e a obra incompleta, que avança sem cessar para o equilíbrio de ambas as potências. Só na submissão igual dos dois lados o direito absoluto se cumpre e a substância ética emerge como a potência negativa que devora os dois lados - ou como o destino justo e todo-poderoso. Tomando-se as duas potências segundo o seu conteúdo determinado e segundo a individualização deste conteúdo, o quadro de seu conflito configurado se apresenta, pelo seu lado formal, como o conflito da ordem ética e da consciência de si com a natureza carente de consciência e com uma contingência presente graças a essa natureza. Essa contingência tem um direito contra a consciência de si, por ser essa consciência somente o espírito verdadeiro, por estar somente em unidade imediata com sua substância. Segundo o seu conteúdo, esse quadro se apresenta como a discrepância entre a lei divina e a lei humana. O jovem sai da essência carente de consciência do espírito da família, e se torna a individualidade da comunidade. Mas que ele ainda pertença à natureza da qual se arranca, isto se evidencia pelo fato de vir à cena sob a figura contingente de dois irmãos, que com igual direito se apoderam da comunidade. A desigualdade de um nascimento anterior ou posterior, como diferença da natureza, não tem para eles, que entram na essência ética, nenhuma significação. Mas o Governo, como a alma simples, ou o Si do espírito do povo, não tolera uma dualidade da individualidade. À necessidade ética dessa unidade se contrapõe a natureza, enquanto é a casualidade de serem mais de um. Esses dois irmãos são, pois, desunidos, e seu igual direito ao poder do Estado os destrói a ambos, que têm igual falta de direito. Considerando do ponto de vista humano, quem cometeu o crime foi o que, não estando na posse do poder, atacou a comunidade à cabeça da qual estava o outro. Ao contrário, quem tem o direito de seu lado é o que soube tomar o outro somente como Singular, destacado da comunidade; e que nessa situação de impotência o baniu: agrediu só o indivíduo como tal, não a comunidade, não a essência do direito humano. A comunidade, atacada e defendida pela singularidade vazia, se mantém; e os irmãos encontram ambos sua mútua destruição, através um do outro. Pois a individualidade que em seu ser para si põe em perigo o todo expulsou-se a si mesma da comunidade e em si se dissolveu. Entretanto, a comunidade honrará aquele que se encontrava de seu lado; mas o Governo, a simplicidade restaurada do Si da comunidade, punirá, privando-o das honras finais, o outro que já proclamava sua destruição sobre os muros da cidade. Quem vem profanar o espírito supremo da consciência - espírito da comunidade - deve ser despojado da honra devida à sua essência inteira e acabada: da honra devida ao espírito separado. Mas se assim o universal apara de leve o puro vértice de sua pirâmide, e obtém a vitória sobre o princípio rebelde da singularidade - a família - com isso somente entrou em conflito com a lei divina; o espírito consciente de si mesmo somente entrou em luta com o espírito carente de consciência. Com efeito, esse espírito é a outra potência essencial, que por isso não foi destruída pela primeira, e sim apenas ofendida. No entanto, contra a lei que tem a força e que vigora à luz do dia, só encontra ajuda, para sua execução efetiva, em uma sombra exangue. Portanto, como lei da fraqueza e da obscuridade, logo sucumbe ante a lei do dia e da força, pois o seu poder vigora sob a terra, e não sobre ela. Só que o efetivo, que retirou ao interior sua honra e potência, assim fazendo consumiu a sua essência. O espírito manifesto tem a raiz de sua força no mundo subterrâneo. A certeza do povo, que é certa de si mesma e que se garante, só tem a verdade de seu juramento - que reúne a todos em um só - na substância de todos, carente de consciência e muda: nas águas do olvido. Por isso, a plena realização do espírito manifesto se muda em seu contrário: o espírito experimenta que seu supremo direito é o supremo agravo; sua vitória é, antes, sua própria ruína. O morto, cujo direito foi lesado, sabe pois encontrar instrumentos para sua vingança, que são dotados de efetividade e violência iguais às da potência que o ofendeu. Essas potências são outras comunidades, cujos altares os cães e as aves poluíram com o cadáver, o qual não foi elevado à universalidade carente de consciência por sua devida restituição ao indivíduo elementar, mas ficou sobre a terra, no reino da efetividade; e agora recebe, como força da lei divina, uma universalidade efetiva consciente de si. Essas potências se tornam hostis e devastam a comunidade que desonrou e despedaçou sua força - a piedade da família. Nessa representação, o movimento da lei humana e da lei divina encontra a expressão de sua necessidade em indivíduos em que o universal se manifesta como um pathos, e a atividade do movimento, como um agir individual, que dá um semblante de contingência à necessidade desse movimento. Ora, a individualidade e o agir constituem o princípio da singularidade em geral; princípio que em sua pura universalidade foi chamado lei divina interior. Como movimento da comunidade patente, tem a lei divina não apenas aquela eficácia subterrânea ou exterior em seu ser-aí, mas tem igualmente patente, no povo efetivo, um efetivo ser-aí e movimento. Tomado dessa forma, o que fora representado como simples movimento do pathos individualizado recebe outro aspecto: o delito e a destruição da comunidade motivada por ele recebem a forma peculiar de seu ser-aí. A lei humana assim, em seu ser-aí universal, é a comunidade; em sua atividade em geral, é a virilidade; em sua atividade efetiva, é o Governo. Ela é, se move e se conserva porque consome em si mesma o separatismo dos Penates, ou a singularização independente em famílias que a feminilidade preside, e as conserva dissolvidas na continuidade de sua fluidez. Mas a família é, ao mesmo tempo, seu elemento em geral: a base universal ativadora da consciência singular. Quando a comunidade só se proporciona sua subsistência mediante a destruição da felicidade-familiar, e da dissolução da consciência de si na consciência universal, ela está produzindo, para si mesma, seu inimigo interior naquilo que reprime, e que lhe é ao mesmo tempo essencial - na feminilidade em geral. Essa feminilidade - a eterna ironia da comunidade - muda por suas intrigas o fim universal do Governo em um fim-privado, transforma sua atividade universal em uma obra deste indivíduo determinado, e perverte a propriedade universal do Estado em patrimônio e adorno da família. Assim faz da sabedoria séria da idade madura um objeto de zombaria para a petulância da idade imatura, e de desprezo para seu entusiasmo; essa idade madura que morta para a singularidade, para o prazer e o gozo - como também para a atividade efetiva - só pensa no universal e só dele cuida. De um modo geral, a mulher erige a força da juventude como o que tem valor exclusivo: o vigor do filho, no qual a mãe gerou seu senhor; o do irmão, em que a irmã encontra o homem como o seu igual: o do jovem, graças ao qual a filha, subtraída à sua dependência, obtém o prazer e a dignidade da esposa. No entanto, a comunidade só se pode manter através da repressão desse espírito da singularidade; e na verdade a comunidade igualmente o produz, por ser momento essencial: na verdade, o produz mediante a ação repressiva contra ele, como um princípio hostil. Mas esse princípio de nada seria capaz - já que separando-se do fim universal é apenas o mal e o nulo em si - se a própria comunidade não reconhecesse como força do todo, a força da juventude; a virilidade que ainda imatura permanece dentro da singularidade. Com efeito, a comunidade é um povo; ela mesma é individualidade e essencialmente só é assim para si, enquanto outras individualidades são para ela; enquanto as exclui de si e se sabe independente delas. O lado negativo da comunidade que reprime para dentro a singularização dos indivíduos, mas que para fora é espontaneamente ativo, possui suas armas na individualidade. A guerra é o espírito e a forma em que o momento essencial da substância ética - a liberdade absoluta da essência do Si ética em relação a todo o ser-aí - está presente na efetividade e preservação daquela substância. Enquanto, por um lado, a guerra faz sentir a força do negativo aos sistemas singulares da propriedade e da independência pessoal, como também à própria personalidade singular, e, por outro lado, justamente essa essência negativa se enaltece na guerra como o que mantém o todo; o jovem corajoso, no qual a feminilidade encontra seu prazer - o princípio da corrupção que era reprimido - brilha à luz do dia, e é o que tem valor. Agora, o que decide sobre o ser-aí da essência ética e sobre a necessidade espiritual, é a força da natureza, e o que aparece como acaso da sorte. Porque o ser-aí da essência ética agora repousa na força e na fortuna, assim já está decidido que a essência ética foi por terra. Como anteriormente só os Penates desabaram no espírito do povo, agora são os espíritos vivos dos povos que, através de sua individualidade, desmoronam em uma comunidade universal, cuja universalidade simples é sem espírito e morta, e cuja vitalidade é o indivíduo singular, enquanto Singular. A figura ética do espírito desvaneceu, e surge outra em seu lugar. Esse colapso da substância ética e sua passagem para outra figura são determinados pelo fato de ser a consciência ética, de modo essencial, orientada imediatamente para a lei. Nessa determinação da imediatez está implicado que a natureza; em geral, intervenha na operação da eticidade. Sua efetividade revela somente a contradição e o gérmen da corrupção que a bela unanimidade e o equilíbrio tranquilo do espírito ético continham, justamente nessa tranquilidade e beleza; pois a imediatez tem a significação contraditória de ser a quietude inconsciente da natureza, e a irrequieta quietude, consciente de si, do espírito. Por causa dessa naturalidade, o povo ético em geral é uma individualidade determinada pela natureza - e, por isso, limitada - e assim encontra sua suprassunção em outra. Quando porém desvanece essa determinidade - que posta no ser-aí é limitação, mas é igualmente o negativo em geral e o Si da individualidade - estão perdidas a vida do espírito e essa substância, consciente dela mesma, em todos. A substância emerge neles como uma universalidade formal: já não está imanente neles como espírito vivo, mas a solidez simples de sua individualidade explodiu em uma multidão de pontos. c - O ESTADO DE DIREITO A unidade universal, a que retoma a unidade imediata viva da individualidade e da substância, é a comunidade carente de espírito, que deixou de ser a substância dos indivíduos, ela mesma carente de consciência. Os indivíduos têm valor nela segundo o seu ser para si singular como essências do Si e substâncias. O universal, estilhaçado nos átomos dos indivíduos absolutamente múltiplos - esse espírito morto -, é uma igualdade na qual todos valem como cada um, como pessoas. O que no mundo da eticidade tinha o nome de lei divina oculta, de fato emergiu de seu interior para a efetividade. Naquele mundo, o Singular somente tinha valor e era efetivo como o sangue universal da família. Enquanto este Singular era o espírito separado, carente de si; mas agora saiu de sua inefetividade. Uma vez que a substância ética é apenas o espírito verdadeiro, retoma o Singular à certeza de si mesmo; ele é essa substância enquanto universal positivo, mas sua efetividade consiste em ser o Si negativo universal. Nós vimos as potências e as figuras do mundo ético naufragarem na necessidade simples do destino vazio. Essa potência do mundo ético é a substância refletindo-se em sua simplicidade; porém a essência absoluta que reflete sobre si mesma - justamente aquela necessidade do destino vazio - não é outra coisa que o Eu da consciência de si. Esse Eu, por isso, agora tem valor como essência em si e para si essente. Esse Ser-reconhecido é sua substancialidade, que por sua vez é a universalidade abstrata, pois seu conteúdo é esse Si rígido, e não o Si que se dissolveu na substância. Assim, a personalidade saiu, nessa altura, da vida da substância ética: é a independência, efetivamente em vigor, da consciência. O pensamento inefetivo da independência, que vem a ser para si mediante a renúncia à efetividade, foi anteriormente encontrado como consciência de si estoica. Como ela procedia da Dominação e Servidão, entendida como ser-aí imediato da consciência de si, assim também a personalidade provinha do espírito imediato, que é a vontade universal dominadora de todos, e igualmente sua obediência servidora. O que para o estoicismo era o Em si apenas na abstração, agora é mundo efetivo. O estoicismo não é outra coisa senão a consciência que leva à sua forma abstrata o princípio do Estado de Direito, a independência carente de espírito. Por sua fuga da efetividade, a consciência estoica só alcançava o pensamento da independência; ela é absolutamente para si, porque não vincula sua essência a um ser-aí qualquer; mas, abandona qualquer ser-aí, e coloca sua essência somente na unidade do puro pensar. Da mesma maneira, o direito da pessoa não está ligado nem a um ser-aí mais rico ou mais poderoso do indivíduo como tal indivíduo, nem ainda a um espírito vivo universal; mas antes ao puro Uno de sua efetividade abstrata - ou a ele enquanto consciência de si em geral. Como agora a independência abstrata do estoicismo apresentava o processo de sua efetivação, assim também essa última forma de independência, a pessoa vai recapitular o movimento da independência estoica. A consciência estoica vem a dar na confusão cética da consciência, em um palavreado do negativo que vagueia informe de uma contingência do ser e do pensamento para outra. Dissolve-as, de certo, na independência absoluta, mas, ao mesmo tempo, as reproduz; e, de fato, é apenas a contradição entre a dependência e a independência da consciência. Do mesmo modo, a independência pessoal do direito é, antes, essa igual confusão universal e dissolução recíproca. Pois o que vigora como essência absoluta é a consciência de si como o puro Uno vazio da pessoa. Em contraste com essa universalidade vazia, a substância tem a forma da plenitude e do conteúdo; e agora esse conteúdo é completamente deixado livre e desordenado, já que não está presente o espírito que o subjugava e mantinha coeso em sua unidade. Portanto, em sua realidade, esse Uno vazio da pessoa é um ser-aí contingente, e um mover e agir carentes de essência, que não chegam a consistência alguma. Como o ceticismo, assim o formalismo do direito, sem conteúdo próprio, por seu conceito mesmo encontra uma subsistência multiforme - a posse - e como o ceticismo, lhe imprime a mesma universalidade abstrata, pela qual a posse recebe o nome de propriedade. Mas no ceticismo, a efetividade assim determinada se chama aparência em geral, e tem apenas um valor negativo; enquanto no direito, tem um valor positivo. Esse valor negativo consiste em que o efetivo tenha a significação do Si enquanto pensar, enquanto universal em si. Ao contrário, o valor positivo consiste em que o efetivo seja o Meu na significação da categoria, como uma vigência reconhecida e efetiva. Os dois são o mesmo universal abstrato: o conteúdo efetivo ou a determinidade do Meu - quer se trate agora de uma posse exterior, ou então da riqueza ou da pobreza interiores do espírito e do caráter - não está contido nessa forma vazia, e não lhe diz respeito. O conteúdo efetivo pertence, assim, a uma potência própria, que é algo diverso do Universal-formal; potência que é o acaso e o arbítrio. Por isso a consciência do direito experimenta, antes, em sua própria vigência efetiva, a perda de sua realidade, e sua inessencialidade completa; e designar um indivíduo como uma pessoa é expressão de desprezo. A livre potência do conteúdo determina-se de modo que a dispersão na pluralidade absoluta dos átomos pessoais, pela natureza dessa determinidade, é recolhida ao mesmo tempo em um só ponto, a eles estranho e igualmente carente de espírito. Esse ponto, de um lado, tal como a rigidez da personalidade daqueles átomos, é efetividade puramente singular; mas em oposição à sua singularidade vazia, tem para eles, ao mesmo tempo, a significação de todo o conteúdo, e, por isso, da essência real. É a potência universal e a efetividade absoluta, em contraste com a efetividade daqueles átomos pessoais que se presume absoluta mas que é, em si, carente de essência. Esse senhor do mundo é, para si, dessa maneira a pessoa absoluta, que ao mesmo tempo abarca em si todo o ser-aí, e para cuja consciência não existe espírito mais elevado. É pessoa, mas a pessoa solitária que se contrapõe a todos. Esses "todos" constituem a universalidade vigente da pessoa, pois o singular como tal só é verdadeiro como multiplicidade universal da singularidade; separado dela, o Si solitário é, de fato, o Si inefetivo carente de força. Ao mesmo tempo, é a consciência do conteúdo que se pôs em oposição àquela personalidade universal. Porém esse conteúdo, liberado de sua potência negativa, é o caos das potências espirituais, que desencadeadas como essências elementares em selvagem orgia se lançam umas contra as outras, frenéticas e arrasadoras. Sua consciência de si, carente de forças, é o dique impotente e a arena de seu tumulto. Sabendo-se assim como o compêndio de todas essas potências efetivas, esse senhor do mundo é a consciência de si descomunal que se sabe como deus efetivo. Mas como é apenas o Si formal - que não é capaz de domar essas potências - seu movimento e gozo de si mesmo é também uma orgia colossal. O senhor do mundo tem a consciência efetiva do que ele é - a saber a potência universal da efetividade - na violência destruidora que exerce contra o Si de seus súditos, que se lhe contrapõe. Com efeito, sua potência não é a união do espírito na qual as pessoas reconheçam sua própria consciência de si; enquanto pessoas, são antes para si, e excluem a continuidade com outras, da absoluta rigidez de sua atomicidade. Estão assim em uma relação unicamente negativa, seja umas com as outras, seja para com o senhor do mundo, o qual é seu nexo de relacionamento, ou sua continuidade. Enquanto tal continuidade, o senhor do mundo é a essência e o conteúdo do formalismo das pessoas; conteúdo, porém, que lhes é estranho, e essência que lhes é hostil; pois, antes, suprime o que para elas tem valor como essência: o ser para si vazio de conteúdo, e, enquanto continuidade de suas personalidades, precisamente as destrói. A personalidade do direito, quando nela se faz vigente o conteúdo que lhe é estranho - e aliás se faz vigente nela por ser sua realidade - experimenta, antes, sua carência de substância. Em contrapartida, o fato de socavar arrasadoramente esse terreno sem essência, proporciona a si mesmo a consciência de sua onipotência; mas esse Si é puro ato de devastar, e, por conseguinte, está somente fora de si, ou melhor, é o mesmo que jogar-fora sua consciência de si. Assim, está constituído o lado em que a consciência de si é efetiva, como essência absoluta. Mas a consciência, recambiada dessa efetividade a si mesma, pensa essa sua inessencialidade. Vimos antes a independência estoica do puro pensar atravessar o ceticismo e encontrar sua verdade na consciência infeliz: - a verdade sobre o que constituía seu ser em si e para si. Se esse saber só aparecia então como ponto de vista unilateral da consciência como consciência, agora se patenteou sua verdade efetiva. Essa verdade consiste em que a vigência universal da consciência de si é a realidade que dela se alienou. Essa vigência é a efetividade universal do Si; mas uma efetividade que é também imediatamente a perversão: é a perda de sua essência. A efetividade do Si, que não estava presente no mundo ético, foi conseguida por seu retomar à pessoa. O que no mundo ético estava unido, emerge agora desenvolvido, mas alienado de si mesmo. B - O ESPÍRITO ALIENADO DE SI MESMO. A CULTURA A substância ética mantinha a oposição encerrada em sua consciência simples; e a consciência, em unidade imediata com sua essência. Por conseguinte, a essência tem a determinidade simples do ser para a consciência, que está imediatamente orientada para a essência e constitui seus costumes. Nem a consciência conta por este Si exclusivo, nem a substância tem a significação de um ser-aí excluído desse Si - esse ser-aí com o qual o Si só pudesse formar uma unidade mediante a alienação de si mesmo, e ao mesmo tempo tivesse de produzir a substância. Mas aquele espírito, cujo Si é o absolutamente discreto, tem seu conteúdo como uma efetividade igualmente rígida, frente a ele; e o mundo tem aqui a determinação de ser algo exterior, o negativo da consciência de si. Contudo, esse mundo é essência espiritual, é em si a compenetração do ser e da individualidade. Seu ser-aí é a obra da consciência de si, mas é igualmente uma efetividade imediatamente presente, e estranha a ela; tem um ser peculiar e a consciência de si ali não se reconhece. Tal efetividade é a essência exterior e o livre conteúdo do direito; mas essa efetividade exterior, que o senhor do mundo do direito abrange dentro de si, não é só essa essência elementar que está presente, de maneira contingente, ao Si; mas é seu trabalho, não trabalho positivo, e sim negativo. Adquire seu ser-aí pela própria extrusão e desessenciamento da consciência de si, que na devastação imperante no mundo do direito parece impor-lhe a violência externa dos elementos desencadeados. Esses elementos são, para si, somente o puro devastar e a dissolução deles mesmos; e, contudo, essa dissolução - essa sua essência negativa - é precisamente o Si: que é seu sujeito, seu agir e vir a ser. Ora, esse agir e vir a ser, mediante os quais a substância se torna efetiva, é a alienação da personalidade; com efeito, o Si vigente em si e para si, imediatamente, isto é, sem alienação, é um Si sem substância, e joguete daqueles elementos tumultuosos. Sua substância é, pois, sua extrusão mesma, e a extrusão é a substância, ou seja, as potências espirituais que se ordenam para constituírem um mundo e por isso se mantêm. A substância, dessa maneira, é espírito, unidade consciente de si do Si e da essência; mas os dois têm também, um para o outro, o significado da alienação. O espírito é consciência de uma efetividade objetiva e livre para si. Contrapõe-se porém a essa consciência aquela unidade do Si e da essência; - à consciência efetiva se contrapõe a consciência pura. De um lado, graças a sua extrusão, a consciência de si efetiva passa ao mundo efetivo; e vice-versa, o mundo efetivo a ela. Mas, de outro lado, suprassume-se justamente essa efetividade - tanto a pessoa quanto a objetividade: elas são assim puramente universais. Essa sua alienação é a consciência pura ou a essência. A presença tem imediatamente a oposição em seu além, que é seu pensar e ser-pensado; como o além tem seu oposto no aquém, que é sua efetividade, alienada dele. Portanto, esse espírito não constrói para si apenas um mundo mas um mundo duplo, separado e oposto. O mundo do espírito ético é sua própria presença; e por isso cada potência dele está nessa unidade, e na medida em que as duas potências se distinguem está em equilíbrio com o todo. Nada tem ali a significação de um negativo da consciência de si; mesmo o espírito que partiu está presente no sangue dos parentes, no Si da família; e a potência universal do Governo é a vontade, o Si do povo. Aqui porém o presente significa apenas uma efetividade puramente objetiva, que tem sua consciência além. Cada momento singular, como essência, recebe de Outro essa consciência, e com isto a efetividade; e na medida em que é efetivo, sua essência é algo Outro que sua efetividade. Não há nada que tenha um espírito nele mesmo fundado e imanente, mas tudo está fora de si em um estranho: o equilíbrio do todo não é a unidade em si mesma permanente, ou a placidez dessa unidade em si mesma retornada, senão que repousa na alienação do seu oposto. Por conseguinte o todo, como cada momento singular, é uma realidade alienada de si mesma; ele se rompe em um reino onde a consciência de si é efetiva, como também seu objeto; e em outro reino, o da pura consciência, que está além do primeiro, não tem presença efetiva, mas reside na fé. Assim como agora o mundo ético, a partir da separação entre lei divina e lei humana, e de suas figuras; e sua consciência, a partir de sua separação entre saber e ignorância, retornam a seu destino, ao Si enquanto potência negativa dessa oposição, assim também vão retornar ao Si esses dois reinos do espírito alienado de si mesmo. Mas se aquele era o primeiro Si imediatamente em vigor - a pessoa singular -, este segundo, que a si retorna de sua extrusão, será o Si universal, a consciência que capta o conceito; e esses mundos espirituais, cujos momentos se afirmam todos como uma efetividade fixa e uma subsistência não espiritual, vão dissolver-se na pura inteligência. Essa, como o Si que se apreende a si mesmo, consuma a cultura: nada apreende senão o Si, e tudo apreende como o Si, quer dizer, tudo conceitua; suprime toda a objetividade e transmuda todo o ser em si em um ser para si. Voltada contra a fé, como reino da essência estranho e situado além, é o Iluminismo. O Iluminismo leva a cabo a alienação, inclusive naquele reino onde se refugia o espírito alienado de si, como na consciência da quietude igual a si mesma. Perturba-lhe a ordem doméstica que o espírito administra no mundo da fé, introduzindo ali instrumentos do mundo do aquém, que o espírito não pode renegar como propriedade sua, já que sua consciência igualmente pertence a esse mundo. Nessa tarefa negativa, a pura inteligência se realiza a si mesma, ao mesmo tempo, e produz seu objeto próprio - a essência absoluta incognoscível e o útil. Como a efetividade perdeu assim toda a substancialidade, e nela nada mais é em si, então ruiu tanto o reino da fé quanto o do mundo real. Essa revolução produz a liberdade absoluta; com ela, o espírito antes alienado retornou completamente a si; abandona essa terra da cultura e passa para outra - para a terra da consciência moral. 1 - O MUNDO DO ESPÍRITO ALIENADO DE SI O mundo desse espírito se desagrega em um mundo duplo: o primeiro é o mundo da efetividade ou o da alienação do espírito; o segundo, o mundo que o espírito, elevando-se sobre o anterior, constrói para si no éter da pura consciência. Este mundo, oposto àquela alienação, por isso mesmo não é livre dela, mas é antes somente a outra forma da alienação, que consiste precisamente em ter a consciência em dois mundos diversos, e que abarca ambos. O que aqui se considera não é portanto a consciência de si da essência absoluta, tal como é em si e para si; nem é a religião, mas a fé, enquanto é a fuga do mundo efetivo, e assim não é em si e para si. Essa fuga do reino da presença é pois imediatamente nela mesma uma dupla fuga. A pura consciência é o elemento no qual o espírito se eleva, mas não é só o elemento da fé, senão também o do conceito. Os dois entram em cena juntos e simultaneamente: e a fé é considerada somente em oposição ao conceito. a. A CULTURA E O SEU REINO DA EFETIVIDADE O espírito desse mundo é a essência espiritual, impregnada de uma consciência de si, que se sabe imediatamente presente como esta consciência de si para si essente, e que sabe a essência como uma efetividade contraposta a si. Mas o ser-aí desse mundo, como também a efetividade da consciência de si, descansa no movimento pelo qual a consciência de si se extrusa de sua personalidade e assim produz o seu mundo; frente a ele se comporta como se fosse um mundo estranho, do qual devesse agora apoderar-se. Mas a renúncia de seu ser para si é ela mesma a produção da efetividade, da qual assim se apodera imediatamente pela renúncia. Em outras palavras, a consciência de si só é algo, só tem realidade, na medida em que se aliena a si mesma: com isso se põe como universal, e essa sua universalidade é sua vigência e efetividade. Essa igualdade com todos não é, portanto, aquela igualdade do direito; não é aquele imediato ser-reconhecido e estar em vigor da consciência de si, pelo simples fato de que ela é; mas se ela vigora, é por se ter tornado conforme ao universal através da mediação alienadora. A universalidade carente de espírito, do direito, acolhe dentro de si e legitima qualquer modalidade do caráter como também do ser-aí; mas a universalidade que aqui vigora é a universalidade que veio a ser, e que é, por isso, efetiva. É portanto mediante a cultura que o indivíduo tem aqui vigência e efetividade. A verdadeira natureza originária do indivíduo, e sua substância, é o espírito da alienação do ser natural. Essa extrusão é, por isso, tanto o fim, como o ser-aí do indivíduo; é, ao mesmo tempo, o meio ou a passagem, seja da substância pensada para a efetividade, como inversamente da individualidade determinada para a essencialidade. Essa individualidade se forma para ser o que é em si, e só desse modo é em si e tem um ser-aí efetivo; tanto tem de cultura, quanto tem de efetividade e poder. Embora o Si se saiba aqui efetivo como este Si, contudo sua efetividade consiste somente no suprassumir do Si natural: a natureza determinada originária se reduz, portanto, à diferença inessencial de grandeza, a uma maior ou menor energia da vontade. Mas o fim e conteúdo da vontade pertencem unicamente à substância universal mesma e só podem ser um universal. A particularidade de uma natureza, que se torna fim e conteúdo, é algo impotente e inefetivo: é uma espécie que se esfalfa, vã e ridiculamente, para pôr-se à obra: é a contradição de atribuir ao particular a efetividade que é imediatamente o universal. Portanto, se a individualidade for posta erroneamente na particularidade da natureza e do caráter, não se encontram no mundo real nem individualidades nem caracteres, mas indivíduos que têm um ser-aí igual, uns em relação aos outros. Aquela suposta individualidade só é justamente o ser-aí visado, que não logra estabilidade nesse mundo, onde só alcança efetividade o que se extrusa a si mesmo, e, portanto, só o universal. O visado vale pelo que é: por uma espécie. Espécie não é exatamente o mesmo que espêce em francês, "o mais terrível de todos os apodos, por designar a mediocridade e exprimir o mais alto grau de desprezo”. Espécie e bom em sua espécie são expressões que em alemão dão a esse significado um matiz honesto, como se não houvesse conotação pejorativa; ou como se essas expressões de fato não incluíssem ainda em si a consciência do que é espécie, e do que é cultura e efetividade. O que se manifesta em relação ao indivíduo singular como sua cultura é o momento essencial da substância mesma, isto é, o passar imediato de sua universalidade pensada à efetividade; ou é a alma simples da substância, por onde o Em si é algo reconhecido e ser-aí. O movimento da individualidade que se cultiva é, pois, imediatamente, o vir a ser dessa individualidade como essência objetiva universal, quer dizer, como o vir a ser do mundo efetivo. Esse, embora tenha vindo a ser por meio da individualidade, é para a consciência de si algo imediatamente alienado e tem para ela a forma de uma efetividade inabalável. Mas, ao mesmo tempo, certa de que esse mundo é sua substância, procede a apoderar-se dele: é pela cultura que obtém tal poder sobre o mundo. Vista desse ângulo, a cultura aparece como fazendo a consciência de si ajustar-se à efetividade, e quanto lhe permite a energia do caráter e do talento originários. O que se manifesta aqui como a força do indivíduo - que tem a substância subjugada e por isso suprassumida - é o mesmo que a efetivação da substância. Com efeito, a força do indivíduo consiste em ajustar-se à substância, quer dizer, em extrusar-se de seu si, e pôr-se assim como substância essente objetiva. A cultura e a efetividade própria do indivíduo é portanto a efetivação da substância mesma. O Si só é efetivo para si como suprassumido. Portanto, o Si não constitui para ele a unidade da consciência de si mesmo e do objeto; mas o objeto é para o Si o seu negativo. Assim, mediante o Si, enquanto alma, a substância é plasmada em seus momentos, de tal modo que um oposto vivifica o outro; e cada um, através de sua alienação, dá subsistência ao outro, e dele igualmente a recebe. Ao mesmo tempo, cada momento tem sua determinidade como uma vigência imutável, e como uma firme efetividade, frente ao Outro. O pensar fixa essa diferença da maneira mais universal mediante a oposição absoluta do bom e do mau que, evitando-se mutuamente, não podem de forma alguma vir a ser o mesmo. Porém esse ser fixo tem por sua alma a passagem imediata ao oposto: o ser-aí é, antes, a inversão de toda a determinidade na sua oposta, e só essa alienação é a essência e o sustentáculo do todo. Resta a considerar esse movimento efetivante, e a vivificação dos momentos: a alienação se alienará a si mesma, e, através dela, o todo se recuperará em seu conceito. Deve-se considerar primeiro a própria substância simples na organização imediata de seus momentos aí essentes ainda não vivificados. Ora, a natureza se desdobra em seus elementos universais, onde o ar é a essência permanente, puramente universal e translúcida; a água, ao contrário, a essência sempre sacrificada; o fogo, a unidade animadora deles que tanto anula sempre sua oposição, quanto cinde nela sua simplicidade; a terra, enfim, é o nó sólido dessa articulação, e o sujeito dessas essências como de seu processo, seu sair e seu retomar. Pois assim também a essência interior, ou o espírito simples da efetividade consciente de si, se desdobra como um mundo em massas universais semelhantes, mas espirituais. A primeira massa é a essência espiritual, em si universal igual a si mesma. A segunda, a essência para si essente, que se tornou desigual em si mesma, que se sacrifica e se entrega. A terceira, a essência que enquanto consciência de si é sujeito e tem imediatamente nela mesma a força do fogo. Na primeira essência, é consciente de si como ser em si, mas na segunda possui o vir a ser do ser para si mediante o sacrifício do universal. Porém o espírito mesmo é o ser em si e para si do todo, que se divide na substância como permanente e na substância como a que se sacrifica, e que igualmente a recobra, mais uma vez, em sua unidade, tanto como a chama que devora e consome a substância, quanto como a sua figura permanente. Nós vemos que essas essências correspondem à comunidade e à família do mundo ético, mas sem possuir o espírito doméstico que elas têm: ao contrário, se o destino é algo estranho para esse espírito, aqui a consciência de si é e se sabe como a potência efetiva de tais essências. Devemos considerar esses membros como são representados - quer no interior da pura consciência, enquanto pensamentos ou essências em si essentes; - quer na consciência efetiva, enquanto essências objetivas. A primeira essência, naquela forma da simplicidade como a essência igual a si mesma, imediata e imutável de toda a consciência, é o bem: a independente potência espiritual do Em si, ao lado do qual o movimento da consciência para si essente é apenas incidental. A segunda essência, ao contrário, é a essência espiritual passiva, ou seja, o universal enquanto se entrega e faz os indivíduos tomarem nele consciência de sua singularidade: é a essência nula, o mal. Esse absoluto dissolver-se da essência é, por sua vez, permanente. Enquanto a primeira essência é base, ponto de partida e resultado dos indivíduos, que são aí puramente universais, a segunda, ao contrário, de uma parte é o ser para Outro que se sacrifica, e de outra parte - e por isso mesmo - seu incessante retorno a si mesmo como algo singular, e seu permanente vir a ser para si. Mas esses pensamentos simples do bem e do mal são também imediatamente alienados de si: são efetivos, e estão na consciência efetiva como momentos objetivos. Desse modo, a primeira essência é o poder do Estado, e a segunda, é a riqueza. O poder do Estado é tanto a substância simples, quanto a obra universal, a absoluta Coisa mesma, na qual é enunciada aos indivíduos sua essência - e sua singularidade só é pura e simplesmente a consciência de sua universalidade. Igualmente, o poder do Estado é a obra e o resultado simples em que desvanece o fato de que se origina do agir dos indivíduos; ele permanece a absoluta base e subsistência de todo o seu agir. Essa etérea substância simples de sua vida, por essa determinação de sua inalterável igualdade consiga mesma, é ser, e portanto é somente ser para Outro. É assim, em si, imediatamente o oposto de si mesma, a riqueza. Embora a riqueza seja, sem dúvida, o passivo ou nulo, mesmo assim é essência espiritual universal: tanto é o resultado que constantemente vem a ser do trabalho e do agir de todos, como por sua vez se dissolve no gozo de todos. De certo, no gozo a individualidade vem a ser para si, ou seja, como individualidade singular; mas esse gozo mesmo é resultado do agir universal; como inversamente a riqueza produz o trabalho universal e o gozo de todos. O efetivo tem, pura e simplesmente, a significação espiritual de ser imediatamente universal. Nesse momento cada Singular supõe, sem dúvida, agir por egoísmo, pois é esse o momento em que se dá a consciência de ser para si, e por isso não toma esse momento como algo espiritual. Aliás, visto somente por fora, assim se mostra esse momento: no seu gozo, cada um dá a gozar a todos, e em seu trabalho, tanto trabalha para todos, como trabalha para si e todos trabalham para ele. Portanto, seu ser para si é, em si, universal: o interesse pessoal é só algo visado que não pode tornar efetivo o que visa, isto é, fazer alguma coisa que não redunde em benefício de todos. Nessas duas potências espirituais a consciência de si reconhece, pois, sua substância, seu conteúdo e seu fim; nelas intui sua dupla-essência: em uma das potências, seu ser em si; na outra, seu ser para si. Mas a consciência de si enquanto espírito, é ao mesmo tempo a unidade negativa de sua subsistência e da separação da individualidade e do universal, ou da efetividade e do Si. Soberania e riqueza são, portanto, presentes ao indivíduo como objetos, quer dizer, como coisas tais de que ele se sabe livre e supõe que pode optar entre elas, ou mesmo não escolher nenhuma das duas. O indivíduo, como esta consciência livre e pura, contrapõe-se à essência como a algo que é somente para ele. Tem então a essência como essência dentro de si mesma. Nessa pura consciência, os momentos da substância para ele não são poder do Estado e riqueza, mas sim os pensamentos de bem e de mal. No entanto, a consciência de si é, além disso, a relação de sua pura consciência com sua consciência efetiva, a relação do pensado com a essência objetiva: é essencialmente o juízo. Na verdade, para os dois lados da essência efetiva, já resultou através de suas determinações qual é o bom e qual é o mau: o bom é o poder do Estado, o mau é a riqueza. Contudo, esse primeiro juízo não pode ser considerado um juízo espiritual, pois nele um lado se determinou somente como o em si essente ou o positivo, e o outro só como o para si essente, e o negativo. Mas como essências espirituais são, cada um, a compenetração de ambos os momentos, e assim não se esgotam naquelas determinações. A consciência de si que com eles se relaciona é em si e para si; tem portanto de relacionar-se com cada um deles de uma dupla maneira, pela qual se patenteará sua natureza, que consiste em serem determinações alienadas para si mesmas. Agora, para a consciência de si, é bom e em si aquele objeto no qual encontra a si mesma; e mau, o objeto em que encontra o contrário de si. O bem é a igualdade da realidade objetiva com ela; o mal, porém, é sua desigualdade. Ao mesmo tempo, o que é bom e mau para ela, é bom e mau em si; pois a consciência é justamente aquilo em que os dois momentos do ser em si e do ser para si são o mesmo: - ela é o espírito efetivo das essências objetivas, e o juízo é a demonstração de seu poder sobre elas, que faz delas o que são em si. Seu critério e sua verdade não é como elas são em si mesmas imediatamente o igual e o desigual, quer dizer, o Em si e o Para si abstratos, mas sim o que são na relação do espírito para com elas: sua igualdade ou desigualdade com o espírito. A relação do espírito para com essas essências - que postas primeiro como objetos se convertem graças a ele no Em si - torna-se, ao mesmo tempo, sua reflexão sobre si mesmas, mediante a qual adquirem um ser espiritual efetivo e se põe em evidência o que é seu espírito. Mas como sua primeira determinação imediata se distingue da relação do espírito para com elas, assim também o terceiro momento - o seu próprio espírito - se distinguirá do segundo. Antes de tudo, o segundo Em si dessas essências, que surge através da relação do espírito com elas, tem já que resultar como sendo outro que o Em si imediato; pois essa mediação do espírito antes põe em movimento a determinidade imediata e a converte em algo diverso. Por conseguinte, a consciência em si e para si essente encontra, de certo, no poder do Estado sua simples essência e subsistir em geral, mas não sua individualidade como tal. Encontra nele, sem dúvida, seu ser em si, mas não seu ser para si; ou melhor, encontra nele o agir, como agir singular renegado e submetido à obediência. Frente a esse poder, assim, o indivíduo se reflete sobre si mesmo. O poder do Estado é, para ele, a potência opressora, e o mal; porque, em lugar de ser o igual, é simplesmente o desigual em relação à individualidade. A riqueza, ao contrário, é o bem: tende ao gozo universal, a todos se entrega e lhes proporciona a consciência de seu Si. A riqueza em si é a beneficência universal; se nega algum benefício, ou se não é complacente para qualquer necessidade, isso é uma contingência que em nada prejudica sua essência necessária universal, que consiste em comunicar-se a todos os Singulares, e em ser doadora de mil mãos. Esses dois juízos dão aos pensamentos de bem e mal um conteúdo contrário ao que tinham para nós. Mas inicialmente a consciência de si se relacionou apenas de forma incompleta com seus objetos, a saber, somente segundo o critério do ser para si. Contudo, a consciência é também essência em si essente, e deve tomar igualmente como critério esse lado, por meio do qual, somente, se completa o juízo espiritual. Segundo esse lado o poder do Estado exprime para a consciência sua essência. Esse poder, de uma parte, é lei estável e, de outra parte, é governo e mandamento que ordena os movimentos singulares do agir universal. Um lado é a própria substância simples; o outro, o agir dessa substância que vivifica e conserva a si mesma e a todos. Aí o indivíduo encontra, pois, seu fundamento e sua essência declarados, organizados e ativados. Ao contrário, no gozo da riqueza, o indivíduo não experimenta sua essência universal, mas adquire somente a consciência transitória e o gozo de si mesmo como uma singularidade para si essente, e como desigualdade em relação à sua essência. Neste ponto os conceitos de bem e mal assumem, portanto, um conteúdo oposto ao precedente. Essas duas maneiras do julgar encontram, cada qual, uma igualdade e uma desigualdade. A primeira consciência julgadora acha o poder do Estado desigual, e gozo da riqueza, igual a ela: ao contrário, a segunda acha o poder do Estado igual, e o gozo da riqueza desigual a ela. Trata-se de um duplo achar igual e de um duplo achar desigual: o que está presente é uma relação oposta entre as duas essencialidades reais. Nós devemos julgar esse próprio julgar diversificado, e para isso temos que aplicar o critério estabelecido. Assim a relação que encontra-igualdade da consciência, é o bem; a que encontra desigualdade, é o mal; e essas duas modalidades da relação devem ser retidas, daqui em diante, como figuras diversas da consciência. Porque se relaciona de maneiras diversas, a consciência cai sob a determinação da diversidade de ser boa ou má: e não porque tenha como princípio seja o ser para si, seja o puro ser em si; já que os dois são momentos igualmente essenciais. O duplo julgar acima considerado apresentava separados os princípios, e por isso continha somente modos abstratos do julgar. A consciência efetiva possui nela os dois princípios, e a diferença só recai em sua essência, a saber, na relação de si mesma com o real. Essa relação assume duas modalidades opostas: uma, é atitude frente ao poder do Estado e à riqueza, como a algo igual; a outra, como a algo desigual. A consciência da relação que encontra-igualdade é a consciência nobre. No poder público considera o igual a si mesma; vê que nele tem sua essência simples e a ativação dessa essência, e se coloca no serviço da obediência efetiva como no serviço do respeito interior para com essa essência. Dá-se o mesmo com a riqueza, que lhe proporciona a consciência de seu outro lado essencial - o do ser para si. Por isso a consciência nobre a considera igualmente como essência em relação a si, e reconhece por benfeitor quem lhe dá acesso ao gozo da riqueza; e se tem como obrigada à gratidão. Ao contrário, a consciência da outra relação é a consciência vil, que sustenta a desigualdade com as duas essencialidades. Assim, vê na soberania uma algema e opressão do ser para si; e por isso odeia o soberano, só obedece com perfídia, e está sempre disposta à rebelião. Na riqueza, pela qual obtém o gozo de seu ser para si, também só vê a desigualdade, a saber, a desigualdade com a essência permanente. Através dela, como chega somente à consciência da singularidade e do gozo efêmero, ama a riqueza, mas a despreza; e com o desvanecer do gozo, considera como desvanecida também sua relação para com o rico benfeitor. Tais relações agora exprimem unicamente o juízo, a determinação do que são as duas essências enquanto objetos para a consciência - mas não ainda enquanto em si e para si. A reflexão que é representada no juízo, de um lado é somente para nós um pôr de uma como da outra determinação, e portanto um igual suprassumir de ambas: não é ainda a reflexão delas para a consciência mesma. De outro lado, só imediatamente são essências: nem vieram a ser isso, nem são nelas, consciências de si. Não é ainda seu princípio vivificante, aquilo para o que são: são predicados, que ainda não são, eles mesmos, sujeito. Devido a essa separação, também o todo do juízo espiritual ainda reside, separadamente, em duas consciências, cada uma delas sujeita a uma determinação unilateral. Como inicialmente se elevava ao juízo, que é a relação de ambos, a indiferença dos dois lados da alienação - de um lado, o Em si da consciência pura, isto é, dos pensamentos determinados de bem e mal; e de outro lado, seu ser-aí, como poder do Estado e riqueza - assim essa relação exterior deve elevar-se à unidade interior, ou como relação do pensar, elevar-se à efetividade; e deve surgir o espírito das duas formas de juízo. Isso ocorre quando o juízo se torna silogismo: torna-se movimento mediatizante em que surgem a necessidade e o meio-termo das duas partes do juízo. A consciência nobre se encontra assim no juízo frente ao poder do Estado, de modo que esse não é ainda um Si, na verdade, mas apenas a substância universal; mas a consciência nobre está consciente de que essa substância é sua essência, fim e conteúdo absoluto. Dessa maneira relacionando-se positivamente com ela, comporta-se negativamente para com os seus próprios fins, para com seu conteúdo particular e ser-aí, e os faz desvanecer. A consciência nobre é o heroísmo do serviço: - a virtude que sacrifica o ser singular ao universal, e por isso leva o universal ao ser-aí; - a pessoa que renuncia à posse e ao gozo de si mesma, que age e que é efetiva para o poder vigente. Mediante esse movimento, o universal é concluído com o ser-aí, em geral; como também a consciência aí essente, mediante essa extrusão, se forma para a essencialidade. A consciência, em cujo serviço se aliena, é sua própria consciência submersa no ser-aí. Ora, o ser alienado de si é o Em si; assim a consciência consegue, mediante essa cultura, o respeito a si mesma, e o respeito junto aos outros. Mas o poder do Estado, que de início era somente o universal pensado - o Em si -, torna-se justamente por esse movimento o universal essente, a potência efetiva. Potência que só é tal na efetiva obediência, que obtém por meio do juízo da consciência de si, declarando que o poder do Estado é a essência; e por meio do livre sacrifício de si a esse poder. Tal agir, que conclui a essência junto com o Si, produz a dupla efetividade: produz a si, como o que tem efetividade verdadeira, e o poder do Estado, como o verdadeiro que tem vigência. No entanto, mediante essa alienação, o poder do Estado ainda não é uma consciência de si que se sabe como poder do Estado: é apenas sua lei ou seu Em si que tem vigência. Não possui ainda nenhuma vontade particular, pois a consciência de si servidora ainda não extrusou seu puro Si, e assim vivificou o poder do Estado, mas só o vivificou com o seu ser: só lhe sacrificou seu ser-aí, mas não seu ser em si. Essa consciência de si tem valor como consciência que é conforme à essência; é reconhecida graças ao seu ser em si. Os outros nela encontram sua essência ativada, mas não seu ser para si; encontram implementado seu pensar, ou pura consciência, mas não sua individualidade. Portanto, tem valor no pensamento deles, e desfruta da honra. É o orgulhoso vassalo, que desempenha sua atividade em prol do poder do Estado, na medida em que esse poder não é vontade própria, mas vontade essencial; - vassalo que só tem valor para si nessa honra, no representar essencial da opinião pública, não na opinião agradecida da individualidade do monarca que ele não ajudou a elevar-se a seu ser para si. Sua linguagem, caso se referisse à vontade própria do poder do Estado, o qual ainda não veio a ser, seria o conselho, que ele dá para o bem maior universal. Assim, o poder do Estado ainda está sem vontade frente ao conselho. Não decide entre as diversas opiniões sobre o bem maior universal; não é ainda Governo, e portanto na verdade nem é ainda efetivo poder do Estado. O ser para si, a vontade, que como vontade ainda não foi sacrificada, é o espírito interior separatista dos estamentos, que se reserva seu bem particular, em contraste com seu discurso sobre o bem universal, e tende a fazer dessa retórica do bem universal um sucedâneo para o agir. O sacrifício do ser-aí, que ocorre no serviço, na verdade só é completo quando chega até à morte; mas o perigo superado da própria morte - a que se sobreviveu - deixa como resíduo um determinado ser-aí e com isso um particular Para si que torna ambíguo e suspeito o conselho para o bem universal; e que de fato se reserva, contra o poder do Estado, a opinião própria e a vontade particular. Em consequência, ainda se comporta desigualmente para com o poder do Estado, e recai sob a determinação da consciência vil, que é estar sempre disposta à rebelião. Essa contradição, que o ser para si tem de suprassumir, contém nessa forma, de pôr-se na desigualdade do ser para si frente à universalidade do poder do Estado, ao mesmo tempo a forma, de que aquela extrusão do ser-aí - em que ela se completa, isto é, na morte - é ela mesma uma extrusão essente, e não uma extrusão que retoma à consciência. Aliás, tampouco a consciência lhe sobrevive, nem é em si e para si, mas passa somente ao seu contrário não reconciliado. O verdadeiro sacrifício do ser para si só é pois o sacrifício em que ele se abandona tão completamente como na morte, porém mantendo-se igualmente nessa extrusão: assim se torna efetivo como o que é em si, como unidade idêntica de si mesmo, e de si como o oposto. Porque o espírito interior posto à parte - o Si como tal - emerge e se aliena, o poder do Estado é erigido ao mesmo tempo em um Si próprio; assim como, sem essa alienação, as ações da honra, da consciência nobre e os conselhos de seu discernimento permaneceriam algo ambíguo que manteria ainda aquela cilada à parte - da intenção particular e da vontade própria. Contudo, essa alienação somente ocorre na linguagem que se apresenta aqui em sua significação característica. No mundo da eticidade, como lei e mandamento; no mundo da efetividade, como conselho apenas – a linguagem tem por conteúdo a essência, e é a forma desse conteúdo. Aqui porém recebe por conteúdo a forma mesma que é a linguagem, e tem valor como linguagem: é a força do falar como um falar tal que desempenha o que é para desempenhar. Com efeito, a linguagem é o ser-aí do puro Si, como Si, pela linguagem entra na existência a singularidade para si essente da consciência de si como tal, de forma que ela é para os outros. O Eu, como este puro Eu, não está aí de outra maneira: em qualquer outra exteriorização está imerso em uma efetividade e em uma figura da qual pode retirar-se; é refletido sobre si mesmo a partir de sua ação, como também de sua expressão fisiognômica, deixando jazer inanimado tal ser-aí imperfeito no qual está sempre tanto demasiado, como demasiado pouco. Mas a linguagem contém o Eu em sua pureza; só expressa o Eu, o Eu mesmo. Esse ser-aí do Eu é, como ser-aí, uma objetividade que contém a verdadeira natureza dele. O Eu é este Eu, mas é igualmente o Eu universal. Seu aparecer também é imediatamente a extrusão e o desvanecer deste Eu, e por isso seu permanecer em sua universalidade. O Eu que se expressa é escutado: é um contágio, no qual passou imediatamente à unidade com aqueles para os quais está-aí, e é consciência de si universal. Em ser escutado, nisso expira imediatamente seu ser-aí mesmo: esse seu ser Outro retomou a si, e justamente isso é seu ser-aí como um agora consciente de si: já que está aí, não mais estar-aí, - e através desse desvanecer, estar aí. Assim, esse desvanecer é ele mesmo, imediatamente, seu permanecer; é seu próprio saber de si, e seu saber de si como de alguém que passou para outro Si, que foi escutado e é universal. O espírito obtém aqui essa efetividade, porque os extremos, cuja unidade constitui, têm de modo igualmente imediato a determinação de serem para si efetividades próprias. Sua unidade se rompe em lados rígidos, - cada um dos quais é para o outro um objeto efetivo excluído dele. Surge, pois, a unidade como um meio-termo, que é excluído e diferenciado da efetividade separada dos lados; ela mesma tem, por isso, uma objetividade efetiva distinta de seus lados, e é para eles, quer dizer, é algo aí essente, A substância espiritual enquanto tal só entra na existência quando ganhou, como seus lados, tais consciências de si, que sabem este puro Si como efetividade que tem valor imediatamente; e que assim sabem de modo igualmente imediato que isso só é através da mediação alienadora. Mediante aquele saber, os momentos são purificados até se tornarem a categoria que se sabe a si mesma, e por isso, até o ponto de serem momentos do espírito; através dessa mediação alienadora o espírito entra no ser-aí como espiritualidade. O espírito é, desse modo, o meio-termo, que pressupõe aqueles extremos, e é produzido pelo ser-aí deles; mas é igualmente o todo espiritual que irrompe entre os extremos, que neles se fraciona, e só através desse contato produz cada um deles para formarem o todo em seu princípio. O fato de que os dois extremos já estejam em si suprassumidos e dissociados faz surgir sua unidade, a qual é o movimento que conclui os dois conjuntamente, permutando suas determinações, e na verdade concluindo-as juntas em cada extremo. Essa mediação põe assim o conceito de cada um dos dois extremos em sua efetividade, ou seja, eleva ao seu espírito o que cada um é em si. Os dois extremos - o poder do Estado e a consciência nobre - são dissociados por essa última: o poder do Estado divide-se no universal abstrato, ao qual se obedece, e na vontade para si essente, que aliás ainda não se ajusta ao universal. A consciência nobre se divide na obediência do ser-aí suprassumido, ou seja, no ser em si do amor-próprio e da honra - e no puro ser para si ainda não suprassumido, na vontade que ainda permanece à espreita, sem renunciar à sua independência. Os dois momentos, em que os dois lados chegaram à pureza, sendo por isso os momentos da linguagem, são o universal abstrato que se chama bem maior comum, e o puro Si que no serviço renuncia à sua consciência submersa no múltiplo ser-aí. No conceito, os dois são o mesmo; já que o puro Si é precisamente o universal abstrato, e, portanto, é sua unidade posta como meio-termo. Mas o Si só é efetivo no extremo da consciência, enquanto o Em si só o é no extremo do poder do Estado. Falta à consciência isto: que o poder do Estado tenha passado para ela não apenas como honra, mas efetivamente; e falta ao poder do Estado que se lhe obedeça não só como ao chamado bem maior comum, mas como a uma vontade; por outra, que ele seja o Si que decide. A unidade do conceito em que reside ainda o poder do Estado, e no qual a consciência alcançou sua pureza, torna-se efetiva nesse movimento mediatizante cujo ser-aí simples, como meio termo, é a linguagem. Contudo, essa unidade não tem ainda como um dos seus lados os dois Si presentes como Si. Com efeito, o poder do Estado só é vivificado convertendo-se em um Si; portanto, essa linguagem não é ainda o espírito tal como ele plenamente se sabe e se exprime. A consciência nobre, por ser o extremo do Si, manifesta-se como aquilo donde procede a linguagem, mediante a qual os lados da relação se configuram em totalidades animadas. O heroísmo do serviço silencioso torna-se o heroísmo da lisonja. Essa reflexão falante, do serviço, constitui o meio-termo espiritual que se dissocia, e que reflete não só sobre si mesmo seu próprio extremo, mas também o extremo do poder universal sobre ele mesmo; fazendo esse poder, que é somente em si, tornar-se um ser para si, tornar-se a singularidade da consciência de si. Desse modo ela se torna o espírito desse poder, que é ser um monarca ilimitado. Ilimitado: porque a linguagem da lisonja eleva o poder à sua universalidade purificada; como produto da linguagem, o momento do ser-aí elevado à pureza do espírito é uma purificada igualdade consigo mesmo. Monarca: porque a linguagem leva igualmente a singularidade a seu cúmulo. Desse ponto de vista da simples unidade espiritual, aquilo de que a consciência nobre se extrusa, é o puro Em si de seu pensar, seu Eu mesmo. Mais precisamente: a linguagem eleva a singularidade - que aliás seria apenas algo visado - à sua pureza aí essente, ao dar ao monarca o nome próprio. Pois é no nome somente que a diferença do Singular não é apenas visada por todos os outros, mas é feita efetiva por todos. No nome, o Singular conta como puramente singular, não mais em sua consciência somente, mas na consciência de todos. Portanto, graças ao nome, o monarca é completamente separado de todos, posto à parte e isolado; no nome, o monarca é o átomo que nada pode comunicar de sua essência, e que não tem igual a si. O nome do monarca é, por isso, a reflexão sobre si, ou a efetividade, que o poder universal tem nele mesmo; graças ao nome, esse poder é o monarca. Inversamente, ele, este Singular, sabe por isso a si, este Singular, como o poder universal: - porque os nobres não se postam ao redor do trono só para o serviço do poder do Estado, mas também como ornamentação; e para dizerem sempre a quem se senta no trono o que ele é. Desse modo a linguagem do seu elogio é o espírito que no poder mesmo do Estado concluiu juntamente os dois extremos; reflete o poder abstrato sobre si, e lhe dá o momento do outro extremo - o ser para si que quer e que decide; e com isso lhe confere a existência consciente de si. Ou seja, por meio disso, a consciência de si singular, efetiva, chega a saber-se certa de si como o poder. É o ponto do Si, aonde confluíram os múltiplos pontos, mediante a extrusão da certeza interior. Como porém esse espírito próprio do poder do Estado consiste em ter sua efetividade e seu alimento no sacrifício do agir e do pensar da consciência nobre, esse poder é a independência alienada de si mesma A consciência nobre, que é o extremo do ser para si, recupera o extremo da universalidade efetiva em troca da universalidade do pensar, que ela extrusou de si: o poder do Estado transferiu-se para a consciência nobre. Somente nela a força do Estado se torna verdadeiramente ativa. Em seu ser para si deixa de ser a essência inerte como aparecia enquanto extremo do ser em si abstrato. Considerado em si, o poder do Estado refletido sobre si, ou o fato de ter-se tornado espírito, não significa outra coisa senão que esse poder se tornou momento da consciência de si; quer dizer, só é como suprassumido, Por isso é agora a essência, como uma essência cujo espírito é ser sacrificado e entregue; ou seja, existe como riqueza. Na verdade, o poder do Estado ao mesmo tempo continua subsistindo como uma efetividade, em contraste com a riqueza, na qual se transforma sempre, segundo o conceito. Mas é uma efetividade, cujo conceito é precisamente esse movimento de passar ao seu contrário - a extrusão do poder - através do serviço e da homenagem pelos quais vem a ser. Assim, pelo aviltamento da consciência nobre, o Si peculiar - que é a vontade do poder do Estado - se torna para si a universalidade que se extrusa, em uma completa singularidade e contingência, que se abandona a qualquer vontade mais poderosa. O que resta a esse Si, de sua independência universalmente reconhecida e incomunicável, é o nome vazio. Assim, embora a consciência nobre se tenha determinado como a que se comporta de uma maneira igual para com o poder universal, sua verdade é, antes, conservar para si, no serviço que presta, seu próprio ser para si; e ser, contudo, na renúncia peculiar de sua personalidade, o efetivo suprassumir e dilacerar da substância universal. Seu espírito é a relação da completa desigualdade: de uma parte, é reter na sua honra a vontade própria, e, de outra parte, no abandonar dessa vontade, por um lado alienar-se de seu interior e converter-se na suprema desigualdade consigo mesmo; e, por outro, submeter a si desse modo a substância universal e torná-la completamente desigual consigo mesma. É evidente que com isso desvaneceu a determinidade que tinha no juízo contra o que se chamava consciência vil; e, por conseguinte, ela também desvaneceu. A consciência vil alcançou seu fim, a saber: levar o poder universal a ficar sob o ser para si. Assim enriquecida por meio do poder universal, a consciência de si existe como benefício universal, ou seja, é a riqueza, que de novo é objeto para a consciência. Com efeito, a riqueza é na verdade para a consciência o universal subjugado, mas que ainda não retomou absolutamente ao Si, mediante esse primeiro suprassumir. O Si não se tem ainda como Si, por objeto, e sim a essência universal suprassumida. Como esse objeto somente veio a ser, é posta a relação imediata da consciência com ele. A consciência, portanto, ainda não apresentou sua desigualdade para com o objeto: é a consciência nobre, que conserva seu ser para si no universal que se tornou inessencial; por isso o reconhece, e é agradecida para com o benfeitor. A riqueza já possui nela mesma o momento do ser para si. Não é o universal, carente de si, do poder do Estado, nem a espontânea natureza inorgânica do espírito; mas é o poder, tal como se sustenta em si mesmo por meio da vontade, contra quem quiser apoderar-se dele para seu bel-prazer. Ora, como a riqueza só tem a forma da essência, então esse ser para si unilateral - que não é em si, mas é antes, o Em si suprassumido - é o retorno inessencial do indivíduo a si mesmo no gozo da riqueza. Assim a riqueza precisa, ela mesma, da vivificação; e o movimento de sua reflexão consiste em que a riqueza - que é só para si - se torne um ser em si e para si; que ela, que é a essência suprassumida, se torne essência; desse modo recebe nela mesma seu próprio espírito. Como acima já foi analisada a forma desse movimento, aqui é suficiente determinar-lhe o conteúdo. Assim, a consciência nobre não se relaciona aqui com o objeto enquanto essência em geral; ao contrário, o que é um estranho para ela, é o próprio ser para si. Ela encontra seu Si como tal, alienado, como uma efetividade fixa objetiva, que deve receber de outro ser para si fixo. Seu objeto é o ser para si, e, portanto, o que é seu; mas, por ser objeto, é ao mesmo tempo imediatamente uma efetividade alheia que é ser para si próprio, vontade própria. Quer dizer: vê o seu Si em poder de uma vontade alheia, da qual depende conceder-lhe o seu Si. A consciência de si pode abstrair de cada lado singular, e por isso, seja qual for a sujeição em que se encontre com respeito a um deles, mantém seu ser-reconhecido e seu valer em si como de essência para si essente. Aqui porém ela se vê, do lado de sua mais própria efetividade pura - ou de seu Eu -, fora de si e pertencente a um Outro. Vê sua personalidade, como tal, dependendo da personalidade contingente de Outro; do acaso de um instante, de um capricho, ou, aliás, de uma circunstância indiferente. No Estado de direito, o que está sob o poder da essência objetiva aparece como um conteúdo contingente, do qual se pode abstrair; e o poder não afeta o Si como tal: mas o Si é, antes, reconhecido. Porém aqui o Si vê a certeza de si, enquanto tal, ser o mais inessencial; e a personalidade pura, ser a absoluta impessoalidade. Por isso, o espírito de sua gratidão é o sentimento tanto dessa abjeção mais profunda, como também da mais profunda revolta. Ao ver-se o puro Eu mesmo, fora de si e dilacerado, nesse dilaceramento ao mesmo tempo se desintegrou e foi por terra tudo o que tem continuidade e universalidade - o que se chama lei, bom e justo. Dissolveu-se tudo o que é igual, pois o que está presente é a mais pura desigualdade, a absoluta inessencialidade do absolutamente essencial, o ser fora de si do ser para si. O puro Eu mesmo está absolutamente dilacerado. Assim, embora essa consciência recupere, da riqueza, a objetividade do ser para si e a suprassuma, contudo segundo o seu conceito não é só incompleta - como a reflexão precedente - mas também insatisfeita para si mesma. A reflexão, na qual o Si se recebe como algo objetivo, é a contradição imediata posta no puro Eu mesmo. Mas, como Si, essa consciência está imediatamente, ao mesmo tempo, acima dessa contradição: é a absoluta elasticidade que suprassume de novo esse Ser suprassumido do Si: que rejeita essa rejeição na qual seu ser para si se tornaria como um estranho para ela; e revoltada contra esse receber-se a si mesma como objeto, ela é para si no ato mesmo de receber. Como o comportamento dessa consciência está, assim, vinculado ao dilaceramento absoluto, descarta-se em seu espírito a diferença de ser ela determinada como consciência nobre em oposição à consciência vil; e ambas são o mesmo. O espírito da riqueza benfeitora pode, aliás, ser diferenciado do espírito da consciência que recebe o benefício, e tem de ser considerado à parte. A riqueza era o ser para si carente de essência, a essência que se entregava. Mas, por meio de sua comunicação, se torna um Em si. Enquanto cumpre sua destinação - que é sacrificar-se - suprassume a singularidade de gozar só para si, e como singularidade suprassumida é universalidade ou essência. O que a riqueza comunica, o que dá aos outros, é o ser para si. Mas não se dá como uma natureza carente de si, como aquela condição de vida que espontaneamente se entrega; e sim, como essência consciente de si que é dona de si mesma: não é a potência inorgânica do elemento, que é conhecida pela consciência que recebe, como em si transitória, mas é a potência sobre o Si, que se sabe autônoma e arbitrária, e ao mesmo tempo sabe que aquilo, que outorga, é o Si de um outro. A riqueza comparte, assim, a abjeção com o seu cliente; mas a arrogância toma o lugar da revolta. Com efeito, por um lado ela sabe, como o cliente, o ser para si como uma coisa contingente; mas ela mesma é essa contingência, em cujo poder está a personalidade. Nessa arrogância - que acredita ter ganho um Eu mesmo alheio em troca de um almoço, e ter assim obtido a submissão de sua mais íntima essência - ela passa por alto a revolta interior do outro: não leva em conta o rompimento completo de todas as cadeias, esse puro dilaceramento, para o qual - já que se lhe tornou completamente desigual a igualdade consiga mesmo do ser para si - todo o igual, toda a subsistência se dilacerou. Por isso se dilacerou sobretudo a opinião e o ponto de vista do benfeitor. A riqueza está agora, imediatamente, diante desse abismo mais íntimo; diante dessa profundeza sem fundo onde desvanece toda a firmeza e substância; e nessa profundeza nada enxerga senão uma coisa vulgar, um jogo de seu capricho, um acidente de seu arbítrio. Seu espírito é ser a opinião - totalmente vazia de essência - a superfície que o espírito abandonou. Como a consciência de si tinha sua linguagem frente ao poder do Estado, ou seja, o espírito surgia entre esses extremos como meio-termo efetivo, assim também possui sua linguagem frente à riqueza; mais ainda: sua revolta tem sua própria linguagem. A linguagem que dá à riqueza a consciência de sua essencialidade, e com isso dela se apodera, é igualmente a linguagem da lisonja; mas da lisonja ignóbil. Com efeito, o que exprime como essência, sabe que é a essência que se entrega, que não é em si essente. Porém a linguagem da lisonja - como antes já lembramos - é o espírito ainda unilateral. Pois, na verdade, seus momentos são: o Si, que foi refinado mediante a cultura do serviço até a pura existência; e o ser em si do poder. Mas ainda não está, na consciência dessa linguagem, o puro conceito no qual são o mesmo o simples Si e o Em si: aquele puro Eu, e esta pura essência, ou puro pensar. Essa unidade dos dois lados, entre os quais ocorre a ação-recíproca, não está na consciência dessa linguagem; para ela, o objeto ainda é o Em si em oposição ao Si, ou seja, seu objeto não é para ela, ao mesmo tempo, seu próprio Si como tal. Mas a linguagem do dilaceramento é a linguagem perfeita, e o verdadeiro espírito existente de todo esse mundo da cultura. Essa consciência de si, à qual pertence à revolta que rejeita sua rejeição, é imediatamente a absoluta igualdade consigo mesma no dilaceramento absoluto - a mediação pura da pura consciência de si consigo mesma. Ela é a igualdade do juízo idêntico em que uma só e a mesma personalidade é tanto sujeito quanto predicado. Mas esse juízo idêntico é, ao mesmo tempo, o juízo infinito; pois essa personalidade está absolutamente cindida, e o sujeito e o predicado são pura e simplesmente Essentes indiferentes, que nada têm a ver um com o outro, sem unidade necessária, a ponto de cada um ser a potência de uma personalidade própria. O ser para si tem seu ser para si por objeto, como algo simplesmente Outro; e ao mesmo tempo, de modo igualmente imediato, como si mesmo; tem por objeto a si como Outro, não que esse tenha outro conteúdo, mas o conteúdo é o mesmo Si na forma de absoluta oposição, e de um ser-aí indiferente completamente próprio. Assim está aqui presente o espírito desse mundo real da cultura: espírito consciente de si em sua verdade e consciente de seu conceito. Esse espírito é esta absoluta e universal inversão e alienação da efetividade e do pensamento: a pura cultura. O que no mundo da cultura se experimenta é que não têm verdade nem as essências efetivas do poder e da riqueza, nem seus conceitos determinados, bem e mal, ou a consciência do bem e do mal, a consciência nobre e a consciência vil; senão que todos esses momentos se invertem, antes, um no outro, e cada um é o contrário de si mesmo. O poder universal que é a substância, enquanto chega à sua espiritualidade própria através do princípio da individualidade, recebe nele seu próprio Si apenas como o nome; e enquanto poder efetivo, é antes a essência impotente que se sacrifica a si mesma. Mas tal essência, carente de si e abandonada - ou seja, o Si tornado coisa -, é antes o retorno da essência a si mesma: é o ser para si, essente para si, a existência do espírito. Os pensamentos dessas essências, do bem e do mal, invertem-se também nesse movimento: o que é determinado como bom, é mau; o que é determinado como mau, é bom. A consciência de cada um desses momentos, julgada como consciência nobre ou vil, são consciências que em sua verdade são antes o inverso do que devem ser tais determinações: tanto a nobre é vil e abjeta, como a abjeção se muda na nobreza da liberdade mais aprimorada da consciência de si. Do mesmo modo, considerado formalmente, tudo é para fora o inverso do que é para si; em compensação, o que é para si, não o é em verdade, e sim algo outro do que pretende ser: o ser para si é antes a perda de si mesmo, e a alienação de si é antes a preservação de si mesmo. Assim, o que ocorre é isto: todos esses momentos exercem uma justiça universal reciprocamente; cada um tanto se aliena em si mesmo, quanto se configura no seu contrário, e dessa maneira o inverte. No entanto, o espírito verdadeiro é justamente essa unidade dos absolutamente separados; na verdade o espírito, como seu meio-termo, chega à existência precisamente pela livre efetividade desses extremos carentes de si. Seu ser-aí é o falar universal e o julgar dilacerante, em que se dissolvem todos aqueles momentos que devem vigorar como essências e membros efetivos do todo; e é também esse jogo consigo mesmo, de dissolver-se. Esse julgar e falar é pois o verdadeiro e incoercível, enquanto tudo subjuga; é aquilo que só verdadeiramente conta nesse mundo real. Cada parte desse mundo chega, pois, ao resultado de que seu espírito seja enunciado, ou seja, que se fale dela com espírito, e se diga o que ela é. A consciência honrada toma cada momento por uma essência permanente; e é inculta carência de pensamento não saber que ela também faz o inverso. A consciência dilacerada, ao contrário, é a consciência da inversão - e, na verdade, da inversão absoluta; nela, o conceito é o que domina, e que concentra os pensamentos amplamente dispersos para a consciência honrada. Por isso, a linguagem da consciência dilacerada é rica de espírito. O conteúdo do discurso que o espírito profere de si mesmo e sobre si mesmo é, assim, a inversão de todos os conceitos e realidades, o engano universal de si mesmo e dos outros. Justamente por isso, o descaramento de enunciar essa impostura é a maior verdade. Esse discurso é como a extravagância do músico que "amontoava e misturava trinta árias - italianas, francesas, trágicas, cômicas - de todo tipo. Ora com voz grave descia até às profundezas, ora esganiçando falsetes rasgava a altura dos ares, adotando tons sucessivos: furioso, calmo, imperioso e brincalhão”. Para a consciência tranquila, que põe honestamente a melodia do bem e do verdadeiro na igualdade dos tons - isto é, em uma nota só - aparece esse discurso como "uma mixórdia de sabedoria e loucura, uma mescla de sagacidade e baixeza, de ideias tanto corretas como falsas: uma inversão completa do sentimento: tanto descaramento completo, quanto total franqueza e verdade. Não pode renunciar a passar por todos esses tons, percorrendo de cima a baixo toda essa escala de sentimentos, do mais profundo desprezo e repúdio até à admiração e emoção mais sublimes. Nestes sentimentos deve haver um matiz de ridículo que os desnatura; mas aqueles sentimentos devem ter, em sua própria fraqueza, um traço de reconciliação, e, em sua estremecedora profundidade, o impulso todo-poderoso que restitui o espírito a si mesmo". Considerando agora, em contraste com o discurso dessa confusão, aliás clara para si mesma, o discurso daquela consciência simples do verdadeiro e do bem, vemos que só pode ser monossilábico, frente à eloquência, óbvia e consciente de si, do espírito da cultura. Nada pode dizer-lhe que ele mesmo não saiba e não diga. Se for além de seu monossilabismo, por isso diz o mesmo que o espírito da cultura enuncia, e ainda comete a tolice de acreditar que diz algo de novo e de diverso. Até mesmo suas sílabas, vergonhoso, vil, já são essa tolice, pois o espírito as diz, de si mesmo. Se esse espírito inverte em seu discurso tudo quanto é monótono - porque esse igual a si é só uma abstração, mas em sua efetividade é a inversão em si mesma; e se, ao contrário, a consciência reta toma sob sua proteção o bem e o nobre, isto é, o que se mantém igual em sua exteriorização do único modo possível aqui, a saber, sem perder seu valor por estar enredado no mal ou misturado com ele; pois é isso sua condição e necessidade e nisso consiste a sabedoria da natureza; então essa consciência, enquanto supõe contradizer o conteúdo do discurso do espírito, apenas o resumiu de uma maneira trivial, carente de pensamento. Ao fazer do contrário do nobre e do bem a condição e a necessidade do nobre e do bem, acredita dizer outra coisa que isto: o Suposto nobre e bom é, em sua essência, o contrário de si mesmo, assim como, inversamente, o mal é o excelente. A consciência simples compensa esse pensamento carente de espírito através da efetividade do excelente, ilustrando-o com o exemplo de um caso fictício, ou de uma anedota verdadeira; mostra, desse modo, que o excelente não é uma palavra vazia, mas que está presente. Assim se contrapõe a efetividade universal do agir invertido a todo o mundo real, no qual aquele exemplo constitui apenas algo totalmente singularizado, uma espécie. Ora, apresentar o ser-aí do bem e do nobre somente como uma anedota singular - fictícia ou verídica - é o mais duro que dele se pode dizer. Enfim, se a consciência simples exige a dissolução de todo esse mundo da inversão, não pode exigir do indivíduo o afastamento dele, pois Diógenes no seu tonel está condicionado por esse mundo; e, a exigência feita ao Singular, é justamente o que tem valor de mal, a saber: cuidar de si enquanto Singular. Porém, dirigi da à individualidade universal, a exigência desse afastamento não pode ter a significação de que a razão abandone de novo a culta consciência espiritual a que chegou, que deixe a extensa riqueza de seus momentos afundar de volta na simplicidade do coração natural, ou então recair na selvageria e na vizinhança da consciência animal - a que chamam natureza e inocência. Ao contrário: a exigência dessa dissolução só pode dirigir-se ao espírito mesmo da cultura, para que de sua confusão retome a si como espírito e atinja uma consciência ainda mais alta. De fato, porém, o espírito já levou a cabo isso, em si mesmo. O dilaceramento da consciência - que é consciente dele mesmo e que se enuncia - é o riso sarcástico sobre o ser-aí como também sobre a confusão do todo, e sobre si mesmo; e é, ao mesmo tempo, o eco que ainda se escuta, de toda essa confusão. Essa vaidade - que escuta a si mesma - de toda a efetividade e de todo o conceito determinado, é a reflexão duplicada do mundo real sobre si mesmo: uma vez neste Si da consciência, enquanto este Si; outra vez na pura universalidade do Si, ou no pensamento. Sob o primeiro aspecto, o espírito que chegou a si dirigia seu olhar para o mundo da efetividade, e ainda o tinha por seu fim e conteúdo imediato. Sob o segundo aspecto, porém, seu olhar de uma parte se dirigia apenas a si, e negativamente ao mundo, e de outra parte se afastava do mundo e se voltava para o céu; e o além do mundo era seu objeto. No primeiro aspecto do retorno ao Si, a vaidade de todas as coisas é sua própria vaidade, ou seja, ele mesmo é vão. É o Si para si essente, que não só sabe julgar e palrar sobre tudo, mas que também sabe dizer com riqueza de espírito tanto as essências fixas da efetividade, quanto às determinações fixas que o juízo põe. Sabe dizê-las em sua contradição, e essa contradição é sua verdade. Considerado segundo a forma, o Si sabe tudo como alienado de si mesmo: o ser para si separado de ser em si; o visado e o fim, separados da verdade; e o ser para outro, por sua vez, separado de ambos; o pretexto separado do visar autêntico e da verdadeira Coisa e intenção. Sabe assim exprimir corretamente cada momento em contraste com o outro - em geral, a inversão de todos os momentos. Sabe melhor que o próprio o que é cada um, seja ele determinado como queira. Enquanto conhece o substancial pelo lado da desunião e do conflito - que o Si unifica dentro de si -, mas não o conhece pelo lado dessa união, sabe muito bem julgar o substancial, mas perdeu a capacidade de compreendê-lo. Essa vaidade necessita, pois, da vaidade de todas as coisas para se proporcionar, a partir delas, a consciência do Si: ela mesma portanto produz essa vaidade e é a alma que a sustém. Poder e riqueza são os mais altos fins de seu esforço. Sabe que mediante a renúncia e o sacrifício se cultiva para ser o universal; alcança a posse do universal, e nessa posse tem a valorização universal; pois poder e riqueza são as potências efetivas reconhecidas. Mas essa sua valorização é vã, ela mesma: e justamente enquanto o Si se apodera do poder e da riqueza, sabe que não são essências do Si; mas antes, que o Si é a potência de ambos, enquanto poder e riqueza são coisas vãs. Que assim na sua posse mesma o Si esteja fora e acima deles, representa-o na linguagem espirituosa, que é por isso o mais alto interesse e a verdade do todo; nessa linguagem este Si, como Si puro - que não pertence às determinações efetivas nem às determinações pensadas - torna-se o Si espiritual, verdadeiramente válido universalmente. Esse Si é a natureza de todas as relações, que se dilacera a si mesma, e o dilacerar consciente delas. Mas só como consciência de si revoltada sabe seu próprio dilaceramento e nesse saber do dilaceramento, imediatamente se elevou acima do mesmo. Naquela vaidade todo o conteúdo se torna um Negativo, que não se pode mais compreender positivamente. O objeto positivo é só o puro Eu mesmo, e a consciência dilacerada é, em si, essa pura igualdade consigo mesma dessa consciência de si que a si retomou. b. A FÉ E A PURA INTELIGÊNCIA O espírito da alienação de si mesmo tem seu ser-aí no mundo da cultura; porém quando esse todo se alienou de si mesmo, para além dele está o mundo inefetivo da pura consciência ou do pensar. Seu conteúdo é o puramente pensado, e o pensar, seu elemento absoluto. Mas enquanto o pensar é inicialmente o elemento desse mundo, a consciência apenas tem esses pensamentos, mas ainda não os pensa - ou não sabe que são pensamentos; senão que para ela estão na forma da representação. Com efeito, ela sai da efetividade para a pura consciência; contudo ela mesma está ainda, em geral, na esfera e determinidade da efetividade. A consciência dilacerada é em si apenas a igualdade consigo mesma da pura consciência - só para nós, mas não para si mesma. Assim é somente a elevação imediata, ainda não implementada dentro de si, e possui seu princípio oposto pelo qual é condicionada, ainda dentro de si, sem se ter ainda assenhoreado dele pelo movimento mediatizado. Portanto, para ela, a essência do seu pensamento não vale como essência só na forma do Em si abstrato, mas na forma de um Efetivo-comum, de uma efetividade que foi apenas alçada a outro elemento, sem ter nele perdido a determinidade de uma efetividade não pensada. Há que distinguir essencialmente tal essência do Em si, que é a essência da consciência estoica, para a qual só valia a forma do pensamento enquanto tal, que tem um conteúdo qualquer a ele estranho, e tomado da efetividade. Mas, para a consciência aqui considerada, o que vale não é a forma do pensamento. Diferencia-se também do Em si da consciência virtuosa, para a qual a essência está, decerto, em relação com a efetividade; para a qual é essência da efetividade mesma - mas é somente essência inefetiva. Para a consciência de que falamos, a essência, embora esteja além da efetividade, vale contudo como essência efetiva. Igualmente, o justo e o bem em si, da razão legisladora, e o universal da consciência que examina as leis, não têm a determinação da efetividade. Portanto, se dentro do próprio mundo da cultura o puro pensar se situava como um dos lados da alienação - a saber, como critério do abstrato bem e mal no juízo - agora tendo atravessado o movimento do todo, se enriquece com o momento da efetividade e, portanto, com o momento do conteúdo. Mas essa efetividade da essência, ao mesmo tempo, é apenas uma efetividade da pura consciência, não da consciência efetiva. Embora elevada ao elemento do pensar não vale ainda para essa consciência como um pensamento, mas para ela, antes está além de sua efetividade própria, pois é a fuga dessa efetividade. Como aqui a religião - pois é claro que dela se trata - surge como a fé do mundo da cultura; ainda não surge como é em si e para si. Ela já nos apareceu em outras determinidades, a saber, como consciência infeliz - como figura do movimento, carente de substância, da consciência mesma. Também na substância ética a religião aparecia como fé no mundo subterrâneo; mas a consciência do espírito que partiu não é propriamente fé, nem a essência é posta no elemento da pura consciência, além do efetivo; ao contrário, ela mesma tem uma presença imediata: seu elemento é a família. Aqui porém a religião, por uma parte, emergiu da substância e é sua pura consciência; por outra parte, essa pura consciência é alienada de sua consciência efetiva: a essência é alienada de seu ser-aí. Assim, não é mais, certamente, o movimento carente de substância da consciência, mas tem ainda a determinidade da oposição frente à efetividade como esta efetividade em geral, e frente à efetividade da consciência de si em particular. Portanto é essencialmente apenas uma fé. Essa pura consciência da essência absoluta é uma consciência alienada. Resta examinar mais de perto como se determina aquilo de que ela é o Outro, pois a pura consciência só deve ser examinada em conexão com esse Outro. Primeiro, essa pura consciência parece apenas ter o mundo da efetividade em contraposição consigo. Mas enquanto é fuga desse mundo - e portanto é a determinidade da oposição - tem esse mundo nela: a pura consciência é pois essencialmente alienada de si nela mesma, e a fé só constitui um de seus lados. O outro lado já surgiu ao mesmo tempo para nós. A pura consciência é justamente a reflexão a partir do mundo da cultura, de modo que a substância desse mundo, bem como as massas em que se articula, se mostram como são em si: como essencialidades espirituais, como movimentos absolutamente irrequietos, ou determinações que imediatamente se suprassumem em seu contrário. Sua essência, a consciência simples, é assim a simplicidade da diferença absoluta que imediatamente não é diferença nenhuma. Por isso sua essência é o puro ser para si; não como deste singular, mas como o Si universal em si enquanto movimento irrequieto que toma de assalto e penetra a essência tranquila da Coisa. Assim, há nele a certeza que se sabe imediatamente como verdade: o puro pensar como conceito absoluto, presente na potência de sua negatividade, que elimina toda a essência objetiva - que devesse estar contraposta à consciência - e faz dela um ser da consciência. Essa pura consciência é, ao mesmo tempo, igualmente simples, pois justamente sua diferença não é diferença nenhuma. Mas, como essa forma da simples reflexão sobre si, ela é o elemento da fé em que o espírito tem a determinidade da universalidade positiva, do ser em si em contra posição àquele ser para si da consciência de si. Reprimido de novo para dentro de si, a partir do mundo carente de essência que somente se dissolve, o espírito segundo sua verdade é, em uma unidade indivisa, tanto o movimento absoluto e a negatividade de seu aparecer, quanto sua essência satisfeita em si mesma, e sua quietude positiva. Entretanto, de modo geral subjazendo à determinidade da alienação, esses dois momentos se separam um do outro como uma consciência duplicada. A primeira consciência é a pura inteligência como o processo espiritual que se concentra na consciência de si; processo que tem, frente a si, a consciência do positivo, a forma da objetividade ou do representar, e se lhe contrapõe; mas seu objeto próprio é só o puro Eu. Inversamente, a consciência simples do positivo, ou a quieta igualdade consigo mesmo, tem por objeto a essência interior como essência. Portanto, a pura inteligência, de início não tem conteúdo em si mesma, porque é o ser para si negativo; ao contrário, pertence à fé o conteúdo sem inteligência. Se a inteligência não sai da consciência de si, a fé possui, na verdade, seu conteúdo igualmente no elemento da pura consciência de si: mas no pensar, não no conceituar: na pura consciência, não na pura consciência de si. Por isso a fé decerto é pura consciência da essência, isto é, do interior simples, e assim é pensar: - o momento-principal na natureza da fé, que é habitualmente descurado, A imediatez, com que a essência está na fé, baseia-se nisto: em que seu objeto é essência, quer dizer, puro pensamento. Entretanto, essa imediatez, enquanto o pensar entra na consciência - ou a pura consciência entra na consciência de si -, adquire a significação de um ser objetivo, que se situa além da consciência de si. Através dessa significação, que recebe na consciência a imediatez e a simplicidade do puro pensar, é que a essência da fé decai do pensar para a representação e se torna um mundo suprassensível, que seja essencialmente Outro da consciência de si. Inversamente, na pura inteligência, a passagem do puro pensar para a consciência tem a determinação oposta: a objetividade possui a significação de um conteúdo, somente negativo, que se suprassume e que retoma ao Si. Quer dizer: só o Si é propriamente o objeto para si mesmo; ou seja, o objeto só tem verdade na medida em que tem a forma do Si. Como a fé e a pura inteligência pertencem conjuntamente ao elemento da consciência pura, as duas são também conjuntamente o retorno a partir do mundo efetivo da cultura. Apresentam-se, por isso, segundo três aspectos: 1- cada uma delas, fora de toda a relação, é em si e para si; 2- cada qual se refere ao mundo efetivo, oposto à pura consciência; 3- cada uma delas se refere à outra, no interior da pura consciência. 1- O aspecto do ser em si e para si na consciência crente é seu objeto absoluto, cujo conteúdo e determinação já se deram a conhecer. Com efeito, segundo o conceito da fé, o objeto absoluto não é outra coisa que o mundo real elevado à universalidade da pura consciência. Portanto a articulação do mundo real também constitui a organização do mundo da fé - só que neste último as partes em sua espiritualização não se alienam, mas são essências em si e para si essentes: são espíritos que a si retomaram e junto a si mesmos permanecem. Por conseguinte, só para nós o movimento de seu transitar é uma alienação da determinidade em que essas partes existem em sua diferença; só para nós são uma série necessária. Para a fé, ao contrário, sua diferença é uma tranquila diversidade; e seu movimento, um acontecer. Para designar brevemente essas partes, segundo a determinação exterior de sua forma, assim como no mundo da cultura o primeiro era o poder do Estado ou o bem, assim também o primeiro aqui é a essência absoluta, o espírito essente em si e para si, enquanto é a substância eterna simples. Porém na realização de seu conceito - que é ser espírito - ela se transmuta no ser para Outro: sua igualdade consigo mesma se torna a essência absoluta efetiva que se sacrifica: torna-se o Si, mas o Si perecível. Por isso o terceiro é o retorno desse Si alienado e da substância humilhada à sua simplicidade primeira. Só dessa maneira a substância é representada como espírito. Essas essências distintas, que a si retomaram da vicissitude do mundo efetivo, através do pensar, são os espíritos eternos imutáveis, cujo ser é pensar a unidade que eles constituem. Embora assim retiradas da consciência de si, tais essências nela se reintroduzem; fosse imutável a essência, na forma da primeira substância simples, permaneceria então estranha à consciência de si. Mas a extrusão dessa substância, e, em seguida, seu espírito, têm o momento da efetividade na consciência de si; e deste modo se fazem comparticipes da consciência crente, ou seja: a consciência crente pertence ao mundo real. Conforme essa segunda relação, a consciência crente tem, por um lado, sua efetividade no mundo real da cultura e constitui seu espírito e seu ser-aí, como já vimos. Mas, por outro lado, defronta-se com essa sua efetividade como sendo uma coisa vã, e é movimento de suprassumi-la. Não consiste esse movimento em uma consciência rica de espírito, a respeito da perversão do mundo real; pois a consciência crente é a consciência simples que tem em conta de vaidoso o rico de espírito, porque esse tem ainda, por seu fim, o mundo real. Contudo, ao calmo reino do seu pensar contrapõe-se a efetividade como um ser-aí carente de espírito, que por isso se deve subjugar de uma maneira exterior. Essa obediência do serviço e do louvor divinos faz surgir, pelo suprassumir do saber e do agir sensíveis, a consciência da unidade com a essência essente em si e para si, embora não como unidade efetiva intuída; mas esse serviço divino é somente o contínuo processo de produzir, que não alcança completamente seu fim no tempo presente. A comunidade, esta alcança-o, pois ela é a consciência de si universal. Mas para a consciência de si singular, o reino do puro pensar permanece necessariamente um além de sua efetividade. Ou então, quando esse além entrou na efetividade mediante a extrusão da essência eterna, é uma efetividade sensível não conceituada. Mas uma efetividade sensível permanece indiferente à outra, e o além só recebeu a mais a determinação do distanciamento no espaço e no tempo. Porém o conceito, a efetividade a si mesma presente do espírito, permanece na consciência crente como o interior que é tudo e que efetua - mas que não se põe, ele mesmo, em evidência. No entanto, na pura inteligência, o conceito é o unicamente efetivo. Esse terceiro aspecto da fé - o de ser objeto para a pura inteligência - é a relação peculiar em que a fé aqui se apresenta. A pura inteligência, por sua vez, deve ser considerada também sob três aspectos: A - primeiro, em si e para si; B - segundo, na relação para com o mundo efetivo, enquanto se acha ainda presente de modo positivo, isto é, como consciência vã; C - terceiro, na sua relação com a fé. A - Já vimos o que a pura inteligência é em si e para si. Como a fé é a pura consciência calma do espírito, enquanto da essência, assim a pura inteligência é sua consciência de si: sabe, portanto, a essência não como essência, mas como Si absoluto. Assim, procede a suprassumir toda a independência outra que a da consciência de si - seja do efetivo, seja do em si essente - e convertê-la em conceito. A pura inteligência não é só a certeza da razão consciente de si, de ser toda a verdade; mas também sabe que ela é isso. B - O conceito da pura inteligência, embora já tenha surgido, ainda não está realizado. Por isso sua consciência ainda aparece como uma consciência singular e contingente; e o que para ela é essência, aparece como fim a efetivar. Ela tem somente a intenção de tornar universal a pura inteligência, isto é, de transformar tudo o que é efetivo em conceito - e em um só conceito -, em toda a consciência de si. A intenção é pura, pois tem por conteúdo a pura inteligência; e essa inteligência é também pura, pois seu conteúdo é somente o conceito absoluto, que não tem oposição em um objeto, nem é limitado nele mesmo. No conceito ilimitado residem imediatamente os dois aspectos: - tudo o que é objetivo tem somente a significação do ser para si, isto é, da consciência de si; - e essa tem a significação de um universal, ou a pura inteligência se torna propriedade de toda consciência de si. Esse segundo aspecto da intenção é o resultado da cultura, na medida em que nela foram por terra tanto as diferenças do espírito objetivo, as partes e as determinações de juízo de seu mundo, como também as diferenças que se manifestam enquanto naturezas originariamente determinadas. Gênio, talento, capacidades particulares em geral, pertencem ao mundo da efetividade, na medida em que esse mundo ainda possui o aspecto de ser o reino animal do espírito que no meio da recíproca violência e confusão, a si mesmo combate e engana-se tomando por essências do mundo real. Certamente, as diferenças não têm lugar nesse mundo como espécies honestas; nem se contenta a individualidade com a Coisa mesma inefetiva, nem tem conteúdo particular e fins próprios. Mas a individualidade só conta como algo universalmente válido, isto é, como algo cultivado; a diferença se reduz à menor ou maior energia: uma diferença de grandeza - que é a diferença inessencial. Contudo, essa última diversidade foi por terra porque a diferença no dilaceramento completo da consciência se transformou em uma diferença absolutamente qualitativa. Aqui, o que é o Outro para o Eu, é só o Eu mesmo. Nesse juízo infinito se elimina toda a unilateralidade e peculiaridade do ser para si originário: o Si se sabe, como puro Si, ser seu objeto; e essa igualdade absoluta dos dois lados é o elemento da pura inteligência. Por conseguinte, a pura inteligência é a essência simples indiferenciada em si, e é igualmente a obra universal e a posse universal. Nessa substância espiritual simples, a consciência de si também se dá e se conserva em todo o objeto, a consciência desta sua singularidade ou do agir; como inversamente, sua individualidade é aí igual a si mesma e universal. Essa pura inteligência é, assim, o espírito que clama para todas as consciências: Sede para vós mesmas o que sois todas em vós mesmas: sede racionais. Portanto a consciência, fazendo-se desse modo igual ao que opera, e que é julgado por ela, é reconhecida por esse como lhe sendo idêntica. O que opera encontra-se não só apreendido por aquela consciência como um estranho e desigual a ela, mas antes acha a consciência igual a ele por sua própria estrutura. Contemplando essa igualdade e proclamando-a, confessa-se a ela, e espera igualmente que o Outro, como se colocou de fato no mesmo nível que ela, repita também sua fala, exprima nela sua igualdade; e que se produza o ser-aí reconhecente. Sua confissão não é uma humilhação, vexame, aviltamento perante o Outro, uma vez que esse declarar não é a declaração unilateral, pela qual pusesse sua desigualdade com o Outro; ao contrário, a consciência operante só se declara por causa da intuição da igualdade do Outro com ela; de sua parte enuncia sua igualdade na confissão, e a enuncia porque a linguagem é o ser-aí do espírito como Si imediato. Espera assim que o Outro contribua com o seu para esse ser-aí. 2 - O ILUMINISMO O objeto peculiar contra o qual a pura inteligência dirige a força do conceito é a fé, enquanto forma da pura consciência que se lhe contrapõe no mesmo elemento do pensamento puro. Mas a pura inteligência tem também relacionamento com o mundo efetivo; pois, como a fé, é retorno à pura consciência a partir dele. Devemos ver primeiro como sua atividade se constitui, frente às intenções impuras e às intelecções pervertidas do mundo efetivo. Já foi acima mencionada a consciência tranquila que enfrenta esse turbilhão que dentro de si se dissolve e de novo se produz: ela constitui o lado da intenção e inteligência puras. Mas nessa tranquila consciência não incide, como vimos, nenhuma inteligência particular sobre o mundo da cultura: é antes esse próprio mundo que tem o mais dolorido sentimento e a mais verdadeira inteligência sobre si mesmo - o sentimento de ser a dissolução de tudo que se consolida, de ser desconjuntado no suplício da roda através de todos os momentos de seu ser-aí, e triturado em todos os seus ossos. É também a linguagem desse sentimento, e é o discurso espirituoso que julga todos os aspectos de sua condição. Não pode, pois, a pura inteligência ter aqui atividade e conteúdo próprios; e assim, só pode comportar-se como o apreender fiel e formal dessa própria inteligência espirituosa a respeito do mundo e de sua linguagem. Ora, sendo essa linguagem dispersa, e o juízo, uma tagarelice do momento - que logo se esquece de novo, e que só é um todo para uma terceira consciência -, essa só pode diferenciar-se como pura inteligência quando reúne em uma imagem universal aqueles traços que se dispersam, e então faz deles uma só inteligência de todos. A inteligência, por esse meio simples, levará à dissolução a balbúrdia deste mundo. Com efeito, do exposto resultou que nem as massas nem os conceitos e individualidades determinados são a essência dessa efetividade, mas que ela tem sua substância e seu suporte unicamente no espírito, que existe como julgar e discutir; e que só o interesse em ter um conteúdo para esse raciocinar e tagarelar mantém o todo e as massas de sua articulação. Nessa linguagem da inteligência, sua consciência de si ainda é, para si, um para si essente: este singular. Mas a vaidade do conteúdo é, ao mesmo tempo, a vaidade do Si que sabe que o conteúdo é vão. Agora, quando a consciência que apreende tranquilamente, de toda essa tagarelice espirituosa da vaidade, toma e compila em uma Coletânea as versões mais pertinentes e penetrantes da Coisa - a alma que ainda mantinha o todo, essa vaidade dos juízos espirituosos, vai por terra com o que resta da vaidade do ser-aí. A Coletânea mostra à maioria que há uma perspicácia melhor que a sua; ou, pelo menos, mostra a todos que há uma perspicácia mais variada que a deles, um melhor saber e um ajuizar em geral, como algo universal e agora universalmente conhecido. Com isso se elimina o único interesse que ainda estava presente, e a inteligência singular se dissolve na inteligência universal. Entretanto, acima do saber vão, o saber da essência ainda se mantém firme; e a pura inteligência só se manifesta em sua atividade peculiar na medida em que se contrapõe à fé. a. A LUTA DO ILUMINISMO CONTRA A SUPERSTIÇÃO As diversas modalidades do comportamento negativo da consciência - de uma parte, o ceticismo; de outra, o idealismo teórico e prático - são figuras secundárias em relação à da pura inteligência e de sua expansão, o Iluminismo. Com efeito, a pura inteligência nasceu da substância, sabe como absoluto o puro Si, da consciência, e entra em disputa com a pura consciência da essência absoluta de toda a efetividade. Enquanto fé e inteligência são a mesma pura consciência, embora opostas segundo a forma, a essência se opõe à fé enquanto pensamento, não enquanto conceito; e, portanto, é algo pura e simplesmente oposto à consciência de si. Mas, para a pura inteligência, a essência é o Si: e assim, fé e inteligência são pura simplesmente o negativo uma da outra. Tal como surgem frente a frente, corresponde à fé todo o conteúdo, pois em seu elemento tranquilo do pensar cada momento ganha subsistência; mas a pura inteligência é de início sem conteúdo; é, antes, o desvanecer do conteúdo. No entanto, através do movimento negativo contra o negativo seu, vai realizar-se e proporcionar-se um conteúdo. A pura inteligência sabe a fé como o oposto a ela, à razão e à verdade. Como para ela, a fé em geral é um tecido de superstições, preconceitos e erros, assim para ela a consciência desse conteúdo se organiza em um reino de erro. Nesse reino, de um lado a falsa intelecção, como a massa geral da consciência, é imediata, espontânea e sem reflexão sobre si mesma; mas tem nela também o momento da reflexão sobre si, ou da consciência de si, separado da espontaneidade; - como uma inteligência e má intenção que permanecem para si no fundo da consciência, e pelas quais aquele momento da reflexão sobre si é perturbado. Aquela massa é a vítima da impostura de um sacerdócio que leva a termo sua vaidade ciumenta de permanecer só na posse da inteligência, como também em seus próprios interesses egoísticos e que, ao mesmo tempo, conspira com o despotismo. O despotismo é a unidade sintética, carente de conceito, do reino real e desse reino ideal; - uma essência inconsistente e peregrina. Como tal, está situado acima da má inteligência da multidão e da má intenção dos sacerdotes, e ainda unifica ambas em si: extrai da estupidez e confusão do povo, por intermédio do sacerdócio impostor - e desprezando a ambos - a vantagem da dominação tranquila e da implementação de seus desejos e caprichos; mas é, ao mesmo tempo, o mesmo embotamento da inteligência: igual superstição e erro. O Iluminismo não enfrenta indistintamente esses três lados do inimigo clero, déspota e povo. Com efeito, sendo sua essência inteligência pura - o que é universal em si e para si -, sua verdadeira relação com o outro extremo é aquela em que o Iluminismo se dirige ao que há de comum e igual em ambos. O lado da singularidade, que se isola da consciência espontânea universal, é seu oposto, que ele não pode imediatamente afetar. A vontade do sacerdócio embusteiro e do déspota opressor não é, pois, objeto imediato do agir do Iluminismo, mas sim a inteligência, carente de vontade, que não se singulariza em um ser para si; é o conceito da consciência de si racional, que tem na massa seu ser-aí, embora não esteja nela presente como conceito. Mas quando a pura inteligência faz sair dos preconceitos e erros, essa inteligência honesta e sua essência espontânea, arranca das mãos da má intenção a realidade e o poder de seu engano, cujo reino tem seu território e material na consciência carente de conceito da massa comum; como o ser para si tem sua substância, em geral, na consciência simples. A relação da pura inteligência com a consciência espontânea da essência absoluta tem agora duplo aspecto. Por um lado, é em si, o mesmo que ela; mas, por outro lado, a consciência espontânea deixa que a essência absoluta - e também suas partes - fiquem à vontade e se deem subsistência no elemento simples do seu pensar. Só deixa que sejam válidas como seu Em si e portanto de modo objetivo; mas nega seu ser para si nesse Em si. Segundo o primeiro aspecto, na medida em que, para a pura inteligência, essa fé é em si a pura consciência de si, e isso deve tornar-se só para si - a pura inteligência tem assim nesse conceito de fé o elemento onde se realiza, em lugar da falsa inteligência. Segundo esse aspecto - no qual as duas são essencialmente o mesmo, e a relação da pura inteligência tem lugar através do mesmo elemento e nele -, sua comunicação é uma comunicação imediata; e seu dar e receber, um fluxo recíproco ininterrupto. Aliás, sejam quais forem as estacas fincadas na consciência, ela é em si essa simplicidade em que tudo se dissolve, esquece e descontrai; e que por isso é absolutamente receptiva ao conceito. Por esse motivo, a comunicação da pura inteligência deve comparar-se a uma expansão tranquila, ou ao difundir-se, como o de um vapor na atmosfera sem obstáculos. É uma infecção penetrante, que no elemento indiferente onde se insinua não se faz notar antes como oposto, e por isso não pode ser debelada. Só quando a infecção se alastrou é patente para a consciência, que se lhe abandonara despreocupadamente. Pois o que a consciência recebia em si era, na verdade, a essência simples, igual a ela e igual a si mesma; mas, ao mesmo tempo, era a simplicidade da negatividade em si refletida, que mais tarde, também por sua natureza, se desdobra como oposto, e por meio disso relembra à consciência sua anterior maneira de ser. Essa simplicidade é o conceito, que é saber simples que se sabe, e ao mesmo tempo sabe o seu contrário; mas sabe esse contrário nele como suprassumido. Por conseguinte, assim que a pura inteligência é patente para a consciência, já se alastrou: a luta contra ela denuncia a infecção já ocorrida. É tarde demais, e qualquer remédio só piora a doença que atacou a medula da vida espiritual, a saber, a consciência em seu conceito - ou sua pura essência mesma: portanto, não há nela força que possa vencer a doença. Como ela está na essência mesma, podem-se reprimir suas manifestações isoladas, e atenuar-lhe os sintomas superficiais. O que é muitíssimo vantajoso para a doença, pois então não dissipa a força inutilmente, nem se mostra indigna de sua essência - o que é o caso, quando irrompe em sintomas ou erupções isoladas contra o conteúdo da fé, e contra sua conexão com a efetividade exterior. Mas agora ela se infiltra - espírito invisível e imperceptível - através das partes nobres de lado a lado, e logo se apodera radicalmente de todas as vísceras e membros do ídolo carente de consciência, e, "uma bela manhã, dá uma cotovelada no tipo, e - bumba! - o ídolo está no chão". Numa bela manhã, cujo meio-dia não é sangrento, se a infecção penetrou todos os órgãos da vida espiritual. Só a memória conserva - como uma história acontecida não se sabe como - a modalidade morta da figura precedente do espírito. E, dessa maneira, a nova serpente da sabedoria, erigida para a adoração, apenas se despojou, sem dor, de uma pele murcha. Contudo, esse tecer silencioso e incessante do espírito no interior simples da consciência, que a si mesmo oculta seu agir, é só um lado da realização da inteligência pura. Sua difusão não consiste somente em que o igual ande junto com o igual; e sua efetivação não é apenas uma expansão sem obstáculos. Mas o agir da essência negativa é também essencialmente um movimento desenvolvido que se diferencia em si mesmo; que como agir consciente deve expor seus momentos em um ser-aí patente e determinado, e deve apresentar-se como um grande fragor e uma luta violenta com o oposto enquanto tal. Por conseguinte, há que ver como se comportam negativamente a inteligência e a intenção puras frente ao outro seu oposto, que encontram. A intelecção e a intenção puras, que se comportam negativamente, só podem ser o negativo de si mesmas - já que seu conceito é toda a essencialidade, e nada há fora delas. Torna-se, pois, como intelecção o negativo da pura inteligência: torna-se inverdade e desrazão; e como intenção, torna-se o negativo da intenção pura: mentira e desonestidade do fim. A pura inteligência enreda-se nessa contradição, porque se empenha na luta supondo combater algo outro. Não passa de uma suposição; pois sua essência, como negatividade absoluta, consiste em ter o ser outro nela mesma O conceito absoluto é a categoria; o que significa que o saber e o objeto do saber são o mesmo. Assim, o que a pura inteligência enuncia como o seu Outro - como erro ou mentira - não pode ser outra coisa que ela mesma: só pode condenar o que ela é. O que não é racional não tem verdade; ou seja, o que não é concebido, não é. Portanto, quando a razão fala de Outro que ela, de fato só fala de si mesma; assim não sai de si. Por conseguinte, essa luta com o oposto assume em si a significação de ser sua própria efetivação. Essa, com efeito, consiste precisamente no movimento de desenvolver os momentos e de recuperá-los em si mesma. Uma parte desse movimento é a diferenciação, em que a inteligência conceituante se contrapõe a si mesma como objeto; enquanto se demora nesse momento, aliena-se de si mesma. Como pura inteligência, carece de qualquer conteúdo; o movimento de sua realização consiste em que ela mesma venha a ser para si como conteúdo - já que outro não pode tornar-se seu conteúdo, pois ela é a consciência de si da categoria. Mas enquanto ela no seu oposto sabe o conteúdo só como conteúdo - e não ainda como si mesma - está se desconhecendo nele. Sua implementação tem pois o sentido de reconhecer como seu o conteúdo que inicialmente para ela era objetivo. Mas assim, seu resultado não será nem o restabelecimento dos erros que combate, nem apenas seu conceito primeiro, e sim uma inteligência que reconhece a absoluta negação de si mesma como sua própria efetividade - e que a reconhece como a si mesma, ou seja, como seu conceito reconhecedor de si mesmo. Essa natureza da luta do Iluminismo contra os erros que consiste em combater-se a si mesmo neles, e em condenar neles o que afirma - é para nós; ou seja, é o que o Iluminismo e sua luta são em si. Mas o primeiro lado desse combate, a impureza contraída por acolher o comportamento negativo em sua pureza igual a si mesma, é a maneira como o Iluminismo é objeto para a fé; que assim o experimenta como mentira, desrazão e má intenção; da mesma forma como a fé para ele é erro e preconceito. No Que concerne o seu conteúdo, o Iluminismo é, antes de tudo, a inteligência vazia, cujo conteúdo se manifesta como Outro: encontra portanto nessa figura, em que o conteúdo não é ainda o seu, o seu conteúdo como um ser-aí totalmente independente dele: encontra-o na fé. O Iluminismo assim apreende seu objeto primeiramente e em geral, tomando-o como pura inteligência, e desse modo o declara - não reconhecendo nele a si mesmo - como um erro. Na inteligência como tal, a consciência apreende um objeto de maneira que se converte em essência da consciência, ou seja, um objeto que a consciência penetra e no qual se mantém, fica junto de si, e presente a si mesma; e sendo assim a consciência o movimento do objeto, ela o produz. O Iluminismo acertadamente enuncia a fé como uma consciência desse tipo, ao dizer que é um ser de sua própria consciência - seu próprio pensamento, um produto da consciência - aquilo que para a fé é a essência absoluta. Com isso declara a fé como sendo um erro, e uma ficção poética sobre o mesmo que o Iluminismo é. Querendo ensinar à fé a nova sabedoria, o Iluminismo com isso nada lhe diz de novo, porque para a fé seu objeto é também justamente isto: pura essência de sua própria consciência. Assim ela não se põe como perdida e negada no objeto, mas antes a ele se fia, quer dizer, encontra-se precisamente no objeto como esta consciência, ou como consciência de si. Eu confio naquele cuja certeza de si mesmo é para mim, a certeza de mim mesmo: conheço meu ser para mim nele, conheço que ele o reconhece, e que para ele é fim e essência. Mas confiança é a fé: porque sua consciência se refere de modo imediato a seu objeto, e assim também intui que é um só com seu objeto, e que é nele. Além disso, já que para mim é objeto aquilo em que reconheço a mim mesmo, eu estou nele para mim ao mesmo tempo, em geral, como outra consciência de si, isto é, como uma consciência de si que no objeto se alienou de sua singularidade particular, ou seja, de sua naturalidade e contingência; embora, por uma parte, ali permaneça, consciência de si, e, por outra, seja ali justamente consciência essencial, como o é a pura inteligência. No conceito da inteligência está compreendido não só que a consciência se conheça a si mesma no seu objeto intuído e nele imediatamente se possua, sem primeiro abandonar o objeto pensado, e retomar dele a si mesma, - mas também que a consciência seja consciente de si mesma como movimento mediatizante, ou de si como sendo o agir ou o produzir; desse modo é patente para ela no pensamento essa unidade de si mesma como unidade do Si e do objeto. Ora, também a fé é justamente tal consciência. A obediência e o agir são um momento necessário, mediante o qual se estabelece na essência absoluta a certeza do ser. Sem dúvida, esse agir da fé não se manifesta como se a essência absoluta mesma fosse produzida desse modo. Mas a essência absoluta da fé essencialmente não é a essência abstrata que se encontre além da consciência crente; é, sim, o espírito da comunidade, é a unidade da essência abstrata e da consciência de si. Que a essência absoluta seja o espírito da comunidade, nisso está implícito que o agir da comunidade é um momento essencial: ele só é mediante o produzir da consciência - ou melhor, não é sem ser produzido pela consciência. Com efeito, por essencial que seja o produzir, é igualmente essencial que não seja o fundamento único da essência, mas apenas um momento. A essência é ao mesmo tempo em si e para si mesma. Do outro lado, o conceito da pura inteligência é, para si mesmo, outro que seu objeto: pois é exatamente essa determinação negativa que constitui o objeto. Do outro lado, a pura inteligência exprime também assim a essência da fé, como algo estranho à consciência de si, que não é sua essência, senão que toma seu lugar; - como um bebê trocado no berço por ela. Mas aqui o Iluminismo é completamente insensato: a fé experimenta-o como um discurso que não sabe o que diz, não compreende o assunto quando fala de impostura dos sacerdotes e de ilusão do povo. Fala disso como se por um passe de mágica dos sacerdotes prestidigitadores deslizasse sorrateiramente para dentro da consciência algo absolutamente estranho e Outro em lugar da essência; e diz ao mesmo tempo em que se trata de uma essência da consciência que nela crê, confia nela e procura fazê-la propícia. Quer dizer: a consciência intui nela tanto sua pura essência, quanto sua individualidade singular e universal; e mediante seu agir produz essa unidade de si mesma com a sua essência. O Iluminismo enuncia imediatamente como sendo o mais próprio da consciência o que enuncia como algo a ela estranho. Como pode, assim, falar de impostura e de ilusão? Ao expressar de modo imediato a respeito da fé o contrário do que afirma dela, o Iluminismo se mostra à fé, antes, como a mentira consciente. Como pode dar-se impostura e ilusão ali, onde a consciência tem imediatamente em sua verdade a certeza de si mesma? Onde ela possui a si mesma no seu objeto, porque nele tanto se encontra como se produz? A diferença não existe mais, nem mesmo nas palavras. Quando foi formulada a pergunta geral "se era permitido enganar um povo", a resposta de fato deveria ser que a questão estava mal colocada, porque é impossível enganar um povo nesse terreno. Sem dúvida, é possível em algum caso vender latão por ouro, passar dinheiro falso por verdadeiro; pode ser que muitos aceitem uma batalha perdida como ganha; é possível conseguir que se acredite por algum tempo em outras mentiras sobre coisas sensíveis e acontecimentos isolados. Porém, no saber da essência, em que a consciência tem a certeza imediata de si mesma, está descartado completamente o pensamento do engano. Vejamos agora como a fé experimenta o Iluminismo nos diferentes momentos de sua consciência, a que o ponto de vista anterior se referia apenas de modo geral. São esses momentos: lº- o puro pensamento, ou, enquanto objeto, a essência absoluta em si e para si mesma. Em seguida, 2º - sua relação - enquanto é um saber - para com essa essência: o fundamento de sua fé; e por último, 3º - a relação da consciência crente com a essência em seu agir, ou seu serviço divino. Assim como na fé a pura inteligência em geral se tinha desconhecido e negado, assim também nesses momentos se comportará de modo igualmente invertido. 1 º - A pura inteligência se comporta negativamente em relação à essência absoluta da consciência crente. Essa essência é puro pensar, e o puro pensar é posto dentro de si mesmo como objeto ou como a essência. Na consciência crente, esse Em si do pensamento recebe ao mesmo tempo, para a consciência para si essente, a forma - mas só a forma vazia - da objetividade. Esse Em si está na determinação de um representado. Mas para a pura inteligência, enquanto é a pura consciência segundo o lado do Si para si essente, o Outro aparece como um negativo da consciência de si. Por sua vez, esse Outro poderia ser tomado seja como o puro Em si do pensar, seja como o ser da certeza sensível. Mas, como é ao mesmo tempo para o Si - e esse, como Si que tem um objeto, é consciência efetiva -, assim o seu mais peculiar objeto como tal é uma coisa ordinária essente da certeza sensível. Esse seu objeto se lhe manifesta na representação da fé. A pura inteligência condena essa representação, e nela condena seu próprio objeto. Mas nisso já comete contra a fé a injustiça de lhe apreender o objeto como se fosse o seu próprio. Diz, por isso, da fé que sua essência absoluta é um pedaço de pedra, um toco de madeira, que tem olhos e não vê; ou ainda, um pouco de pão que brotou do campo, foi elaborado pelo homem e é restituído ao campo. Ou, seja qual for a forma como a fé antropomorfize a essência e a torne objetiva e representável para si. O Iluminismo, que se faz passar como puro, reduz neste ponto o que para o espírito é vida eterna e Espírito Santo, a uma coisa perecível efetiva, e o contamina com o enfoque, em si nulo, da certeza sensível, que não tem nada a ver com a fé adoradora; é pura mentira atribuir isso à fé. O que a fé adora não é para ela em absoluto, nem pedra ou madeira ou pão, nem qualquer outra coisa sensível temporal. Se ocorre ao Iluminismo dizer que o objeto da fé é isso também, ou mesmo que é isso em si e em verdade, precisa notar que a fé, de um lado, conhece igualmente aquele também, mas para ela está fora de sua adoração; porém de outro lado, coisas como pedra, etc., em geral para ela nada são em si; para ela só é em si a essência do puro pensar. 2º O segundo momento é a relação da fé, como consciência que sabe, para com essa essência. Para a fé, como pura consciência pensante, essa essência é imediata; mas a pura consciência é igualmente relação mediatizada da certeza com a verdade; relação que constitui o fundamento da fé. Para o Iluminismo, esse fundamento se torna um saber contingente de eventos contingentes. Ora, o fundamento do saber é o universal que sabe, e em sua verdade é o espírito absoluto - que na pura consciência abstrata, ou no pensar enquanto tal, é somente a essência absoluta; porém, como consciência de si, é o saber de si. A pura inteligência põe igualmente como negativo da consciência de si esse universal que sabe, o espírito simples que se sabe a si mesmo. Ela é, de certo, o puro pensar mediatizado, isto é, o pensar que se mediatiza consigo mesmo: é o puro saber. Mas, enquanto é pura inteligência, puro saber, que ainda não se sabe a si mesmo – ou seja, esse puro movimento mediatizante ainda não é para ela - esse movimento, como tudo o que ela é, se lhe manifesta como Outro. Portanto, concebida em sua efetivação, desenvolve esse momento que lhe é essencial; contudo ele se lhe manifesta como pertencente à fé; e em sua determinidade de lhe ser algo exterior, como um saber contingente de histórias efetivas realmente banais. Neste ponto a pura inteligência inventa, a propósito da fé religiosa, que sua certeza se funda em alguns testemunhos históricos singulares, que considerados como testemunhos históricos não forneceriam, sem dúvida, o grau de certeza sobre o seu conteúdo que nos dão os jornais sobre um evento qualquer. Além disso inventa que sua certeza se baseia sobre o acaso da conservação desses testemunhos - de um lado, pela preservação dos códices, e, de outro, pela competência e honestidade dos copistas; e finalmente pela correta compreensão do sentido das palavras e letras mortas. Mas, de fato, a fé não pretende vincular sua certeza a tais testemunhos e contingências. Em sua certeza, a fé é relação espontânea para com seu objeto absoluto, um puro saber desse objeto que não mistura com sua consciência da essência absoluta caracteres, códices e copistas: e por isso não se mediatiza através de coisas dessa espécie. Ao contrário, a consciência crente é o fundamento - que se mediatiza a si mesmo - de seu saber: é o espírito mesmo, que é testemunho de si, tanto no interior da consciência singular, quanto por meio da presença universal da fé de todos nele. Se a fé pretende também dar-se a partir do histórico aquela maneira de fundamentação ou pelo menos de confirmação de seu conteúdo - de que fala o Iluminismo -, e seriamente supõe e age como se dependesse disso, é que já se deixou seduzir pelo Iluminismo. Seus esforços para se fundar, ou se consolidar dessa maneira, são somente sinais que dá de sua contaminação. 3º - Resta ainda o terceiro lado, a relação da consciência para com a essência absoluta, como um agir. Esse agir é o suprassumir da particularidade do indivíduo, ou do modo natural de seu ser para si, do qual lhe provém a certeza de ser a pura consciência de si, conforme seu agir; quer dizer, como consciência singular, para si essente, de ser uma só coisa com a essência. Como no agir se distinguem conformidade ao fim e fim, e também a pura intenção se comporta negativamente em relação a esse agir - e como nos outros momentos a si mesma se renega - a pura inteligência, com respeito à conformidade ao fim, deve apresentar-se como não entendimento. Enquanto a inteligência está unida com a intenção, a consonância do fim com o meio lhe aparece como Outro; - ou melhor, como o contrário. Porém com respeito ao fim, a pura inteligência deve fazer do mal, do gozo e da posse o seu fim, e desse modo manifestar-se como a intenção mais impura; - enquanto igualmente a pura intenção, como Outro, é intenção impura. De acordo com isso, vemos que o Iluminismo, quanto à conformidade com o fim, acha insensato que o indivíduo crente se atribua a consciência superior de não estar preso ao gozo e ao prazer naturais, que se abstenha efetivamente de ambos, e demonstre através do ato que o desprezo que tem deles não mente, mas é um desprezo verdadeiro. O Iluminismo acha igualmente insensato que o indivíduo, por renunciar à sua propriedade, se exima de sua determinidade de ser absolutamente singular, excluindo todas as outras singularidades, e possuindo sua propriedade. Com isso mostra que na verdade não toma a sério seu isolar-se, mas que se elevou acima da necessidade natural, que é singularizar-se e negar, nessa singularização absoluta do ser para si, os outros como uma mesma coisa consigo. A pura inteligência acha as duas coisas tanto não conformes ao fim quanto injustas. Acha não conforme ao fim renunciar ao prazer e abdicar da posse para mostrar-se livre do prazer e da posse; assim seria declarado, ao contrário, como louco quem para comer lançasse mão dos meios para comer efetivamente. Acha também injusto abster-se da comida: não, renunciar à manteiga e aos ovos por dinheiro, ou ao dinheiro por ovos e manteiga: mas renunciar à comida sem adquirir nada de volta. Quer dizer, declara a comida ou a posse de tais coisas um fim em si mesmo, e nisso se mostra de fato uma intenção muito impura, que se ocupa de modo totalmente essencial com tal gozo e posse. De novo, também afirma, como intenção pura, a necessidade da elevação por cima da existência natural e da avidez pelos meios de subsistência: mas acha insensato e injusto que essa elevação se demonstre através do ato. Ou seja: na verdade, essa pura intenção é impostura, que simula e reclama uma elevação interior; mas declara como supérfluo, insensato e injusto tomá-la a sério, pô-la efetivamente em obra, e demonstrar sua verdade. Assim, tanto se nega como pura inteligência, porque renega o agir imediatamente conforme ao fim, como também se nega enquanto pura intenção, porque renega a intenção de mostrar-se liberada dos fins da singularidade. Assim O Iluminismo se dá a experimentar à fé. Apresenta-se sob esse aspecto feio, porque precisamente por sua relação com Outro assume uma realidade negativa, ou seja, apresenta-se como o contrário de si mesmo; mas é preciso que a pura inteligência e intenção assumam essa relação, já que ela é sua efetivação. Essa efetivação se manifestava de início como realidade negativa. Talvez sua realidade positiva seja melhor constituída: vejamos como se comporta. Quando são banidos todos os preconceitos e superstições, então surge a pergunta: e agora, que resta? Que verdade o Iluminismo difundiu em lugar dos preconceitos e superstições? O Iluminismo já expressou esse conteúdo positivo em sua extirpação do erro, pois aquela alienação dele mesmo é igualmente sua realidade positiva. Naquilo, que para a fé é espírito absoluto, o Iluminismo interpreta, como coisas singulares efetivas, o que aí mesmo descobre na forma de determinação como por exemplo madeira, pedra, etc. Ao conceber em geral toda a determinidade, isto é, todo o conteúdo e sua implementação, dessa maneira, como uma finitude, como essência e representação humana, a essência absoluta torna-se para ele um vazio, a que não se podem atribuir determinações nem predicados. Tal conúbio entre a essência absoluta e a representação humana seria, em si, condenável; pois é justamente nele que foram engendrados os monstros da superstição. A razão, a pura inteligência, certamente não é vazia, ela mesma, porque o seu negativo é para ela, e é o seu conteúdo; mas ela é rica, embora somente em singularidade e limitação. Não permitir que nada semelhante aconteça à essência absoluta, nem que lhe seja atribuído, é a conduta circunspecta da inteligência que sabe por em seu lugar a si mesma e a sua riqueza de finitude, e tratar dignamente o absoluto. Como segundo momento da verdade positiva do Iluminismo está, em contraste com essa essência vazia, a singularidade em geral - da consciência e de todo o ser - excluída de uma essência absoluta, como absoluto ser em si e para si. A consciência que na sua efetividade primeira de todas era certeza sensível e visar aqui retoma do caminho completo de sua experiência e é, de novo, um saber do puramente negativo de si mesma, ou das coisas sensíveis - quer dizer, essentes - que se contrapõem indiferentemente ao seu ser para si. Porém aqui ela já não é consciência natural imediata, mas veio a ser para si tal consciência. Inicialmente abandonada a toda confusão, em que se emaranhava por seu desdobramento, ela foi agora reconduzida, mediante a pura inteligência, à sua figura primeira; e a experimentou como resultado. Fundada sobre a inteligência da nulidade de todas as outras figuras da consciência, e assim, de todo o Além da certeza sensível, essa certeza sensível já não é mais um visar mas antes, a verdade absoluta. Sem dúvida, essa nulidade de tudo o que ultrapassa a certeza sensível é somente uma prova negativa dessa verdade; contudo não é capaz de outra prova, pois a verdade positiva da certeza sensível é, nela mesma, justamente o ser para si não mediatizado do conceito mesmo, enquanto objeto, e de certo na forma do ser Outro. Com efeito para cada consciência é absolutamente certo que ela é, e há outras coisas efetivas fora dela; e que em seu ser natural ela, como também essas coisas, é em si e para si, ou é absoluta. O terceiro momento da verdade do Iluminismo, enfim, é a relação da essência singular para com a essência absoluta, a relação dos dois primeiros momentos. A inteligência, como pura inteligência do igual e do ilimitado, ultrapassa também o desigual, a saber, a efetividade finita, ou ultrapassa a si mesma como simples ser Outro: tem o vazio como sendo o além desse ser Outro com o qual relaciona, assim, a efetividade sensível. Na determinação dessa relação, os dois lados não entram como conteúdo, pois um deles é o vazio, e assim um conteúdo só está presente pelo outro lado, que é a efetividade sensível. Mas a forma dessa relação, para cuja determinação contribui o lado do Em si, pode ser modelada à vontade, pois a forma é o negativo em si, e por isso o oposto a si: é tanto ser, como nada; tanto Em si como o contrário; ou, o que vem a dar no mesmo, a relação da efetividade com o Em si, enquanto além, é tanto um negar quanto um pôr dessa efetividade. A efetividade finita portanto pode, a rigor, ser tomada como melhor convenha. Assim, o sensível agora é referido positivamente ao absoluto como ao Em si, e a efetividade sensível é, ela mesma, em si; o absoluto a faz, a sustém e cuida dela. Por sua vez, a realidade sensível é referida ao absoluto como ao seu contrário, como a seu não ser; segundo essa relação, ela não é em si, mas é somente para Outro. Se na anterior figura da consciência os conceitos da oposição se determinavam como bem e mal, agora, ao contrário, se tornam para a pura inteligência as abstrações ainda mais puras, do ser em si e do ser para Outro. Ora, os dois modos de considerar a relação do finito para com o Em si - tanto o positivo quanto o negativo - de fato são igualmente necessários; e assim, tudo tanto é em si, como é para Outro, ou seja: tudo é útil. Tudo se entrega a outros: ora se deixa utilizar por outros e é para eles; ora se põe em guarda de novo, e, por assim dizer, se torna arisco frente ao Outro: é para si, e por sua vez utiliza o Outro. Daí resulta para o homem, enquanto é a coisa consciente dessa relação, sua essência e sua posição. O homem, tal como é imediatamente, como consciência natural, é, em si, bom; como Singular é absoluto e o Outro é para ele. E na verdade, já que os momentos têm a significação da universalidade para ele, como o animal consciente de si - tudo é para o seu prazer e recreação; o homem, tal como saiu das mãos de Deus, circula nesse mundo como em um jardim por ele plantado. Deve também ter colhido os frutos da árvore do conhecimento do bem e do mal. Possui assim uma utilidade que o distingue de todo o resto, pois, por coincidência, sua natureza boa em si é também constituída de tal modo que o excesso do deleite lhe faça mal, ou antes, sua singularidade tenha também seu além nela: pode ir além de si mesma e destruir-se. Ao contrário, a razão é para o homem um meio útil de restringir adequadamente esse ultrapassar, ou melhor, de se preservar a si mesmo nesse ultrapassar sobre o determinado, pois isso é a força da consciência. O gozo da essência consciente, em si universal, não deve ser quanto à variedade e à duração algo determinado, mas universal. A medida tem, por isso, a determinação de impedir que o prazer seja interrompido em sua variedade e duração. Isso significa que a determinação da medida é a desmedida. Como tudo é útil ao homem, assim também o homem é útil a tudo: sua vocação é igualmente fazer-se um membro útil à comunidade e universalmente prestativo. Na medida em que cuida de si, na mesma exata medida deve dedicar-se aos outros; e quanto se dedica, tanto vela por si mesmo: uma mão lava a outra. Onde quer que se encontre, está no lugar certo; utiliza os outros e é utilizado. As coisas são úteis umas às outras de outras maneiras, mas têm todas essa reciprocidade útil por sua essência, a saber, relacionar-se com o absoluto de dupla maneira: uma a positiva, mediante a qual elas são em si e para si mesmas; outra a negativa, pela qual são para outras. A relação para com a essência absoluta, ou a religião, é portanto, entre todas as utilidades, a mais útil de todas, pois é a pura utilidade mesma: é esse subsistir de todas as coisas, ou seu ser em si e para si; e o cair de todas as coisas, ou seu ser para outro. Com certeza, é uma abominação para a fé esse resultado positivo do Iluminismo, tanto como sua relação negativa para com ela. Para a fé é absolutamente abominável essa inteligência da essência absoluta que nela nada vê, a não ser justamente a essência absoluta, ou o ser supremo ou o vazio; - essa intenção de que tudo, em seu ser-aí imediato, é em si ou bom; - ou enfim, o conceito da utilidade expressando exaustivamente a relação do ser consciente singular com a essência absoluta: a religião. Essa sabedoria própria do Iluminismo aparece-lhe, necessariamente, como a banalidade mesma, e ao mesmo tempo como a confissão da banalidade. Com efeito, ela consiste em nada saber da essência absoluta ou - o que é o mesmo - só saber a seu respeito esta verdade, de todo banal, de que ela justamente é só a essência absoluta; e inversamente em saber somente da finitude, e em sabê-la certamente como o verdadeiro; e esse saber da finitude como o verdadeiro, como o supremo saber. A fé tem o direito divino, O direito da absoluta igualdade consigo mesma ou do puro pensar, contra o Iluminismo; e sofre de sua parte agravo completo, pois ele distorce a fé em todos os seus momentos e faz deles uma outra coisa do que são na fé. Mas o Iluminismo tem contra a fé - e como sua verdade - somente um direito humano; pois o agravo que comete é o direito da desigualdade, e consiste no inverter e no alterar - um direito que pertence à natureza da consciência de si, em contraposição à essência simples ou ao pensar. Ora, enquanto o direito do Iluminismo é o direito da consciência de si, o Iluminismo não apenas manterá também o seu direito - de forma que dois direitos iguais do espírito se defrontem mutuamente, sem que um deles possa contentar o outro - senão que pretenderá o direito absoluto, porque a consciência de si é a negatividade do conceito, que não só é para si mas ainda invade o terreno de seu contrário; e a própria fé, por ser consciência, não poderá recusar-lhe seu direito. Com efeito, o Iluminismo procede contra a consciência crente arguindo não com princípios peculiares, mas com princípios que a mesma fé tem nela. Somente lhe apresenta reunidos seus próprios pensamentos, que nela incidiam carentes de consciência e dissociados; apenas lhe recorda, a propósito de uma das suas modalidades, as outras que ela também tem, mas sempre esquece uma quando está com a outra. Em contraste com a fé, mostra-se como pura inteligência, justamente porque, por ocasião de um momento determinado, vê o todo e assim evoca o oposto que se refere àquele momento; e invertendo um no outro, produz a essência negativa dos dois pensamentos - o conceito. O Iluminismo aparece ante a fé como deturpação e mentira, porque indica o ser Outro de seus momentos; parece-lhe, com isso, fazer deles imediatamente outra coisa do que são em sua singularidade. Mas esse Outro é igualmente essencial, e, na verdade, está presente na própria consciência crente - só que ela não pensa nisso, mas o tem em um lugar qualquer; portanto, nem é estranho à fé, nem pode ser desmentido por ela. Contudo, o próprio Iluminismo, que recorda à fé o oposto de seus momentos separados, é igualmente pouco iluminado sobre si mesmo. Comporta-se de modo puramente negativo para com a fé, na medida em que exclui da sua pureza o conteúdo da fé, e o toma por negativo dele mesmo. Portanto, nem reconhece a si mesmo nesse negativo - no conteúdo da fé; nem tampouco reúne, por esse motivo, os dois pensamentos: o pensamento que traz, e o que aduz contra ele. Enquanto não reconhece que é imediatamente seu próprio pensamento o que condena na fé, o Iluminismo está na oposição dos dois momentos: só reconhece um deles, a saber, sempre o que é oposto à fé; mas dele separa o outro, justamente como faz a fé. Portanto, não produz a unidade de ambos como unidade dos mesmos - isto é, o conceito; mas o conceito lhe surge por si mesmo, ou seja, o Iluminismo só encontra o conceito como um dado. Em si, pois, é justamente isto a realização da pura inteligência: que ela, cuja essência é o conceito, se torna primeiro para si mesma como um absolutamente Outro, e se renega, já que a oposição do conceito é a oposição absoluta; e desse ser Outro vem para si mesma, ou para seu conceito. Mas o Iluminismo é somente esse movimento: a atividade, ainda carente de consciência, do puro conceito. Embora essa atividade chegue a si mesma como objeto, toma-o por Outro; também não conhece a natureza do conceito, a saber, que o não diferente é o que se separa absolutamente. Assim, contra a fé, a inteligência é a força do conceito, enquanto é o movimento e o relacionar-se dos momentos que estão dissociados um do outro na consciência da fé; um relacionar-se em que vem à luz a contradição dos momentos. Repousa nisso o direito absoluto do ascendente que a pura inteligência exerce sobre a fé; mas a efetividade, à qual a inteligência conduz esse ascendente, está justamente em que a própria consciência crente é o conceito, e portanto ela mesma reconhece o oposto que a pura inteligência lhe põe diante. A pura inteligência mantém seu direito contra a consciência crente, pelo motivo de que faz valer nela o que lhe é necessário, e o que nela mesma possui. O Iluminismo afirma primeiro que o momento do conceito é um agir da consciência; afirma contra a fé que a essência absoluta da fé é essência da sua consciência, enquanto um Si; ou, que é produzida por meio da consciência. Para a consciência crente, sua essência absoluta, assim como é para ela Em si, ao mesmo tempo não é como uma coisa estranha, que nela estivesse sem se saber como e donde viera; ao contrário, sua confiança consiste precisamente em encontrar-se nela como esta consciência pessoal; e sua obediência e seu serviço consistem em produzi-la como sua essência absoluta através de seu agir. Neste ponto o Iluminismo, a rigor, só isso recorda à fé, quando ela exprime puramente o Em si da essência absoluta para além do agir da consciência. Mas quando o Iluminismo, na verdade, aduz perante a unilateralidade da fé o momento oposto, o do agir da fé em contraste com o ser - no qual a fé pensa aqui unicamente, mas sem compatibilizar seus pensamentos -, então o Iluminismo isola o momento do agir, e declara a respeito do Em si da fé que este é apenas um produto da consciência. Mas o agir isolado, oposto ao Em si, é um agir contingente, e enquanto agir representativo é um fabricar de ficções - de representações que não são nada em si. É assim que considera o conteúdo da fé. Mas, em sentido inverso, a pura inteligência diz também o contrário. Quando ela afirma o momento do ser Outro que o conceito tem nele mesmo, enuncia a essência da fé como uma essência que nada tem a ver com a consciência: está além dela e lhe é estranha e desconhecida, O mesmo se dá com a fé. De um lado, confia em sua essência e ali possui a certeza de si mesma; de outro lado, ela é inescrutável em seus caminhos, e inacessível em seu ser. Além disso, o Iluminismo afirma contra a consciência crente, neste ponto, algo correto - que essa mesma lhe concede -, quando o Iluminismo considera o objeto da adoração da consciência crente como pedra, madeira, ou aliás como uma determinidade antropomórfica finita. Pois como a consciência crente é essa consciência cindida, ao ter um além da efetividade e um puro aquém desse além, está de fato presente nela também este ponto de vista da coisa sensível, segundo o qual a coisa sensível tem valor em si e para si. Entretanto, a consciência crente não compatibiliza esses dois pensamentos do essente em si e para si, que para ela ora é a pura essência ora uma coisa sensível banal. Mesmo sua consciência pura está afetada por esse último ponto de vista; pois as diferenças de seu reino suprassensível - porque este carece do conceito - são uma série de figuras independentes, e seu movimento, um acontecer; isto é, só existem na representação e tem nelas o modo do ser sensível. O Iluminismo, de seu lado, isola assim a efetividade, como uma essência abandonada pelo espírito, e a determinidade, como uma finitude inabalável, que não seria no movimento espiritual da essência mesma, um momento: não um nada, nem tampouco um algo essente em si e para si, mas sim um evanescente. É claro que ocorre o mesmo com o fundamento do saber. A própria consciência crente reconhece um saber contingente; pois ela tem um relacionamento com as contingências, e a essência absoluta mesma está para ela na forma de uma efetividade comum representada. Por isso, a consciência crente é também uma certeza que não possui a verdade nela mesma, e se confessa como tal consciência inessencial, aquém do espírito que a si mesmo se certifica e verifica. Mas ela esquece esse momento, no seu saber espiritual imediato da essência absoluta. No entanto o iluminismo, que lhe recorda isso, por sua vez somente pensa no saber contingente e esquece o Outro. Pensa apenas na mediação que se estabelece através de um terceiro estranho, e não na mediação na qual o imediato é para si mesmo um terceiro através do qual se mediatiza com o Outro, a saber, consigo mesmo. Enfim, em seu ponto de vista sobre o agir da fé, o Iluminismo acha injusto, e não conforme ao fim, o rejeitar do gozo e da posse. No que toca à injustiça, tem o acordo da consciência crente que reconhece essa efetividade de possuir, conservar e gozar a propriedade. Na defesa da propriedade se comporta de modo tanto mais egoístico e obstinado, e se entrega a seu gozo de maneira tanto mais brutal, quanto seu agir religioso, renunciando à posse e ao gozo, incide para além dessa efetividade e por esse lado lhe resgata a liberdade. Esse serviço divino do sacrifício de impulsos e gozos naturais não tem de fato nenhuma verdade devido a essa oposição: a retenção tem lugar ao lado do sacrifício; esse é um símbolo apenas, que cumpre o sacrifício efetivo só em pequena parte, e portanto de fato somente o representa. Do ponto de vista da conformidade ao fim, o Iluminismo considera inepto o rejeitar de um bem, para saber e mostrar-se liberado do bem; a renúncia a um gozo para se saber e mostrar livre do gozo. A própria consciência crente compreende o agir absoluto como um agir universal; não só o operar de sua essência absoluta como seu objeto, é para ela um operar universal, mas também a consciência singular deve demonstrar-se liberada total e universalmente de sua essência sensível. Ora, o rejeitar de um bem singular, ou o renunciar a um gozo singular, não é essa operação universal. E como na operação, essencialmente o fim, que é universal, e a execução, que é um singular, deveriam apresentar-se perante a consciência em sua incompatibilidade, a ação se mostra como um operar em que a consciência não tem parte alguma, e por isso esse operar se mostra propriamente como demasiado ingênuo, para ser uma operação. É demasiado ingênuo jejuar para libertar-se do prazer da comida; demasiado ingênuo extirpar do corpo outros prazeres, como Orígenes, para mostrar que foram abolidos. A ação mesma mostra-se como um agir externo e singular; mas o desejo mostra-se intimamente enraizado, e algo universal: seu prazer não desvanece nem com o instrumento, nem por meio da abstenção singular. Neste ponto o Iluminismo isola de seu lado o interior, o inefetivo, em contraste com a efetividade - como antes retinha a exterioridade da coisidade em contraste com a interioridade da fé, em sua intuição e em seu fervor. Ele põe o essencial na intenção, no pensamento, e com isso dispensa o implementar efetivo da libertação dos fins naturais. Essa interioridade, ao contrário, é o elemento formal que tem a sua implementação nos impulsos naturais, que são justificados precisamente por serem interiores, por pertencerem ao ser universal, à natureza. Portanto, o Iluminismo tem um poder irresistível sobre a fé, porque se encontram na consciência mesma da fé os momentos que ele estabelece como válidos. Observando mais de perto o efeito dessa força, seu comportamento em relação à fé parece dilacerar a bela unidade da confiança e da certeza imediata, poluir sua consciência espiritual mediante os pensamentos baixos da efetividade sensível, destruir-lhe o ânimo seguro e tranquilo em sua submissão, por meio da vaidade do entendimento e da própria vontade e desempenho. Mas, de fato, o Iluminismo introduz, antes, a suprassunção da separação carente de pensamento, ou melhor, carente de conceito, que está presente na fé. A consciência crente emprega dois pesos e duas medidas, tem dois tipos de olhos e de ouvidos, dois tipos de língua e de linguagem; tem duplicadas todas as representações, sem por em confronto essa ambiguidade. Ou seja: a fé vive em percepções de dois tipos: - uma, a percepção da consciência adormecida, que vive puramente em pensamentos carentes de conceito; outra, a da consciência desperta, que vive puramente na efetividade sensível; cada uma leva seu próprio teor de vida. O Iluminismo ilumina aquele mundo celestial com as representações do mundo sensível, e lhe faz ver essa finitude que a fé não pode desmentir, pois a fé é consciência de si, e, portanto, é a unidade a que pertencem os dois tipos de representações e onde não estão dissociadas uma da outra; com efeito, pertencem ao mesmo Si simples e indivisível, ao qual a fé passou. Por conseguinte a fé perdeu o conteúdo que preenchia seu elemento; e colapsa em um surdo tecer do espírito dentro dele mesmo. Foi expulsa de seu reino, ou esse reino foi posto a saque; enquanto a consciência desperta monopolizou toda a diferenciação e expansão do mesmo, reivindicou e restituiu à terra todas as partes como propriedade dela. Mas a fé nem por isso se dá por satisfeita, pois, mediante essa iluminação, por toda a parte só veio à luz a essência singular, de modo que só interessa ao espírito a efetividade carente de essência, e a finitude por ele abandonada. A fé é uma pura aspiração, por ser sem conteúdo e não poder ficar nesse vazio; ou porque, ao ultrapassar por sobre o finito, só encontra o vazio. Sua verdade é um Além vazio, para o qual não se pode achar mais nenhum conteúdo adequado, já que tudo se transmudou diversamente. Por isso, a fé tornou-se de fato a mesma coisa que o Iluminismo, a saber, a consciência da relação do finito essente em si com o absoluto sem predicados, desconhecido e incognoscível: só que ele é o Iluminismo satisfeito, mas ela é o Iluminismo insatisfeito. Contudo, vai-se mostrar no Iluminismo se ele pode permanecer na sua satisfação: está à sua espreita aquela aspiração do espírito sombrio que lamenta a perda de seu mundo espiritual. O próprio Iluminismo tem nele essa mácula da aspiração insatisfeita: - como puro objeto, em sua essência absoluta vazia; - como agir e movimento, no ir além de sua essência singular rumo ao além não preenchido; - e como objeto preenchido na carência de si do útil. O Iluminismo irá suprassumir essa mácula; do exame mais acurado do resultado positivo, que é a verdade do Iluminismo, mostrar-se-á que, em si, essa mácula já está ali suprassumida. b. A VERDADE DO ILUMINISMO Assim, o surdo tecer do espírito, que nada mais em si distingue, adentrou-se em si mesmo, para além da consciência; e essa, ao contrário, tornou-se clara. O primeiro momento dessa clareza é determinado em sua necessidade e condição porque se efetiva a pura inteligência - ou a inteligência que em si é conceito; isso ela faz quando põe em si o ser Outro ou a determinidade. Dessa maneira é pura inteligência negativa, isto é, negação do conceito; negação que também é pura. Desse modo veio a ser a pura coisa, a essência absoluta, que aliás não tem determinação ulterior alguma. Determinando isso mais de perto: a pura inteligência, como conceito absoluto, é um diferenciar de diferenças que já não são tais; de abstrações ou puros conceitos, que já não se sustentam a si mesmos, mas que só têm apoio e diferenciação mediante o todo do movimento. Esse diferenciar do não diferente consiste precisamente em que o conceito absoluto faz de si mesmo seu objeto, e se contrapõe como a essência àquele movimento. Por isso lhe falta o lado em que as abstrações ou diferenças se mantêm separadas umas das outras e assim se torna o puro pensar como pura coisa. Portanto é isso justamente aquele tecer do espírito dentro de si mesmo - tecer surdo e carente de consciência em que afundou a fé ao perder seu conteúdo diferenciado. E, ao mesmo tempo, é aquele movimento da consciência de si, para o qual ela deve ser o além absolutamente estranho. Com efeito, uma vez que essa pura consciência de si é o movimento em conceitos puros, em diferenças que não são tais, ela de fato colapsa no tecer carente de consciência, isto é, no puro sentir ou na pura coisidade. Mas o conceito alienado de si mesmo, por ainda se manter aqui no nível dessa alienação, não reconhece essa igual essência dos dois lados - do movimento da consciência de si e de sua essência absoluta; não conhece a igual essência deles, que é de fato a substância e subsistência desses lados. E por não reconhecer essa unidade, a essência para ele só conta na forma do além objetivo; no entanto, a consciência diferenciadora, que tem dessa maneira o Em si fora dela, conta como uma consciência finita. A propósito daquela essência absoluta, o próprio Iluminismo entra consigo mesmo no conflito, que antes tinha com a fé; e divide-se em dois partidos. Um partido se comprova como vencedor somente porque se decompõe em dois partidos: pois nisso mostra possuir nele mesmo o princípio que combatia, e com isso ter suprassumido a unilateralidade em que anteriormente se apresentava. O interesse que se dividia entre ele e o outro, agora recai nele totalmente; e esquece o outro, já que encontra nele mesmo a oposição que o preocupava. Mas ao mesmo tempo a oposição se elevou ao elemento superior vitorioso, em que se apresenta purificada. Assim que a divisão nascida em um partido, e que parece uma desgraça, se mostra antes sua fortuna. A pura essência mesma não tem diferença nela; por conseguinte, a diferença lhe advém pelo fato de surgirem para a consciência duas puras essências tais; ou então, uma dupla consciência da mesma essência. A pura essência absoluta está somente no puro pensar; melhor, é o puro pensar mesmo. Assim está pura e simplesmente além do finito, da consciência de si, e é só a essência negativa. Mas dessa maneira é precisamente o ser, o negativo da consciência de si. Como negativo seu, é também relativo a ela: é o ser exterior, que referido à consciência de si, dentro da qual recaem as diferenças e determinações, recebe nela as diferenças de ser saboreado, visto, etc.; - e a relação é a certeza sensível e a percepção. Partindo-se desse ser sensível, para o qual passa necessariamente aquele além negativo, mas abstraindo desses modos determinados da relação da consciência, resta assim a pura matéria como surdo tecer e mover dentro de si mesmo. É essencial aqui considerar que a pura matéria é só o que fica de resto se abstraímos do ver, tocar, gostar, etc. O que se enxerga, apalpa e saboreia, etc., não é a matéria, e sim, a cor, uma pedra, um sal, etc. A matéria é antes a pura abstração; e desse modo está presente a pura essência do pensar, ou o puro pensar mesmo, como o absoluto sem predicados, não diferenciado e não determinado em si. Um dos Iluminismos denomina essência absoluta esse absoluto sem predicados que está no pensar, para além da consciência efetiva e do qual se partiu; o outro, o chama matéria. Se se distinguissem como natureza e espírito ou Deus, então faltaria ao tecer carente de consciência dentro de si mesmo, para ser natureza, a riqueza da vida desenvolvida; e faltaria ao espírito ou Deus a consciência que em si mesma se diferencia. Os dois são pura e simplesmente o mesmo conceito, como vimos. A diferença não reside na Coisa, mas puramente apenas nos diversos pontos de partida das duas culturas, e no fato de que cada uma se fixa em um ponto próprio no movimento do pensar. Se fossem mais adiante, teriam de se encontrar, e de reconhecer como o mesmo, o que para um - como ele pretende - é uma abominação; e para o outro, uma loucura. Com efeito, para um Iluminismo a essência absoluta está em seu puro pensar; ou seja, imediatamente para a pura consciência, fora da consciência finita, é o Além negativo da mesma. Se ele refletisse em que, de uma parte, aquela imediatez simples do pensar não é outra coisa que o puro ser, e de outra parte, aquilo que é negativo para a consciência, ao mesmo tempo a ela se refere; e enfim que no juízo negativo, o "é" - a cópula - reúne os dois termos separados, então se manifestaria a relação desse Além na determinação de um essente exterior à consciência e portanto, como o mesmo que se chama pura matéria: e seria recuperado o momento, que falta, da presença. O outro Iluminismo parte do ser sensível, e logo abstrai da relação sensível do gostar, do ver, etc., e faz disso o puro Em si, a matéria absoluta, o que não é tocado nem saboreado. Desse modo, tornou-se esse ser o Simples sem predicados, a essência da consciência pura: é o puro conceito como em si essente, ou o puro pensar dentro de si mesmo. Em sua consciência, essa inteligência não dá o passo em sentido oposto: do essente que é puramente essente, ao pensado, que é o mesmo que o puramente essente; ou seja, não dá o passo do puro Positivo ao puro Negativo. Ora, enquanto positivo só é pura e simplesmente por meio da negação, ao invés o puramente negativo, enquanto puro, é igual a si dentro de si mesmo; e, justamente por isso, é positivo. Em outras palavras: os dois Iluminismos não chegaram ao conceito da metafísica cartesiana, de que o ser e o pensar são em si o mesmo; nem ao pensamento de que o ser, o puro ser, não é uma efetividade concreta, mas a pura abstração; e inversamente, o puro pensar, a igualdade consigo mesmo ou a essência, é por uma parte o negativo da consciência de si, e, por conseguinte, ser; por outra parte, como simplicidade imediata, também não é outra coisa que o ser: o pensar é coisidade, ou coisidade é pensar. A essência tem aqui a cisão nela de tal modo que se presta a dois tipos de considerações: por um lado, a essência deve ter nela mesma a diferença; por outro lado, os dois modos de considerar convergem, justamente nisso, em um só. Com efeito, os momentos abstratos do puro ser e do negativo, pelos quais eles se distinguem, são reunidos depois no objeto desses modos de considerar. O universal, que lhes é comum, é a abstração do puro estremecer em si mesmo, ou do puro pensar a si mesmo. Esse movimento simples de rotação deve desdobrar-se, pois ele mesmo só é movimento enquanto diferencia seus momentos. A diferenciação dos momentos deixa atrás o imóvel, como a casca vazia do puro ser, que não é mais pensar efetivo, nem vida em si mesmo: porque essa diferenciação é, enquanto diferença, todo o conteúdo. Mas, ao colocar-se fora daquela unidade, é por isso a alternância - que a si mesma não retoma - dos momentos do ser em si, do ser para Outro, e do ser para si; é a efetividade, tal como é objeto para a consciência efetiva da inteligência pura: - a utilidade. A utilidade, por pior que possa parecer à fé ou à senti mentalidade, ou ainda à abstração que se denomina especulação e que se fixa o Em si, mesmo assim é nela que a pura inteligência consuma sua realização, e é objeto para si mesma; - objeto que agora não renega mais, e que também não tem para ela o valor de vazio ou de puro Além. Com efeito, a pura inteligência, como vimos, é o próprio conceito essente, ou a pura personalidade igual a si mesma, que de tal modo se diferencia em si, que cada um dos termos distintos é, por sua vez, puro conceito, quer dizer, que é imediatamente não diferente. É a simples consciência de si pura que tanto é para si quanto é em si, em uma unidade imediata. Seu ser em si não é, portanto, ser permanente, mas deixa imediatamente de ser algo, em sua diferença; ora, tal ser que imediatamente não tem firmeza, não é em si mas essencialmente para Outro, que é a potência que o absorve. Contudo, esse segundo momento oposto ao primeiro, ao ser em si, desvanece tão imediatamente quanto o primeiro: ou melhor, como ser só para Outro é, antes, o desvanecer mesmo, e o que está posto é o ser-retomado a si mesmo, o ser para si. Mas esse ser para si simples é, antes, como a igualdade consigo mesmo, um ser; ou por isso, um ser para Outro. O útil exprime essa natureza da pura inteligência no desdobramento de seus momentos, ou seja, exprime-a como objeto. O útil é algo subsistente em si, ou coisa; esse ser em si, ao mesmo tempo, é apenas puro momento; assim ele é absolutamente para Outro, mas é tanto para Outro somente quanto é em si. Esses momentos opostos retornaram à unidade inseparável do ser para si. Mas se o útil exprime bem o conceito da pura inteligência, não é, contudo, a inteligência como tal, e sim enquanto representação ou enquanto seu objeto. O útil é apenas a alternância incessante daqueles momentos, um dos quais, na verdade, é o próprio ser retomado a si mesmo, mas só como ser para si, isto é, como um momento abstrato, que aparece de um lado em contraste com os outros momentos. O útil mesmo não é a essência negativa, de ter em si esses momentos em sua oposição ao mesmo tempo indivisos sob um só e o mesmo aspecto, ou como um pensar em si, como são enquanto pura inteligência. Embora haja no útil o momento do ser para si, não é de modo que se sobreponha aos outros momentos - ao Em si e ao ser para outro - e por isso, seja o Si. A pura inteligência tem assim no útil seu próprio conceito, em seus momentos puros, por objeto. Ela é a consciência dessa metafísica, mas ainda não é seu conceituar, não chegou ainda à unidade do ser e do conceito mesmo. Porque o útil tem ainda a forma de um objeto para ela, a inteligência na verdade não tem mais um mundo essente em si e para si; contudo, tem ainda um mundo que ela diferencia de si. Quando porém chegam as oposições ao ápice do conceito, a fase seguinte será aquela em que colidem uma com a outra, e em que o Iluminismo saboreia o fruto de seus atos. Considerando o objeto alcançado em relação a toda essa esfera, vê-se que o mundo efetivo da cultura se resumiu na vaidade da consciência de si: - no ser para si que tem ainda por seu conteúdo a confusão daquele mundo, e ainda é o conceito singular, não o universal para si. Mas esse conceito, retomado a si, é a pura inteligência - a consciência pura como o puro Si, ou a negatividade: assim como a fé é exatamente o mesmo que o puro pensar ou a positividade. A fé tem naquele Si o momento que a leva à perfeição; mas perecendo por causa dessa plenitude, é agora na pura inteligência que nós vemos os dois momentos: - um como a essência absoluta que é puramente pensada, ou o negativo; e o outro como matéria, que é o essente positivo. Ainda falta à perfeição da fé aquela efetividade da consciência de si, que pertence à consciência vaidosa: - o mundo, do qual o pensar se elevava a si mesmo. Na utilidade alcança-se isso que falta, na medida em que a pura inteligência atinge aí a objetividade positiva: por isso a utilidade é consciência efetiva satisfeita em si mesma. Essa objetividade constitui agora o seu mundo: tornou-se a verdade de todo o mundo anterior, tanto ideal como real. O primeiro mundo do espírito é o reino expandido de seu ser-aí que se dispersa, e da certeza singularizada de si mesmo; tal como a natureza dispersa sua vida em figuras infinitamente diversas, sem que o gênero delas esteja presente. O segundo mundo contém o gênero e é reino do ser em si ou da verdade, oposto àquela certeza. Mas o terceiro mundo, o útil, é a verdade que é igualmente a certeza de si mesma. Ao reino da verdade da fé, falta-lhe o princípio da efetividade ou da certeza de si mesmo como deste Singular. À efetividade ou à certeza de si mesmo como este Singular, falta-lhe o Em si. No objeto da pura inteligência estão os dois mundos reunidos. O útil é o objeto na medida em que o penetra o olhar da consciência de si, e a certeza singular de si mesmo tem nele seu gozo - seu ser para si. A consciência de si penetra o objeto, e essa inteligência penetrante contém a verdadeira essência do objeto - que é ser algo penetrado pelo olhar ou ser para Outro. Assim, a inteligência mesma é o saber verdadeiro, e a consciência de si tem de modo igualmente imediato a certeza universal de si mesma; tem sua consciência pura nessa relação em que se reúnem assim tanto verdade, quanto presença e efetividade. Estão reconciliados os dois mundos, e o céu baixou e se transplantou para a terra. 3 - A LIBERDADE ABSOLUTA E O TERROR Na utilidade, a consciência encontrou seu conceito. Mas ele, de um lado, é ainda objeto, e de outro lado, e por isso mesmo, é ainda fim, em cuja posse a consciência ainda não se encontra imediatamente. A utilidade é ainda predicado do objeto; não é ela mesma, sujeito; ou seja, não é sua efetividade única e imediata. É o mesmo que antes já aparecia: que o ser para si ainda não se mostrava como a substância dos demais momentos, de modo que o útil não fosse imediatamente outra coisa que o Si da consciência, e que ela assim estivesse em sua posse. No entanto, já aconteceu em si essa revogação da forma da objetividade do útil; e dessa revolução interior surge agora a revolução efetiva da efetividade - a nova figura da consciência, a liberdade absoluta. De fato, o que está presente não é mais que uma vazia aparência de objetividade, separando da posse a consciência de si. Com efeito, de um lado, retomou a essa determinação simples - como a seu fundamento e espírito - em geral toda a subsistência e vigência dos membros determinados da organização do mundo efetivo e do mundo da fé. De outro lado, porém, essa determinação simples nada mais tem de próprio para si; é antes pura metafísica, puro conceito ou saber da consciência de si. Sobre o ser em si e para si do útil como objeto, a consciência sabe de certo que seu ser em si é essencialmente ser para Outro; o ser em si como o carente de si é na verdade o passivo, ou o que é para outro Si. Mas o objeto é para a consciência nessa forma abstrata do puro ser em si, pois é puro ato de intelecção cujas diferenças estão na pura forma dos conceitos. No entanto o ser para si ao qual retoma o ser para Outro - o Si - não é um Si diverso do Eu, um Si próprio daquilo que se chama objeto; porque a consciência, como pura inteligência, não é um Si singular ao qual o objeto igualmente se contraponha como Si próprio; senão que é o puro conceito - o contemplar-se do Si no Si, o absoluto ver-se a si mesmo em dobro. A certeza de si é o sujeito universal, e seu conceito que sabe é a essência de toda a efetividade. Assim, se o útil era só a alternância dos momentos que não retomavam à sua própria unidade, e por isso era ainda objeto para o saber, agora deixa de ser isso: pois o saber mesmo é o movimento daqueles momentos abstratos: - é o Si universal, tanto o seu Si como o Si do objeto; e, enquanto universal, é a unidade, que a si retoma, desse movimento. O espírito assim está presente como liberdade absoluta; é a consciência de si que se compreende de modo que sua certeza de si mesma é a essência de todas as massas espirituais, quer do mundo real, quer do suprassensível; ou, inversamente, de modo que a essência e a efetividade são o saber da consciência sobre si mesma. Ela é consciente de sua pura personalidade, e nela de toda a realidade espiritual: e toda a realidade é só espiritual. Para ela, o mundo é simplesmente sua vontade, e essa é vontade universal. E, sem dúvida, não é o pensamento vazio da vontade que se põe no assentimento tácito ou representado, mas é a vontade realmente universal, vontade de todos os Singulares enquanto tais. Com efeito, a vontade é em si a consciência da personalidade, ou de um Cada qual, e deve ser como esta vontade efetiva autêntica, como essência consciente de si, de toda e cada uma personalidade, de modo que cada uma sempre indivisamente faça tudo; e o que surge como o agir do todo é o agir imediato e consciente de um cada qual. Essa substância indivisa da liberdade absoluta se eleva ao trono do mundo sem que poder algum lhe possa opor resistência. Por ser só a consciência, na verdade, o elemento em que as essências espirituais ou potências têm sua substância, colapsou todo o seu sistema que se organizava e mantinha pela repartição em massas enquanto a consciência singular compreende o objeto de modo a não ter outra essência que a própria consciência de si, ou seja, enquanto compreende que o objeto é absolutamente o conceito. Ora, o que fazia do conceito um objeto essente era sua diferenciação em massas subsistentes separadas; quando porém o objeto se torna conceito, nada mais de subsistente nele existe: a negatividade penetrou todos os seus momentos. Ele entra na existência de modo que cada consciência singular se eleva da esfera à qual era alocada, não encontra mais nessa massa particular sua essência e sua obra; ao contrário, compreende seu Si como o conceito da vontade, e todas as massas como essência dessa vontade; e, por conseguinte, também só pode efetivar-se em um trabalho que seja trabalho total. Nessa liberdade absoluta são assim eliminados todos os estados que são as potências espirituais, em que o todo se organiza. A consciência singular, que pertencia a algum órgão desses, e no seu âmbito queria e realizava, suprimiu suas barreiras: seu fim, é o fim universal; sua linguagem, a lei universal; sua obra, a obra universal. O objeto e a diferença perderam aqui a significação da utilidade, que era o predicado de todo o ser real. A consciência não inicia seu movimento no objeto como em algo estranho, do qual retornasse a si mesma, mas para ela o objeto é a consciência mesma; assim a oposição consiste só na diferença entre a consciência singular e a universal. Ora, a consciência singular é imediatamente para si aquilo mesmo que de oposição tinha apenas a aparência: é consciência e vontade universal. O além dessa sua efetividade adeja sobre o cadáver da independência desvanecida do ser real ou do ser acreditado pela fé, apenas como a exalação de um gás insípido, do vazio ser supremo. Depois da suprassunção das massas espirituais distintas e da vida limitada dos indivíduos, como de seus dois mundos, só se acha presente, portanto, o movimento da consciência de si universal dentro de si mesma, como uma ação recíproca da consciência na forma da universalidade, e da consciência pessoal. A vontade universal se adentra em si, e é a vontade singular, a que se contrapõem a lei e a obra universal. Mas essa consciência singular é, por igual, imediatamente cônscia de si mesma como vontade universal: é consciente de que seu objeto é lei dada por ela, e obra por ela realizada. Assim, ao passar à atividade e ao criar objetividade, nada faz de singular mas somente leis e atos de Estado. Esse movimento é portanto a ação recíproca da consciência consigo mesma, em que a consciência nada abandona na figura de um objeto livre que a ela se contraponha. Daí se segue que não pode chegar a nenhuma obra positiva - nem às obras universais da linguagem, nem às da efetividade, e nem a leis e instituições universais da liberdade consciente, nem aos feitos e às obras da liberdade querente. A obra à qual poderia chegar a liberdade, que toma consciência de si, consistiria em fazer-se objeto e ser permanente como substância universal. Esse ser Outro seria a diferença na liberdade, segundo a qual ela se distinguiria em massas espirituais subsistentes, e nos membros dos diversos poderes. Essas massas seriam: de uma parte, as coisas de pensamento de um poder separado em legislativo, judiciário e executivo; de outra parte, porém, as essências reais que se encontravam no mundo real da cultura, e que para uma observação mais atenta do conteúdo do agir universal seriam as massas particulares do trabalho, que serão posteriormente diferenciadas como estados mais específicos. A liberdade universal, que dessa maneira se dissociaria em seus membros e por isso mesmo se converteria em substância essente, seria assim livre da individualidade singular, e repartiria a multidão dos indivíduos entre seus diversos segmentos. Mas o agir e o ser da personalidade se encontrariam desse modo limitados a um ramo do todo, a uma espécie do agir e do ser. A personalidade, posta no elemento do ser, obteria a significação de uma personalidade determinada; deixaria de ser uma consciência de si universal, na verdade. Ora, essa consciência de si não deixa que a defraudem na sua efetividade pela representação da obediência sob leis dadas por ela mesma, que lhe assignariam uma parte no todo; nem por sua representação no legislar e no agir universal; nem pela efetividade que consiste em dar ela mesma a lei, e em desempenhar não uma obra singular mas o universal mesmo. Com efeito, onde o Si é somente representado e por procuração, não é efetivo: onde é por procuração, o Si não é. Como nessa obra universal da liberdade absoluta a consciência de si singular não se encontra enquanto substância aí essente, tampouco ela se encontra nos atos peculiares e nas ações individuais de sua vontade. Para que o universal chegue a um ato, precisa que se concentre no uno da individualidade, e ponha no topo uma consciência de si singular; pois a vontade universal só é uma vontade efetiva em um Si que é uno. Mas dessa maneira, todos os outros singulares estão excluídos da totalidade desse ato, e nele só têm uma participação limitada; de modo que o ato não seria ato da efetiva consciência de si universal. Assim a liberdade universal não pode produzir nenhuma obra nem ato positivo: resta-lhe somente o agir negativo: é apenas a fúria do desvanecer. Mas a efetividade suprema, e a mais oposta à liberdade universal, ou melhor, o único objeto que ainda vem a ser para ela, é a liberdade e singularidade da própria consciência de si efetiva. Com efeito, essa universalidade que não se deixa chegar à realidade da articulação orgânica, e que tem por fim manter-se na continuidade indivisa, ao mesmo tempo se distingue dentro de si por ser movimento ou consciência em geral. De certo, em virtude de sua própria abstração, divide-se em extremos igualmente abstratos: na universalidade fria, simples e inflexível, e na rigidez dura, discreta e absoluta, e pontilhismo egoísta, da consciência de si efetiva. Depois que levou a cabo a destruição da organização real, e agora subsiste para si, é isso seu único objeto - um objeto que não tem nenhum outro conteúdo, posse, ser-aí e expansão exterior, mas que é somente este saber de si como um Si singular, absolutamente puro e livre. Esse objeto, no que pode ser captado, é só seu ser-aí abstrato em geral. Por conseguinte, a relação entre esses dois termos, já que são indivisamente e absolutamente para si, e assim não podem destacar parte alguma para o meio-termo através do qual se enlacem - é a pura negação totalmente não mediatizada; e na verdade é a negação do singular como essente no universal. A única obra e ato da liberdade universal são portanto a morte, e sem dúvida uma morte que não tem alcance interior nem preenchimento, pois o que é negado é o ponto não preenchido do Si absolutamente livre; é assim a morte mais fria, mais rasteira: sem mais significação do que cortar uma cabeça de couve ou beber um gole de água. Na banalidade dessa sílaba consiste a sabedoria do governo; o entendimento, da vontade universal, de fazer-se cumprida. O governo não é outra coisa, ele mesmo, que um ponto que se fixa, ou a individualidade da vontade universal. O governo, um querer e executar que procede de um ponto, ao mesmo tempo quer e executa uma determinada ordenação e ação. Assim fazendo, exclui por um lado os demais indivíduos de seu ato, e por outro lado se constitui como um governo que é uma vontade determinada, e, por isso, oposta à vontade universal; não pode pois apresentar-se de outro modo senão como uma facção. O que se chama governo é apenas a facção vitoriosa, e no fato mesmo de ser facção, reside a necessidade de sua queda, ou inversamente, o fato de ser governo o torna facção e culpado. Se a vontade universal se atém ao agir efetivo do governo como a um crime cometido contra ela, o governo ao contrário nada tem de determinado ou externo por onde se manifestasse a culpa da vontade que se lhe opõe; porquanto, frente a ele, como vontade universal efetiva, só está a pura vontade inefetiva, a intenção. Ser suspeito toma o lugar - ou tem a significação e o efeito - de ser culpado; e a reação externa contra essa efetividade, que reside no interior simples da intenção, consiste na destruição pura e simples desse Si essente, do qual aliás nada se pode retirar senão apenas seu próprio ser. A liberdade absoluta torna-se objeto para si mesma nessa sua obra peculiar, e a consciência de si experimenta o que é essa liberdade. Em si, ela é precisamente essa consciência de si abstrata, que elimina dentro de si toda a diferença e toda a subsistência da diferença. Como tal, ela é objeto para si mesma: o terror da morte é a intuição dessa sua essência negativa. Mas a consciência de si absolutamente livre acha essa sua realidade de todo diversa da que era seu conceito sobre ela mesma, a saber, que a vontade universal seria apenas a essência positiva da personalidade, e que essa saberia que estava só de modo positivo, ou conservada, na vontade universal. Mas aqui a passagem absoluta de uma essência para a outra está presente, em sua efetividade, a essa consciência de si, que como pura inteligência separa pura e simplesmente sua essência positiva e sua essência negativa - o absoluto sem predicados como puro pensar e como pura matéria. A vontade universal, como consciência de si efetiva absolutamente positiva, por ser essa efetividade consciente de si erigida em puro pensar ou em matéria abstrata, se transforma na essência negativa, e se revela ser desse modo o suprassumir do pensar se a si mesmo, ou da consciência de si. A liberdade absoluta assim tem nela, como pura igualdade consigo mesma da vontade universal, a negação e por isso a diferença em geral; e, por sua vez, a desenvolve como diferença efetiva. Com efeito, a pura negatividade tem na vontade universal igual a si mesma o elemento do subsistir ou a substância onde se realizam seus momentos; tem a matéria que pode converter em sua determinidade. E na medida em que essa substância se mostrou como o negativo para a consciência singular, forma-se assim de novo a organização das massas espirituais, entre as quais se reparte a multidão das consciências individuais. Essas consciências, que sentiram o temor de seu senhor absoluto - a morte -, resignam-se novamente à negação e à diferença, enquadram-se nas massas e voltam a uma obra dividida e limitada; mas assim retornam à sua efetividade substancial. Desse tumulto seria o espírito relançado ao seu ponto de partida, ao mundo ético e ao mundo real da cultura, que se teria apenas refrescado e rejuvenescido pelo temor do senhor, que penetrou de novo nas almas. O espírito deveria percorrer de novo esse ciclo da necessidade, e repeti-lo sem cessar, se o resultado fosse somente a compenetração efetiva da consciência de si e da substância. Seria uma compenetração em que a consciência de si, que experimentou contra ela a força negativa de sua essência universal, não quereria saber-se nem encontrar-se como este particular, mas só como universal; portanto também poderia arcar com a efetividade objetiva do espírito universal, a qual a exclui enquanto particular. No entanto, na liberdade absoluta não estavam em interação, um com o outro, nem a consciência que está imersa no ser-aí multiforme ou que estabelece para si determinados fins e pensamentos; nem um mundo vigente exterior, quer da efetividade, quer do pensar. Ao contrário, o mundo estava pura e simplesmente na forma da consciência, como vontade universal; e a consciência, do mesmo modo, estava retirada de todo o ser-aí, de todo o fim particular ou juízo multiforme, e condensada no Si simples. A cultura, que a consciência de si alcança na interação com aquela essência, é por isso a suprema e a última: consiste em ver sua pura efetividade simples desvanecer imediatamente e passar ao nada vazio. No próprio mundo da cultura, a consciência de si não chega a intuir sua negação ou alienação nessa forma da pura abstração; mas sua negação é a negação repleta de conteúdo, seja a honra ou a riqueza que obtém em lugar do Si, do qual ela se alienou; seja a linguagem do espírito e da inteligência que a consciência dilacerada adquire; ou o céu da fé, ou o útil do Iluminismo. Todas essas determinações estão perdidas na perda que o Si experimenta na liberdade absoluta: sua negação é a morte, carente de sentido, o puro terror do negativo, que nele nada tem de positivo, nada que dê conteúdo. Mas ao mesmo tempo, essa negação em sua efetividade não é algo estranho. Não é a necessidade universal situada no além, onde o mundo ético soçobra; nem é a contingência singular da posse privada, ou do capricho do possuidor, do qual a consciência dilacerada se vê dependente: ao contrário, é a vontade universal, que nessa sua última abstração nada tem de positivo, e que por isso nada pode retribuir pelo sacrifício. Mas por isso mesmo, a vontade universal forma imediatamente uma unidade com a consciência de si, ou seja: é o puramente positivo, porque é o puramente negativo; e a morte sem sentido, a negatividade do Si não preenchida transforma-se, no conceito interior, em absoluta positividade. Para a consciência, sua unidade imediata com a vontade universal, sua exigência de saber-se como este ponto determinado na vontade universal, converte-se na experiência absolutamente oposta. O que nessa experiência desvanece para ela, é o ser abstrato, ou a imediatez do ponto carente de substância; essa imediatez que desvaneceu, é a vontade universal mesma, tal como ela agora se sabe, enquanto é imediatez suprassumida, enquanto é puro saber ou vontade pura. Desse modo, a consciência sabe a vontade pura como a si mesma, e se sabe como essência, mas não como a essência imediatamente essente; não a vontade como governo revolucionário, ou como anarquia que se esforça por estabelecer a anarquia; nem a si mesma como centro dessa facção ou da oposta. Mas a vontade universal é o seu puro saber e querer; e a consciência é a vontade universal, como este saber e querer. Aqui ela não se perde a si mesma, pois o puro saber e querer são muito mais ela mesma que o ponto atômico da consciência. Portanto, ela é a interação do puro saber consigo mesmo; o puro saber como essência é a vontade universal, mas essa essência é o puro saber, simplesmente. Assim, a consciência de si é o puro saber da essência como do puro saber. Além disso, como Si singular, é somente a forma do sujeito ou do agir efetivo, que é conhecida por ela como forma. Do mesmo modo, para ela, a efetividade objetiva, o ser, é pura e simplesmente a forma carente de consciência, pois essa efetividade seria o não conhecido; ora, esse puro saber sabe o saber como a essência. A liberdade absoluta conciliou assim a oposição entre a vontade universal e a singular, consigo mesma; o espírito alienado de si, levado até o cúmulo de sua oposição, em que são ainda diferentes o puro querer e o puro querente, reduz tal oposição a uma forma transparente, e nela encontra-se a si mesmo. Como o reino do mundo efetivo passa ao reino da fé e da inteligência, assim também a liberdade absoluta passa de sua efetividade que a si mesma se destrói, para outra terra do espírito consciente de si; e ali, nessa inefetividade, ela tem o valor de verdadeiro. No pensamento do verdadeiro o espírito se reconforta, na medida em que o espírito é pensamento, e pensamento permanece; e sabe que esse ser, encerrado na consciência de si, é a essência perfeita e completa. Surgiu a nova figura do espírito moral. c - O ESPÍRITO CERTO DE SI MESMO. A MORALIDADE O mundo ético mostrava, como seu destino e sua verdade, o espírito que nele só tinha partido, - o Si singular. Já aquela pessoa do direito tem sua substância e seu conteúdo fora dela. O movimento do mundo da cultura e da fé suprassume essa abstração da pessoa, e por meio da completa alienação, por meio da suprema abstração a substância se torna, para o Si do espírito, primeiro a vontade universal, e finalmente sua propriedade. Parece assim que afinal o saber se tornou aqui perfeitamente igual à sua verdade, já que essa verdade é esse saber mesmo, e desvaneceu toda a oposição dos dois lados. Na verdade, isso se deu não para nós ou em si, mas para a própria consciência de si. É que a consciência de si obteve o domínio sobre a oposição da consciência mesma. Essa repousa na oposição entre a certeza de si mesma e o objeto, mas agora o objeto para ela mesma é a certeza de si, o saber; assim como a certeza de si mesma, enquanto tal, não tem mais fins próprios, assim também não está mais na determinidade, mas é puro saber. O saber da consciência de si é portanto, para ela, a substância mesma. Para ela, a substância é em uma unidade indivisível tanto imediata, quanto absolutamente mediatizada. É imediata: como consciência ética, sabe e cumpre ela mesma o dever, e lhe pertence como à sua natureza. Mas não é caráter como a consciência ética, que em razão de sua imediatez é um espírito determinado, só pertence a uma das essencialidades éticas, e tem o lado de não saber. É mediação absoluta, como a consciência que se cultiva e a consciência crente; pois é essencialmente o movimento do Si: suprassumir a abstração do ser-aí imediato, e tornar-se algo universal; mas isso não se dá nem por meio da pura alienação e pelo dilaceramento de seu Si e da efetividade, nem pela sua fuga. Ao contrário, essa consciência está imediatamente presente em sua substância, pois ela é seu saber, é a pura certeza intuída de si mesma; e justamente essa imediatez, que é sua própria efetividade, é toda a efetividade; porque o imediato é o ser mesmo; e enquanto pura imediatez, clarificada pela negatividade absoluta, é o puro ser, é o ser em geral ou todo o ser. A essência absoluta não se esgota, pois, na determinação de ser a simples essência do pensar, mas é toda a efetividade; e essa efetividade só existe como saber. O que a consciência não soubesse, não teria sentido; nem pode ser um poder para ela. Na sua vontade sabedora, recolheu-se toda a objetividade, e todo o mundo. É absolutamente livre porque sabe sua liberdade, e precisamente esse saber de sua liberdade é sua substância e fim e conteúdo único. a - A VISÃO MORAL DO MUNDO A consciência de si sabe o dever como a essência absoluta. Só está ligada pelo dever, e essa substância é sua própria consciência pura, para a qual o dever não pode assumir a forma de algo estranho. Mas encerrada desse modo em si mesma, a consciência de si moral ainda não é posta nem considerada como consciência. O objeto ainda é o saber imediato; e tão puramente penetrado pelo Si, não é objeto. Mas sendo essencialmente a mediação e negatividade, essa consciência de si tem em seu conceito a relação para com um ser Outro, e é consciência. Para ela esse ser Outro, de um lado, é uma efetividade completamente privada de significação, pois o dever constitui seu único e essencial fim e objeto. Mas, porque essa consciência está tão perfeitamente encerrada em si mesma, comporta-se, em relação a esse ser Outro, de modo perfeitamente livre e indiferente; e de outro lado, o ser-aí é por isso um ser-aí completamente abandonado pela consciência de si, referindo-se igualmente só a si mesmo. Quanto mais livre se torna a consciência de si, tanto mais livre também o objeto negativo de sua consciência. Por esse motivo, ele é um mundo perfeito dentro de si, que chegou à própria individualidade; é um Todo autônomo de leis peculiares, como também um curso independente e uma efetivação livre dessas leis. É uma natureza em geral, cujas leis e também o seu agir, só a ela mesma pertencem, como a uma essência que não se preocupa com a consciência de si moral, como esta tampouco se preocupa com ela. A partir dessa determinação forma-se uma visão moral do mundo, que consiste na relação entre o ser em si e para si moral e o ser em si e para si natural. Serve de fundamento a essa relação não só a total indiferença e independência própria da natureza, e dos fins e atividade morais reciprocamente, mas também, de outra parte, a consciência da exclusiva essencial idade do dever, e da completa dependência e inessencialidade da natureza. A visão moral do mundo contém o desenvolvimento dos momentos que estão presentes nessa relação de pressupostos tão completamente conflitivos. Assim, primeiro se pressupõe a consciência moral em geral. O dever, para ela, vale como essência: para ela, que é efetiva e ativa, e cumpre o dever em sua efetividade e em seu ato. Mas ao mesmo tempo, para essa consciência moral existe a liberdade pressuposta da natureza, ou seja, ela experimenta que a natureza não se importa com lhe dar a consciência da unidade de sua efetividade com a dela; e assim, talvez a deixe ser feliz, talvez não. A consciência não moral, ao contrário, talvez ache casualmente sua efetivação onde a consciência moral só encontra ocasião para o agir, mas não vê que por meio do seu agir possa lhe advir a felicidade da realização e o gozo do desempenho. Por isso encontra, antes, motivo para lamentar-se sobre tal estado da inadequação sua e do ser-aí, e sobre a injustiça que a restringe a ter seu objeto apenas como puro dever; e lhe nega ver efetivados esse objeto e a si mesma. A consciência moral não pode renunciar à felicidade, nem descartar de seu fim absoluto esse momento. O fim, enunciado como puro dever, implica essencialmente nele que contém esta consciência singular. A convicção individual, e o saber a seu respeito, constituem um momento absoluto da moralidade. Esse momento no fim que se tornou objetivo, no dever cumprido, é a consciência singular que se intui como efetivada; ou seja, é o gozo. O gozo, por isso, reside no conceito da moralidade; de certo, não imediatamente, da moralidade considerada como disposição, mas só no conceito de sua efetivação. Ora, dessa maneira, o gozo também reside nela como disposição, porque a moralidade tende a não permanecer disposição, em oposição ao operar; mas a agir, ou a efetivar-se. O fim como o todo, expresso com a consciência de seus momentos, consiste, pois, em que o dever cumprido seja tanto pura ação moral, quanto individualidade realizada; e que a natureza, como o lado da singularidade, em contraste com o fim abstrato, seja um com o fim. Por necessária que seja a experiência da desarmonia dos dois lados - porque a natureza é livre - mesmo assim, só o dever é o essencial; e a natureza, em contraste com ele, é algo carente de si. Aquele fim total, que a harmonia constitui, contém em si a efetividade mesma. Ao mesmo tempo, é o pensamento da efetividade. A harmonia da moralidade e da natureza, ou harmonia da moralidade e da felicidade - pois a natureza só é tomada em consideração enquanto a consciência experimenta sua unidade com ela - essa harmonia é pensada como algo necessariamente essente, ou seja, é postulada. Com efeito, exigir significa que se pensa algo essente que ainda não é efetivo: uma necessidade não do conceito como conceito, mas do ser. Contudo, a necessidade é ao mesmo tempo, essencialmente, a relação através do conceito. O ser exigido não pertence assim ao representar da consciência contingente, senão que reside no conceito da moralidade mesma, cujo verdadeiro conteúdo é a unidade da consciência pura e da consciência singular. A essa última compete que essa unidade seja para ela como uma efetividade; o que no conteúdo do fim é felicidade, mas, na sua forma, é ser-aí em geral. Esse ser-aí exigido, ou a unidade dos dois, não é por isso um desejo, ou - considerado como fim - não é um fim cuja obtenção seria ainda incerta, mas é uma exigência da razão; ou seja, é imediata certeza e pressuposição da razão mesma. Aquela primeira experiência e esse postulado não são os únicos, mas abre-se um ciclo inteiro de postulados. É que a natureza não somente é essa modalidade exterior totalmente livre, na qual a consciência teria de realizar seu fim, como em um puro objeto. Nela mesma, a consciência é essencialmente uma consciência para a qual existe esse outro Efetivo livre; quer dizer, ela mesma é algo contingente e natural. Essa natureza que para a consciência é a sua - é a sensibilidade, que na figura do querer como impulsos e inclinações tem para si essencialidade determinada própria, ou fins singulares; assim é oposta à vontade pura e a seu fim puro. Mas em contraste com essa oposição, o que é a essência para a consciência pura é, antes, a relação da sensibilidade com ela: a unidade absoluta da consciência com a sensibilidade. Os dois termos, o puro pensar e a sensibilidade da consciência, são em si uma consciência; e o puro pensar é precisamente aquilo para o qual e no qual existe essa unidade pura; mas para ela, como consciência, é a oposição de si mesma e dos impulsos. Nesse conflito entre a razão e a sensibilidade, a essência, para a razão, é que o conflito se resolva; e que emerja, como resultado, a unidade dos dois - que não é a unidade originária em que ambos estão em um indivíduo só, mas uma unidade que procede da conhecida oposição dos dois. Tal unidade somente é a moralidade efetiva porque nela está contida a oposição pela qual o Si é consciência - ou só agora é efetivo; e de fato, é Si e ao mesmo tempo, é um universal. Ou seja, está aí expressa aquela mediação que, como vimos, é essencial à moralidade. Como, entre os dois momentos da oposição, a sensibilidade é simplesmente o ser Outro ou o negativo - e ao contrário, o puro pensar do dever é a essência da qual nada se pode abandonar - parece que a unidade resultante só pode efetuar-se mediante o suprassumir da sensibilidade. Ora, como ela mesma é um momento desse vir a ser - o momento da efetividade - assim há que contentar-se por enquanto, no que respeita à unidade, com a expressão de que a sensibilidade é conforme à moralidade. Essa unidade é igualmente um ser postulado; ela não é ai, pois o que é ai é a consciência, ou a oposição da sensibilidade e da consciência pura. Mas, ao mesmo tempo, não é um Em si como o primeiro postulado, em que a natureza livre constitui um lado, e a sua harmonia com a consciência moral incide, portanto, fora dela. Aqui, ao contrário, a natureza é a que se encontra na consciência mesma; e trata-se aqui da moralidade enquanto tal, de uma harmonia que é a própria do Si operante. A consciência mesma tem, pois, de efetuar essa harmonia, e de fazer sempre progressos na moralidade. Mas a perfeição dessa harmonia tem de ser remetida ao infinito, pois se ela efetivamente ocorresse, a consciência moral se suprimiria. Com efeito, a moralidade só é consciência moral enquanto essência negativa, para cujo dever puro a sensibilidade tem apenas uma significação negativa, é só não conforme. Na harmonia, porém, a moralidade desvanece como consciência ou como sua efetividade; assim como na consciência moral ou na efetividade, sua harmonia desvanece. A perfeição, portanto, não há que atingi-la efetivamente, mas só há que pensá-la como uma tarefa absoluta, isto é, como tal que permanece tarefa, pura e simplesmente. No entanto há que pensar, ao mesmo tempo, o conteúdo dessa tarefa como um conteúdo que simplesmente deva ser, e que não permaneça tarefa; quer se represente ou não, nessa meta, a consciência totalmente abolida. O que ocorre de fato, não se consegue distinguir nos longes obscuros da infinitude - para onde se deve protelar, por esse motivo, a obtenção da meta. Deve-se dizer que, a rigor, a representação determinada não deve interessar nem ser procurada, pois isso leva a contradições: uma tarefa que deve permanecer tarefa e, contudo, ser cumprida; uma moralidade que não deve mais ser consciência, não deve mais ser efetiva. Pela consideração de que a moralidade consumada encerra uma contradição, se lesaria a santidade da essencialidade moral, e o dever absoluto pareceria como algo inefetivo. O primeiro postulado era a harmonia da moralidade e da natureza objetiva, o fim-último do mundo; o segundo era a harmonia da moralidade e da vontade sensível, o fim-último da consciência de si como tal. O primeiro era, pois, a harmonia na forma do ser em si, o segundo na forma do ser para si. Mas o que une, como meio-termo, esses dois fins-últimos extremos que são pensados, é o movimento do agir efetivo mesmo. Esses fins são harmonias cujos momentos em sua diferenciação abstrata não se tornaram ainda objetos; isso acontece na efetividade, em que os dois lados surgem na sua consciência propriamente dita, cada um como o outro do outro. Os postulados que assim se originam, como antes só continham harmonias em si essentes separadas das harmonias para si essentes, agora contêm harmonias em si e para si essentes. A consciência moral, como simples saber e querer do puro dever, refere-se no agir ao objeto oposto à sua simplicidade, à efetividade do caso multiforme, e tem por isso um relacionamento moral multiforme. Surgem aqui, segundo o conteúdo, as leis múltiplas, em geral; e segundo a forma, as potências contraditórias da consciência que sabe e do carente de consciência. Em primeiro lugar, no que se refere aos múltiplos deveres, para a consciência moral só tem valor neles o dever puro. Os deveres múltiplos, como múltiplos, são determinados, e por isso, como tais, nada são de sagrado para a consciência moral. Mas ao mesmo tempo, por meio do conceito do agir, que inclui em si uma efetividade multiforme e portanto uma relação moral multiforme, necessariamente, esses deveres devem ser considerados como essentes em si e para si. Como além disso os deveres só podem existir dentro de uma consciência moral, eles subsistem ao mesmo tempo, em uma consciência diversa daquela para a qual só o puro dever, como puro, é em si e para si sagrado. Postula-se assim que seja outra consciência, que os consagre; ou que os saiba e queira como deveres. A primeira consciência contém o dever puro, indiferente a todo o conteúdo determinado; e o dever é somente essa indiferença para com o conteúdo. Mas a outra consciência contém a relação igualmente essencial para com o agir e a necessidade do conteúdo determinado. Como os deveres têm valor para essa consciência como deveres determinados, por isso o conteúdo lhe é tão essencial quanto à forma, graças a qual o conteúdo é dever. Por conseguinte, essa consciência é uma consciência em que o universal e o particular são simplesmente um; e seu conceito é, assim, o mesmo que o conceito da harmonia da moralidade e da felicidade. Com efeito, essa oposição exprime igualmente a separação da consciência moral, igual a si mesma, e da efetividade, que, como ser multiforme, colide com a essência simples do dever. Mas se o primeiro postulado só exprime a harmonia essente da moralidade e da natureza, porque ali a natureza é o negativo da consciência de si, é o momento do ser; - agora, ao contrário, esse Em si é posto essencialmente como consciência, porque agora o essente tem a forma do conteúdo do dever, ou seja, é a determinidade no dever determinado. O Em si, portanto, é a unidade desses termos que como essencialidades simples são essencialidades do pensar e por isso só estão em uma consciência. Essa consciência, de agora em diante, é assim um senhor e soberano do mundo que produz a harmonia da moralidade e da felicidade, e que ao mesmo tempo consagra os deveres como múltiplos. Isso significa que, para a consciência do dever puro, o dever determinado não pode ser imediatamente sagrado; mas porque, em virtude do agir efetivo - que é um agir determinado - é igualmente necessário, então essa necessidade incide fora daquela consciência, em outra: que desse modo é a mediadora entre o dever determinado e o dever puro, e a razão de que o dever determinado tenha valor também. Entretanto, na ação efetiva a consciência se comporta como este Si, como uma consciência completamente singular: está dirigida à efetividade enquanto tal, e tem-na por fim, pois quer implementá-la. O dever em geral recai assim fora dela, em outra essência, que é a consciência e o sagrado legislador do dever puro. Para a consciência atuante, justamente porque é atuante, tem valor imediatamente o Outro do dever puro; assim, esse é conteúdo de outra consciência, e só mediatamente - a saber, nessa consciência - é sagrado para a consciência atuante. Por estar estabelecido, desse modo, que o valor do dever, como algo sagrado em si e para si, incide fora da consciência efetiva, essa se encontra em geral de um lado, como consciência moral imperfeita. Assim como, segundo seu saber, ela se conhece como uma consciência cujo saber e convicção são imperfeitos e contingentes, assim também, segundo seu querer, se sabe como uma consciência cujos fins estão afetados pela sensibilidade. Portanto, devido a sua indignidade, não pode considerar a felicidade como necessária, mas como algo contingente; - e esperá-la somente da graça. Embora sua efetividade seja imperfeita, contudo o dever vale como a essência para o seu puro querer e saber. No conceito, enquanto oposto à realidade, ou no pensar, a consciência moral é, assim, perfeita. Ora, a essência absoluta é precisamente esse ser pensado e postulado além da efetividade; é pois o pensamento no qual o saber e querer moralmente imperfeitos contam como perfeitos; e por isso também, ao tomá-los como plenamente válidos, outorga a felicidade conforme a dignidade, quer dizer, conforme o mérito que lhes é atribuído. Nesse ponto, a visão moral do mundo está consumada. De fato, no conceito da consciência de si moral estão postos em uma unidade os dois lados, dever puro e efetividade; e por isso, um como o outro, não como essente em si e para si, mas como momento ou como suprassumido. Isso vem a ser para a consciência na última parte da visão moral do mundo, a saber, a consciência põe o dever puro em outra essência, diversa do que ela mesma é; quer dizer, põe-no, de uma parte, como algo representado, e de outra parte como algo que não tem valor em si e para si; ao contrário, o não moral é que antes é valorizado como perfeito. Do mesmo modo, ela se põe a si mesma como uma consciência cuja efetividade - que não é conforme ao dever - é suprassumida; e como suprassumida, ou na representação da essência absoluta, já não contradiz a moralidade. Todavia, para a consciência moral mesma, sua visão moral do mundo não tem a significação de que a consciência desenvolva nessa última seu próprio conceito, e o converta em objeto para si. Não tem consciência nem dessa oposição segundo a forma, nem também da oposição segundo o conteúdo. Não correlaciona nem compara os termos dessa oposição, mas avança em seu desenvolvimento, sem ser o conceito que mantém unidos os momentos. Pois a consciência moral só sabe a pura essência, ou o objeto, na medida em que é dever, na medida em que é objeto abstrato de sua consciência pura, como puro saber ou como si mesma. Comporta-se assim só pensando, e não conceituando. Por isso ainda não lhe é transparente o objeto de sua consciência efetiva; ainda não é o conceito absoluto, o único que compreende o ser Outro como tal, ou que compreende seu contrário absoluto como a si mesmo. Para a consciência moral, sua efetividade própria, assim como toda a efetividade objetiva, na verdade conta como o inessencial; mas sua liberdade é a liberdade do puro pensar, e ao mesmo tempo, em contraposição com ela, surgiu a natureza como algo igualmente livre. Como na consciência moral estão da mesma maneira as duas coisas - a liberdade do ser e a inclusão desse ser na consciência -, seu objeto vem a ser como um objeto essente, que ao mesmo tempo é apenas pensado. Na última parte de sua visão moral do mundo, o conteúdo é essencialmente posto de modo que seu ser é um ser representado, e essa união do ser e do pensamento é enunciada como o que ela é de fato: como o representar. Considerando a visão moral do mundo de modo que essa modalidade objetiva não seja outra coisa que o conceito da própria consciência de si moral, que ela faz objetivo para si, resulta uma nova figura de sua apresentação mediante essa consciência sobre a forma de sua origem. Com efeito, o primeiro ponto donde se parte, é a efetiva consciência de si moral, ou seja, que há uma consciência moral. Pois o conceito põe a consciência moral na determinação de que para ela, em geral toda a efetividade só tem essência na medida em que é conforme ao dever, e o conceito põe essa essência como saber, isto é, em unidade imediata com o Si efetivo; por isso, essa unidade é ela mesma efetiva, é uma efetiva consciência moral. Agora como consciência, ela se representa seu conteúdo como objeto, quer dizer, como fim-último do mundo, como harmonia da moralidade e de toda a efetividade. Mas, enquanto representa essa unidade como objeto, e ainda não é o conceito que tem poder sobre o objeto como tal, para ela essa unidade é um Negativo da consciência de si, ou seja, recai fora dela, como um além de sua efetividade, mas ao mesmo tempo como um além que é também como essente, embora somente pensado. O que lhe resta, pois, a essa consciência de si que como tal é Outro que seu objeto, é a não harmonia de sua consciência do dever com a efetividade: e na verdade, com sua própria efetividade. Por isso a proposição agora se enuncia assim: não há consciência de si efetiva moralmente perfeita. Ora, como o moral em geral só é enquanto perfeito, pois o dever é o puro Em si sem mescla, e a moralidade consiste somente na adequação com esse Puro; - logo, essa segunda proposição significa em geral que não existe o moralmente efetivo. Mas como, em terceiro lugar, a consciência moral é um Si, então é em si a unidade do dever e da efetividade; essa unidade portanto se lhe torna objeto, como a moralidade perfeita; - mas como um além de sua efetividade que, não obstante, deve ser efetivo. Nessa meta final da unidade sintética das duas primeiras proposições, tanto a efetividade consciente de si quanto o dever são postos somente como momentos suprassumidos; pois nenhum é singular. Mas eles, em cuja determinação essencial está serem livres um do outro, assim na unidade não são mais livres um do outro: cada um é, portanto, suprassumido. Por isso, segundo o conteúdo, tornam-se, como tais, objeto em que cada um vale pelo outro; e segundo a forma isso se dá de modo que essa permuta dos mesmos, ao mesmo tempo, é só representada. Em outros termos: o que é efetivamente não moral, por ser igualmente puro pensar e elevado sobre sua efetividade, contudo na representação é moral, e aceito como plenamente válido. Portanto a primeira proposição que há uma consciência moral é restabelecida, mas unida com uma segunda, que não há consciência moral; quer dizer, há uma, mas só na representação. Ou seja: não há consciência moral, na verdade; mas, por outra consciência, se faz contar como se fosse. b - A DISSIMULAÇÃO Na visão moral do mundo vemos, de uma parte, a consciência mesma criar seu objeto conscientemente; vemos que ela nem encontra seu objeto como algo estranho, nem tampouco o objeto vem a ser para ela de modo inconsciente. Ao contrário, a consciência procede em toda a parte segundo um fundamento, a partir do qual se põe a essência objetiva. Sabe a essência, pois, como a si mesma, porque se sabe como o princípio ativo que a produz. Por isso parece chegar aqui à sua quietude e satisfação que só pode encontrar onde não precisa mais ir além de seu objeto, porque o objeto não vai mais além dela. Mas, por outro lado, a consciência mesma antes põe o objeto fora de si, como um além de si. Porém esse em si e para si essente é igualmente posto como um ser que não é livre da consciência de si, mas que existe em função dela e por meio dela. Portanto, a visão moral do mundo não é, de fato, outra coisa que o aprimoramento dessa contradição fundamental em seus diversos aspectos; para usar uma expressão kantiana, que aqui se ajusta ao máximo, é um ninho inteiro de contradições carentes de pensamento. A consciência se comporta assim nesse desenvolvimento: fixa um momento e daí passa imediatamente a outro, e suprassume o primeiro; mal porém acaba de estabelecer esse segundo, também o dissimula de novo e faz, antes, o contrário ser a essência. Ao mesmo tempo, a consciência é também consciente de sua contradição e de seu dissimular, pois passa de um momento imediatamente, em relação com esse momento mesmo, ao oposto; porque um momento não tem realidade para ela, põe precisamente esse momento como real, ou, o que é mesmo: para afirmar um momento como em si essente, afirma o oposto como o momento em si essente. Com isso, confessa que de fato não toma a sério nenhum deles. É o que vamos ver mais de perto nos momentos desse movimento desvairado. Deixemos de lado, por ora, a hipótese de que há uma consciência moral efetiva, pois essa hipótese não se faz imediatamente em relação com algo precedente. Voltemo-nos para a harmonia da moralidade e da natureza - o primeiro postulado. A harmonia deve ser em si e não para a consciência efetiva, não deve ser presente; ao contrário, o presente é antes apenas a contradição das duas, natureza e moralidade. No presente, a moralidade se toma como dada, e a efetividade é posta de tal modo que não esteja em harmonia com ela. Mas a consciência moral efetiva é uma consciência atuante: nisso consiste justamente a efetividade de sua moralidade. Contudo, no operar mesmo, aquela posição é imediatamente dissimulada; pois o operar não é outra coisa que a efetivação do fim moral interior, não é outra coisa que a produção de uma efetividade determinada através do fim; ou a harmonia entre o fim moral e a efetividade mesma. Ao mesmo tempo, o desempenho da ação é para a consciência; é a presença dessa unidade da efetividade e do fim. E porque, na ação consumada, a consciência se efetiva como esse Singular, ou intui o ser-aí retomado a si - e nisso consiste o gozo - segue-se que na efetividade do fim moral está também contida, ao mesmo tempo, aquela forma de efetividade que se denomina gozo e felicidade. Assim, o agir desempenha de fato, imediatamente, o que era proposto como não tendo lugar, e que deveria ser apenas um postulado, só um além. Logo, a consciência exprime, através do ato, que não toma a sério o postular, já que o sentido do agir consiste, antes, em fazer aceder à presença o que não deveria estar na presença. E como a harmonia é postulada por motivo do agir - o que por meio do agir deve tornar-se efetivo, tem de ser em si, aliás a efetividade não seria possível - então a conexão do agir e do postulado é constituída de modo que por motivo do agir - isto é, da harmonia efetiva do fim e da efetividade - essa harmonia é posta como não efetiva, como além. Quando se age, portanto, não se toma a sério a inadequação entre o fim e a efetividade em geral; pelo contrário, o agir mesmo parece ser coisa séria. Mas de fato, a ação efetiva é só a ação da consciência singular; assim ela mesma é apenas algo de singular, e a obra, contingente. No entanto, o fim da razão, como fim universal que tudo abrange, não é nada menos que o mundo inteiro: um fim-último que vai muito além do conteúdo dessa ação singular, e por isso em geral deve colocar-se além e acima de toda a ação efetiva. Porque se deve executar o bem maior universal, nada de bom se faz. Mas de fato, a nulidade do agir efetivo e a realidade só do fim total - que agora são propostos - são também dissimulados novamente por todos os lados. A ação moral não é algo de contingente e limitado, pois tem o dever puro por sua essência. Esse dever constitui o único fim total, e a ação portanto, como efetivação sua, é a implementação do fim total absoluto, a despeito de qualquer limitação do conteúdo. Em outras palavras: se a efetividade for tomada, por sua vez, como natureza que tem suas leis próprias, e é oposta ao dever puro, de modo que o dever não pode assim realizar nela sua lei, então - enquanto o dever como tal é a essência - de fato não se trata do cumprimento do dever puro, que é o fim total; pois o cumprimento teria antes por fim não o dever puro mas o seu oposto: a efetividade. Mas a proposição de que não se trata da efetividade, é por sua vez dissimulada; porque, segundo o conceito do agir moral, o dever puro é essencialmente consciência ativa. Assim, de toda maneira, deve-se agir: o dever absoluto deve ser expresso na natureza inteira, e a lei-moral tornar-se lei-natural. Admitamos, pois, que esse bem supremo vale como a essência; então é a consciência que não leva a sério a moralidade em geral. Com efeito, nesse bem supremo a natureza não tem outra lei da que tem a moralidade. Com isso é excluída a ação moral mesma, pois o agir só é na hipótese de um Negativo a ser suprassumido por meio da ação. Ora, se a natureza é já conforme à lei ética, essa lei seria violada pelo agir, pelo suprassumir do essente. Assim, na hipótese acima, admite-se como essencial uma situação em que o agir moral é supérfluo, e não encontra absolutamente lugar. O postulado da harmonia entre a moralidade e a efetividade - uma harmonia que é posta pelo conceito do agir moral, que consiste em levar a acordo os dois termos - segundo esse aspecto também se exprime assim: porque o agir moral é o fim absoluto, o fim absoluto é que não se dê de modo algum o agir moral. Confrontando esses momentos, através dos quais a consciência se dissimulava em sua representação moral, é claro que a consciência suprassume cada um de novo em seu contrário. Ela parte de que para ela a moralidade e a efetividade não se harmonizam. Mas a consciência não toma isso a sério, porque na ação existe para ela a presença dessa harmonia. Mas também não leva a sério esse agir, por ser algo de singular; enquanto ela tem um fim tão alto, o bem supremo. De novo, porém, isso é apenas uma dissimulação da Coisa, porque assim estariam excluídos todo o agir e toda a moralidade. Ou seja: a consciência não leva propriamente a sério o agir moral, senão que o mais desejável, o absoluto, é que o bem supremo seja levado a termo, e o agir moral seja supérfluo. A partir desse resultado, a consciência moral deve dissimular-se mais em seu movimento contraditório, e dissimular de novo necessariamente o suprimir do operar moral. A moralidade é o Em si; e para que ela tenha lugar; o fim último do mundo pode não ser levado a termo, mas a consciência moral deve ser para si e encontrar uma natureza que lhe seja oposta. Ora, a consciência moral deve ser cabalmente realizada nela mesma. Isso conduz ao segundo postulado, da harmonia dela e da natureza que está na consciência imediatamente - a sensibilidade. A consciência de si moral estabelece seu fim como puro, como independente dos impulsos e inclinações, a ponto de ter eliminado dentro de si os fins da sensibilidade. Mas ela distorce mais uma vez essa proposta supressão da essência sensível. A consciência de si opera: leva seu fim à efetividade; e a sensibilidade consciente de si, que deveria ser suprimida, é justamente esse meio-termo entre a pura consciência e a efetividade: - é o instrumento, ou o órgão, da consciência pura para a sua efetivação, e o que se chamou impulso, tendência. Portanto não leva a sério o suprimir das inclinações e impulsos, pois precisamente eles é que são a consciência de si que se efetiva. Mas tampouco devem ser reprimidos, e sim apenas ser conformes à razão. Aliás, lhe são conformes, pois o agir moral não é outra coisa que a consciência que se efetiva, e que assim dá a si própria a figura de um impulso: quer dizer, é imediatamente a harmonia presente do impulso e da moralidade. De fato, porém, o impulso não é só essa figura vazia que pudesse ter em si outra mola que o próprio impulso, e ser impelido por ela. Pois a sensibilidade é uma natureza, que tem em si mesma suas próprias leis e molas de arranque, e por isso não pode a moralidade levar a sério isso de ser a mola impulsionadora dos impulsos, o ângulo de inclinação das inclinações. Com efeito, como elas têm sua própria determinidade fixa e seu conteúdo peculiar, seria antes a consciência, à qual deveriam conformar-se, que seria conforme a elas: uma conformidade que a consciência de si moral se proíbe. Assim, a harmonia dos dois termos é apenas em si e postulada. Na ação moral foi, há pouco, estabelecida a harmonia presente da moral idade e da sensibilidade, mas agora isso é dissimulado: a harmonia se encontra além da consciência em uns longes nebulosos onde nada mais se pode distinguir nem conceber com exatidão, já que não teve êxito o conceituar dessa unidade que nós tentamos há pouco. Mas no Em si dessa harmonia, a consciência em geral renuncia a si mesma. Esse Em si é sua perfeição moral, em que cessou o conflito entre a moralidade e a sensibilidade, e em que a sensibilidade se conformou com a moralidade de uma maneira que não se pode compreender. Por isso, essa perfeição é de novo somente uma dissimulação da Coisa, pelo motivo de que, de fato, a moralidade nela renunciaria, antes, a si mesma: pois ela é apenas consciência do fim absoluto como puro, portanto em oposição a todos os outros fins. Igualmente, a moralidade é a atividade desse fim puro, enquanto é consciente de se elevar acima da sensibilidade, e consciente da intromissão da sensibilidade, e de sua oposição e luta contra ela. A consciência mesma declara imediatamente que não leva a sério a perfeição moral, ao dissimulá-la para a infinitude; isto é, ao afirmar que a perfeição nunca é perfeita. Assim, o que é válido para a consciência é, antes, somente esse estado-intermédio da imperfeição; um estado que, não obstante, deve ser pelo menos um progredir para a perfeição. Mas também não pode ser isso, pois um progredir na moralidade seria antes um avançar para a sua ruína. A meta seria, pois, o nada antes mencionado; ou o suprimir da moralidade e da consciência mesma. Ora, aproximar-se sempre mais e mais do nada significa diminuir. Além disso, em geral, tanto progredir como diminuir suporiam diferenças de grandeza na moralidade; ora, de tais diferenças não se poderia falar na moralidade. Nela, enquanto consciência para a qual o fim moral é o dever puro, não há que pensar em uma diversidade em geral, e muito menos nas diversidades superficiais da grandeza: só há uma virtude, só um dever puro, só uma moralidade. Como portanto não toma a sério a perfeição moral, mas antes o estado-intermédio - isso é, como acima discutimos, a não moralidade -, assim retomamos de um outro lado ao conteúdo do primeiro postulado. É que não se vê como se poderia exigir para essa consciência moral a felicidade por causa de seu merecimento. Ela é consciente de sua imperfeição, e portanto não pode de fato exigir a felicidade como mérito, nem como algo de que fosse digna; mas somente esperá-la de uma livre graça. Quer dizer: pode ansiar pela felicidade como tal, em si e para si, mas não pode esperá-la com base no motivo absoluto do mérito, e sim esperá-la por sorte ou arbítrio. A não moralidade aqui exprime exatamente o que ela é: que não se trata da moralidade, mas da felicidade em si e para si, sem referência à moralidade. Por esse segundo lado da visão moral do mundo, exclui-se também a outra afirmação do primeiro lado em que se pressupunha a desarmonia entre a moralidade e a felicidade. É que se pretende ter sido efetuada a experiência de que neste mundo presente muitas vezes as coisas vão mal para o indivíduo moral, e, ao contrário, com frequência vão bem para o imoral. Contudo, o estado-intermédio da moralidade imperfeita, que se apresentou como o essencial, mostra claramente que essa percepção e pretendida experiência é apenas uma dissimulação da Coisa. Com efeito, já que a moralidade é incompleta, - isto é, a moralidade de fato não é - que pode ser na experiência o sentido de que as coisas lhe vão mal? Como ao mesmo tempo se patenteou tratar-se da felicidade em si e para si, é evidente que no julgamento de que tudo vai bem para o indivíduo imoral não se supunha que houvesse aqui uma injustiça. A designação de um indivíduo como um indivíduo imoral, já que a moralidade em geral é imperfeita, está em si excluída; tem pois só um fundamento arbitrário. Por isso, o sentido e conteúdo do juízo da experiência é apenas este: que a felicidade em si e para si não deveria caber a certa gente; quer dizer, é a inveja que se cobre com o manto da moralidade. Mas a razão pela qual a felicidade, assim chamada, deva ser concedida a outros, é a boa amizade, que a eles e a si mesma concede e deseja essa graça, isto é, essa sorte. Na consciência moral, portanto, a moralidade é imperfeita: é isso que agora se estabelece. Ora a essência da moralidade é ser somente o puro perfeito; por isso a moralidade imperfeita é impura, ou seja, ela é imoralidade. A moralidade mesma está assim em uma essência outra que na consciência efetiva: é ela um sagrado legislador moral. A moralidade imperfeita na consciência, que é o fundamento desse postular, tem antes de tudo a significação de que a moralidade, enquanto é posta na consciência como efetiva, está na relação com um Outro - com um ser-aí; assim recebe nela o ser Outro ou a diferença, donde nasce uma múltipla diversidade de mandamentos morais. Mas ao mesmo tempo, a consciência de si moral tem esses múltiplos deveres por inessenciais, pois só se trata de um dever puro, e para ela os outros enquanto são deveres determinados não têm verdade alguma. Assim só podem ter sua verdade em Outro; e, por meio de um sagrado legislador, são sagrados - o que não são para a consciência moral. Mas, novamente, isso é apenas uma dissimulação da Coisa. Com efeito, a consciência de si moral é, para si, o absoluto; e dever é pura e simplesmente o que ela sabe como dever. Ora, ela só sabe como dever o dever puro: o que não lhe é sagrado, não é sagrado em si; e o que em si não é sagrado, não pode ser consagrado pela essência sagrada. Por isso, para a consciência moral, também em geral não é sério fazer que algo seja consagrado por outra consciência que não seja ela; pois para ela só é sagrado simplesmente, o que é sagrado por ela e nela mesma. Assim tampouco é sério dizer que essa outra essência seja uma essência sagrada, porque nela deveria chegar à essencialidade o que para a consciência moral - isto é, em si - não tem essencialidade. Se a essência sagrada fosse postulada de modo que nela tivesse sua validade o dever não como dever puro, mas como uma multiplicidade de deveres determinados, seria preciso dissimulá-la de novo, e a outra essência só seria sagrada na medida em que nela só tivesse validade o dever puro. De fato, o dever puro também só tem validade em outra essência, não na consciência moral. Embora pareça que nela só vale a moralidade pura, contudo deve-se pôr de outro modo a consciência moral, pois é, ao mesmo tempo, consciência natural. A moralidade está nela afetada e condicionada pela sensibilidade; assim, não é em si e para si, mas uma contingência da vontade livre. No entanto é nela, como vontade pura, uma contingência do saber; portanto, em si e para si a moralidade está em outra essência. Assim essa essência é aqui a moralidade puramente perfeita, já que a moralidade não está nela em relação com a natureza e a sensibilidade. Só a realidade do dever puro é sua efetivação na natureza e na sensibilidade. A consciência moral coloca sua imperfeição no fato de ter nela a moralidade uma relação positiva com a natureza e a sensibilidade, já que para a consciência moral conta, como um momento essencial da moralidade, que tenha com elas uma relação única e exclusivamente negativa. Ao contrário, a pura essência moral, porque está acima do conflito com a natureza e sensibilidade, não está em uma relação negativa para com elas. De fato, só lhe resta assim a relação positiva com a natureza e sensibilidade, isto é, justamente aquilo que há pouco contava como o imperfeito, como o imoral. Entretanto, a moralidade pura, de todo separada da efetividade, a ponto de não ter mais nenhuma relação positiva com ela, seria uma abstração carente de consciência e inefetiva, na qual estaria pura e simplesmente abolido o conceito da moralidade: o de ser o pensar do dever puro, e uma vontade e agir. Essa essência, tão puramente moral, é portanto novamente uma dissimulação da Coisa, e deve-se rejeitar. Contudo, nessa essência puramente moral, aproximam-se os momentos da contradição, em que vagueia esse representar sintético; e os também opostos, que esse representar - sem compatibilizar esses seus pensamentos - faz que se sucedam uns aos outros. Faz um contrário ser sempre substituído pelo outro, a tal ponto que a consciência deve aqui abandonar sua visão moral do mundo e refluir para dentro de si mesma. A consciência moral conhece portanto sua moralidade como não perfeita, porque está afetada de uma sensibilidade e natureza que lhe é oposta; que, por um lado, turva a moralidade mesma como tal, e, de outro lado, faz surgir uma multidão de deveres. Por eles, no caso concreto do agir efetivo, a consciência cai em perplexidade, pois cada caso é a concreção de muitas relações morais; como um objeto da percepção em geral é uma coisa de muitas propriedades. Ora, enquanto o dever determinado é fim, tem um conteúdo - e seu conteúdo é uma parte do fim, e a moralidade não é pura. Logo, a moralidade tem sua realidade em outra essência. Mas essa realidade não significa outra coisa senão que a moralidade aqui seja em si e para si: para si, isto é, que a moralidade seja uma consciência; em si, isto é, que tenha ser-aí e efetividade. Naquela primeira consciência imperfeita, a moralidade não se realizava; ali ela era o Em si, no sentido de uma coisa de pensamento, por se achar associada com a natureza e a sensibilidade, com a efetividade do ser e da consciência, efetividade que constituía seu conteúdo; ora, natureza e sensibilidade são o moralmente nulo. Na segunda consciência, a moralidade está presente como perfeita, e não como uma coisa de pensamento irrealizada. Mas essa perfeição consiste, precisamente, em que a moralidade em uma consciência tenha efetividade, assim como efetividade livre, ser-aí em geral; - que não seja o vazio, mas o repleto, o cheio de conteúdo. Isso significa que a perfeição da moralidade agora está posta em que esteja presente nela, e dentro dela, o que há pouco era determinado como o moralmente nulo. A moralidade deve, a um tempo, só ter valor exclusivamente como inefetiva coisa de pensamento da pura abstração; mas igualmente não deve ter valor dessa maneira. Sua verdade deve consistir em ser oposta à efetividade, e totalmente livre dela e vazia; e ali, de novo, ser efetividade. O sincretismo dessas contradições, que está analisado na visão moral do mundo, colapsa dentro de si; porquanto a distinção em que repousa - pela qual algo necessariamente deveria ser pensado e posto, e não obstante seria ao mesmo tempo inessencial - torna-se uma distinção que já não reside sequer nas palavras. No fim, o que se põe como algo diferente, seja como o nulo, seja como o real, é uma só e a mesma coisa: o ser-aí e a efetividade. E o que deve ser absolutamente só como o além do ser efetivo e da consciência - e também estar só na consciência, e como um além ser o nulo - é o dever puro, e o saber do dever como da essência. A consciência que faz essa distinção - que não é distinção - e declara que a efetividade é ao mesmo tempo o nulo e o real, e que a moralidade pura é tanto a verdadeira essência como algo carente de essência, agora exprime juntos os pensamentos que antes separava. Ela mesma proclama que não toma a sério essa determinação e dissociação dos momentos do Si e do Em si, mas que antes guarda encerrado no Si da consciência de si o que enuncia como o essente absoluto fora da consciência; e o que enuncia como absolutamente pensado ou Em si absoluto, justamente por isso o toma como algo que não tem verdade. Para a consciência vem a ser claro que o dissociar desses momentos é uma dissimulação; e que seria uma hipocrisia se ela, apesar disso, neles persistisse. Contudo, como pura consciência de si moral, recua com horror para dentro de si, fugindo desse desacordo de seu representar com aquilo que é sua essência; dessa inverdade, que enuncia como verdadeiro o que para ela conta como não verdadeiro. É a boa consciência pura que repudia tal representação moral do mundo: é, dentro de si mesmo, o espírito simples, certo de si, que sem a mediação daquelas representações opera de modo imediato conscienciosamente, e tem sua verdade nessa imediatez. Mas se esse mundo da dissimulação não é outra coisa que o desenvolvimento da consciência de si moral em seus momentos, e por isso é sua realidade, ela não vai tornar-se, segundo sua essência, nada diverso pelo fato de seu retomar a si; seu retomar a si é antes somente sua consciência alcançada de que sua verdade é uma pretensa verdade. A consciência deveria ainda sempre fazê-la passar por sua verdade, já que tem de se expressar e apresentar como representação objetiva; mas saberia que é uma dissimulação apenas. Isso seria, de fato, a hipocrisia e aquele repudiar de tal dissimulação já seria a primeira exteriorização da hipocrisia. c - A BOA CONSCIÊNCIA - A BELA ALMA, O MAL E O SEU PERDÃO A antinomia da visão moral do mundo - de que há uma consciência moral, e de que não há; ou de que a vigência do dever está além da consciência, e inversamente, que só nela tem lugar - essa antinomia se condensava na representação de que a consciência não moral vale por consciência moral, seu saber e querer contingentes são aceitos como ponderáveis, e a felicidade é concedida à consciência por uma graça. Essa representação que a si mesma contradiz, a consciência de si moral não a tomava sobre si, mas a transferia para outra essência que ela. Mas esse transpor para fora de si mesma, daquilo que deve pensar como necessário, é tanto a contradição segundo a forma, quanto a primeira é a contradição segundo o conteúdo. Entretanto, porque o que se manifesta como contraditório - e em cuja separação e dissolução reiterada se debate a visão moral do mundo - é em si exatamente o mesmo, a saber, o dever puro como o puro saber não é outra coisa que o Si da consciência, e o Si da consciência é o ser e a efetividade. Igualmente, o que deve ser além da consciência efetiva, não é outra coisa que o puro pensar; é assim, de fato, o Si. Desse modo, para nós ou em si, a consciência de si retoma a si, e sabe como a si mesma aquela essência na qual o efetivo é ao mesmo tempo saber puro e dever puro. A consciência é para si mesma o que é plenamente-válido em sua contingência, o que sabe sua singularidade como puro saber e agir, como a verdadeira efetividade e harmonia. Esse Si da boa consciência, o espírito imediatamente certo de si mesmo como da verdade absoluta e do ser, é o terceiro Si, que para nós veio a ser a partir do terceiro mundo do espírito. Deve ser comparado brevemente com os anteriores. 1 º - A totalidade ou efetividade, que se apresenta como a verdade do mundo ético, é o Si da pessoa. Seu ser-aí é o ser reconhecido. Como a pessoa é o Si vazio de substância, esse seu ser-aí é igualmente a efetividade abstrata: a pessoa vale e de certo, imediatamente; o Si é o ponto que repousa imediatamente no elemento do seu ser. Não se separa de sua universalidade; por isso, a universalidade e o Si não estão mutuamente em movimento e relação. No Si, o universal está sem diferenciação: nem é conteúdo do Si, nem é o Si preenchido por si mesmo. 2º - O segundo Si é o mundo da cultura, chegado à sua verdade, ou o espírito da cisão restituído a si mesmo: a liberdade absoluta. Nesse Si dissocia-se aquela primeira unidade imediata da singularidade e da universalidade. O universal, que igualmente permanece essência puramente espiritual - o ser-reconhecido, ou universal vontade e saber -, é objeto e conteúdo do Si e sua efetividade universal. Contudo, ele não tem a forma do ser-aí que está livre do Si. Nesse Si, o universal não chega, pois, a nenhuma implementação e a nenhum conteúdo positivo; não chega a mundo algum. 3º - A consciência de si moral deixa livre certamente sua universalidade, de modo a tornar-se uma natureza própria, e igualmente a retém dentro de si como suprassumida. Mas ela é somente o jogo dissimulado da alternância dessas duas determinações. É como boa consciência que tem primeiro em sua certeza de si mesma o conteúdo para o dever anteriormente vazio, assim como para o direito vazio e para a vazia vontade universal; e como essa certeza de si é igualmente o imediato, nela, a consciência de si moral tem o ser-aí mesmo. Chegada pois a essa sua verdade, a consciência de si moral abandona, ou melhor, suprassume dentro de si mesma, a separação donde nascera a dissimulação; a separação do em si e do Si, do dever puro como puro fim, e da efetividade como uma natureza e sensibilidade oposta ao puro fim. Retornada desse modo a si mesma, é o espírito moral concreto, que na consciência do dever puro não adota para si um padrão de medida vazio, que fosse oposto à consciência efetiva. Ao contrário: o dever puro, tanto como a natureza a ele oposta, são momentos suprassumidos. O espírito moral é, em unidade imediata, essência moral que se efetiva; e a ação é figura moral imediatamente concreta. Seja dado um caso do agir: trata-se de uma efetividade objetiva para a consciência que sabe. Esta, como boa consciência, conhece o caso de uma maneira concreta imediata; e ao mesmo tempo o caso é só como ela o sabe. Contingente é o saber, na medida em que é outro que o objeto; mas o espírito certo de si mesmo não é mais tal saber contingente, nem o produzir de pensamentos dentro de si, dos quais seria diferente a efetividade. Ao contrário: como foi suprassumida a separação do Em si e do Si, o caso, na certeza sensível do saber, é imediatamente como é em si e só é em si como é nesse saber. O agir como efetivação é, por isso, a forma pura da vontade: a simples conversão da efetividade - como um caso essente - em uma efetividade efetuada, e do simples modo do saber objetivo, no modo do saber da efetividade como algo produzido pela consciência. Assim como a certeza sensível é imediatamente assumida - ou melhor, convertida - no Em si do espírito, assim também essa conversão é simples e não mediatizada: é uma passagem através do puro conceito sem alteração do conteúdo; conteúdo determinado pelo interesse da consciência que sabe a seu respeito. Além do mais, a boa consciência não discrimina em deveres diferentes as circunstâncias do caso. Não se comporta como meio universal positivo onde os múltiplos deveres recebessem uma substancialidade inabalável, cada um para si; de modo que ou não fosse absolutamente possível ter-se agido - pois cada caso concreto contém a opção em geral, e como caso moral, a oposição de deveres; e assim na determinação do agir, um lado, um dever, seria sempre violado; - ou que, agindo-se, ocorresse efetivamente a violação de um dos deveres opostos. A boa consciência é, antes, o Uno negativo ou o Si absoluto, que elimina essas diferentes substâncias morais: é simples agir de acordo com o dever, que não cumpre este ou aquele dever, mas que sabe e faz o que é no caso direito concreto. Por isso, em geral, ela é somente o agir moral como agir, para o qual se transferiu a anterior consciência inoperante da moralidade. A figura concreta do ato pode ser analisada pela consciência diferenciadora em diversas propriedades; isto é, aqui, em diversas relações morais. Cada uma delas tanto pode ser declarada por absolutamente válida - como deve ser, se tem de ser dever -, quanto também ser comparada e comprovada. Na simples ação moral da boa consciência os deveres estão de tal modo entulhados que todas essas essências singulares são demolidas imediatamente; e na certeza inabalável da boa consciência não tem absolutamente lugar dar uma sacudidela no dever para testá-lo. Tampouco se encontra na boa consciência a incerteza oscilante da consciência, que ora põe a assim chamada moralidade pura fora de si, em outra essência sagrada - e a si mesma se avalia como não sagrada - ora torna a colocar dentro de si a pureza moral, e transfere para a outra essência a união do sensível com o moral. A boa consciência renuncia a todas essas colocações e dissimulações da visão moral do mundo, ao renunciar à consciência que apreende como contraditórios o dever e a efetividade. Segundo essa última consciência, eu ajo moralmente quando para mim estou consciente de cumprir só o dever puro e não outra coisa qualquer; quer dizer, de fato, quando eu não ajo. Mas quando ajo efetivamente, eu sou consciente de outro, de uma efetividade que está presente, e de uma que quero produzir. Tenho um determinado fim e cumpro um dever determinado; nisso já há algo outro que o dever puro, o qual somente deveria ser colimado. A boa consciência, ao contrário, é a consciência de que, se a consciência moral enuncia o dever puro como essência de seu agir, esse puro fim é uma dissimulação da Coisa; pois a Coisa mesma é que o dever puro consista na abstração vazia do puro pensar, e que só tenha sua realidade e conteúdo em uma efetividade determinada - uma efetividade que é a efetividade da consciência mesma, e da consciência não como uma coisa de pensamento, mas como um Singular. A boa consciência tem para si mesma sua verdade na certeza imediata de si mesma. Essa concreta certeza imediata de si mesma é a essência; se for considerada segundo a oposição da consciência, é a própria singularidade imediata, o conteúdo do agir moral e sua forma é precisamente esse Si como puro movimento, quer dizer, como o saber ou como a convicção própria. Se for considerada mais de perto em sua unidade e na significação dos momentos, vemos que a consciência moral só se apreendeu como o Em si ou essência; mas como boa consciência apreende seu ser para si ou o seu Si. A contradição da visão moral do mundo se dissolve; isto é, a diferença, que lhe serve de base, se revela não ser diferença alguma, e colapsa na pura negatividade. Ora, essa negatividade é justamente o Si; um simples Si que tanto é saber puro quanto é saber de si como desta consciência singular. Esse Si constitui portanto o conteúdo da essência antes vazia, pois é o Si efetivo, que não tem mais a significação de ser uma natureza estranha à essência e independente nas leis próprias. Como o negativo, é a diferença da pura essência - um conteúdo, e na verdade um conteúdo que é válido em si e para si. Além do mais, esse Si - como puro saber igual a si mesmo - é algo pura e simplesmente universal; de modo que precisamente esse saber, como seu próprio saber, como convicção, é o dever. O dever já não é o universal que se contrapõe ao Si; ao contrário, sabe-se não ter nenhuma validade nessa separação. Agora é a lei que é por causa do Si, e não o Si por causa da lei. Contudo a lei e o dever têm, por isso, não só a significação do ser para si, mas também a do ser em si: pois esse saber, em razão de sua igualdade consigo mesmo, é justamente o Em si. Dentro da consciência, esse Em si se separa também daquela unidade imediata com o ser para si; contrapondo-se assim, ele é ser, ser para Outro. Agora o dever justamente se sabe, como dever abandonado pelo Si, que é um momento apenas. De sua significação, que era ser a essência absoluta, decaiu até o ponto do ser que não é Si, nem é para si, e portanto é ser para Outro. Mas esse ser para Outro permanece, por isso mesmo, momento essencial; porque o Si, como consciência, constitui a oposição do ser para si e do ser para Outro, e agora o dever é nele algo imediatamente efetivo, e não mais simplesmente a pura consciência abstrata. Esse ser para Outro é assim a substância em si essente, distinta do Si. A boa consciência não abandonou o dever puro ou o Em si abstrato, mas o dever puro é o momento essencial, o de relacionar-se, como universalidade, com os outros. A boa consciência é o elemento comum das consciências de si; elemento que é a substância em que o ato tem subsistência e efetividade: o momento do tornar-se reconhecido pelos outros. A consciência de si moral não tem esse momento do ser-reconhecido, da consciência pura que é-aí; e por isso, em geral não é operante, não é efetivante. Para a consciência de si moral seu Em si, ou é a essência inefetiva abstrata, ou é o ser como uma efetividade, que não é espiritual. Ao contrário, a efetividade essente da boa consciência é uma efetividade que é um Si, quer dizer, um ser aí consciente de si, o elemento espiritual do tornar-se reconhecido. Portanto, o agir é somente o trasladar de seu conteúdo singular para o elemento objetivo, onde o conteúdo é universal e reconhecido: e isso justamente - o fato de ser reconhecido - faz que a ação seja efetividade. Reconhecida, e portanto efetiva, é a ação porque a efetividade aí essente se vincula imediatamente com a convicção ou com o saber; ou seja, o saber de seu fim é imediatamente o elemento do ser-aí, o universal reconhecer. Com efeito, a essência da ação, o dever, consiste na convicção da boa consciência a seu respeito: essa convicção é justamente o próprio Em si: é a consciência de si, em si universal, ou o ser-reconhecido e por conseguinte, a efetividade. O que é feito com a convicção do dever é assim imediatamente algo que tem consistência e ser-aí. Assim, não se fala mais aqui de uma boa intenção que não se efetua, ou de que as coisas vão mal para quem é bom. Ao contrário, o que é sabido como dever se cumpre e chega à efetividade, pois justamente o que é conforme ao dever é o universal de todas as consciências de si: o reconhecido, e portanto o essente. Mas tomado isoladamente e só, sem o conteúdo do Si, esse dever é o ser para outra, o transparente, que tem só a significação da essencialidade carente de conteúdo em geral. Voltando a examinar a esfera com a qual surgia a realidade espiritual em geral, vemos que o conceito era: o expressar da individualidade, o em si e para si: Mas a figura que exprimia imediatamente esse conceito era a consciência honesta que se afanava em torno da Coisa mesma abstrata. Essa Coisa mesma era ali predicado; mas na boa consciência, pela primeira vez é sujeito, que tem postos nele todos os momentos da consciência, e para o qual estes momentos todos: - substancialidade em geral, ser-aí exterior e essência do pensar - estão contidos nessa sua certeza de si mesmo. Na eticidade, a Coisa mesma tem a substancialidade em geral; na cultura, seu ser-aí exterior; na moralidade, a essencialidade do pensar, sabedora de si mesma; e na boa consciência, ela é o sujeito que sabe esses momentos nele mesmo. Se a consciência honesta só abraça sempre a Coisa mesma vazia, a boa consciência, ao contrário, consegue-a em seu pleno desempenho, que lhe confere por meio de si mesma. A boa consciência é esse poder, porque sabe os momentos da consciência como momentos; e os domina, como sua essência negativa. Consideremos a boa consciência em relação às determinações singulares da oposição que se manifesta no agir, e sua consciência sobre a natureza dessas determinações. Primeiro, ela se comporta como sabedora em relação à efetividade do caso em que se tem de agir. Na medida em que o momento da universalidade pertence a esse saber, compete ao saber do agir consciencioso abarcar de maneira irrestrita a efetividade que tem diante, e assim conhecer exatamente e ponderar as circunstâncias do caso. Ora, esse saber, porque conhece a universalidade como um momento, é um saber dessas circunstâncias que é consciente de não abarcá-las; ou seja, de não ser consciencioso neste ponto. A relação verdadeiramente universal e pura do saber seria uma relação com algo não oposto, uma relação consigo mesmo; mas o agir, pela oposição que nele é essencial, relaciona-se com um Negativo da consciência, com uma efetividade em si essente. Em contraste com a simplicidade da consciência pura, com o Outro absoluto ou a variedade multiforme em si, essa efetividade é uma pluralidade absoluta de circunstâncias que se divide e estende até o infinito: - para trás em suas condições, para o lado em seus concomitantes, para frente, em suas consequências. A consciência conscienciosa é consciente dessa natureza da Coisa, e de sua relação com ela; sabe que não conhece, conforme essa universalidade exigi da, o caso em que opera, e que é nula sua pretensão de ter essa ponderação conscienciosa de todas as circunstâncias. No entanto, não está de todo ausente esse conhecimento e avaliação de todas as circunstâncias; mas só está presente como momento, como algo que só é para outros; e seu saber imperfeito, porque é seu saber, é valorizado como saber suficiente completo. Da mesma maneira se passam as coisas com a universalidade da essência, ou com a determinação do conteúdo através da consciência pura. Passando ao agir, a boa consciência se relaciona com os múltiplos lados do caso. O caso se desdobra em muitos, e igualmente a relação da consciência pura com ele se desdobra; e desse modo, a multiplicidade do caso é uma multiplicidade de deveres. Sabe a boa consciência que tem de optar e decidir entre deveres, porquanto nenhum deles é absoluto em sua determinidade ou em seu conteúdo, mas somente o dever puro. Mas esse abstrato adquiriu em sua realidade a significação do Eu consciente de si. O espírito certo de si mesmo repousa, como boa consciência, dentro de si; e sua universalidade real, ou seu dever, repousa em sua pura convicção do dever. Essa pura convicção é, como tal, tão vazia quanto o dever puro: puro no sentido de que nada nele - nenhum conteúdo determinado - é dever. Mas, agir é preciso: algo tem de ser determinado pelo indivíduo; e o espírito certo de si mesmo, no qual o Em si adquiriu a significação do Eu consciente de si, sabe que tem essa determinação e esse conteúdo na certeza imediata de si mesmo. Essa é, como determinação e conteúdo, a consciência natural, isto é, os impulsos e as inclinações. A boa consciência não reconhece conteúdo algum como absoluto para ela, porque é a absoluta negatividade de tudo que é determinado. De si mesma, ela determina; mas o círculo do Si, em que incide a determinidade como tal, é a assim chamada sensibilidade: para ter um conteúdo derivado da certeza imediata de si mesmo, nada se encontra à mão a não ser a sensibilidade. Tudo o que nas figuras precedentes se apresentava como bem ou mal, como lei e direito, é outro que a certeza imediata de si mesmo; é um universal que agora é um ser para Outro; ou, considerando de outro modo, um objeto que mediatizando a consciência consigo mesma, se introduz entre ela e sua própria verdade; e que antes a separe de si, do que seja sua imediatez. Mas, para a boa consciência, a certeza de si mesma é a pura verdade imediata; e portanto essa verdade é sua certeza imediata de si mesma representada como conteúdo, quer dizer, em geral, é a arbitrariedade do Singular e a contingência de seu ser-aí natural carente de consciência. Esse conteúdo ao mesmo tempo vale como essencialidade moral ou como dever. Porque, como já resultou do examinar das leis, o dever puro é de todo indiferente a qualquer conteúdo, e suporta qualquer conteúdo. Aqui o puro dever tem ao mesmo tempo a forma essencial do ser para si, e essa forma da convicção individual não é outra coisa que a consciência da vacuidade do dever puro, e de que o dever puro é só um momento; que sua substancialidade é um predicado que tem seu sujeito no indivíduo, cujo arbítrio lhe dá o conteúdo. Pode associar a essa forma qualquer conteúdo, e vincular-lhe sua conscienciosidade. Um indivíduo aumenta sua propriedade de certa maneira. É dever que cada um cuide de sua conservação própria, como também de sua família, e não menos que cuide da possibilidade de tornar-se útil a seu próximo e de fazer bem aos necessitados. Está consciente o indivíduo de que isso é dever, pois esse conteúdo está contido imediatamente na certeza de si mesmo; além disso, percebe que cumpre esse dever neste caso. Outros, talvez, considerem como impostura essa maneira correta de proceder; é que eles se atêm a outros aspectos do caso concreto, enquanto ele o proprietário mantém com firmeza este aspecto, por estar consciente da ampliação da propriedade como puro dever. Assim, o que outros chamam prepotência e injustiça cumpre o dever de afirmar sua independência perante os outros; o que chamam covardia, cumpre o dever de se preservar a vida e a possibilidade de ser útil ao próximo; porém o que eles chamam valentia, viola, antes, ambos os deveres. Entretanto, não se permite à covardia ser tão desastrada a ponto de não saber que a conservação da vida e a possibilidade de ser útil aos outros são deveres; ser tão inepta para não estar convencida da conformidade de seu agir com o dever, e ignorar que no saber consiste a conformidade ao dever; aliás a covardia cometeria a inépcia de ser imoral. Porque a moralidade reside na consciência de ter cumprido o dever, essa não faltará ao agir que chamam covardia, nem tampouco ao que chamam valentia. O abstrato, que se denomina dever, é capaz de receber tanto este conteúdo como qualquer conteúdo. O agir, portanto, sabe o que faz como dever; e enquanto o sabe, e enquanto a convicção do dever é a própria conformidade com o dever, então é reconhecido pelos outros; por isso a ação tem valor e ser-aí efetivo. Frente a essa liberdade que introduz, no meio passivo universal do puro dever e saber, qualquer conteúdo, tanto serve um como qualquer outro; não adianta afirmar que um outro conteúdo deveria ser introduzido: pois, seja qual for, terá nele a mácula da determinidade, da qual o saber puro está livre, e que tanto pode rejeitar como acolher. Todo o conteúdo, por ser um conteúdo determinado, está na mesma linha que o outro, embora pareça ter justamente o caráter de que o particular esteja nele suprassumido. Quando no caso efetivo o dever se cinde na oposição em geral, e por isso na oposição da singularidade e universalidade, pode parecer que aquele dever, cujo conteúdo é o universal mesmo, possua imediatamente nele a natureza do dever puro. Com isso, forma e conteúdo se ajustariam totalmente de modo que, por exemplo, a ação pelo bem maior universal seria preferível à ação pelo individual. Só que esse dever universal é o que está presente, em geral, como substância essente em si e para si; como direito e lei, e o que tem valor, independentemente do saber e da convicção como também do interesse imediato do Singular. É pois justamente aquilo contra cuja forma está dirigida a moralidade em geral. Mas no que concerne ao seu conteúdo, é também um conteúdo determinado, na medida em que o bem maior universal é oposto ao bem singular. Sua lei é por isso uma lei da qual se sabe totalmente livre a boa consciência, que se concede a autorização absoluta de lhe acrescentar ou retirar, de negligenciar ou de cumprir. Então, além disso, aquela distinção do dever - para com o Singular, para com o universal - nada tem de rígido, segundo a natureza da oposição em geral. Mas antes, o que o Singular faz para si, redunda em benefício para o universal: quanto mais cuidou de si, tanto maior é não só sua possibilidade de ser proveitoso aos outros, mas também sua efetividade mesma é somente isto: ser e viver em coesão com os outros. Seu gozo singular tem por isso essencialmente a significação de entregar aos outros o que é seu, e de ajudá-los na obtenção de seu próprio gozo. No cumprimento do dever para com o Singular - portanto para consigo - cumpre-se assim também o dever para com o universal. A ponderação e a comparação dos deveres, que aqui se introduzam, levariam ao cálculo da vantagem que o universal teria de uma ação. Ora, a moralidade, de uma parte, ficaria assim à mercê da necessária contingência da intelecção; e de outra parte, a essência da boa consciência é precisamente eliminar esse calcular e ponderar, e decidir por si mesma, sem tais motivos. Dessa maneira, a boa consciência opera e se mantém assim na unidade do ser em si e do ser para si, na unidade do puro pensar e da individualidade: é o espírito certo de si mesmo que tem nele mesmo sua verdade, no seu Si, no seu saber; e neste, como no saber do dever. Esse espírito aí se mantém justamente porque o que na ação é algo positivo - tanto o conteúdo como a forma do dever, e o saber a seu respeito - pertencem ao Si, à certeza de si; mas o que, como um Em si próprio, quer contrapor-se ao Si, conta como algo não verdadeiro, só como suprassumido, só como momento. Portanto, o que conta não é o saber universal em geral mas seu conhecimento das circunstâncias. No dever, como ser em si universal, o Si introduz o conteúdo, que extrai de sua individualidade natural; pois é o conteúdo presente nele mesmo. Esse conteúdo se torna, através do meio universal em que está, o dever que ele pratica; e por isso mesmo, o puro dever vazio é posto como algo suprassumido ou como momento. Esse conteúdo é o seu vazio suprassumido, ou o seu preenchimento. Mas a boa consciência está igualmente livre de qualquer conteúdo em geral: ela se absolve de qualquer dever determinado que deva ter o valor de lei. Na força da certeza de si mesma, tem a majestade da autarquia absoluta - o poder de atar e desatar. Essa autodeterminação é, pois, imediatamente o que é pura e simplesmente conforme ao dever. O dever é o saber mesmo; essa simples ipseidade, porém, é o Em si, pois o Em si é a pura igualdade consigo mesmo, e ela está nessa consciência. Esse saber puro é imediatamente ser para Outro, pois como pura igualdade consigo mesmo é a imediatez ou o ser. Esse ser porém é ao mesmo tempo o puro universal, a ipseidade de todos; ou seja, o agir é reconhecido, e por isso efetivo. Esse ser é o elemento por meio do qual a boa consciência está imediatamente em relação de igualdade com todas as consciências de si; e o significado dessa relação não é a lei carente de si, mas o Si da boa consciência. No entanto, porque o justo que a boa consciência pratica é ao mesmo tempo ser para outro, parece que uma desigualdade a atinge. O dever que cumpre é um conteúdo determinado; na verdade, esse conteúdo é o Si da consciência e nisso é seu saber de si, sua igualdade consigo mesmo. Mas uma vez consumada, posta no meio universal do ser, essa igualdade não é mais saber, não é mais esse diferenciar que suprassume também imediatamente suas diferenças. Ao contrário: no ser a diferença é posta subsistindo, e a ação é uma ação determinada, desigual com o elemento da consciência de si de todos, e assim, não necessariamente reconhecida. Os dois lados, a boa consciência operante e a consciência universal, que reconhece essa operação como dever, são igualmente livres da determinidade desse agir. Em razão dessa liberdade, a relação no meio comum de sua conexão é, antes, uma relação de perfeita desigualdade; por esse motivo, a consciência para a qual a ação existe, se encontra em uma completa incerteza sobre o espírito operante certo de si mesmo. O espírito age: põe uma determinidade como essente. Os outros se atêm a esse ser como à verdade do espírito, e nele são certos de si mesmos; o espírito exprimiu ali o que para ele conta como dever. Só que ele é livre de um dever determinado qualquer; está fora do lugar onde os outros acreditam que ele esteja efetivamente; e esse meio do ser mesmo, e o dever como em si essente, valem para ele apenas como momento. Assim, o que põe diante deles, também de novo dissimula, ou melhor, já o dissimulou imediatamente. Com efeito, sua efetividade não é para ele esse dever e determinação que externou, mas o dever e determinação que tem na absoluta certeza de si mesmo. Assim, os outros não sabem se essa consciência é moralmente boa ou má; ou, antes, não só não podem saber, mas ainda devem tomá-la por má. Pois, como a consciência está livre da determinidade do dever - e do dever como em si essente - também eles são igualmente livres. Eles mesmos sabem dissimular o que aquela consciência lhes coloca diante: é algo pelo qual só está expresso o Si de outro, não o seu próprio. Não só se sabem livres disso, senão que devem dissolvê-la em sua própria consciência, reduzir a nada pelo julgar e explicar, a fim de preservar o seu Si. Contudo, a ação da boa consciência não é apenas essa determinação do ser, abandonada pelo puro Si. O que deve ser valorizado e reconhecido como dever, só o é mediante o saber e a convicção a seu respeito como dever, mediante o saber de si mesmo no ato. Se o ato deixa de ter nele esse Si, deixa de ser o que unicamente é sua essência. Seu ser-aí, abandonado por essa consciência, seria uma efetividade ordinária, e a ação se nos revelaria como um implementar de seu prazer e desejo. O que deve ser aí é, neste ponto, sua essencialidade apenas, porque é sabida como individualidade que se expressa a si mesma - e esse ser-sabido é aquilo que é reconhecido, e o que como tal deve ter ser-aí. O Si entra no ser-aí como Si; o espírito certo de si mesmo existe, como tal, para outros: não é sua ação imediata o que é válido e efetivo; não é o determinado nem o em si essente que é reconhecido; mas só o Si que se sabe, como tal. O elemento da subsistência é a consciência de si universal; o que entra nesse elemento não pode ser o efeito da ação, pois a ação aí não se sustém, nem ganha permanência. Ao contrário, é somente a consciência de si que é o reconhecido e que ganha a efetividade. Vemos assim a linguagem novamente como o ser-aí do espírito. A linguagem é a consciência de si essente para outros, que está imediatamente presente como tal e que é universal como esta consciência de si. É o Si separando-se de si mesmo que como puro Eu = Eu se torna objetivo e nessa objetividade tanto se mantém como este Si quanto se aglutina imediatamente com os outros e é a consciência de si deles. Tanto se percebe como é percebido pelos outros, e o perceber é justamente o ser-ai que se tornou Si. O conteúdo, que a linguagem aqui adquiriu, não é mais o Si perverso e pervertedor e dilacerado do mundo da cultura; mas é o espírito que retornou a si, certo de si e certo de sua verdade em seu Si - ou do seu reconhecer - e reconhecido como esse saber. A linguagem do espírito ético é a lei e o simples mandamento, e a lamentação que é mais uma lágrima derramada sobre a necessidade. Ao contrário, a consciência moral é ainda muda, fechada em si no seu íntimo, pois nela o Si não tem ainda ser-aí, mas o ser-aí e o Si estão somente em relação exterior recíproca. No entanto, a linguagem surge apenas como o meio-termo entre consciências de si independentes e reconhecidas; o Si ai essente é o ser reconhecido, imediatamente universal, múltiplo e contudo simples nessa multiplicidade. O conteúdo da linguagem da boa consciência é o Si, sabedor de si como essência. A linguagem exprime somente isso: e esse exprimir é a verdadeira efetividade do agir e a validade da ação. A consciência exprime sua convicção: é só nessa convicção que a ação é dever. Também só vale como dever porque a convicção é expressa. Com efeito, a consciência de si universal é livre da ação determinada apenas essente; esta, como ser-ai, não vale para a consciência de si, e sim, a convicção de que a mesma ação é dever, e essa convicção é efetiva na linguagem. Efetivar a ação não significa, aqui, trasladar seu conteúdo da forma do fim ou do ser para si para a forma da efetividade abstrata; mas da forma da imediata certeza de si mesmo - que sabe como essência seu saber ou ser para si - para a forma da asseveração de que a consciência está convencida do dever e sabe, de si mesma, como boa consciência, o dever. Assim essa asseveração assevera que a consciência está convencida que sua convicção é a essência. Perante a boa consciência, não têm sentido questões ou dúvidas como estas: - se é verdadeira a asseveração de agir por convicção do dever; se é efetivamente o dever o que foi feito. Naquela questão se a asseveração é verdadeira estaria pressuposto que a intenção interior é diversa da que foi manifestada, isto é, que o querer do Si singular possa separar-se do dever, da vontade da consciência universal e pura. Essa última residiria nas palavras, enquanto a primeira seria propriamente a verdadeira mola da ação. Só que essa diferença entre a consciência universal e o Si singular é justamente o que se suprassumiu; e o seu suprassumir é a boa consciência. O saber imediato do Si, certo de si, é lei e dever: sua intenção, por ser sua intenção, é o justo. Só se exige que o saiba, e que diga essa convicção de que seu saber e querer é o justo. O enunciar dessa asseveração suprassume em si mesmo a forma de sua particularidade; reconhece nisso a necessária universalidade do Si. Ao chamar-se boa consciência, chama-se puro saber si mesma, e puro querer abstrato. Quer dizer: chama-se um universal saber e querer, que reconhece os Outros, lhes é igual: pois eles são justamente esse puro saber-se e querer-se, e o que, por isso, é também reconhecido por eles. A essência do justo reside no querer do Si certo de si, nesse saber de que o Si é a essência. Portanto, quem diz que age assim de boa consciência, diz a verdade, pois sua boa consciência é o Si sabedor e querente. Mas é essencial que o diga, já que esse Si deve ser, ao mesmo tempo, Si universal. Ele não é universal no conteúdo da ação, pois esse é em si indiferente, devido à sua determinidade; mas a universalidade reside na forma da mesma ação. É essa forma que se deve pôr como efetiva: ela é o Si, que como tal é efetivo na linguagem, que se declara como o verdadeiro e por isso mesmo reconhece todos os Si, e é reconhecido por eles. Assim, a boa consciência, na majestade de sua elevação sobre a lei determinada e sobre qualquer conteúdo do dever, põe o conteúdo que lhe apraz em seu saber e querer: é a genialidade moral, que sabe a voz interior de seu saber imediato como sendo a voz divina, e enquanto nesse saber sabe de modo igualmente imediato o ser-aí: é a criatividade divina, que tem em seu conceito a vitalidade. É igualmente serviço divino em si mesma, porque seu agir é o contemplar dessa sua própria divindade. Esse serviço divino solitário é ao mesmo tempo essencialmente o serviço divino de uma comunidade, e o puro interior saber-se e perceber-se a si mesmo passa a ser momento da consciência. A contemplação de si é seu ser-aí objetivo, e esse elemento objetivo é o enunciar de seu saber e querer, como de um universal. Por meio desse enunciar, o Si se torna algo vigente, e a ação torna-se ato efetuante. A efetividade e a subsistência de seu agir são a consciência de si universal; mas o enunciar da boa consciência põe a certeza de si mesma como Si puro e por isso, como Si universal. Os outros valorizam a ação por causa desse discurso, no qual o Si é expresso e reconhecido como a essência. Assim, o espírito e a substância de sua união é mútua asseveração de sua conscienciosidade, de suas boas intenções, o jubilar-se por essa pureza recíproca e o deleitar-se com a sublimidade do saber e enunciar, do guardar e cultivar tal excelência. Na medida em que essa boa consciência ainda distingue sua consciência abstrata de sua consciência de si, tem sua vida somente recôndita em Deus. Na verdade, Deus está imediatamente presente ao seu espírito e coração, ao seu Si: mas o revelado, sua consciência efetiva e o movimento mediatizante da mesma, são para ela outra coisa que aquele Interior recôndito e a imediatez da essência presente. Contudo, na realização plena da boa consciência, suprassume-se a diferença entre sua consciência abstrata e sua consciência de si. Ela sabe que a consciência abstrata é precisamente este Si, este ser para si certo de si; sabe que na imediatez da relação do Si com o Em si - o qual posto fora do Si é a essência abstrata e o recôndito para ela - é suprassumida justamente a diversidade. Com efeito, aquela relação em que os termos relacionados não são, um para o Outro, uma só e a mesma coisa, mas Outro, e somente são Um em um terceiro - é uma relação mediatizante. Ao contrário, a relação imediata de fato não significa outra coisa que a unidade. A consciência, elevada acima da carência de pensamento - que é manter ainda como diferenças essas diferenças que não são tais - sabe a imediatez da presença da essência como sendo nela unidade da essência e do seu Si. Assim, sabe o seu Si como o Em si vivente, e sabe esse seu saber como a religião. A religião, como saber intuído ou aí essente, é o falar da comunidade sobre o seu espírito. Vemos assim aqui a consciência de si retornada ao seu mais íntimo, para o qual desvanece toda a exterioridade como tal; retornada à intuição do Eu = Eu, em que esse Eu é toda a essencialidade e ser-aí. A consciência de si afunda nesse conceito de si mesma, por ser impelida ao ápice de seus extremos. Sem dúvida isso se dá de modo que os diversos momentos, pelos quais ela é real, ou é ainda consciência, não são para nós esses puros extremos; ao contrário, o que ela é para si, e o que para ela é em si, e o que para ela é ser-aí, se volatiliza em abstrações, que para a consciência não têm mais nenhuma firmeza, nenhuma substância; e tudo o que até agora era essência para a consciência, retrocedeu nessas abstrações. A consciência, refinada até essa pureza, é a sua figura mais pobre; e a pobreza, que constitui seu único patrimônio, ela mesma é um desvanecer; essa absoluta certeza em que a substância se dissolveu, é a absoluta inverdade, que colapsa dentro de si; é a consciência de si absoluta em que a consciência afunda. Considerando esse afundar dentro de si mesma, vê-se que a substância em si essente é para a consciência o saber como seu saber. Como consciência, está dividida na oposição de si e do objeto que para ela é a essência; mas esse objeto é, a rigor, o perfeitamente translúcido - é o seu Si; e sua consciência é apenas o saber de si. Toda a vida, toda a essencialidade espiritual retornaram a esse Si, e perderam sua diversidade em relação ao Eu Mesmo. Os momentos da consciência são, pois, essas abstrações extremas. Nenhuma delas fica estável, mas cada uma se perde na outra e a engendra. É a alternância da consciência infeliz consigo, mas que ocorre agora para a consciência mesma no interior de si; e está consciente de ser o conceito da razão, que a consciência infeliz é somente em si. A certeza absoluta de si mesma muda-se assim para ela, como consciência, imediatamente em um som que esmaece na objetividade do seu ser para si. Mas esse mundo criado é sua fala, que ela escutou de modo igualmente imediato, e cujo eco apenas lhe retorna. Portanto, esse retorno não significa que a consciência ali esteja em si e para si, pois a essência para ela não é um Em si, mas ela mesmo; tampouco tem ser-aí, porque o objetivo não chega a ponto de ser um negativo do Si efetivo, assim como este não chega à efetividade. Falta-lhe a força da extrusão, a força para se fazer coisa e para suportar o ser. Vive na angústia de manchar a magnificência de seu interior por meio da ação e do ser-aí; para preservar a pureza de seu coração, evita o contato da efetividade, e permanece na obstinada impotência: - de renunciar a seu Si, aguçado até a última abstração; - de se conferir substancialidade, ou transmudar seu pensar em ser; - e de confiar-se à diferença absoluta. O objeto vazio, que para si produz, enche-o assim com a consciência de sua vacuidade; seu agir é o anelo que somente se perde no converter de si mesmo em objeto carente de essência. Ultrapassando essa perda e tornando a cair em si, encontra-se somente como perdido. Nessa transparente pureza de seus momentos arde, infeliz, uma assim-chamada bela alma consumindo-se a si mesma, e se evapora como uma nuvem informe que no ar se dissolve. Esse silencioso confluir das essencialidades inconsistentes da vida que se evaporou deve porém tomar-se ainda na outra significação: - a da efetividade da boa consciência e na manifestação do movimento desta; a boa consciência deve ser considerada como operando. O momento objetivo nessa consciência determinou-se acima como consciência universal; o saber que se sabe a si mesmo é, como este Si particular, distinto de outros Si; a linguagem em que todos mutuamente se reconhecem como agindo conscienciosamente - essa igualdade universal - decai na desigualdade do ser para si singular; cada consciência igualmente se reflete simplesmente em si mesma a partir de sua universalidade. Desse modo entra em cena necessariamente a oposição da singularidade frente aos outros singulares e frente ao universal; há que considerar essa relação e seu movimento. Em outras palavras, essa universalidade e o dever têm a significação absolutamente oposta à da singularidade determinada, que se separa do universal; para ela, o dever puro é apenas a universalidade que aparece na superfície e se volta para fora; o dever reside unicamente nas palavras, e conta como um ser para outro. A boa consciência, que de início só negativamente se orientava contra o dever como este dever determinado e dado, agora se sabe livre dele. Mas ao preencher o dever vazio com um conteúdo determinado, extraído de si mesma, tem a consciência positiva de que, como este Si, faz para si o conteúdo. Seu puro Si, como saber vazio, é algo privado de conteúdo e de determinação. O conteúdo que a boa consciência lhe dá, é tomado do seu Si, como este determinado Si; é tirado de si como individualidade natural; e, no falar sobre a conscienciosidade de seu agir, é bem consciente de seu puro Si. Contudo, no fim de seu agir - como num conteúdo efetivo - é consciente de si como este Singular particular, e da oposição entre o que é para si e o que é para outro; da oposição entre a universalidade ou o dever, e o seu ser-refletido a partir da universalidade ou dever. Se assim se exprime em seu interior a oposição em que a boa consciência entra como operando, essa oposição é, ao mesmo tempo, a desigualdade segundo o exterior, no elemento do ser-aí: - a desigualdade de sua singularidade particular em relação a outro Singular. Sua particularidade consiste nisto: os dois momentos constitutivos de sua consciência - o Si e o Em si - são desiguais em valor; na verdade, valem na consciência com a determinação de que a certeza de si mesmo é a essência, em contraposição ao Em si ou ao universal, que só vale como momento. Contrapõe-se assim a essa determinação interior o elemento do ser-aí, ou a consciência universal para a qual, antes, a universalidade - o dever - é a essência; e ao contrário, a singularidade, que em contraste com o universal é para si, só vale como momento suprassumido. Para esse ater-se com firmeza ao dever, a primeira consciência conta como o mal, por ser a desigualdade de seu ser dentro de si em relação ao universal; e enquanto ela exprime ao mesmo tempo seu agir como igualdade consigo mesma, como dever e conscienciosidade, essa consciência conta como hipocrisia. O movimento dessa oposição é, em primeiro lugar, o estabelecimento formal da igualdade entre o que é o mal dentro de si, e o que ele declara. É preciso que venha à luz que ele é mau, e desse modo seu ser-aí se torne igual à essência: a hipocrisia deve ser desmascarada. Esse retorno à igualdade, da desigualdade presente na hipocrisia, já não ocorreu porque a hipocrisia - como se costuma dizer - demonstra seu respeito pelo dever e pela virtude, justamente ao tomar-lhes a aparência e usá-la como máscara para sua própria consciência, e não menos para a consciência alheia: nesse reconhecimento do oposto estariam contidas em si a igualdade e a concordância. Contudo, a hipocrisia ao mesmo tempo está fora igualmente desse reconhecer da linguagem, e refletida sobre si mesma; e no fato de utilizar o em si essente só como um ser para outro, está antes contido o seu próprio desprezo do em si essente, e a exposição para todos de sua carência de essência. Com efeito, o que se deixa utilizar como um instrumento externo, mostra-se como uma coisa que não tem peso próprio em si mesma. A essa igualdade também não se chega mediante a persistência unilateral da má consciência em si mesma, nem mediante o juízo do universal. Se a má consciência renega-se frente à consciência do dever, e afirma, como um agir conforme à lei interior e à boa consciência, o que essa declara como maldade, como desigualdade absoluta em relação ao universal - mesmo assim permanece ainda, nessa afirmação unilateral da igualdade, sua desigualdade com o Outro: porque ele não acredita nela nem a reconhece. Ou então, porque o persistir unilateral em um extremo dissolve-se a si mesmo, o mal se confessaria certamente como mal; mas nisso se suprassumiria imediatamente - e não seria hipocrisia, nem se desmascararia como tal. O mal confessa-se, de fato, como mal pela afirmação de que opera segundo sua interior lei e boa consciência, em oposição ao universal reconhecido. Com efeito, se essa lei e boa consciência não fosse a lei de sua singularidade e arbitrariedade, não seria algo de interior, de próprio; mas o universalmente reconhecido. Portanto, quem diz que age contra os outros segundo sua lei e boa consciência, diz de fato que os maltrata. Contudo, a boa consciência efetiva não é esse persistir no saber e querer, que se opõe ao universal; mas o universal é o elemento de seu ser-aí e sua linguagem exprime seu agir como o dever reconhecido. Mas tampouco o persistir da consciência universal em seu juízo é desmascaramento e dissolução da hipocrisia. Ao denunciar a hipocrisia como má, baixa, etc. a consciência universal apela nesses juízos para a sua própria lei, como a má consciência para a lei que é sua. Pois uma entra em oposição com a outra, e por isso se mostra como uma lei particular. Não tem, pois, nenhuma vantagem sobre a outra, mas antes a legitima; e esse zelo faz precisamente o contrário do que imagina fazer, isto é, mostrar como algo não reconhecido o que chama verdadeiro dever e que deve ser reconhecido universalmente. Assim fazendo, confere à outra o igual direito do ser para si. Entretanto esse juízo moral tem ao mesmo tempo outro lado, pelo qual se torna a introdução ao desenlace da oposição existente. A consciência do universal não se comporta como uma consciência efetiva e operante contra a primeira consciência, pois esta é antes o efetivo. Comporta-se porém em oposição a ela como algo que não ficou retido na oposição da singularidade e da universalidade que se introduz no agir. Permanece na universalidade do pensamento, comporta-se como consciência que apreende, e sua primeira ação é somente o juízo. Mediante esse juízo, como já se observou, ela se coloca ao lado da primeira; e esta, graças a essa igualdade, chega à contemplação de si mesma nessa outra consciência. Pois a consciência do dever se comporta como apreendente, passivamente. Mas por isso está em contradição consigo, enquanto vontade absoluta do dever; em contradição consigo, enquanto é o que se determina pura e simplesmente por si mesmo. Ela se preservou bem na pureza, por não operar; é a hipocrisia que quer que se tome por ato efetivo o julgar, e demonstra a retidão pelo proclamar de excelentes intenções, em vez de mostrá-la pela ação. Ela é assim constituída em tudo e por tudo, como aquela consciência que se critica por colocar o dever somente em seu discurso. Em ambas, o lado da efetividade é igualmente diverso do discurso: em uma, pelo fim egoístico da ação; na outra, pela ausência do agir em geral. A necessidade do agir reside no próprio falar do dever, pois dever sem ato não possui absolutamente nenhuma significação. Mas o julgar deve ser considerado também como uma ação positiva do pensamento, e tem um conteúdo positivo. Por esse lado, se torna ainda mais completa a contradição que está presente na consciência apreendente, e sua igualdade com a primeira consciência. A consciência operante exprime como dever esse seu agir determinado, e a consciência judicante não pode desmenti-la nisto, porque o dever mesmo é a forma carente de conteúdo e capaz de qualquer conteúdo. Por outras palavras: a ação concreta, em si mesma diversa em sua multilateralidade, contém nela tanto o lado universal, que é aquele que se tomou por dever, - como o lado particular, que constitui a quota-parte e o interesse do indivíduo na ação. A consciência judicante agora não se situa naquele lado do dever, nem no saber do operante pelo motivo de que seja esse seu dever, a condição e o estatuto de sua efetividade. Ao contrário, ela se atém ao outro lado, joga a ação para o interior, e a explica por sua intenção - que é diferente da ação mesma - e por sua motivação egoística. Como toda a ação é susceptível de ser considerada em sua conformidade com o dever, assim também é susceptível dessa outra consideração da particularidade; porque, como ação, é a efetividade do indivíduo. Esse juízo coloca pois a ação fora de seu ser-aí, e a reflete no interior ou na forma da particularidade própria. Se a ação vai acompanhada pela fama, o juízo sabe esse interior como ambição de glória, etc. Se a ação se ajustar, em geral, à condição do indivíduo sem ir além dela, e for de tal modo constituída que a individualidade não assuma o status como uma determinação externa, suspensa a ela, mas preencha por si mesma essa universalidade mostrando-se, por isso mesmo, capaz de algo mais elevado, - então o juízo saberá o interior dela como cobiça da honra, etc. Como na ação, em geral, o operante alcança a intuição de si mesmo na objetividade, ou o sentimento de si mesmo em seu ser-aí, e assim chega ao gozo - do mesmo modo o juízo sabe o interior como impulso para a felicidade própria, mesmo que ela só consista na vaidade moral interior, no gozo da consciência da própria excelência, e na prelibação da esperança de uma felicidade futura. Nenhuma ação pode escapar a tal julgar, porque o dever pelo dever - esse fim puro - é o inefetivo; no agir da individualidade é que tem sua efetividade, e por isso a ação possui nela o lado da particularidade. Ninguém é herói para seu criado de quarto; não porque o herói não seja um herói, mas porque o criado de quarto é criado de quarto, com quem o herói nada tem a ver enquanto herói, mas só enquanto homem que come, bebe e se veste; quer dizer, em geral, como homem privado, na singularidade da necessidade e da representação. Do mesmo modo, para o julgamento não há ação em que ele não possa contrapor o lado da singularidade e da individualidade, ao lado universal da ação, e desempenhar para com aquele que age o papel de criado de quarto da moralidade. Essa consciência judicante é, ela mesma, vil, porque divide a ação, produz e fixa sua desigualdade consigo mesma. Além disso, é hipocrisia, porque não faz passar tal julgar por outra maneira de ser mau, e sim pela consciência reta da ação. Nessa sua inefetividade e vaidade do saber-bem e saber melhor, coloca-se a si mesma acima dos fatos desdenhados, e quer que suas palavras inoperantes sejam tomadas por uma efetividade excelente. Portanto a consciência, fazendo-se desse modo igual ao que opera, e que é julgado por ela, é reconhecida por esse como lhe sendo idêntica. O que-opera encontra-se não só apreendido por aquela consciência como um estranho e desigual a ela, mas antes acha a consciência igual a ele por sua própria estrutura. Contemplando essa igualdade e proclamando-a, confessa-se a ela, e espera igualmente que o Outro, como se colocou de fato no mesmo nível que ela, repita também sua fala, exprima nela sua igualdade; e que se produza o ser-aí reconhecente. Sua confissão não é uma humilhação, vexame, aviltamento perante o Outro, uma vez que esse declarar não é a declaração unilateral, pela qual pusesse sua desigualdade com o Outro; ao contrário, a consciência operante só se declara por causa da intuição da igualdade do Outro com ela; de sua parte enuncia sua igualdade na confissão, e a enuncia porque a linguagem é o ser-aí do espírito como Si imediato. Espera assim que o Outro contribua com o seu para esse ser-aí. Mas à confissão do malvado: Sou eu quem fez isto, não se segue essa réplica da igual confissão. Não era isso o que a consciência judicante entendia; muito pelo contrário. Ela repele de si essa solidariedade; é o coração duro, que é para si, e rejeita a continuidade com o Outro. Assim, a cena se inverte. A consciência que se confessava vê-se rejeitada, e vê na injustiça o Outro, que se recusa a sair de seu interior para o ser-aí do discurso, e que opõe a beleza de sua alma ao malvado; mas à confissão opõe o pescoço duro do caráter sempre igual a si mesmo, e o mutismo de guardar-se para si mesmo e não se rebaixar perante outro. Aqui se dá a suprema revolta do espírito certo de si mesmo; pois ele se contempla como esse simples saber do Si no Outro; e na verdade, de modo que a figura extrema desse Outro não seja, como na riqueza, o carente de essência, não seja uma coisa; - ao contrário o que se contrapõe aqui ao espírito é o pensamento, o saber mesmo. Ora. é essa a continuidade absolutamente fluida do puro saber, que se recusa a estabelecer sua comunicação com ele; - com ele, que em sua confissão já tinha renunciado ao ser para si separado, e se pusera como particularidade suprassumida, e portanto como a continuidade com o Outro, como Universal. Contudo, o Outro retém nele mesmo seu ser para si que não se comunica; e no penitente retém justamente o mesmo que, aliás, já foi por este rejeitado. Mostra-se, assim, como consciência abandonada pelo espírito, e que renega o espírito; já que não reconhece que o espírito, na certeza absoluta de si mesmo, é o senhor de todo o ato e efetividade, e que pode rejeitá-los e fazê-los não acontecidos. Ao mesmo tempo, não reconhece a contradição, que comete, não deixando que a rejeição ocorrida no discurso conte pelo verdadeiro rejeitar, enquanto ela mesma tem a certeza de seu espírito, não em uma ação efetiva, e sim em seu interior; e tem o ser-aí desse interior no discurso de seu julgamento. Portanto é ela mesma que impede o retorno do Outro, desde o ato ao ser-aí espiritual do discurso, e à igualdade do espírito: e por essa dureza produz a desigualdade que ainda está presente. Agora, enquanto o espírito, certo de si mesmo como bela alma, não possuir a força da extrusão do saber de si mesmo que se mantém em si, não pode alcançar a igualdade com a consciência rejeitada, e sim tampouco a unidade contemplada dele mesmo no Outro, nem o ser-aí. Portanto, a igualdade só se efetua negativamente, como um ser carente de espírito. A bela alma, carente de efetividade, vive na contradição entre seu puro Si e a necessidade que ele tem de extrusar-se para tornar-se ser e converter-se em efetividade, na imediatez dessa oposição consolidada; uma imediatez que é só o meio-termo e a reconciliação da oposição elevada à sua abstração pura, e que é o puro ser ou o vazio nada. Essa bela alma portanto, como consciência dessa contradição de sua imediatez não reconciliada, é transtornada até à loucura, e definha em tísica nostálgica. Com isso abandona, de fato, o duro obstinar-se do seu ser para si; mas produz somente a unidade – carente de espírito - do ser. A igualação verdadeira, isto é, consciente de si e ai essente, já está contida, segundo sua necessidade, no que precede. O romper do coração duro e sua elevação à universalidade, é o mesmo movimento que estava expresso na consciência que se confessava. As feridas do espírito curam sem deixar cicatrizes. O fato não é O imperecível, mas é reabsorvido pelo espírito dentro de si; o que desvanece imediatamente é o lado da singularidade presente no fato - seja como intenção, seja como negatividade e limitação aí essente do fato. O Si efetivante - a forma da sua ação - é só um momento do todo, e igualmente o saber que pelo juízo determina e que fixa a distinção entre o lado singular e o universal do agir. Aquele malvado põe essa extrusão de si, ou se põe como momento, ao ser atraído, para o ser-aí que se confessa, pela visão de si mesmo no Outro. Mas para esse Outro deve romper-se seu juízo unilateral e não reconhecido, assim como para o primeiro o que deve romper-se é seu ser-aí unilateral e não reconhecido. Como um demonstra a potência do espírito sobre sua efetividade, assim o outro demonstra a potência sobre seu conceito determinado. Aliás, esse que ouve a confissão renuncia ao pensamento divisor e à dureza do ser para si que se lhe aferra, porque de fato se contempla no primeiro que se confessa. Esse que se desfaz de sua efetividade, e se torna um este suprassumido, apresenta-se assim, de fato, como universal. De sua efetividade exterior retoma a si como essência: por isso a consciência universal nele se reconhece a si mesma. O perdão, que concede à primeira consciência, é a renúncia a si mesma - à sua essência inefetiva, à qual equipara a outra consciência que era o agir efetivo. Agora reconhece como bem o que era chamado mal, pela determinação que o agir recebia no pensamento; ou, melhor dito, abandona tanto essa diferença do pensamento determinado como seu juízo determinante para si essente, assim como a outra consciência abandona o determinar, para si essente, da ação. A palavra da reconciliação é o espírito ai essente, que contempla o puro saber de si mesmo, como da essência universal em seu contrário, - no puro saber de si como singularidade absolutamente essente dentro de si: um recíproco reconhecer, que é o espírito absoluto. O espírito absoluto só entra no ser-aí no ponto culminante, onde seu puro saber de si mesmo é a oposição e permuta consigo mesmo. Sabendo que seu puro saber é a essência abstrata, ele é esse dever que sabe: em absoluta oposição com o saber que sabe ser ele próprio a essência, como singularidade absoluta do Si. O primeiro saber é a continuidade pura do universal: ele sabe que a individualidade, sabedora de si como a essência, é o nulo, é o mal. Ao contrário, o segundo saber é a discrição absoluta, que sabe a si mesma absoluta em seu puro Uno, e sabe aquele universal como o inefetivo, como o que é só para Outros. Os dois lados são refinados até essa pureza, onde neles não há mais nenhum ser-aí carente de si, nenhum negativo da consciência; mas um lado, o dever, é o caráter - que permanece igual a si - do seu saber de si mesmo; o outro lado é o mal, que tem igualmente seu fim em seu ser dentro de si, e sua efetividade em seu discurso. O conteúdo desse discurso é a substância do seu subsistir; o discurso é a asseveração da certeza do espírito dentro de si mesmo. Os dois espíritos certos de si mesmos não têm outro fim que seu puro Si, nem outra realidade e ser-aí a não ser, justamente, esse puro Si. Mas ainda são diversos; e a diversidade é a diversidade absoluta, por estar posta no elemento do puro conceito. Aliás, não é uma diversidade só para nós, senão para os conceitos mesmos que estão nessa oposição. Com efeito, esses conceitos são na verdade reciprocamente determinados, mas ao mesmo tempo universais em si, de sorte que enchem todo o âmbito do Si; e esse Si não tem outro conteúdo senão sua determinidade, que nem vai além dele, nem é mais restrita que ele. Pois uma das determinações - o absolutamente universal - é tanto o puro saber se a si mesmo, quanto a outra é a absoluta discrição da singularidade: e ambas são somente esse puro saber-se. As duas determinidades são, assim, os conceitos puros que sabem, cuja determinidade mesma é imediatamente saber, ou cujo relacionamento e oposição é o Eu. Por isso elas são, uma para a outra, esses absolutamente Opostos: é o perfeitamente interior, que dessa maneira se contrapõe a si mesmo e entra no ser-aí: as duas determinidades constituem o puro saber que mediante essa oposição é posto como consciência. Mas não é ainda consciência de si: obtém essa efetivação no movimento dessa oposição. Com efeito, essa oposição é antes a continuidade indiscreta e igualdade do Eu = Eu, e cada Eu para si, justamente se suprassume em si mesmo, por meio da contradição de sua pura universalidade, que ao mesmo tempo ainda resiste à sua igualdade com o outro, e dali se separa. Mediante tal extrusão, esse saber cindido em seu ser-aí retorna à unidade do Si; é o Eu efetivo, o saber universal de si mesmo em seu Contrário absoluto, no saber essente dentro de si, que devido à pureza de seu isolado ser dentro de si é ele mesmo o perfeitamente universal. O sim da reconciliação - no qual os dois Eus abdicam de seu ser-aí oposto - é o ser-aí do Eu expandindo-se em dualidade, e que aí permanece igual a si; e que em sua completa extrusão e em seu perfeito contrário, tem a certeza de si mesmo: é o deus que se manifesta no meio daqueles que se sabem como sendo o puro saber. VII A Religião Nas figuras até agora vistas, que se distinguiam em geral como consciência, consciência de si, razão e espírito, decerto já se apresentou também a religião como consciência da essência absoluta em geral - mas só do ponto de vista da consciência, que é consciente da essência absoluta. Contudo, naquelas formas não aparecia a essência absoluta em si e para si mesma, não aparecia a consciência de si do espírito. Já a consciência enquanto é entendimento se torna consciência do suprassensível, ou do interior do ser-aí objetivo. Mas o suprassensível, eterno - ou como aliás queiram chamá-lo -, é carente de si: é apenas inicialmente o universal que ainda está muito longe de ser o espírito que se sabe como espírito. Depois, era a consciência de si, que na figura da consciência infeliz tem sua implementação; - era somente a dor do espírito lutando por chegar de novo à objetividade, mas sem consegui-la. A unidade da consciência de si singular e de sua essência imutável, a que se dirige, permanece portanto um além da consciência infeliz. O ser-aí imediato da razão, que para nós brota dessa dor, e suas figuras peculiares, não têm religião: porque sua consciência de si se sabe - ou se busca - no imediato Presente. No mundo ético, ao contrário, víamos uma religião, e, na verdade, a religião do mundo ctônico. Essa religião é a crença na noite do destino, assustadora e desconhecida, e na Eumênide do espírito que partiu. Aquela crença é a negatividade pura sob a forma da universalidade; esta Eumênide é a negatividade na forma da singularidade. A essência absoluta, nessa última forma, é, sem dúvida, o Si, e algo presente - como o Si não existe de outra maneira; - só que o Si singular é esta sombra singular, que separou de si a universalidade que é o destino. Na verdade, é sombra, um Este suprassumido e, por isso, Si universal; mas aquela significação negativa ainda não se mudou nessa significação positiva, e, por isso, ao mesmo tempo, o Si suprassumido ainda significa, imediatamente, esse particular e carente de essência. Mas o destino, sem o Si, permanece a noite carente de consciência que não chega à distinção dentro dela, nem à clareza do saber de si mesma. Essa crença no nada da necessidade e no mundo ctônico torna-se a crença no céu, uma vez que o Si separado tem de unir-se à sua universalidade, nela desdobrar o que contém, e assim vir a ser claro a si mesmo. Tínhamos porém visto que esse reino da fé somente no elemento do pensar desdobrava seu conteúdo sem o conceito e por isso soçobrava em seu destino, a saber, na religião do Iluminismo. Nessa religião se reinstaura o Além suprassensível do entendimento, mas de modo que a consciência de si fica satisfeita no aquém, e não sabe nem como Si, nem como potência o além suprassensível, o Além vazio que não há que reconhecer nem temer. Enfim, na religião da moralidade, se estabelece de novo que a essência absoluta é um conteúdo positivo; no entanto, esse conteúdo está unido à negatividade do Iluminismo. É ele um ser, que igualmente retomou ao Si, e aí permanece encerrado; e é um conteúdo diferenciado cujas partes são negadas tão imediatamente como são estabelecidas. Contudo o destino no qual sucumbe esse movimento contraditório, é o Si consciente de si como sendo o destino da essencialidade e da efetividade. Na religião, o espírito sabedor de si mesmo é imediatamente sua própria consciência de si pura. As figuras do espírito que foram consideradas, A - o espírito verdadeiro, B- o espírito alienado de si mesmo, e C - o espírito certo de si mesmo, - constituem, em conjunto, o espírito em sua consciência o qual, confrontando-se ao seu mundo, nele não se reconhece. Mas na boa consciência, o espírito submete a si tanto seu mundo objetivo em geral quanto também sua representação e seus conceitos determinados; e é consciência de si essente junto de si. Nela o espírito, representado como objeto, tem para si a significação de ser o espírito universal, que em si contém toda a essência e toda a efetividade. Contudo, o espírito não está na forma de livre efetividade ou da natureza que se manifesta de modo independente. Tem, sem dúvida, figura ou a forma do ser, enquanto é objeto da sua consciência; mas como esta na religião está posta na determinação essencial de ser consciência de si, é a figura perfeitamente translúcida para si mesma; e a efetividade que o espírito contém está nele encerrada - ou está suprassumida nele - justamente na maneira como dizemos toda a efetividade: trata-se da efetividade universal pensada. Assim, enquanto na religião a determinação da consciência peculiar do espírito não tem a forma do livre ser Outro, seu ser-aí é distinto de sua consciência de si, e sua efetividade peculiar incide fora da religião. É, na verdade, um só o espírito de ambas, mas sua consciência não abarca a ambas de uma vez; - e a religião aparece como uma parte do ser-aí, e do agir e ocupar-se - sendo sua outra parte a vida em seu mundo efetivo. Como nós agora sabemos que o espírito no seu mundo, e o espírito consciente de si como espírito - ou o espírito na religião - são o mesmo, a perfeição da religião consiste em que os dois espíritos se tornem iguais um ao outro; não apenas que a efetividade seja compreendida pela religião, mas inversamente, que o espírito - como espírito consciente de si - se torne efetivo e objeto de sua consciência. Na medida em que o espírito na religião se representa para ele mesmo, ele é certamente consciência, e a efetividade incluída na religião é a figura e a roupagem de sua representação. Mas nessa representação não se atribui à efetividade seu pleno direito, a saber, o direito de não ser roupagem apenas, e sim um ser-aí livre independente. Inversamente, por lhe faltar sua perfeição em si mesma, é uma figura determinada, que não atinge o que deve apresentar: isto é, o espírito consciente de si mesmo. Para poder exprimir o espírito consciente de si, sua figura não deveria ser outra coisa que ele; e ele deveria manifestar-se, ou ser efetivo, tal como é em sua essência. Só assim também seria alcançado o que parece ser a exigência do contrário; a saber, que o objeto de sua consciência tenha ao mesmo tempo a forma de efetividade livre. Mas só o espírito, que para si é objeto como espírito absoluto, tanto é para si uma efetividade livre, quanto aí permanece consciente de si mesmo. 1- Como primeiro se distinguem a consciência de si e a consciência propriamente dita - a religião e o espírito em seu próprio mundo, ou o ser-aí do espírito - assim este ser-aí consiste na totalidade do espírito enquanto expõe a si seus momentos como dissociando-se uns dos outros e cada um para si. 2- Ora, estes momentos são: a consciência, a consciência de si, a razão e o espírito, quer dizer, o espírito como espírito imediato, que não é ainda a consciência do espírito. Sua totalidade tomada em conjunto constitui o espírito em seu ser-aí mundano, em geral; o espírito como tal contém as figuras precedentes nas determinações gerais, nos momentos acima designados. A religião pressupõe todo o curso desses momentos, e é a totalidade simples ou o Si absoluto dos mesmos. De resto, não há que representar no tempo o curso desses momentos em referência à religião. Só está no tempo o espírito total; e as figuras que são figuras do espírito total, como tal, se apresentam em uma sucessão temporal porque somente o todo tem efetividade propriamente dita, e por isso tem a forma da pura liberdade perante o Outro - forma que se exprime como tempo. Porém os momentos do todo - consciência, consciência de si, razão e espírito - por serem momentos, não têm ser-aí distinto um do outro. 3- Em terceiro lugar, assim como o espírito se distinguia de seus momentos, ainda se deve distinguir, desses momentos mesmos, sua determinação singularizada. Nós vimos, sem dúvida, cada um daqueles momentos diferenciar-se nele mesmo em um curso próprio, e em figuras diversas; como por ex. na consciência se distinguia a certeza sensível e a percepção. Esses últimos lados se separam um do outro no tempo, e pertencem a um todo particular. Com efeito, o espírito desce de sua universalidade através da determinação para a singularidade. A determinação ou meio-termo é consciência, consciência de si, etc. A singularidade, contudo, constituem-na as figuras desses momentos; elas apresentam, pois, o espírito em sua singularidade ou efetividade, e se distinguem no tempo; mas de tal modo que a figura seguinte contém nela as anteriores. Portanto, se a religião é a perfeição do espírito, ao qual seus momentos singulares - consciência, consciência de si, razão e espírito - retomam e retomaram como ao seu fundamento, eles em conjunto constituem a efetividade ai essente do espírito total, que é somente como O movimento que diferencia esses seus lados e a si retoma. O vir a ser da religião em geral está contido no movimento dos momentos universais. Ora, como cada um desses atributos foi apresentado não apenas como se determina em geral, mas como é em si e para si - quer dizer, como ele segue seu curso dentro de si mesmo como um todo - e por isso o que surge aqui não é somente o vir a ser da religião em geral; mas aqueles processos completos dos lados singulares contêm, ao mesmo tempo, as determinidades da religião mesma. O espírito total, o espírito da religião, é por sua vez o movimento desde sua imediatez até alcançar o saber do que ele é em si ou imediatamente; e o movimento de conseguir que a figura, em que o espírito aparece para sua consciência, seja perfeitamente igual à sua essência, e que ele se contemple tal como é. Nesse vir a ser, o espírito está assim em figuras determinadas, que constituem as diferenças desse movimento; ao mesmo tempo, a religião determinada tem por isso igualmente um espírito efetivo determinado. Se portanto ao espírito que se sabe pertencem, em geral, consciência, consciência de si, razão e espírito, assim pertencem às figuras determinadas do espírito que se sabe as formas determinadas que dentro da consciência, da consciência de si, da razão e do espírito, se desenvolveram em cada qual de modo particular. A figura determinada da religião extrai para seu espírito efetivo, das figuras de cada um de seus momentos, aquela que lhe corresponde. A determinidade única da religião penetra por todos os lados de seu ser-aí efetivo, e lhes imprime esse caráter comum. Dessa maneira, agora se ordenam as figuras que tinham surgido até aqui, diversamente de como apareciam em sua série. Sobre esse ponto precisa antes fazer notar brevemente o indispensável. Na série considerada, cada momento aprofundando-se em si mesmo se modelava, dentro de seu princípio peculiar, em um todo; e o conhecer era a profundeza - ou o espírito - em que possuíam sua substância os momentos que para si não tinham subsistência alguma. No entanto, a partir de agora, essa substância se fez patente: ela é a profundeza do espírito certo de si mesmo, que não permite ao princípio singular isolar-se e fazer-se um todo dentro de si mesmo: ao contrário, reunindo e mantendo juntos todos esses momentos dentro de si, avança em toda essa riqueza de seu espírito efetivo, e todos os seus momentos particulares tomam e recebem em comum dentro de si a igual determinidade do todo. Esse espírito certo de si mesmo, e seu movimento, é sua verdadeira efetividade e o ser em si e para si que a cada Singular corresponde. Se assim a série única até aqui considerada, no seu desenrolar marcava nela com nós os retrocessos, mas retomava desses nós a marcha única para frente, agora é como se estivesse quebrada nesses nós - os momentos universais - e rompida em muitas linhas. Essas linhas, reunidas em um único feixe, se juntam simetricamente, de modo que coincidam as diferenças homologas em que se moldou, dentro de si, cada linha particular. Aliás é por si mesmo evidente, do conjunto da exposição, segundo a qual se há de entender aqui a coordenação das direções gerais, que se torna supérfluo fazer a observação de que essas diferenças essencialmente só devem ser tomadas como momentos do vir a ser, e não como partes. No espírito efetivo, são atributos de sua substância; mas na religião são antes somente predicados do sujeito. Igualmente, em si ou para nós, certamente estão contidas todas as formas em geral no espírito e em cada espírito; mas no que se refere à efetividade do espírito, só importa saber qual é, em sua consciência, a determinidade na qual ele exprime o seu Si; ou em que figura o espírito sabe sua essência. A distinção que foi feita entre o espírito efetivo e o que se sabe como espírito, ou entre si mesmo como consciência e como consciência de si, está suprassumida no espírito que se sabe segundo sua verdade: sua consciência e sua consciência de si estão igualadas. Como porém a religião é aqui somente imediata, essa diferença ainda não retomou ao espírito. O que está posto é só o conceito da religião; conceito em que a essência é a consciência de si, que é para si toda a verdade e contém nessa verdade toda a efetividade. Essa consciência de si tem, como consciência, a si mesma por objeto. O espírito, que só se sabe imediatamente, é assim para si o espírito na forma da imediatez; e a determinidade da figura em que aparece para si, é a do ser. Na verdade, esse ser não é preenchido nem com a sensação nem com a matéria multiforme, nem com quaisquer outros unilaterais momentos, fins e determinações; senão que é preenchido com o espírito e é conhecido de si mesmo como sendo toda a verdade e efetividade. Tal preenchimento, dessa maneira, não é igual à sua figura: o espírito, como essência, não é igual à sua consciência. Só como espírito absoluto ele é efetivo, enquanto para si está também em sua verdade, como está na certeza de si mesmo, ou seja: os extremos em que se divide como consciência estão um para o outro na figura de espírito. A figuração, que o espírito assume como objeto de sua consciência, fica preenchida pela certeza do espírito como pela sua substância; mediante esse conteúdo desvanece o degradar-se do objeto na pura objetividade, na forma da negatividade da consciência de si. A unidade imediata do espírito consigo mesmo é a base, ou pura consciência, no interior da qual a consciência se dissocia em sujeito e objeto. Dessa maneira encerrado em sua pura consciência de si, o espírito não existe na religião como o criador de uma natureza em geral; mas o que produz nesse movimento são suas figuras como espíritos, que em conjunto constituem a plenitude de sua manifestação. Esse movimento mesmo é o vir a ser de sua completa efetividade, através de seus lados singulares, ou seja, através de suas efetividades incompletas. A primeira efetividade do espírito é o conceito da religião mesma, ou a religião como imediata, e, portanto, natural; nela o espírito se sabe como seu próprio objeto em figura natural ou imediata. Mas a segunda efetividade é necessariamente aquela em que o espírito se sabe na figura da naturalidade suprassumida, ou seja, na figura do Si. Assim, essa efetividade é a religião da arte; pois a figura se eleva à forma do Si, por meio do produzir da consciência, de modo que essa contempla em seu objeto o seu agir ou o Si. A terceira efetividade, enfim, suprassume a unilateralidade das duas primeiras: o Si é tanto um imediato quanto a imediatez é Si. Se na primeira efetividade o espírito está, em geral, na forma da consciência; na segunda, na forma da consciência de si; então na terceira está na forma da unidade de ambas: tem a figura do ser em si e para si; e assim, enquanto está representado como é em si e para si, é a religião revelada. Mas embora o espírito certamente alcance na religião revelada sua figura verdadeira, justamente sua figura mesma e a representação ainda são o lado não superado, do qual o espírito deve passar ao conceito, para nele dissolver totalmente a forma da objetividade: - nele que inclui dentro de si igualmente esse seu contrário. É então que o espírito abarcou o conceito de si mesmo, como nós somente o tínhamos inicialmente captado; e sua figura - ou o elemento de seu ser-aí - enquanto é o conceito, é o espírito mesmo. A - A RELIGIÃO NATURAL O espírito, que sabe o espírito, é consciência de si mesmo, e é para si na forma de algo objetivo; ele é - e ao mesmo tempo, é o ser para si. O espírito é para si, é o lado da consciência de si, e na verdade, em contraste com o lado de sua consciência, ou com o lado do referir-se a si como objeto. Está na sua consciência a oposição e, por isso, a determinidade da figura em que o espírito se manifesta e se sabe. Nessa consideração da religião só se trata dessa determinação, pois já se produziu sua essência não figurada ou seu conceito puro. Porém a diferença entre a consciência e consciência de si recai, ao mesmo tempo, no interior dessa última: a figura da religião não contém o ser-aí do espírito, nem enquanto ele é natureza, livre do pensamento, nem enquanto é pensamento, livre do ser-aí; mas essa figura é o ser-aí mantido no pensar, assim como é um Pensado que para si é aí. Distingue-se uma religião de outra de acordo com a determinidade dessa figura em que o espírito se sabe. Mas ao mesmo tempo é mister notar que a exposição desse seu saber sobre si, conforme essa determinidade singular, de fato não esgota o todo de uma religião efetiva. A série das diversas religiões, que vão produzir-se, só apresenta igualmente de novo os diversos lados de uma única religião, e na verdade, de cada religião singular; e em cada religião ocorrem as representações que parecem distinguir uma religião efetiva de outra. Aliás, deve-se considerar ao mesmo tempo a diversidade também como uma diversidade da religião. Enquanto, pois, o espírito se encontra na diferença entre a sua consciência e a sua consciência de si, o movimento tem a meta de suprassumir essa diferença-capital e de dar à figura, que é objeto da consciência, a forma da consciência de si. Mas essa diferença não está suprassumida já pelo fato de que as figuras, que aquela consciência contém, tenham também nelas o momento do Si, e o deus seja representado como consciência de si. O Si representado não é o efetivo. Para que o Si, como qualquer determinação mais precisa da figura, pertença na verdade a essa forma da consciência de si, por uma parte deve ser posta nela mediante o agir da consciência de si; por outra parte, a determinação inferior deve mostrar-se suprassumida e conceituada pela determinação superior. Com efeito, o representado só deixa de ser representado e de ser estranho a seu saber, quando o Si o produziu, e assim contempla a determinação do objeto como a sua determinação; - portanto, se contempla no objeto. Por meio dessa atividade, a determinação inferior ao mesmo tempo se desvaneceu; porque o agir é o negativo, que se realiza às custas de um outro. Na medida em que a determinação inferior ainda ocorre, é que se retirou para a inessencialidade; assim como, inversamente, onde a inferior ainda predomina, e contudo a superior também ocorre, uma determinação carente de si ocupa o lugar junto da outra. Quando, pois, as diversas representações, dentro de uma religião singular, apresentam na verdade o movimento completo de suas formas, o caráter de cada uma é determinado pela unidade peculiar da consciência e da consciência de si; isto é, porque a consciência de si abarca dentro de si a determinação do objeto da consciência, ela através do seu agir se apropria completamente dessa determinação, e a sabe como a essencial, em contraste com as outras determinações. A verdade da fé, em uma determinação do espírito religioso, mostra-se no fato de que o espírito efetivo é assim constituído como a figura na qual ele se contempla na religião; como por exemplo, a encarnação de Deus que tem lugar na religião oriental, não tem verdade, porque seu espírito efetivo é sem essa reconciliação. Não tem aqui cabimento retroceder da totalidade da determinação para a determinação singular, e mostrar em que figura, no interior dessa totalidade, e de sua religião particular, está contida a plenitude das demais. A forma superior, reinstalada sob uma forma inferior, perde sua significação para o espírito consciente de si: pertence só superficialmente a ele e à sua representação. Deve portanto ser considerada em sua significação peculiar e ali, onde é o princípio dessa religião particular e confirmada por seu espírito efetivo. a - A LUMINOSIDADE O espírito como a essência que é consciência de si, ou a essência consciente de si que é toda a verdade e sabe toda a efetividade como a si mesma, em contraste com a realidade que o espírito se confere no movimento de sua consciência, é apenas o seu conceito. Esse conceito, em relação ao dia dessa plena expansão, é a noite de sua essência: em relação ao ser-aí de seus momentos como figuras independentes, é o mistério criador de seu nascimento. Esse mistério tem em si mesmo sua revelação; pois o ser-aí tem nesse conceito sua necessidade, por ser o espírito que se sabe: portanto tem em sua essência o momento de ser consciência e de representar-se objetivamente. É o puro Eu que em sua extrusão tem em si, como em objeto universal, a certeza de si mesmo; ou seja, esse objeto é para o Eu a interpenetração de todo o pensar e de toda a efetividade. Na primeira cisão imediata do espírito absoluto que se sabe, sua figura tem aquela determinação que convém à consciência imediata, ou seja, à certeza sensível. O espírito se contempla na forma do ser; - contudo não na forma do ser carente de espírito, preenchido com determinações contingentes da sensibilidade e que pertence à certeza sensível; mas é o ser preenchido pelo espírito. Ele encerra igualmente dentro de si a forma que aparecia na consciência de si imediata: a forma do senhor ante a consciência de si do espírito que se retira de seu objeto. Esse ser, que é preenchido pelo conceito do espírito, é assim a figura da relação simples do espírito para consigo mesmo, ou a figura da carência de figura. Devido a essa determinação, ela é a pura luminosidade do raiar do sol, que tudo contém e tudo preenche, e que se conserva em sua substancialidade sem forma. Seu ser Outro é o negativo igualmente simples - as trevas. Os movimentos de sua própria extrusão, suas criações no elemento sem resistência de seu ser Outro, são efusões de luz. São em sua simplicidade, ao mesmo tempo, seu vir a ser para si e retorno a partir do seu ser-aí: são torrentes de fogo que devoram a figuração. A diferença, que essa essência se dá, propaga-se de certo na substância do seu ser-aí, e modela-se nas formas da natureza; mas a simplicidade essencial do seu pensar vagueia nelas sem consistência e sem inteligência - amplia seus limites até o incomensurável e dissolve, em sua sublimidade, sua beleza exaltada até o esplendor. O conteúdo que esse puro ser desenvolve - ou seja, seu perceber - é portanto um jogo carente de essência naquela substância, que apenas vem à tona, sem ir a fundo dentro de si mesmo, sem tornar-se sujeito e sem consolidar suas diferenças por meio do Si. Suas determinações são atributos apenas, que não adquirem independência, mas que só permanecem como nomes do Uno plurinominal. Encontra-se revestido esse Uno com as forças multiformes do ser-aí, e com as figuras da efetividade, como com um ornamento carente de si: são somente mensageiros de seu poder, privados de vontade própria; são visões de sua glória, e vozes de sua louvação. No entanto, essa vida vacilante deve determinar-se como ser para si, e dar consistência às suas figuras evanescentes. O ser imediato, em que essa vida se contrapõe à sua consciência, é ele mesmo a potência negativa que dissolve suas diferenças: é pois, em verdade, o Si; e o espírito, portanto, passa a saber-se na forma do Si. A pura luz refrata sua simplicidade como uma infinidade de formas separadas, e se oferece por vítima ao ser para si, de modo que o Singular tome subsistência em sua substância. b - A PLANTA E O ANIMAL O espírito consciente de si, que a si retomou a partir da essência carente de figura - ou que elevou sua imediatez até o Si em geral -, determina sua simplicidade como uma múltipla variedade do ser para si; e é a religião da percepção espiritual em que o espírito se desagrega na pluralidade inumerável de espíritos, mais fracos e mais fortes, mais ricos e mais pobres. Esse panteísmo, de início a tranquila subsistência desses átomos de espírito, converte-se no movimento agressivo dentro de si mesmo. A inocência da religião das flores, que é somente a representação carente de si do Si, passa à seriedade da vida guerreira, à culpabilidade da religião dos animais; a tranquilidade e impotência da individualidade contemplativa passam ao ser para si destruidor. De nada serve ter retirado, às coisas da percepção, a morte da abstração, e tê-las elevado à essência da percepção espiritual; a animação desse reino dos espíritos tem nela essa morte, pela determinidade e a negatividade que invadem sua inocente indiferença. Por meio delas, a dispersão em uma multiplicidade de tranquilas figuras vegetais torna-se um movimento agressivo, em que as faz inchar o ódio de seu ser para si. A consciência de si efetiva desse espírito disperso é uma multidão de espíritos de povos, isolados e insociáveis, que em seu ódio se combatem até à morte e se tornam conscientes de figuras animais determinadas como de sua essência, porque não são outra coisa que espíritos animais, vidas animais que se isolam conscientes delas sem universalidade. Mas nesse ódio desgasta-se a determinidade do ser para si puramente negativo, e, através desse movimento do conceito, o espírito entra em outra figura. O ser para si suprassumido é a forma do objeto que foi produzido por meio do Si; ou melhor: é o Si produzido, desgastando-se: quer dizer, convertendo-se em coisa. Acima desses espíritos animais que só se dilaceram, o artesão mantém sua superioridade; sua ação não é apenas negativa, mas sim tranquila e positiva. Assim, a consciência do espírito é agora o movimento que está acima e além do ser-aí imediato, como do ser para si abstrato. Enquanto o Em si, por meio da oposição, é rebaixado a uma determinidade, ele não é mais a forma própria do espírito absoluto, mas uma efetividade, que sua consciência encontra oposta a si como o ser-aí ordinário - e que suprassume. Ao mesmo tempo essa consciência não é só o ser para si que suprassume, mas produz também sua representação - o ser para si que é externado na forma de um objeto. Contudo, esse produzir ainda não é o perfeito, mas uma atividade condicionada e o formar de um material já dado. c- O ARTESÃO Assim o espírito aqui se manifesta como o artesão, e seu agir, por meio do qual se produz a si mesmo como objeto - embora ainda não tenha captado o pensamento de si -, é um trabalhar instintivo, como as abelhas fabricam seus favos. A primeira forma, por ser a imediata, é a forma abstrata do entendimento, e a obra não está ainda, nela mesma, preenchida pelo espírito. Os cristais das pirâmides e dos obeliscos, simples combinações de linhas retas com superfícies planas e proporções iguais das partes - em que é eliminada a incomensurabilidade da curva - tais são os trabalhos desse artesão da rigorosa forma. Devido à mera inteligibilidade da forma, ela não é sua significação nela mesma; não é o Si espiritual. As obras, assim, só recebem o espírito; ou o espírito em si, como um espírito estranho e separado, que abandonou sua compenetração viva com a efetividade, e como é ele mesmo morto, se aloja nesses cristais desprovidos de vida; ou então, as obras se referem externamente ao espírito; - como a um espírito que é aí exteriormente, e não como espírito; como à luz nascente que projeta sobre as obras sua significação. A divisão, de que parte o espírito do artesão - a do ser em si, que se converte no material que ele elabora, e do ser para si, que é o lado da consciência de si que trabalha - essa divisão em sua obra se tornou objetiva. Seu esforço ulterior deve tender a suprassumir essa separação da alma e do corpo; a revestir e a modelar a alma nela mesma; e, por sua vez, a infundir alma no corpo. Os dois lados, ao serem aproximados um do outro, conservam com isso respectivamente a determinidade do espírito representado, e do envoltório que o reveste: sua unidade consigo mesmo contém essa oposição da singularidade e universalidade. Enquanto a obra se aproxima de si mesma em seus lados, com isso sucede ao mesmo tempo também outra coisa; aproxima-se da consciência de si que trabalha, e esta chega na obra ao saber de si, tal como é em si e para si. Mas desse modo a obra só constitui o lado abstrato da atividade do espírito, que em si mesmo não sabe ainda o seu conteúdo; mas sabe-o em sua obra, que é uma coisa. O próprio artesão - o espírito total - não se manifestou ainda; mas é a ainda íntima e recôndita essência, que só se faz presente como todo, cindida na consciência de si ativa e em seu objeto produzido. Portanto, a morada circundante, a efetividade externa, que só agora foi elevada à forma abstrata do entendimento, o artesão a elabora em uma forma que tem mais alma. Para isso, serve-se da vida vegetal, que não é mais sagrada, como o era para o débil panteísmo anterior; mas que é tomada pelo artesão, que se apreende como a essência para si essente, como algo utilizável; e é reduzida ao aspecto exterior e à decoração. Mas não se utiliza inalterada, senão que o artesão da forma consciente de si elimina, ao mesmo tempo, a efemeridade que a existência imediata dessa vida tem nela, e aproxima suas formas orgânicas das formas mais rigorosas e mais universais do pensamento. Ao ser deixada em liberdade, a forma orgânica continua propagando-se na particularidade - mas ao ser por um lado subjugada à forma do pensamento, eleva, por outro lado, a curvas animadas essas figuras retilíneas e planas: uma combinação que se torna a raiz da livre arquitetura. Essa morada - o lado do elemento universal, ou da natureza inorgânica do espírito - agora encerra dentro de si também uma figura da singularidade, que aproxima da efetividade o espírito antes separado do ser-aí, interior ou exterior a ele; e assim fazendo, torna a obra mais igual à consciência de si ativa. O artesão recorre inicialmente à forma do ser para si em geral, à figura-animal. Mas na vida animal o artesão não é mais imediatamente consciente de si, o que demonstra ao constituir-se frente a essa vida como a força que a produz, e ao saber-se nela como em obra sua; por isso a figura-animal é ao mesmo tempo uma figura suprassumida, e se torna o hieróglifo de outra significação: a de um pensamento. Por conseguinte ela não é mais usada só e inteiramente pelo artesão, mas combinada com a figura do pensamento, com a figura humana, No entanto, falta à obra ainda a figura e ser-aí em que o Si existe como Si: ainda lhe falta exprimir nela mesma que encerra dentro de si uma significação interior; falta-lhe a linguagem, o elemento em que está presente o sentido mesmo que a preenche. Portanto a obra, embora se tenha purificado totalmente do elemento animal, e só traga nela a figura da consciência de si, é ainda a figura muda que necessita do raio do sol nascente para ter som, que, produzido pela luz, ainda é somente ressonância, e não linguagem: denota apenas um Si exterior, não o Si interior, A esse Si exterior da figura se contrapõe a outra figura, que sinaliza ter nela um interior. A natureza, que retoma à sua essência, rebaixa sua múltipla variedade viva, que se individualiza e se perde em seu movimento, a um habitáculo inessencial, que é a coberta do interior. Esse interior é ainda, de início, a escuridão simples, o imoto, a pedra negra e informe. As duas apresentações contêm a interioridade e o ser-aí - os dois momentos do espírito; e as duas apresentações contêm, ao mesmo tempo, os dois momentos em relação oposta: tanto o Si como interior, quanto o Si como exterior. Há que unificar as duas apresentações. A alma da estátua de forma humana ainda não deriva do interior; não é ainda a linguagem, o ser-aí que nele mesmo é interior. O interior do ser-aí multiforme é ainda algo mudo, que não se diferencia dentro de si mesmo; e algo ainda separado de seu exterior, a que todas as diferenças pertencem. O artesão unifica, pois, os dois momentos da combinação da figura natural e da figura consciente de si. Essas essências ambíguas, para si mesmas enigmáticas - o consciente lutando com o inconsciente, o interior simples com o exterior multiforme; a obscuridade do pensamento juntando-se com a clareza da expressão - todos eles irrompem na linguagem de uma sabedoria profunda, difícil de entender. Nessa obra cessa o trabalho instintivo que, em contraste com a consciência de si, produzia a obra carente de consciência; pois nesse trabalho se contrapõe à atividade do artesão - que constitui a consciência de si - um interior igualmente consciente de si que se expressa. No seu ofício, o artesão galgou por seu esforço até à cisão de sua consciência, onde o espírito se encontra com o espírito. Nessa unidade do espírito consciente de si consigo mesmo, na medida em que o espírito é para si figura e objeto de sua consciência, se purificam pois suas combinações com o modo carente de consciência da figura imediata da natureza. Esses monstros - na figura, fala e ação - se dissolvem em uma figuração espiritual: em um exterior que se recolhe em si; em um interior que se exterioriza a partir de si e em si mesmo; no pensamento, que é claro ser-aí que se engendra e mantém sua figura conforme a ele. O espírito é artista. B - A RELIGIÃO DA ARTE O espírito elevou sua figura, na qual é presente para sua consciência, à forma da consciência mesma; e produz para si tal forma. O artesão abandonou o trabalho sintético, o combinar de formas heterogêneas do pensamento e do objeto natural: quando a figura adquiriu a forma da atividade consciente de si, o artesão se tornou trabalhador espiritual. Se indagamos por conseguinte qual é o espírito efetivo que na religião da arte tem a consciência de sua essência absoluta, resulta que é o espírito ético ou o espírito verdadeiro. Ele não é só a substância universal de todos os Singulares; mas enquanto esta tem para a consciência efetiva a figura da consciência, isso significa que a substância, que tem individualização, é conhecida pelos Singulares como sendo sua própria essência e obra. A substância não é desse modo, para eles, a luminosidade, em cuja unidade o ser para si da consciência de si só está contido negativamente, só de maneira transitória, e nela contempla o senhor de sua efetividade; nem é o incessante entre-devorar-se de povos que se odeiam; nem sua subjugação a um sistema de castas, constituindo em conjunto a aparência da organização de um todo perfeito, mas a que falta a liberdade universal dos indivíduos. Ao contrário, esse espírito é o povo livre, no qual os costumes constituem a substância de todos, e cuja efetividade e ser-aí, todo e cada Singular sabe como sua vontade e seu ato. No entanto, a religião do espírito ético é a elevação desse espírito por sobre sua efetividade, o retomar desde sua verdade ao puro saber de si mesmo. Enquanto o povo ético vive na imediata unidade com sua substância, e não tem nele o princípio da singularidade pura da consciência de si, sua religião só aparece em sua perfeição no separar-se de sua subsistência. Com efeito, a efetividade da substância ética repousa, por um lado, em sua tranquila imutabilidade, em contraste com o movimento absoluto da consciência de si; e por isso, no fato de que esta ainda não retomou a si de seus costumes imperturbados, e de sua sólida confiança. Por outro lado, na organização da consciência de si repousa em uma pluralidade de direitos e deveres, como também na repartição nas massas dos estamentos, e do agir particular deles que coopera para formar o todo. Por isso a substância ética repousa em que o Singular esteja satisfeito com a limitação de seu ser-aí, e ainda não tenha captado o pensamento sem limites de seu livre Si. Mas aquela tranquila confiança imediata da substância retrocede à confiança em si e à certeza de si mesmo. E a pluralidade de direitos e deveres, assim como o agir limitado, são o mesmo movimento dialético do ético que a pluralidade das coisas e de suas determinações. É um movimento que só encontra sua quietude e estabilidade na simplicidade do espírito certo de si. A consumação da eticidade ao converter-se na livre consciência de si, e o destino do mundo ético são, portanto, a individualidade que se adentrou em si, a absoluta leveza do espírito ético, que dissolve dentro de si todas as diferenças fixas de sua subsistência, e as massas de sua articulação orgânica; espírito que plenamente seguro de si chegou à alegria sem limites e ao mais livre gozo de si mesmo. Essa certeza simples do espírito dentro de si é algo ambíguo, por ser tanto calma subsistência e verdade firme, quanto inquietude absoluta e o perecer da eticidade. Mas é nessa última alternativa que ela se converte, pois a verdade do espírito ético ainda é, somente, essa substancial essência e confiança, na qual o Si não se sabe como singularidade livre, e que assim perece nessa interioridade - ou no libertar-se - do Si. Assim, ao romper-se a confiança, ao quebrar-se por dentro a substância do povo, o espírito, que era o meio-termo dos extremos inconsistentes, passa agora para o extremo da consciência de si que se apreende como essência. Essa consciência de si é o espírito certo dentro de si, que chora a perda de seu mundo; e agora, da pureza do Si, produz sua essência, elevada acima da efetividade. Em tal época surge a arte absoluta. Antes, a arte é o trabalho instintivo que, submerso no ser-aí, trabalha para dentro e para fora dele; não tem na eticidade livre sua substância, e por isso também não possui a livre atividade espiritual com respeito ao Si que trabalha. Mais tarde, o espírito transcende a arte para atingir sua suprema apresentação, a saber, não ser apenas a substância que nasceu do Si, mas ser, em sua apresentação como objeto, este Si: não só engendrar-se de seu conceito, mas ter seu conceito mesmo por figura, de modo que o conceito e a obra de arte produzida se saibam mutuamente como uma só e a mesma coisa. Assim, enquanto a substância retomou de seu ser-aí à sua pura consciência de si, é esse o lado do conceito ou da atividade, com que o espírito se produz como objeto. Atividade que é a forma pura; porque o Singular na obediência e serviço éticos tanto desgastou todo ser-aí carente de consciência, e toda a determinação fixa, como a substância mesma se tornou essa essência fluida. Essa forma é a noite em que a substância foi traída e se transformou em sujeito; e dessa noite da pura certeza de si mesmo é que ressuscita o espírito ético, como a figura que se libertou da natureza e de seu ser-aí imediato. A existência do conceito puro, para a qual o espírito fugiu de seu corpo, é um indivíduo que o espírito escolheu para receptáculo de sua dor. Nele, o espírito está como seu universal e sua potência, da qual sofre violência; como seu pathos, ao qual, entregue e abandonada, sua consciência de si perdeu a liberdade. Mas aquela potência positiva da universalidade é subjugada pelo puro Si do indivíduo, como a potência negativa. Essa atividade pura, consciente de sua força imperdível, luta com a essência não figurada; assenhoreando-se dela, fez do pathos sua matéria, e se deu o conteúdo dela. Essa unidade emerge como obra: é o espírito universal individualizado e representado. a - A OBRA DE ARTE ABSTRATA A primeira obra de arte, como obra imediata, é a obra abstrata e singular. Por seu lado, tem de mover-se saindo do modo imediato e objetivo em direção da consciência de si; enquanto essa, por outro lado, procede a suprassumir no culto a diferença que primeiro ela se atribui em relação a seu espírito, e a produzir, assim, a obra de arte nela mesma vivificada. O primeiro modo, em que o espírito artístico afasta ao máximo uma da outra, sua figura plástica e sua consciência ativa, é o modo imediato em que aquela figura é aí como coisa em geral. A figura se cinde nela, na distinção entre a singularidade que a figura do Si possui, e a universalidade que apresenta a essência inorgânica em relação à figura, como seu ambiente e morada. Graças à elevação do todo ao conceito puro, essa figura ganha sua forma pura que compete ao espírito. Não é o cristal forma característica do entendimento, que aloja o morto ou é iluminado pela alma que está fora; nem é a combinação - que primeiro resultou da planta - das formas da natureza e do pensamento, cuja atividade aqui é ainda uma imitação. Mas o conceito despoja aquilo que da raiz, da ramaria e da folhagem está ainda aderente às formas, e as purifica em imagens onde o retilíneo e plano do cristal é elevado a proporções incomensuráveis; a ponto que a animação do orgânico é acolhida na forma abstrata do entendimento, e ao mesmo tempo é preservada para o entendimento sua essência, que é a incomensurabilidade. Contudo, o deus que mora dentro é a pedra negra, extraída da ganga-animal e penetrada pela luz da consciência. A figura humana despoja-se da figura animal com que estava mesclada; o animal é para o deus apenas uma roupagem contingente; passa ao lado de sua figura verdadeira, e não vale mais por si mesmo, mas foi rebaixado à significação de Outro; a mero símbolo. Por isso mesmo, a figura do deus se despoja, em si mesma, também da penúria das condições naturais do ser-aí, e sinaliza as disposições interiores da vida orgânica, fundidas em sua superfície e só pertencentes a esta. A essência do deus é aliás a unidade do ser-aí universal da natureza e do espírito consciente de si, que em sua efetividade se manifesta contrapondo-se ao primeiro. Ao mesmo tempo, é antes de tudo uma figura singular; seu ser-aí é um dos elementos da natureza, como sua efetividade consciente de si é um singular espírito de povo. Mas o ser-aí universal da natureza é nessa unidade o elemento refletido no espírito, a natureza transfigurada pelo pensamento, unida com a vida consciente de si. A figura dos deuses tem, pois, o seu elemento de natureza como um elemento suprassumido, como uma obscura reminiscência dentro dela. A essência caótica e a luta confusa do livre ser-aí dos elementos - o reino a-ético dos Titãs - são vencidos e expulsos para a orla da efetividade que se tornou clara a si mesma, para os turvos confins do mundo que no espírito se encontra e se acalma. Essas divindades antigas, em que primeiro se particulariza a luminosidade acasalando-se com as trevas - o Céu, a Terra, o Oceano, o Sol, o Fogo cego e tifônico da Terra, etc. -, são suplantadas por figuras que nelas ainda possuem apenas o eco apagado que recorda aqueles Titãs; mas já não são essências da natureza, e sim claros espíritos éticos dos povos conscientes de si mesmos. Assim, essa figura simples aboliu em si e recolheu, na individualidade tranquila, a inquietude da singularização infinita: tanto da figura enquanto elemento da natureza - o qual só se comporta de modo necessário como essência universal, mas se comporta de modo contingente em seu ser-aí e movimento - quanto dela enquanto povo que, disperso nas massas particulares do agir e nos pontos individuais da consciência de si, tem um ser-aí multiforme de sentido e de agir. Portanto, o momento da inquietude se contrapõe a essa individualidade tranquila: a ela - que é a essência - se contrapõe a consciência de si que, como lugar de nascimento da mesma, nada reteve para si senão o fato de ser atividade pura. O que pertence à substância, o artista deu-o inteiramente à sua obra: porém a si mesmo, como a uma individualidade determinada, não deu efetividade em sua obra: só lhe poderia conferir a perfeição caso se extrusasse de sua particularidade, se desencarnasse e se elevasse à abstração do agir puro. Nessa primeira produção imediata, ainda não se reunificou a separação entre a obra e sua atividade consciente de si; portanto a obra não é para si algo efetivamente vivificado, mas é um todo somente junto com seu vir a ser. O que é comum na obra de arte - ser gerada dentro da consciência e elaborada por mãos humanas - é o momento do conceito existente como conceito, que se contrapõe à obra. Ora, se esse conceito - como artista ou como espectador - for bastante desinteressado para declarar a obra de arte absolutamente inspirada nela mesma; e para esquecer a si, o autor ou contemplador, deve-se contra isso sustentar o conceito do espírito, que não pode prescindir do momento de ser consciente de si mesmo. Mas esse momento se contrapõe à obra, porque nessa sua primeira cisão o conceito dá aos dois lados suas determinações abstratas recíprocas do agir e do ser-coisa; não ocorreu ainda seu retomo à unidade donde eles provêm. O artista experimenta assim, em sua obra, que não produziu nenhuma essência igual a ele. Sem dúvida, de sua obra lhe retoma uma consciência, já que um público maravilhado o honra como o espírito que é sua essência. Mas essa inspiração, ao restituir-lhe sua consciência de si somente como admiração, é antes uma confissão feita ao artista de que essa inspiração não se iguala a ele. Enquanto a obra retoma ao artista como alegria em geral, o artista nela não encontra nem a dor de sua formação e criação, nem o esforço de seu trabalho. Pode também o público julgar ainda a obra, ou lhe oferecer sacrifícios; pode colocar nela, seja de que maneira for, sua consciência. Se o público se põe, com seu conhecimento, acima da obra, sabe o artista quanto seu ato vale mais que o entender e o falar do público. Se ao contrário se põe abaixo da obra, e nela reconhece sua essência que o domina, o artista se sabe como o senhor dessa essência. A obra de arte requer, pois, outro elemento de seu ser-aí; o deus exige outra saída que essa, em que da profundeza de sua noite criadora desaba no contrário - na exterioridade, na determinação da coisa carente de consciência de si. Esse elemento superior é a linguagem - um ser-aí que é a existência imediatamente consciente de si. Como a consciência de si singular é aí na linguagem, ela está igualmente presente como um contágio universal: a completa particularização do ser para si é, ao mesmo tempo, a fluidez e a unidade universalmente compartilhada dos muitos Si: é a alma existente como alma. Assim o deus, que tem a linguagem por elemento de sua figura, é a obra de arte nela mesma inspirada, que tem imediatamente dentro de seu ser-aí a pura atividade que se lhe contrapunha; - a ele que existia como coisa. Ou seja, a consciência de si permanece imediatamente junto a si no objetivar-se de sua essência. Estando assim, dentro de sua essência, junto a si mesma, é puro pensar; ou é a devoção cuja interioridade tem ao mesmo tempo seu ser-aí no hino. O hino conserva dentro dele a singularidade da consciência de si; e essa singularidade, ao ser escutada, é aí ao mesmo tempo como universal. A devoção, que em todos se acende, é a correnteza espiritual, que na multiplicidade das consciências de si é cônscia de si como de igual agir de todos, e como de um ser simples. O espírito, como essa consciência de si universal de todos, tem em uma unidade sua pura interioridade, como também o ser para Outros e o ser para si dos Singulares. Essa linguagem se distingue de outra linguagem do deus que não é a linguagem da consciência universal. O oráculo, seja do deus da religião da arte, seja do deus das religiões anteriores, é a sua primeira linguagem necessária. Com efeito, reside em seu conceito que o deus é tanto a essência da natureza quanto a do espírito, e portanto tem um ser-aí não só natural, mas também espiritual. Na medida em que esse momento reside somente em seu conceito e ainda não está realizado na religião, a linguagem para a consciência de si religiosa é linguagem de uma consciência de si estranha. A consciência de si alheia à sua comunidade ainda não é ai, tal como o exige seu conceito. O Si é o ser para si simples, e por isso é pura e simplesmente ser para si universal; mas aquele, que se separou da consciência de si da comunidade, é apenas um Si singular. O conteúdo dessa linguagem própria e singular resulta da universal determinidade, em que o espírito absoluto é posto em sua religião em geral. Assim o espírito universal do raiar do sol, que ainda não particularizou seu ser-aí, enuncia sobre a essência proposições igualmente simples e universais, cujo conteúdo substancial é sublime em sua verdade simples; mas graças a essa universalidade, parece ao mesmo tempo trivial para a consciência de si que se cultiva ainda mais. O Si mais amplamente cultivado, que se eleva ao ser para si, é o senhor que impera sobre o puro pathos da substância, sobre a objetividade da luminosidade do sol nascente. E sabe aquela simplicidade da verdade como o em si essente, que não tem a forma do ser-aí contingente por meio de uma linguagem estranha; sabe-a. ao contrário como a lei segura e não escrita dos deuses, que vive eternamente, e da qual ninguém sabe quando apareceu. Como a verdade universal, que foi revelada pela luminosidade, aqui se retirou ao interior ou ao mundo inferior, e por isso se subtraiu à forma do fenômeno contingente, assim ao contrário na religião da arte - porque a figura do deus assumiu a consciência e com isso a singularidade em geral - a linguagem própria do deus, que é o espírito do povo ético, é o oráculo, o qual conhece a situação particular desse povo e dá a conhecer o que é útil a respeito. Contudo, as verdades universais por serem conhecidas como o em si essente, reivindica-as para si o pensar que sabe, e a linguagem delas não lhe é mais uma linguagem estranha, mas a sua própria. Assim como aquele sábio da Antiguidade Sócrates buscava, em seu próprio pensar, o que era bom e belo, e, pelo contrário, deixava ao demônio saber o mau conteúdo contingente do conhecimento - se era bom para ele frequentar esta ou aquela pessoa; ou se era bom para um conhecido fazer esta viagem, e coisas insignificantes parecidas; - igualmente, a consciência universal tira o saber, a respeito do contingente, dos pássaros, das árvores, ou da terra em fermentação, cujo vapor arrebata à consciência de si sua capacidade de reflexão. Com efeito, o contingente é o irrefletido e estranho; e a consciência ética se deixa também assim determinar quanto a isso de uma maneira irrefletida e estranha, como por meio de um jogo de dados. Se o Singular se determinar por seu entendimento, e escolher com ponderação o que lhe for útil, então, como fundamento dessa autodeterminação está a determinidade do caráter particular. Ora, essa determinidade mesma é algo contingente, e aquele saber do entendimento sobre o que é útil ao Singular, é portanto um saber do mesmo tipo que o daqueles oráculos ou da loteria. Somente, quem interroga o oráculo ou a loteria exprime com isso a disposição ética da indiferença para com o contingente; enquanto pelo contrário, o outro trata o que é em si contingente como o interesse essencial de seu pensar e saber. No entanto, o superior a ambos é, na verdade, fazer da ponderação o oráculo do agir contingente, mas saber também essa mesma ação ponderada como algo contingente, devido a seu lado da relação ao particular e à sua utilidade. O verdadeiro ser-aí consciente de si, que o espírito recebe da linguagem - que não é a linguagem da consciência de si estranha e portanto contingente, não universal- é a obra de arte que acima vimos: o hino. Ele está em contraste com o caráter de coisa da estátua. Como a estátua é um ser-aí estático, o hino é o ser-aí evanescente; como nesse ser-aí estático a objetividade deixada livre carece do Si imediato próprio, assim no hino, ao contrário, fica a objetividade demasiado encerrada no Si, chega demasiado pouco à figuração; e, tal como o tempo, imediatamente já não é aí quando é aí. O culto combina o movimento de dois lados, em que abandonam mutuamente sua determinação diferente, a figura divina movida no puro elemento sensível da consciência de si, e a figura divina em repouso no elemento da coisidade; e assim chega ao ser-aí a unidade que é o conceito da essência divina. No culto, o Si se proporciona a consciência da descida da essência divina desde o seu além até ele; desse modo, a essência divina que anteriormente é o inefetivo e somente objetivo, adquire a efetividade própria da consciência de si. Esse conceito do culto já está, em si, contido e presente no caudal do canto dos hinos. Essa devoção é a pura satisfação imediata do Si, por si e dentro de si mesmo. É a alma purificada, que nessa pureza é imediatamente apenas essência e um só com a essência. Graças à sua abstração, essa alma não é a consciência que distingue de si seu objeto; e assim, é somente a noite de seu ser-aí, e o lugar preparado de sua figura. Portanto, o culto abstrato eleva o Si a ser esse puro elemento divino. A alma cumpre essa purificação conscientemente; contudo, não é ainda o Si que descendo a suas profundezas se sabe como o mal; mas é um essente, uma alma que purifica sua exterioridade com abluções, que a cobre de vestes brancas; que faz sua interioridade percorrer o caminho imaginado dos trabalhos, penas e recompensas: - o caminho da cultura em geral que extrusa a particularidade. Através desse caminho, a alma alcança as moradas e a comunidade da beatitude. De início, esse culto é somente um desempenhar secreto, isto é, apenas representado e inefetivo; deve ser ação efetiva, pois uma ação inefetiva se contradiz a si mesma. A consciência propriamente dita se eleva, desse modo, à sua consciência de si pura. Nela, a essência tem a significação de um objeto livre; o qual, através do culto efetivo, retorna ao Si, e na medida em que esse objeto tem na consciência pura a significação da essência pura que reside além da efetividade, essa essência desce de sua universalidade através dessa mediação até à singularidade, e se conclui assim com a efetividade. Deste modo se determina como entram em ação os dois lados: para o lado consciente de si, enquanto é consciência efetiva, a essência se apresenta como a natureza efetiva; de uma parte, a natureza pertence à consciência como posse e propriedade sua, e vale como o ser-aí não em si essente; por outra parte, a natureza é sua própria efetividade imediata e singularidade, que pela consciência é igualmente considerada como inessência e suprassumida. Mas, ao mesmo tempo, aquela natureza exterior tem para sua consciência pura a significação oposta, isto é, a de ser a essência em si essente, perante a qual o Si sacrifica sua inessencialidade; assim como, inversamente, ele sacrifica a si mesmo o lado inessencial da natureza. A ação é assim movimento espiritual porque é esse processo bilateral de suprassumir a abstração da essência, tal como a devoção determina o objeto, e convertê-lo em efetivo; e de elevar o efetivo, tal como o agente determina seu objeto e a si mesmo, à universalidade e dentro da universalidade. A ação do culto mesmo começa, pois, como o puro abandono de uma posse, que o dono aparentemente descura como de todo inútil para ele ou faz evolar-se em fumaça. Nisso renuncia, perante a essência de sua consciência pura, à posse e ao direito de propriedade, e ao seu gozo: renuncia à personalidade e ao retorno do agir ao Si, e faz refletir a ação antes no universal ou na essência que em si mesmo. Inversamente, porém, a essência essente nisso também vai por terra. O animal que é sacrificado é o símbolo de um deus; os frutos que se comem são os próprios Ceres e Baco, vivos. Morrem no animal as potências do direito de cima, que têm sangue e vida efetiva; mas em Ceres e Baco, morrem as potências do direito de baixo, que embora incruento possui misterioso e astuto poder. Enquanto é agir, o sacrifício da substância divina pertence ao lado consciente de si; para que seja possível esse agir, a essência deve em si já ter sacrificado a si mesma. Ela já o fez, quando se conferiu ser-aí, e se converteu no animal singular e no fruto. Essa renúncia, que assim a essência já consumou em si, o Si operante apresenta no ser-aí, e para a sua consciência; e substitui essa efetividade imediata da essência pela efetividade superior, a saber, pela efetividade de si mesmo. Com efeito, a unidade produzida - que é o resultado de terem sido suprassumidas a singularidade e a separação dos dois lados - não é o destino apenas negativo, senão que tem significação positiva. Somente à abstrata essência ctônica é que se abandona completamente o que lhe é sacrificado, e por isso a reflexão da posse e do ser para si sobre o universal se caracteriza como distinta do Si como tal. Mas isso, ao mesmo tempo, é só uma parte insignificante, e o outro sacrificar é apenas a destruição do que não tem serventia; é, antes, a preparação do que foi sacrificado para o banquete: - uma festa que defrauda a ação de seu significado negativo. O sacrificante retém, naquele primeiro sacrifício, a maior parte; e guarda, desse outro, o que é útil ao seu gozo. Esse gozo é a potência negativa que suprassume tanto a essência quanto a singularidade; e ao mesmo tempo, é a efetividade positiva, na qual o ser-aí objetivo da essência é transformado no ser-aí consciente de si; e o Si tem a consciência de sua unidade com a essência. Aliás esse culto é, na verdade, uma ação efetiva; contudo sua significação só reside mais na devoção; o que pertence à devoção não é produzido objetivamente, assim como no gozo o resultado se defrauda de seu ser-aí. Portanto, o culto vai mais longe e compensa tal deficiência dando à sua devoção uma subsistência objetiva, por ser o culto o trabalho coletivo ou singular, que cada um pode desempenhar, e que produz a morada e o adorno do deus para honrá-lo. Desse modo se suprassume por um lado a objetividade da estátua, pois através dessa consagração de suas oferendas e trabalhos, o trabalhador torna o deus benévolo a si, e contempla seu Si como pertencendo ao deus. Por outro lado, também esse agir não é o trabalho singular do artista, mas essa particularidade é dissolvida na universalidade. No entanto, o que se produz não é só a honra do deus, e a bênção de sua graça não se derrama apenas na representação sobre o trabalhador; mas o trabalho tem uma significação inversa à primeira que era a da extrusão e da honra alheia. As moradas e os pórticos do deus são para uso do homem; os tesouros neles guardados são, em caso de necessidade, os seus. A honra que o deus desfruta em seus ornamentos, é a honra do povo magnânimo e artisticamente talentoso. Na festa, o povo adorna igualmente suas próprias residências, suas vestes e também suas cerimônias, com graciosas decorações. Recebe, dessa maneira, por seus dons a recompensa do deus agradecido, e as provas de sua benevolência, na qual se uniu ao deus por meio de seu trabalho - não na esperança e em uma efetividade futura; mas tem imediatamente o gozo de sua própria riqueza e magnificência, nas honras tributadas e na apresentação dos dons. b - A OBRA DE ARTE VIVA O povo, que no culto da religião da arte se aproxima do seu deus, é o povo ético que sabe seu Estado e as atuações do Estado como a vontade e o desempenho de si mesmo. Esse espírito, que contrasta com o povo consciente de si, não é pois a luminosidade, que sendo carente de si, não contém em si a certeza dos Singulares, mas antes, é apenas sua essência universal, e a potência do senhor, onde os Singulares desvanecem. O culto da religião dessa essência simples e sem figura, em geral só dá a seus fiéis este retorno: de serem o povo do seu deus. Só lhes assegura sua subsistência e substância simples em geral, mas não seu ser efetivo, que antes é rejeitado. Pois veneram seu deus como a profundeza vazia, não como espírito. De outra parte, contudo, o culto da religião da arte carece dessa abstrata simplicidade da essência, e, portanto, da profundeza da mesma. Mas a essência, que é imediatamente unida ao Si, é em si o espírito e a verdade que sabe: - embora ainda não seja a verdade que é sabida, ou que se sabe a si mesma em sua profundeza. Portanto, já que a essência aqui tem nela o Si, sua manifestação é benévola para a consciência, que no culto recebe não só a justificação universal de sua subsistência, mas também seu ser-aí consciente nele mesmo; assim como, inversamente, a essência não tem efetividade carente de si em um povo rejeitado, cuja substância só é reconhecida - e sim no povo, cujo Si é reconhecido dentro de sua substância. Por conseguinte, do culto procede a consciência de si satisfeita em sua essência, e o deus se aloja nela como em sua morada. Essa morada é para si a noite da substância, ou a pura individualidade da substância; porém já não é a tensa individualidade do artista, que ainda não se reconciliou com sua essência que se torna objetiva, mas é a noite tranquilizada que, sem de nada ter falta, tem nela o seu pathos porque retoma da contemplação, ou da objetividade suprassumida. Esse pathos é, para si, a essência do raiar do sol mas que de agora em diante declinou dentro de si: e tem em si mesmo o seu ocaso - a consciência de si - e com isso, ser-aí e efetividade. Neste ponto, essa essência já tem percorrido o movimento de sua efetivação. Descendo de sua pura essencialidade até uma objetiva força da natureza e a suas exteriorizações, é um ser-aí para o Outro: para o Si pelo qual é consumida. A silenciosa essência da natureza carente de si atinge em seu fruto o patamar em que, preparando a si mesma para ser servida e digerida, se oferece à vida que tem forma de Si. Na utilidade de poder ser comida e bebida, atinge sua mais alta perfeição, pois aí ela é a possibilidade de uma existência superior, e entra em contato com o ser-aí espiritual. De uma parte, o espírito da terra, em sua metamorfose, desenvolveu-se até à substância silenciosamente poderosa, e por outra parte, até a fermentação espiritual; ou seja ali se desenvolveu no princípio feminino da nutrição, e aqui no espírito masculino da força, que se propele, do ser-aí consciente de si. Assim, aquela luminosidade nascente revela nesse gozo o que ela é: o gozo é o seu mistério. Pois o místico não é o ocultamento de um segredo ou ignorância, mas consiste em que o Si se sabe um só com a essência; e esta é, assim, revelada. Só o Si é manifesto a si mesmo, ou seja, o que é manifesto, só é tal na certeza imediata de si. Nessa certeza, porém, a essência simples é posta mediante o culto. E como coisa que se pode usar não tem somente o ser-aí, que é visto, cheirado, saboreado; mas é também objeto do desejo, e pelo gozo efetivo torna-se uma só Coisa com o Si; e desse modo, perfeitamente desvelada nele e para ele manifesta. O que se diz ser manifesto à razão, ao coração, de fato é ainda secreto, por faltar-lhe ainda a certeza efetiva do ser-aí imediato, tanto a certeza objetiva, como a certeza gozosa: que na religião, porém, não é só a imediata, carente de pensamento, mas é, ao mesmo tempo, a certeza que sabe puramente o Si. O que desse modo, mediante o culto, se tornou manifesto ao espírito consciente de si nele mesmo, é a essência simples: por um lado, como o movimento de emergir de seu segredo noturno à consciência, para ser sua substância que nutre em silêncio, mas por outro lado, também, como o movimento de perder-se de novo na noite ctônica, no Si, e de demorar-se sobre a terra apenas como silenciosa saudade-materna. Mas o ímpeto mais forte é a plurinominal luminosidade do sol nascente, e sua vida tumultuosa, que abandonada igualmente por seu ser abstrato, se concentra primeiro no ser-aí objetivo do fruto, e depois, ao entregar-se à consciência de si, nela atinge sua verdadeira efetividade; agora vagueia de um lado para o outro, como uma horda de mulheres frenéticas: delírio indômito da natureza em figura consciente de si. Entretanto, o que se desvela à consciência é ainda somente o espírito absoluto, que é essa essência simples - e não o espírito como é nele mesmo; ou seja, é somente o espírito imediato, o espírito da natureza. Sua vida consciente de si é, portanto, apenas o mistério do pão e do vinho - de Ceres e de Baco - e não o mistério dos outros deuses verdadeiramente superiores, cuja individualidade encerra em si, como momento essencial, a consciência de si como tal. Portanto, ainda não se lhe sacrificou o espírito, como espírito consciente de si; e o mistério do pão e do vinho não é ainda mistério da carne e do sangue. Essa embriaguez desenfreada do deus deve acalmar-se convertendo-se em objeto, e o entusiasmo que não chegou a ser consciência, deve produzir uma obra que se lhe contraponha, como a estátua ao entusiasmo do artista precedente: como uma obra igualmente perfeita, na verdade, mas não como um Si carente de vida nele, senão como um Si vivente. Tal culto é a festa que o homem se dá em sua própria honra, embora ainda não coloque em um culto, como esse, a significação da essência absoluta; pois ao homem só a essência se manifestou, não ainda o espírito: não como uma essência tal que essencialmente assume a figura humana. Mas esse culto lança o fundamento para tal revelação, e desdobra, um a um, seus momentos. Aqui é o momento abstrato da corporeidade viva da essência, como anteriormente a unidade dos dois no devaneio carente de consciência. O homem coloca, pois, no lugar da estátua, a si mesmo como figura produzida e elaborada para o movimento perfeitamente livre; assim como a estátua é a quietude perfeitamente livre. Se cada Singular sabe apresentar-se pelo menos como portador de tocha, acima deles um se eleva, que é o movimento figurado, a serena elaboração e força fluida de todos os membros: uma obra de arte inspirada e viva, que une a potência com sua beleza, e à qual são atribuídos, como prêmio de seu vigor, os ornatos com que se honrava a estátua; - e a honra de ser, no meio de seu povo, a mais alta apresentação corpórea da sua essência, em vez do deus de pedra. Nas duas apresentações que acabamos de ver, está presente a unidade da consciência de si e da essência espiritual; mas falta-lhes ainda seu equilíbrio. No entusiasmo báquico, está o Si fora de si, enquanto na bela corporeidade está fora de si a essência espiritual. Aquele embotamento da consciência e seu balbuciar selvagem devem ser acolhidos no claro ser-aí da corporeidade, cuja clareza carente de espírito deve ser acolhida na interioridade do entusiasmo báquico. O elemento perfeito em que tanto a interioridade é exterior, como a exterioridade é interior, é, mais uma vez, a linguagem; mas não é a linguagem do oráculo, de todo contingente e singular em seu conteúdo; nem o hino, ainda emocional e louvando somente o deus singular; nem o balbuciar, carente de conteúdo, do frenesi báquico. A linguagem, entretanto, ganhou seu conteúdo claro e universal: - seu conteúdo claro porque o artista, a partir do seu primeiro entusiasmo totalmente substancial, se elaborou até alcançar a figura, que é um ser-aí próprio e convivial, penetrado em todos os seus movimentos pela alma consciente de si; - seu conteúdo universal porque nessa festa, que é a glória do homem, desvanece a unilateral idade da estátua que contém somente um espírito nacional, um caráter determinado da divindade. O belo ginasta é, na verdade, a glória de seu povo particular, mas é também uma singularidade corpórea na qual desapareceram a minuciosidade e o rigor da significação, e o caráter interior do espírito que sustém a vida particular, as disposições, as necessidades e os costumes de seu povo. Nessa extrusão para a corporeidade perfeita, o espírito depôs as impressões particulares, e as ressonâncias da natureza, que ele encerrava dentro de si como o espírito efetivo do povo. Por conseguinte, seu povo não está mais consciente nele de sua particularidade, mas antes, da abdicação dessa particularidade; está consciente da universalidade de seu ser-aí humano. c - A OBRA DE ARTE ESPIRITUAL Os espíritos dos povos, que se tornam conscientes da figura de sua essência em um animal particular, confluem em um espírito; assim reúnem-se os peculiares belos espíritos dos povos em um único Panteão, cujo elemento e morada é a linguagem. A pura contemplação de si mesmo como de humanidade universal tem na efetividade do espírito do povo a forma de unir-se com os outros, com os quais pela própria natureza constitui uma nação, para uma empresa comum; para tal obra forma um povo-integrado e por isso um céu-coletivo. Essa universalidade a que o espírito chega em seu ser-aí, é contudo somente a universalidade primeira, que deriva inicialmente da individualidade do mundo ético; não ultrapassou ainda sua imediatez, nem formou um Estado a partir dessas tribos. A eticidade do espírito efetivo do povo repousa por um lado sobre a confiança imediata dos Singulares no todo do seu povo, e por outro lado sobre a parte imediata que todos tomam, apesar da diferença de estamentos, nas decisões e ações do Governo. Essa liberdade de participação de todos e de cada um é provisoriamente posta de lado na união que não constitui, de início, uma ordem permanente, mas que se efetua apenas para uma ação comum. Portanto essa primeira comunidade é mais um agrupamento de individualidades que o domínio do pensamento abstrato que tivesse espoliado os Singulares de sua participação consciente na vontade e ato do todo. O agrupamento dos espíritos dos povos constitui um ciclo de figuras que agora abarca toda a natureza, como também todo o mundo ético. Aliás esses estão sob a hegemonia de um, mais que sob sua soberania. São, para si, as substâncias universais daquilo que a essência consciente de si em si é e faz; mas ela constitui a força, e inicialmente ao menos o centro em torno do qual se atarefam aquelas essências universais, mas centro que no começo parece só unir seus empreendimentos de forma contingente. Mas é o retorno da essência divina à consciência de si o que já contém o motivo por que ela forma o centro daquelas forças divinas, e de início oculta a unidade essencial sob a forma de uma relação externa amistosa dos dois mundos. Essa mesma universalidade, que corresponde a esse conteúdo, tem necessariamente também a forma da consciência, sob a qual forma aparece. Não é mais o agir efetivo do culto, mas um agir que na verdade ainda não se elevou ao conceito mas só à representação, à conexão sintética do ser-aí consciente de si com o ser-aí exterior. A linguagem - o ser-aí dessa representação - é a primeira linguagem: a epopeia como tal, que contém o conteúdo universal, ao menos como totalidade do mundo, embora não como universalidade do pensamento. O aedo é o Singular e o efetivo, pelo qual esse mundo é engendrado e mantido como por seu sujeito. Seu pathos não é a força atordoante da natureza, e sim a Mnemósina, despertar da consciência e a interioridade que veio a ser, a recordação da essência anteriormente imediata. O aedo é o órgão evanescente em seu conteúdo; seu próprio ser não conta, mas sua Musa, seu canto universal. No entanto, o que está presente de fato é o silogismo em que o extremo da universalidade, o mundo dos deuses, através do meio-termo da particularidade está unido com a singularidade; com o aedo. O meio-termo é o povo em seus heróis, que são homens singulares como o aedo, mas apenas representados e por isso, ao mesmo tempo, universais; como o são o livre extremo da universalidade, os deuses. Apresenta-se nessa epopeia, portanto, à consciência em geral o que no culto se efetua em si; a relação do divino com o humano. O conteúdo é uma operação da essência consciente de si mesma. O operar perturba a quietude da substância, e excita a essência de modo que sua simplicidade se divide e é aberta no mundo múltiplo das forças naturais e éticas. A ação é a violação da terra tranquila; é a fenda, que vivificada pelo sangue evoca os espíritos que partiram; os quais, sedentos de vida, a conseguem no agir da consciência de si. A tarefa sobre a qual se aplica o esforço universal possui os dois lados: - o lado do Si, em que a tarefa é cumprida por um conjunto de povos efetivos e de individualidades que se encontram à sua testa; e o lado universal, com a tarefa a ser cumprida por suas potências substanciais. Porém a relação entre os dois lados se determinou precedentemente assim: é a união sintética do universal e do singular, ou seja, é o representar. Dessa determinidade depende o juízo que se faz desse mundo. A relação dos dois é, assim, uma mistura que divide de maneira inconsequente a unidade do agir, e lança superfluamente a ação de um lado para outro. As potências universais têm nelas mesmas a figura da individualidade e, por isso, o princípio da ação: seu efetuar se mostra, portanto, como um agir totalmente oriundo delas, tão livre quanto o agir dos homens. Por conseguinte, tanto os deuses, como os homens, faziam uma só e a mesma coisa. A seriedade daquelas potências divinas é uma ridícula superfluidade, já que estas potências, as humanas são, de fato, a força da individualidade operante; e o tenso esforço e trabalho desta individualidade humana é uma fadiga igualmente inútil, porque são antes os deuses que dirigem tudo. Os mortais efêmeros - que são o nada - ao mesmo tempo, são o Si poderoso que submete a si as essências universais, ofende os deuses e lhes proporciona, em geral, a efetividade e um interesse do agir. Assim como, inversamente, essas impotentes universalidades, que se nutrem das dádivas dos homens e só graças a esses têm o que fazer, são a essência natural e a matéria de todos os acontecimentos, e igualmente a matéria ética e o pathos do agir. Se suas naturezas elementares só são levadas à efetividade e ao relacionamento ativo por meio do livre Si da individualidade - elas são igualmente o universal que se retira dessa união, permanece irrestritamente em sua determinação e através da incoercível elasticidade da sua unidade extingue o pontilhismo do elemento ativo e suas figurações: mantém-se puro e dissolve todo o individual em sua fluidez. Assim como os deuses recaem nessa relação contraditória com a natureza do Si, que lhes é oposta, assim também conflita sua universalidade com sua própria determinação, e sua relação com os outros deuses. Os deuses são os belos indivíduos eternos que, repousando em seu próprio ser-aí, são imunes à caducidade e à violência alheia. Ao mesmo tempo, contudo, são elementos determinados, deuses particulares, que assim se relacionam com outros. Mas a relação com outros, que segundo sua natureza de oposição é um conflito com eles, é um cômico esquecimento de si mesma de sua natureza eterna. A determinidade tem raízes na subsistência divina e possui, em sua limitação, a independência da individualidade total; por essa independência, seus caracteres ao mesmo tempo perdem a nitidez da peculiaridade e se misturam na sua ambiguidade. Um fim qualquer da atividade e sua atividade mesma - porque é dirigi da contra Outro, e por isso contra uma força divina invencível - é uma fanfarronice vazia e contingente, que igualmente se esfuma, e que transforma a aparente seriedade da ação em um jogo sem perigo, seguro de si mesmo, sem resultado e sem êxito. Mas se na natureza de sua divindade o negativo ou a determinidade dessa natureza só se manifesta como a inconsequência de sua atividade e a contradição do fim e do resultado; e se aquela segurança independente mantém a preponderância sobre o determinado, então, justamente por isso, a pura força do negativo se lhe contrapõe, e na verdade como sua última potência contra a qual nada podem fazer os deuses. Eles são o universal e o positivo em contraste com o Si singular dos mortais, que não pode resistir contra sua força divina. Mas o Si universal paira com igual liberdade sobre eles, e sobre esse mundo total da representação, ao qual todo o conteúdo pertence, como o Vazio, carente de conceito, da necessidade, um acontecer ante o qual os deuses se comportam como carentes de si e angustiados, porque essas naturezas determinadas não se encontram em tal pureza. Contudo, essa necessidade é a unidade do conceito, a que se acha submetida a substancialidade contraditória dos momentos singulares, na qual se ordena a inconsequência e a contingência de seu agir; e o jogo de suas ações adquire nelas mesmas sua seriedade e valor. O conteúdo do mundo da representação desenvolve para si sem restrições seu movimento no meio-termo, reunido em torno da individualidade de um herói, que no entanto, em sua força e beleza sente sua vida quebrada, e se entristece encarando uma morte prematura. Com efeito, a singularidade, em si firme e efetiva, é excluída na extremidade, e cindida em seus momentos, que ainda não se encontraram nem unificaram. Um momento, o Singular, o Inefetivo abstrato, é a necessidade que não participa da vida do meio-termo; como aliás tampouco participa o outro momento, o Singular efetivo - o aedo - que se conserva fora dela e perece em sua apresentação. Os dois extremos devem aproximar-se do conteúdo; um, a necessidade, tem de preencher-se com o conteúdo; o outro, a linguagem do aedo, deve participar dele; e o conteúdo, anteriormente abandonado a si mesmo, deve receber nele a certeza e a firme determinação do negativo. Essa linguagem superior, a tragédia, abarca assim mais estreitamente a dispersão dos momentos do mundo essencial e do mundo operante. Conforme a natureza do conceito, a substância do divino dissocia-se em suas figuras, e seu movimento está igualmente em conformidade com o seu conceito. No que concerne a forma, ao penetrar o seu conteúdo, a linguagem deixa de ser narrativa, assim como o conteúdo deixa de ser um conteúdo representado. É o herói mesmo quem fala, e a representação mostra ao ouvinte - que ao mesmo tempo é espectador - homens conscientes de si, que sabem e sabem dizer seu direito e seu fim; a força e a vontade de sua determinidade. São eles artistas que não exprimem o exterior de suas decisões e empreendimentos de modo inconsciente, natural e ingênuo, como o faz a linguagem que acompanha na vida efetiva o agir rotineiro; mas exteriorizam a essência interior, demonstram o direito de seu agir; e afirmam refletidamente e exprimem determinadamente, em sua individualidade universal, o pathos a que pertencem - livre das circunstâncias casuais e do particularismo das personalidades. O ser-aí desses caracteres são enfim homens efetivos, que assumem os personagens dos heróis, e os apresentam em linguagem efetiva, não narrativa, mas própria. Como é essencial à estátua ser obra de mãos humanas, assim é essencial o ator à sua máscara: - não como uma condição externa de que a consideração artística deva abstrair. Ou seja: quando se diz que a consideração artística deve absolutamente abstrair da máscara, com isso se diz justamente que a arte ainda não contém nela o verdadeiro e próprio Si. O terreno universal em que avança o movimento dessas figuras produzidas a partir do conceito é a consciência da primeira linguagem representativa, e de seu conteúdo carente de si e entregue à desagregação. É o povo comum, em geral, cuja sabedoria encontra expressão no coro dos Anciãos. O povo tem seu representante nessa fraqueza, já que ele mesmo constitui apenas o material positivo e passivo da individualidade do governo que se lhe contrapõe. Faltando-lhe a força do negativo, não tem condições de concentrar e de dominar a riqueza e a plenitude variegada da vida divina, mas deixa dispersar os momentos, e em seus hinos de adoração exalta cada momento singular como um deus independente; ora um, ora outro. Porém, quando se dá conta da seriedade do conceito - como ele avança sobre essas figuras, despedaçando-as; quando chega a ver como se saem mal esses deuses venerados que se aventuram nesse terreno onde impera o conceito, então o coro mesmo não é a potência negativa que intervém atuando. Ao contrário: mantém-se no pensamento carente de si, dessa potência, na consciência do destino estranho; e produz o vão desejo do sossego, e o débil discurso do apaziguamento. No temor das potências superiores, que são os braços imediatos da substância, no temor do conflito mútuo entre elas, e do Si simples da necessidade, que tanto esmaga os deuses como os viventes que lhes estão unidos - no compadecer com eles, que ao mesmo tempo sabe serem o mesmo consigo - só há para o coro o temor inoperante desse movimento, o pesar igualmente desamparado; e como fim, a paz vazia da capitulação ante a necessidade, cuja obra não é entendida em si mesma como a necessária ação do caráter nem como o agir da essência absoluta. Perante essa consciência espectadora do coro como terreno indiferente do representar, o espírito não aparece em sua multiplicidade dispersa, mas no desdobramento simples do conceito. A substância do espírito mostra-se, pois, somente desmembrada em suas duas potências extremas. Essas essências universais elementares são, ao mesmo tempo, individualidades conscientes de si: - heróis que põem sua consciência em uma dessas potências, nela possuem a determinidade do caráter, e constituem sua ativação e efetividade. Essa individualização universal desce ainda, como já se mencionou, à efetividade imediata do autêntico ser-aí do ator e se apresenta a uma multidão de espectadores que têm no coro sua cópia, ou melhor, sua própria representação exprimindo-se a si mesma. O conteúdo e o movimento do espírito, que aqui é objeto para si, já foram considerados como natureza e realização da substância ética. Na sua religião, o espírito alcança a consciência sobre si, ou seja, apresenta-se à sua consciência em sua forma mais pura e figura mais simples. Se portanto a substância ética, mediante seu conceito e segundo seu conteúdo, se dividia nas duas potências que foram determinadas como direito divino e direito humano, do mundo subterrâneo e do mundo de cima - aquele era a família, e este, o poder do Estado; o primeiro deles era o caráter feminino, e o segundo, o masculino - então o círculo dos deuses, anteriormente multiforme e vacilante em suas determinações, se restringe às potências que mediante essa determinação se aproximam da individualidade propriamente dita. Com efeito, a precedente dispersão do todo em forças múltiplas e abstratas, que aparecem hipostasiadas, é a dissolução do sujeito, que as concebe somente como momentos dentro de seu Si, e por isso a individualidade é apenas a forma superficial dessas essências. Inversamente, uma distinção de caracteres, mais precisa que a já mencionada, deve ser atribuída à personalidade contingente e em si exterior. Ao mesmo tempo, a essência se divide segundo sua forma ou segundo o saber. O espírito operante se contrapõe, como consciência, ao objeto sobre o qual é ativo e que por isso é determinado como o negativo daquele que sabe: o operante se encontra, desse modo, na oposição do saber e não saber. Deriva seu fim de seu caráter, e o sabe como a essencialidade ética; mas, pela determinidade do caráter, sabe somente uma potência da substância, e a outra está oculta para ele. A efetividade presente é pois em si uma coisa, e para a consciência, outra. O direito de cima e o de baixo adquirem respectivamente a significação da potência que sabe e que se manifesta à consciência, e a significação da potência que se esconde e espreita na emboscada. Uma é o lado da luz, o deus do oráculo, que, segundo o seu momento natural brotando do sol que tudo ilumina, sabe e revela tudo: Febo, e Zeus, que é seu pai. Mas os mandamentos desse deus verídico e seus avisos daquilo que é, são antes enganadores. Com efeito esse saber é, em seu conceito imediatamente, o não saber, porque no agir a consciência é, em si mesma, essa oposição. Aquele que era capaz de decifrar o enigma da Esfinge, Édipo como o que era confiante de modo infantil Orestes são enviados à sua perdição pelo oráculo que o deus lhes revela. Essa sacerdotisa, por cuja boca fala Apoio, o deus formoso, não é diferente das bruxas, irmãs ambíguas que impelem Macbeth ao crime por suas promessas; e, na ambiguidade do que dão como segurança, enganam quem se deixa levar pelo sentido manifesto. Portanto Hamlet, a consciência mais pura do que a última a qual crê nas bruxas, e mais prudente e melhor fundamentada que a primeira, confiante na sacerdotisa e no deus formoso, hesita em vingar-se com base na revelação feita pelo espírito mesmo de seu pai sobre o crime que o matou; e estabelece ainda outras provas, pelo motivo de que esse espírito revelador poderia também ser o demônio. É fundamentada essa desconfiança, porque a consciência sabedora se situa na oposição entre a certeza de si mesma e a essência objetiva. O direito do ético - de que a efetividade em si nada é em oposição à lei absoluta - experimenta que seu saber é unilateral; que sua lei é apenas lei de seu caráter; que captou somente uma potência da substância. A ação mesma é essa inversão do sabido em seu contrário, o ser; é a inversão do direito do caráter e do saber, no direito do oposto, com o qual aquele está unido na essência da substância: inversão nas Fúrias ou nas Erínias da outra potência e do outro caráter, hostilmente excitadas. Esse direito ctônico senta-se com Zeus no trono, e goza de igual consideração junto com o deus que se revela e que sabe. A essas três essências o mundo dos deuses do coro é limitado pela individualidade operante. A primeira é a substância, que tanto é a potência do lar e o espírito da piedade-familiar como é a potência universal do Estado e do Governo. Enquanto essa diferença pertence à substância enquanto tal, não se individualiza para a representação em duas figuras distintas, senão que tem na efetividade os dois personagens de seus caracteres. Ao contrário, a diferença entre saber e não saber incide em cada uma das consciências de si efetivas, e somente na abstração, no elemento da universalidade, se reparte em duas figuras individuais. Com efeito, o Si do herói só tem ser-aí como consciência total, e é portanto essencialmente a diferença total que pertence à forma; mas sua substância é determinada, e lhe pertence apenas um lado da diferença do conteúdo. Portanto, os dois lados da consciência, que na efetividade não têm individualidade separada - cada um a própria -, recebem, na representação, cada lado sua figura peculiar; uma figura é a do deus manifestante; a outra, a figura da Erínia que se conserva oculta. De uma parte, ambas gozam de honra igual; de outra parte, a figura da substância, Zeus, é a necessidade da relação mútua das duas. A substância é a relação pela qual o saber é para si, mas tem no simples sua verdade; a diferença, mediante a qual existe a consciência efetiva, tem seu fundamento na essência interior que destrói essa diferença; - a segurança clara para si mesma, da certeza, tem sua confirmação no olvido. Por meio do agir, a consciência tornou patente essa oposição: agindo conforme o saber revelado, experimenta o logro de tal saber; e dedicando-se, segundo o conteúdo, a um atributo da substância, ofendeu o outro e desse modo lhe deu direito contra si. Seguindo o deus que sabe, o que antes apreendeu foi o não revelado, e é castigada por ter confiado no saber cuja ambiguidade - pois esta é sua natureza - deveria estar presente também para essa consciência, e servir-lhe de advertência. O frenesi da sacerdotisa, a figura desumana das bruxas, a voz da árvore, do pássaro, o sonho, etc., não são modos em que a verdade apareça, mas sinais de advertência do embuste, da irreflexão, da singularidade e contingência do saber. Ou - o que é o mesmo - a potência oposta, ofendida pela consciência, está presente como lei promulgada e direito vigente: seja a lei da família, ou do Estado. A consciência seguiu, ao contrário, o próprio saber, e ocultou a si mesma o que era manifesto. Entretanto, a verdade das potências do conteúdo e da consciência, que se enfrentam uma à outra, é o resultado de que ambas têm igual direito, e por isso em sua oposição - que o agir produz - têm a mesma falta de direito. O movimento do agir mostra sua unidade no ocaso mútuo das duas potências, e dos dois caracteres conscientes de si. A reconciliação da oposição consigo é o Letes do mundo inferior, na morte - ou o Letes do mundo superior como absolvição - não da culpa, pois essa, a consciência, não pode desmentir, uma vez que agiu - mas do crime, e de seu aplacamento expiatório. Os dois são o olvido, o ser-desvanecido da efetividade e do agir das potências da substância - de suas individualidades - e das potências do pensamento abstrato do bem e do mal. Com efeito, nenhuma delas é para si a essência, senão que a essência é o repouso do todo dentro de si mesmo, a unidade imóvel do destino, o tranquilo ser-aí, e por isso é a inatividade e falta de vitalidade da família e do Governo; é a honra igual, e, portanto, a inefetividade indiferente de Apoio e da Erínia, e o retorno de seu entusiasmo e atividade ao Zeus simples. Esse destino completa o despovoamento do céu - a combinação, carente de pensamento, da individualidade e da essência - uma combinação pela qual o agir da essência aparece como um agir inconsequente, casual, indigno de si; pois a individualidade,só superficialmente unida à essência, é a individualidade inessencial. O banimento de tais representações carentes de essência, que foi exigido por filósofos da Antiguidade, começa assim já na tragédia em geral, enquanto nela a divisão da substância está dominada pelo conceito, e com isso a individualidade é a individualidade essencial, e as determinações são os caracteres absolutos. A consciência de si que é representada na tragédia, desse modo só conhece e reconhece um poder supremo, Zeus e a esse Zeus, só como o poder do Estado ou do lar; e na oposição do saber, só como o pai do saber do particular, saber que se converte em figura; e como o Zeus do juramento e da Erínia - o Zeus do universal do interior que habita no recôndito. Ao contrário, os momentos que ulteriormente se dispersam do conceito para a representação, e que o coro acentua um depois do outro, não são o pathos do herói, mas nele se rebaixam ao nível da paixão: - a momentos contingentes e carentes de essência que embora o coro, carente de si, os exalte, no entanto não são capazes de constituir o caráter dos heróis nem de ser enunciados e respeitados por eles como sua essência. Aliás, também os personagens da essência divina mesma, como os caracteres de sua substância, confluem na simplicidade do que carece de consciência. Em contraste com a consciência de si, essa necessidade tem a determinação de ser a potência negativa de todas as figuras que aparecem, de não se reconhecer a si mesma nessa potência, mas antes de perecer nela. O Si aparece somente como assignado aos caracteres, e não como o meio termo do movimento. Contudo, a consciência de si, a certeza simples de si, de fato é a potência negativa, a unidade de Zeus, da essência substancial e da necessidade abstrata; é a unidade espiritual a que tudo retoma. Pelo fato de que a consciência de si efetiva se distingue ainda da substância e do destino, por uma parte é o coro, ou antes, o público espectador, que esse movimento da vida divina enche de terror, como algo estranho; ou em que esse movimento, como algo próximo, só produz a emoção do compadecer inativo. Por outra parte, na medida em que a consciência coopera nesse movimento e pertence aos caracteres, essa união é uma união externa, uma hipocrisia, porque ainda não se deu a verdadeira unificação: a do Si, do destino e da substância. O herói, que aparece frente ao espectador, se dissocia em sua máscara e no ator - no personagem e no Si efetivo. A consciência de si dos heróis deve sair de sua máscara, e apresentar-se tal como ela se sabe: - como o destino tanto dos deuses do coro, quanto das potências absolutas mesmas; e então não está mais separada do coro, da consciência universal. Por conseguinte, a comédia tem antes de tudo o aspecto de que nela a consciência de si efetiva se apresenta como o destino dos deuses. Essas essências elementares, como momentos universais, não são um Si, nem são efetivas. Embora estejam dotadas da forma da individualidade, essa forma lhes é apenas atribuída, e não lhes compete em si e para si: o Si efetivo não tem, por sua substância e conteúdo, um tal momento abstrato. Ele, o sujeito, está, pois, elevado acima de tal momento, como acima de uma propriedade singular; e revestido dessa máscara, exprime a ironia de tal propriedade querer ser alguma coisa para si. O pretender à universal essencialidade é delatado no Si: ele se mostra aprisionado em uma efetividade, e faz cair a máscara, justamente quando quer ser algo de justo. O Si, entrando em cena, aqui na sua significação de efetivo, representa com a máscara, uma vez que a pôs para desempenhar seu personagem; mas logo torna a sair dessa aparência e se apresenta em sua própria nudez e condição costumeira, que mostra não ser diferente do Si próprio: - do ator como igualmente do espectador. Essa dissolução universal da essencialidade figurada em geral na sua individualidade torna-se mais séria em seu conteúdo e por isso mais ambiciosa e mais amarga na medida em que o conteúdo adquire sua significação mais séria e mais necessária. A substância divina reúne em si a significação da essencialidade natural e da essencialidade ética. No que concerne o elemento natural, a consciência de si efetiva, já no emprego desse para seu adorno, morada, etc., e no banquete que faz de sua vítima, mostra-se como o destino ao qual foi revelado o segredo de sua relação com a auto essencial idade da natureza. No mistério do pão e vinho, apropria-se dela, junto com a significação da essência interior; e na comédia, tem a consciência da ironia dessa significação em geral. Ora, na medida em que essa significação contém a essencialidade ética, ela é, por uma parte, o povo em seus dois aspectos: do Estado - ou demos propriamente dito - e da singularidade da família; mas, de outra parte, é o puro saber consciente de si, ou o pensar racional do universal. Aquele demos, a massa universal, que se sabe como senhor e governante, e igualmente como entendimento e inteligência que exigem respeito, se constrange e se engana pela particularidade de sua efetividade; e apresenta o contraste ridículo entre sua opinião sobre si e seu imediato ser-aí; entre sua necessidade e sua contingência, entre sua universalidade e sua banalidade. Se o princípio de sua singularidade, separado do universal, emerge na figura peculiar da efetividade e abertamente usurpa e controla a comunidade, de que é o mal secreto, descobre-se então imediatamente o contraste entre o universal, como uma teoria, e aquilo em torno de que se tem de agir na prática. Ressalta a completa emancipação dos fins da singularidade imediata, em relação à ordem universal; e o desprezo que a singularidade tem por essa ordem. O pensar racional liberta a essência divina de sua figura contingente, e em contraste com a sabedoria carente de conceito do coro - que aduz máximas éticas de todo o tipo e faz vigorar uma multidão de leis e conceitos determinados de deveres e direitos - eleva-os às ideias simples do belo e bom. O movimento dessa abstração é a consciência da di ai ética, que essas máximas e leis nelas possuem, e por isso a consciência do desvanecer da validade absoluta sob a qual apareciam antes. Enquanto desvanece a determinação contingente e a individualidade superficial - que a representação atribui às essencialidades divinas - elas, segundo seu lado natural só têm ainda a nudez de seu ser-aí imediato: são nuvens, uma névoa evanescente como aquelas representações. Segundo a sua essencialidade pensada, tornaram-se pensamentos simples do belo e do bem, e suportam ser preenchidos por qualquer conteúdo. A força do saber dialético abandona as leis e máximas determinadas do agir ao prazer e à leviandade da juventude - por isso mesmo - transviada; e fornece armas para ilusão, à ansiedade e preocupação da velhice que se restringe à singularidade da vida. Os pensamentos puros do belo e do bem, mediante a libertação da opinião que contém tanto sua determinidade, enquanto conteúdo, como sua determinidade absoluta - que é o manter-se firme da consciência nessa determinidade-, apresentam esse espetáculo cômico de se tornarem vazios, e, justamente por isso, joguete da opinião e do capricho da individualidade contingente. Aqui portanto se reúne com a consciência de si o destino - antes carente de consciência - que consistia no vazio repouso e olvido, e era separado da consciência de si. O Si Singular é a força negativa pela qual e na qual desvanecem os deuses, assim como seus momentos - a natureza aí essente e os pensamentos de suas determinações. Ao mesmo tempo, o Si singular não é a vacuidade do desvanecer, mas se conserva nessa nulidade mesma: está junto a si, e é a única efetividade. A religião da arte consumou-se nesse Si, e retomou completamente para dentro de si. Por ser a consciência singular na certeza de si mesma, que se apresenta como essa potência absoluta, perdeu a forma de algo representado, separado da consciência em geral e a ela estranho, como eram a estátua e também a bela corporeidade viva ou o conteúdo da epopeia e as potências e personagens da tragédia. A unidade tampouco é a unidade carente de consciência do culto e dos mistérios, mas o Si peculiar do ator coincide com seu personagem; assim como o espectador se sente perfeitamente em casa no que lhe é representado, e vê a si mesmo representando em cena. O que esta consciência de si intui é que nela, o que assume frente a ela a forma da essencialidade, antes se dissolve e se abandona em seu pensar, ser-aí e agir; é o retorno de todo o universal à certeza de si mesmo, e, por conseguinte, essa completa ausência de temor e de essência, de tudo o que é estranho. É um bem-estar e um abandonar-se ao bem-estar da consciência, como não se encontram mais fora dessa comédia. c - A RELIGIÃO MANIFESTA O espírito avançou da forma da substância à forma do sujeito através da religião da arte, pois ela produz a figura do espírito e assim põe nela o agir ou a consciência de si - que na substância aterradora só desvanece, e que na confiança não se apreende a si mesma. Essa encarnação da essência divina começa na estátua, que só tem nela a figura externa do Si, enquanto o interior - sua atividade - incide fora dela. No culto, porém, os dois lados tornaram-se um; no resultado da religião da arte, essa unidade em sua plenitude passou também, ao mesmo tempo, ao extremo do Si. No espírito, que é totalmente certo de si na singularidade da consciência, toda a essencialidade soçobrou. A proposição que enuncia essa leveza soa assim: o Si é a essência absoluta. A essência, que era substância, e em que o Si era a acidentalidade, afundou até ao nível do predicado, e o espírito perdeu sua consciência nessa consciência de si, à qual nada se contrapõe na forma da essência. Esta proposição: o Si é a essência absoluta pertence, como é evidente, ao espírito efetivo, ao não religioso. Convém lembrar qual a figura do espírito que exprime o Si. Ela deve conter ao mesmo tempo o movimento e sua inversão, que degrada o Si a predicado e eleva a substância a sujeito. Desse modo, não é que a proposição invertida faça em si ou para nós, da substância, sujeito; ou, o que é o mesmo, reinstaure a substância de modo que a consciência do espírito seja retrotraida a seu começo, à religião natural; ao contrário, essa inversão é produzida para a consciência de si e através dela mesma. A consciência de si, ao abandonar-se conscientemente, conserva-se em sua extrusão, e permanece o sujeito da substância; mas, justamente ao extrusar-se desse modo, tem ao mesmo tempo a consciência da substância. Ou seja: ao produzir mediante seu sacrifício a substância como sujeito, o sujeito permanece seu próprio Si. Se nas duas proposições - na primeira, a da substancialidade, o sujeito somente desvanece; na segunda, a substância é somente predicado, e assim ambos os lados estão presentes em cada proposição com a desigualdade oposta do valor - consegue-se, desse modo, que se produza a união e a interpenetração das duas naturezas, em que as duas, com igual valor, tanto são essenciais, como também são momentos apenas. Por isso o espírito é tanto consciência de si - de si como sua substância objetiva - quanto é consciência de si simples que permanece dentro de si. A religião da arte pertence ao espírito ético, que mais acima vimos perecer no Estado de Direito, isto é, na proposição: o Si como tal, a pessoa abstrata é a essência absoluta. Na vida ética, o Si submergiu no espírito do seu povo, é a universalidade preenchida de conteúdo. Mas a singularidade simples se eleva desse conteúdo, e sua leveza a purifica convertendo-a na pessoa, na universalidade abstrata do direito. Nessa pessoa de direito se perdeu a realidade do espírito ético: os espíritos, carentes de conteúdo, de povos-individuais, são reunidos em um panteão; não em um panteão da representação, cuja forma impotente deixa fazer a cada um, e sim no panteão da universalidade abstrata, do pensamento puro que os desincorpora e confere ao Si carente de espírito - à pessoa singular - o ser em si e para si. No entanto este Si, por seu esvaziamento, libertou o conteúdo: a consciência só é essência dentro de si; seu ser-aí próprio, o jurídico ser-reconhecido da pessoa, é a abstração não preenchida; portanto, antes possui somente o pensamento de si mesma, ou seja, tal como é aí, e tal como se sabe como objeto, é a consciência inefetiva. Por conseguinte, é somente a independência estoica do pensar; e esta, atravessando o movimento da consciência cética, encontra sua verdade naquela figura que foi denominada a consciência de si infeliz. Sabe essa consciência qual a situação da vigência efetiva da pessoa abstrata, e também de sua vigência no pensamento puro. Sabe que tal vigência é antes a completa perdição; ela mesma é essa sua perdição consciente, e a extrusão de seu saber de si. Nós vemos que essa consciência infeliz constitui o reverso e o complemento da consciência completamente feliz dentro de si - da consciência cômica. A essência divina toda retoma para essa última consciência, ou seja, ela é a perfeita extrusão da substância. Ao contrário, a consciência infeliz é o destino trágico da certeza de si mesmo, que deve ser em si e para si. É a consciência da perda de toda a essencialidade nessa certeza de si; e justamente da perda desse saber de si - da substância como do Si. É a dor que se expressa na dura palavra: Deus morreu. Assim, no Estado de Direito, o mundo ético e sua religião soçobraram na consciência cômica; e a consciência infeliz é o saber dessa perda total. Para ela, está perdida tanto a autovalorização de sua personalidade imediata, quanto de sua personalidade mediatizada, da personalidade pensada. Emudeceu tanto a confiança nas leis eternas dos deuses, como nos oráculos que tratavam de conhecer o particular. As estátuas são agora cadáveres cuja alma vivificante escapou, como os hinos são palavras cuja fé escapou; as mesas dos deuses ficaram sem comida e bebida espirituais, e de seus jogos e festas já não retoma à consciência sua unidade jubilosa com a essência. Falta à obra das musas a força do espírito, esse espírito para o qual, do esmagamento dos deuses e dos homens, surgira a certeza de si mesmo. São agora o que são para nós: belos frutos caídos da árvore, que um destino amigo nos estende, como uma donzela que oferece frutos. Não há a vida efetiva de seu ser-aí, nem a árvore que os carregou, nem a terra e os elementos que constituíam sua substância, nem o clima que constituía sua determinidade, nem a alternância das estações que presidiam o processo de seu vir a ser. Assim, o destino nos entrega, com as obras daquela arte, não o seu mundo nem a primavera e o verão da vida ética, em que elas floresceram e amadureceram, mas somente a recordação velada dessa efetividade. Nosso agir, no gozo dessas obras de arte, não é, pois, o agir do serviço divino, em que se faria presente à nossa consciência sua perfeita verdade que a cumularia; ao contrário, é o agir externo que limpa esses frutos de algumas gotas de chuva ou grãos de areia. Em lugar dos elementos interiores da efetividade do ético, que os rodeia, engendra e vivifica, esse agir constrói uma prolixa armação dos elementos mortos de sua existência externa - da linguagem, do histórico, etc. - não para viver dentro deles, mas somente para representá-los dentro de si. Entretanto, a donzela que oferece os frutos colhidos é mais que a natureza que imediatamente os apresentava - a natureza diversificada em suas condições e elementos, a árvore, o ar, a luz, etc.; porque a donzela reúne, em uma forma superior, tudo isso no brilho do olhar consciente de si, e no gesto de oferecer. Assim, o espírito do destino que nos oferece essas obras de arte é mais que a vida ética e a efetividade daquele povo, pois é a recordação, reviver no íntimo do espírito ainda exteriorizado nelas; é o espírito do destino trágico que reúne todos esses deuses individuais e atributos da substância no Panteão uno: no espírito consciente de si como espírito. Estão dadas todas as condições de seu nascimento, e essa totalidade de suas condições constitui o vir a ser, o conceito ou nascer em si essente do conceito. O circulo das produções da arte abrange as formas das extrusões da substância absoluta, a qual está na forma da individualidade, a - como uma coisa, como objeto essente da consciência sensível; b - como a linguagem pura, ou o vir a ser da figura, cujo ser-aí não sai do Si, e é objeto puramente evanescente; c- como unidade imediata com a consciência de si universal, em sua inspiração, e como unidade mediatizada no agir do culto; d - como a bela corporeidade do Si, e, finalmente, e - como o ser-aí sublimado na representação, e sua expansão em um mundo que afinal se concentra na universalidade, que é, igualmente, f - a pura certeza de si mesmo. Essas formas, e, do outro lado, o mundo da pessoa e do direito; a selvageria destruidora dos elementos do conteúdo, deixados soltos; igualmente a pessoa pensada do estoicismo, e a inquietude incansável da consciência cética - todas elas constituem a periferia das figuras, que aguardando e apinhando-se rodeiam o berço do espírito que se torna consciência de si. A dor e a saudade da consciência infeliz, que as impregnam todas, é o seu centro; e a dor de parto comum de seu nascimento - a simplicidade do conceito puro, que contém aquelas figuras como momentos seus. O espírito tem nele os dois lados que foram acima representados como as duas proposições inversas; - um lado, é que a substância se extrusa de si mesma, e se torna consciência de si; o outro, ao contrário, é que a consciência de si se extrusa de si, e se converte em coisidade ou em Si universal. Vieram desse modo os lados um ao encontro do outro, e assim se produziu sua verdadeira unificação. A extrusão da substância, seu converter-se em consciência de si, exprime a passagem ao oposto: a passagem, carente de consciência, da necessidade; ou seja, exprime que a substância é em si consciência de si. Inversamente, a extrusão da consciência de si exprime que ela é em si a essência universal, ou - porque o Si é o puro ser para si, que em seu contrário permanece junto a si - exprime que é para o Si que a substância é consciência de si, e justamente por isso é espírito. Desse espírito, que abandonou a forma da substância e entra no ser-aí na figura da consciência de si, pode-se dizer - caso se prefira utilizar relações tomadas da geração natural - que o espírito tem uma mãe efetiva, mas um pai em si essente. Com efeito, a efetividade ou a consciência de si, e o Em si como a substância, são os seus dois momentos, pela extrusão mútua dos quais - tornando-se cada um deles o outro - o espírito entra no ser-aí como sua unidade. Na medida em que a consciência de si unilateralmente só apreende sua própria extrusão - quando para ela seu objeto já é tanto ser quanto Si, e ela sabe todo o ser-aí como essência espiritual - contudo, nem por isso o espírito verdadeiro ainda veio a ser para ela. Quer dizer: na medida em que, em si, o ser em geral ou a substância, de seu lado, igualmente não se extrusou dele mesmo, e se converteu em consciência de si. Porque então todo o ser-aí só é essência espiritual do ponto de vista da consciência, e não em si mesmo. Dessa maneira, o espírito está no ser-aí só como imaginário: esse imaginar é a fantasmagoria, que impinge tanto à natureza quanto à história, tanto ao mundo quanto às representações míticas das religiões do passado, um sentido interior diverso do que apresentavam imediatamente à consciência em sua manifestação; no caso das religiões, um sentido diverso do que nelas sabia a consciência de si, cujas religiões eram. Contudo, essa significação é uma que se tomou emprestada, e uma roupagem que não cobre a nudez do fenômeno, e não ganha para si fé e veneração, mas que permanece a noite turva e o próprio arrebatamento da consciência. Para que essa significação do objetivo não seja, assim, pura fantasia, deve ser em si; quer dizer: em primeiro lugar, brotar do conceito para a consciência, e surgir na sua necessidade. Para nós, desse modo o espírito que se sabe a si mesmo nasceu, através do conhecer da consciência imediata, ou da consciência do objeto essente, através de seu necessário movimento. Em segundo lugar, esse conceito, que como conceito imediato tinha também a figura da imediatez para sua consciência, deu a si mesmo a forma da consciência de si em si, isto é, justamente segundo a necessidade do conceito, como o ser ou a imediatez, que é o objeto carente de conteúdo da consciência sensível - esse conceito extrusa-se de si e se torna o Eu para a consciência. Entretanto, o Em si imediato ou a necessidade essente mesma se diferenciam do Em si pensante ou do conhecer da necessidade. Mas é uma diferença que ao mesmo tempo não reside fora do conceito, porque a unidade simples do conceito é o próprio ser imediato. O conceito tanto é o que se extrusa, ou o vir a ser da necessidade intuída, quanto o que nessa necessidade está junto a si, e que a conhece e a conceitua. O Em si imediato do espírito, que se confere a figura da consciência de si, não designa outra coisa senão o que o efetivo espírito do mundo chegou a esse saber de si; só então esse saber entra também na sua consciência e como verdade. Como isso ocorreu, já se expôs mais acima. Que o espírito absoluto se tenha dado a figura da consciência de si em si, e portanto também para sua consciência, isso agora aparece assim: a fé do mundo é crer que espírito é aí como uma consciência de si, quer dizer, como um homem efetivo; que o espírito é para a certeza imediata; que a consciência crente vê e toca e ouve esta divindade. Assim, essa consciência de si não é fantasia, mas é efetivamente no crente. A consciência então não sai do seu interior, do pensamento, concluindo dentro de si o pensamento de Deus juntamente com o ser-aí; ao contrário, sai do ser-aí presente imediato, e reconhece a Deus nele. O momento do ser imediato está presente no conteúdo do conceito de modo que o espírito religioso, no retorno de toda a essencialidade à consciência, se tornou um Si positivo simples, assim como o espírito efetivo, como tal, na consciência infeliz se tornou justamente essa simples negatividade consciente de si. O Si do espírito aí essente tem, por isso, a forma da perfeita imediatez; não se põe nem como pensado ou representado, nem como produzido como é o caso do Si imediato, quer na religião natural, quer na religião da arte, Ao contrário, esse Deus vem a ser imediatamente como Si, como um efetivo homem singular, sensivelmente intuído; só assim ele é consciência de si. Essa encarnação da essência divina, ou o fato de que ela tem essencial e imediatamente a figura da consciência de si, é o conteúdo simples da religião absoluta. Nela, a essência é sabida como espírito; vale dizer, essa religião é sua consciência, sobre si mesma, de ser espírito. Com efeito, o espírito é o saber de si mesmo em sua extrusão: é a essência que é o movimento de preservar no seu ser Outro a igualdade consigo mesma. Ora, isso é a substância, na medida em que ela, em sua acidentalidade, é igualmente refletida sobre si, e não, ao contrário, como indiferente a algo inessencial, e que por isso se encontrasse em algo estranho; senão que ali nos seus acidentes a substância está dentro de si, isto é, enquanto a substância é sujeito ou Si. Por conseguinte, a essência divina é revelada nessa religião. O seu ser-revelado consiste manifestamente em que se sabe o que ela é. Mas ela é conhecida justamente enquanto é conhecida como espírito - como essência que é essencialmente consciência de si. Para a consciência há então algo oculto em seu objeto, se esse objeto é Outro ou um estranho para ela, e se não sabe esse objeto como a si mesma. Esse ser oculto cessa quando é objeto da consciência a essência absoluta como espírito, porque assim o objeto está em sua relação com a consciência como um Si. Em outras palavras: a consciência se sabe imediatamente nele, ou seja, a consciência é manifesta a si no objeto. Ela mesma só é manifesta a si na certeza própria de si; ora, aquele objeto é o Si; mas o Si não é algo estranho, e sim a unidade inseparável consigo, o universal imediato. É o puro conceito, o puro pensar ou o ser para si; o ser imediato, e por isso, o ser para Outro e, como esse ser para Outro, imediatamente retomado a si e junto a si mesmo; é, assim, o que só e verdadeiramente é revelado. O bondoso, o justo, o santo, o criador do céu e da terra, etc., são predicados de um sujeito: - momentos universais que têm neste ponto seu apoio, e que somente são no retomar da consciência para o pensar. Enquanto eles são conhecidos, ainda não está manifesta o sujeito mesmo, seu fundamento e essência; e igualmente, esses predicados são as determinações do universal, não este universal mesmo. O sujeito mesmo, e por isso também este universal puro, é revelado como Si, porque ele é precisamente esse interior refletido sobre si, que é aí imediatamente e que é a certeza própria daquele Si, para o qual é aí. Ora, ser o revelado segundo o seu conceito é assim a verdadeira figura do espírito; e essa sua figura, o conceito, é igualmente apenas sua essência e substância. O espírito é conhecido como consciência de si, e é imediatamente revelado a esta por ser ela mesma. A natureza divina é o mesmo que a humana, e é essa unidade que é intuída. Por conseguinte, aqui a consciência ou a maneira como a essência é para a consciência mesma - sua figura - é de fato igual à sua consciência de si. Essa figura é, ela mesma, uma consciência de si; é por isso, ao mesmo tempo, objeto essente, e esse ser tem também imediatamente a significação do pensar puro, da essência absoluta. A essência absoluta, que como uma consciência de si efetiva é aí, parece ter descido de sua simplicidade eterna; mas de fato, assim só alcançou sua essência suprema. Com efeito, o conceito da essência, só quando atingiu sua pureza simples, é a abstração absoluta, que é o puro pensar, e por isso é a pura singularidade do Si; assim como, devido à sua simplicidade, é o imediato ou ser. O que se denomina consciência sensível é justamente essa abstração pura: é esse pensar, para o qual o ser é o imediato. O ínfimo é, ao mesmo tempo, o supremo; o manifesto, que aparece completamente na superfície, é justamente nisso o mais profundo. Que a essência suprema seja vista, ouvida, etc., como uma consciência de si essente, isso é, pois, de fato, a plena realização de seu conceito; e por meio dessa realização plena a essência é aí tão imediatamente como ela é essência. Esse ser-aí imediato não é só e simplesmente consciência imediata, mas ao mesmo tempo é consciência religiosa. A imediatez tem inseparavelmente a significação não só de uma consciência de si essente, mas também da essência puramente pensada ou absoluta. A consciência religiosa é, para si, consciente daquilo que para nós somos conscientes em nosso conceito: de que o ser é essência. Essa unidade do ser e essência, do pensar que é imediatamente ser-aí - do mesmo modo que ela é o pensamento dessa consciência religiosa ou seu saber mediatizado, assim também é seu saber imediato. Com efeito, essa unidade do ser e pensar é a consciência de si, e ela mesma é aí; ou seja, a unidade pensada tem ao mesmo tempo essa figura do que ela é. Deus é assim revelado aqui como ele é: ele é aí assim como ele é em si; ele é aí como espírito. Deus só é acessível no puro saber especulativo, e é somente nesse saber; e só é esse saber mesmo, porque Deus é o espírito, e esse saber especulativo é o saber da religião revelada. Um saber que sabe Deus como pensar, ou pura essência, e esse pensar como ser e como ser-aí, e o ser-aí como a negatividade de si mesmo; por isso, como Si - este Si, e Si universal. É justamente isso o que sabe a religião manifesta. As esperanças e expectativas do mundo precedente impeliam somente a esta revelação: a contemplar o que é a essência absoluta, e a encontrar-se nela a si mesmo. Essa alegria vem a ser para a consciência de si, e abrange o mundo inteiro para se contemplar na essência absoluta, pois ela é espírito, é o movimento simples desses momentos puros, que exprime isto mesmo: que a essência é sabida como espírito somente quando é contemplada como consciência de si imediata. Esse conceito do espírito que sabe a si mesmo como espírito, é ele mesmo o conceito imediato, e ainda não desenvolvido. A essência é espírito, ou seja, é apareci da, é manifesta. Esse primeiro ser manifesto é, por sua vez, imediato; ora, a imediatez é igualmente mediação pura ou pensar; logo, deve apresentar isso nela mesma, como tal. Considerando este ponto mais precisamente: o espírito, na imediatez da consciência de si, é esta consciência de si singular oposta à universal; é Uno exclusivo que tem a forma, ainda não dissolvida, de Outro sensível para a consciência para a qual é aí. Esse Outro não sabe ainda o espírito como sendo o seu, ou seja: o espírito, enquanto é este Si singular, ainda não é aí igualmente como Si universal, como todo Si. Em outras palavras, a figura não tem ainda a forma do conceito, isto é, do Si universal, do Si que em sua imediata efetividade é também Si suprassumido, é pensar, é universalidade, sem perder na universalidade a efetividade. No entanto, a forma mais próxima - e ela mesma imediata dessa universalidade já não é a forma do pensar mesmo, do conceito como conceito, mas a universalidade da efetividade, a todidade dos Si, e a promoção do ser-aí à representação. Como sempre, e para aduzir um exemplo determinado, o isto sensível suprassumido é primeiro a coisa da percepção; não ainda o universal do entendimento. Este homem singular portanto, como o homem que a essência absoluta se revelou ser, consuma nele enquanto Singular o movimento do ser sensível. Ele é o Deus imediatamente presente: assim, o seu ser passou para o ter sido. A consciência, para a qual ele tem essa presença sensível, deixa de vê-lo, de ouvi-lo: ela o tinha visto e ouvido - e só porque o tinha visto e ouvido, torna-se ela mesma consciência espiritual. Ou seja: como antes ele nasceu para ela como ser-aí sensível, agora ressurge no espírito. Com efeito, como uma consciência que o vê e ouve sensivelmente, ela mesma é apenas consciência imediata, que não suprassumiu a desigualdade da objetividade, nem a recuperou no puro pensar, senão que sabe como o espírito este Singular objetivo, mas não a si mesma. No desvanecer do ser-aí imediato do que é conhecido como essência absoluta, o imediato recebe seu momento negativo; o espírito permanece o Si imediato da efetividade, mas como a consciência de si universal da comunidade; consciência de si que em sua própria substância repousa, assim como esta é sujeito universal na consciência de si. O que constitui o todo completo desse espírito não é o Singular só, mas sim o Singular junto com a consciência da comunidade e o que ele é para a comunidade. Contudo, passado e distanciamento são apenas a forma imperfeita segundo a qual o modo imediato é mediatizado, ou posto universalmente. Só superficialmente esse modo está imerso no elemento do pensar, nele se conserva como uma modalidade sensível, e não faz um com a natureza do pensar mesmo. Só existe elevado ao representar, já que este é a união sintética da imediatez sensível e de sua universalidade, ou do pensar. Essa forma do representar constitui a determinidade em que o espírito se torna consciente de si nessa sua comunidade. Ainda não é a consciência de si do espírito, que avançou até o seu conceito como conceito: a mediação é ainda imperfeita. Há assim nessa união do ser e pensar o defeito de estar a essência espiritual ainda afetada por uma cisão, não reconciliada, em um aquém e além. O conteúdo é o verdadeiro, mas todos os seus momentos, postos no elemento do representar, têm o caráter de não serem conceituados, mas de aparecerem como lados totalmente independentes, que se relacionam exteriormente um com o outro. Para que o verdadeiro conteúdo receba também sua verdadeira forma para a consciência, faz-se mister a mais alta formação cultural dessa consciência: há que elevar ao conceito sua intuição da substância absoluta, igualar, para ela mesma, sua consciência com sua consciência de si: - como para nós, ou em si, já ocorreu. Esse conteúdo tem de considerar-se na maneira como é em sua consciência. O espírito absoluto é conteúdo: assim é, na figura de sua verdade. Ora, sua verdade é não apenas ser a substância da comunidade ou o em si da mesma, nem ainda somente sair dessa interioridade para a objetividade do representar; - mas é tornar-se o Si efetivo, refletir-se dentro de si, e ser sujeito. É isso portanto o movimento que desempenha em sua comunidade, ou seja: é isso a sua vida. O que seja em si e para si esse espírito que se revela, não se patenteia por desembaraçar, de algum modo, sua rica vida na comunidade, ou por se reduzir a seu fio primitivo - por exemplo, às representações da comunidade primitiva imperfeita, ou mesmo ao que o homem efetivo tenha dito. Na base dessa volta às origens reside o instinto de ir ao conceito; mas ela confunde a origem, como o ser-aí imediato da primeira manifestação, com a simplicidade do conceito. Devido a esse empobrecimento da vida do espírito, devido a esse remover da representação da comunidade e de seu agir sobre sua representação, surge pois, em vez do conceito, antes a mera exterioridade e singularidade, a maneira histórica da revelação imediata, e a recordação, carente de espírito, de uma figura singular visada e de seu passado. O espírito é conteúdo de sua consciência, inicialmente na forma da substância pura; ou, é conteúdo de sua consciência pura. Esse elemento do pensar é o movimento que desce ao ser-aí ou à singularidade. O meio-termo entre eles é sua união sintética, a consciência do tornar-se Outro, ou o representar como tal. O terceiro momento é o retorno a partir da representação e do ser Outro, ou o elemento da consciência de si mesma. Esses três momentos constituem o espírito: seu dissociar-se dentro da representação consiste em serem de uma maneira determinada; mas essa determinidade não é outra coisa que um dos seus momentos. Seu movimento desenvolvido é, pois, o movimento de expandir sua natureza em cada um de seus momentos, como em um elemento: e enquanto cada um desses círculos se completa dentro de si, essa sua pura reflexão-dentro de si é, ao mesmo tempo, a passagem para o outro círculo. A representação constitui o meio-termo entre o puro pensar e a consciência de si como tal, e é somente uma das determinidades. Mas, ao mesmo tempo, como se mostrou, seu caráter de ser a união sintética se estende por todos esses elementos, e é sua determinidade comum. O conteúdo mesmo, que temos a considerar, já apareceu em parte como a representação da consciência infeliz, e da consciência crente. Mas na primeira, aparecia na determinação de um conteúdo que foi produzido da consciência e almejado por ela, no qual o espírito não pode saciar-se nem encontrar repouso, porque ainda não é seu conteúdo em si ou como sua substância. Ao contrário, na consciência crente, o conteúdo foi considerado como a essência, carente de si, do mundo, ou como o conteúdo essencialmente objetivo do representar: um representar que foge à efetividade em geral, e, portanto, não tem a certeza da consciência de si. Essa certeza se separa de seu conteúdo, de uma parte, como vaidade do saber, e de outra como inteligência pura. A consciência da comunidade, pelo contrário, tem esse conteúdo por sua substância; como também esse conteúdo é a certeza que tem de seu próprio espírito. O espírito, representado primeiro como substância no elemento do puro pensar, é por isso, imediatamente, a essência eterna, simples e igual a si mesma, mas que não tem essa significação abstrata da essência, e sim a significação do espírito absoluto. Porém o espírito consiste em ser, não significação, não o interior, mas o efetivo. Portanto, a eterna essência simples seria espírito somente segundo uma palavra vazia, se permanecesse na representação e na expressão da eterna essência simples. Mas a essência simples, por ser a abstração, de fato é o negativo em si mesmo, e, na verdade, a negatividade do pensar, ou a negatividade como ela é em si na essência. Quer dizer: a essência simples é a diferença absoluta de si, ou seu puro tornar-se Outro. Como essência, é somente em si ou para nós; mas enquanto essa pureza é precisamente a abstração ou a negatividade, ela é para si mesma, ou seja, é o Si, o conceito. A essência eterna é portanto objetiva: e enquanto a representação apreende e exprime como um acontecer a necessidade, acima mencionada, do conceito, deve dizer-se que a essência eterna engendra para si um Outro. Contudo, nesse ser Outro retorna também imediatamente a si; porque a diferença é a diferença em si; isto é, ela imediatamente é diferente só de si mesma, e assim, é a unidade que a si mesma retornou. Portanto, distinguem-se os três momentos: 1- o da essência; 2- o do ser para si que é o ser outro da essência, e para o qual é a essência; 3- o do ser para si, ou do saber a si mesmo no Outro. A essência só contempla a si mesma em seu ser para si; nessa extrusão está somente junto de si. O ser para si que se exclui da essência é o saber de si mesma da essência; é o Verbo que, pronunciado, deixa atrás o pronunciante extrusado e esvaziado; mas também é ouvido de modo não menos imediato; e o ser-aí do Verbo é somente esse ouvir-se a si mesmo. Assim as diferenças que se fazem dissolvem-se tão imediatamente quanto são feitas, e tão imediatamente se fazem quanto se dissolvem. O verdadeiro e efetivo é justamente esse movimento que gira dentro de si. Esse movimento dentro de si mesmo exprime a essência absoluta como espírito; a essência absoluta, que não é apreendida como espírito, é só o vazio abstrato; - assim como o espírito que não é compreendido como esse movimento, é apenas uma palavra vazia. Enquanto seus momentos são captados em sua pureza, são os conceitos sem repouso, que somente são, sendo seu contrário em si mesmos, e tendo seu repouso no todo. No entanto, o representar da comunidade não é esse pensamento conceituante; mas tem o conteúdo sem sua necessidade, e em lugar das formas do conceito leva, para o reino da consciência pura, as relações naturais de Pai e Filho. Ao comportar-se, desse modo, representando-se no pensar mesmo, certamente a essência lhe é revelada; mas, de uma parte, os momentos dela devido a essa representação sintética dissociam-se um do outro, a ponto de não se relacionarem mutuamente por meio de seu próprio conceito; de outra parte, essa consciência se retira desse seu objeto puro, e se lhe refere apenas exteriormente. O objeto lhe é revelado por algo estranho, e nesse pensamento do espírito não reconhece a si mesma, não reconhece a natureza da consciência de si pura. Como acima foi lembrado, a propósito de outro aspecto, esse processo de ultrapassar deve ser considerado como um urgir do conceito, enquanto se deve ultrapassar a forma do representar e daquelas relações derivadas do natural; e assim, especialmente, se deve ultrapassar esse tomar os momentos do movimento - que é o espírito - como substâncias isoladas e inabaláveis, ou sujeitos; em vez de tomá-las por momentos transitórios. Mas, por ser apenas instinto, ele se desconhece; joga fora, com a forma, também o conteúdo, e - o que é o mesmo - rebaixa-o a uma representação histórica, e a uma herança da tradição. Aqui, só se retém o puro exterior da fé, e, por isso, como algo morto, carente de conhecimento; mas seu interior desvaneceu, pois esse interior seria o conceito que se sabe como conceito. O espírito absoluto, representado na pura essência, não é de certo a pura essência abstrata; mas antes, essa, justamente por ser só um momento do espírito, afundou até o nível de elemento. Porém a apresentação do espírito nesse elemento tem em si, quanto à forma, o mesmo defeito que a essência como essência. A essência é o abstrato, e, por isso, o negativo da sua simplicidade: é Outro. Igualmente, o espírito no elemento da essência é a forma da unidade simples, que por isso, também essencialmente, é um vir a ser Outro. Ou, o que é o mesmo, a relação da essência eterna com seu ser para si é a relação imediatamente simples do puro pensar. Nesse simples contemplar a si mesmo no Outro, portanto, não é posto o ser Outro, como tal; ele é a diferença que no pensar puro imediatamente não é diferença alguma: é um reconhecer do amor, em que os dois não se opõem segundo sua essência. O espírito que é enunciado no elemento do puro pensar, é ele mesmo essencialmente isto: não estar só nesse elemento, mas ser Efetivo, pois em seu conceito reside o próprio ser Outro; quer dizer, o suprassumir do puro conceito somente pensado. O elemento do puro pensar, porque é o elemento abstrato, é ele mesmo antes o Outro de sua simplicidade, e portanto passa para o elemento particular do representar; - o elemento em que os momentos do conceito puro tanto adquirem um em relação ao outro, um ser-aí substancial, como são sujeitos, que não têm para um terceiro a indiferença recíproca do ser; mas refletidos sobre si mesmos, se separam e se contrapõem, um em relação ao outro. Assim, o espírito somente eterno ou abstrato torna-se para si Outro, ou seja, entra no ser-aí e entra imediatamente no ser-aí imediato. Cria, portanto, um mundo. Esse criar é a palavra da representação para o conceito mesmo, segundo o seu movimento absoluto, ou para significar que o Simples enunciado como absoluto, ou o pensar puro, por ser o abstrato, é antes o negativo; e assim é o oposto a si, ou Outro. Ou então, para dizer o mesmo ainda de outra forma, porque o que é posto como essência, é a imediatez simples ou o ser; porém como imediatez ou ser carece do Si, e assim privado de interioridade é passivo ou ser para Outro. Esse ser para Outro ao mesmo tempo é um mundo: o espírito na determinação do ser para Outro é a tranquila subsistência dos momentos antes incluídos no pensar puro, portanto a dissolução de sua universalidade simples e dissociação dela em sua própria particularidade. Entretanto, o mundo não é apenas esse espírito jogado fora e disperso na totalidade e na respectiva ordem exterior; mas, por ser essencialmente o Si simples, está igualmente esse Si presente no mundo: o espírito ai essente, que é o Si singular, que possui a consciência, e se distingue de si como Outro ou como mundo. Como esse Si singular só foi posto imediatamente, ainda não é o espírito para si; portanto, não é como espírito; pode chamar-se inocente, mas bom mesmo, não pode. Para que de fato seja Si e espírito, deve também, antes de tudo, tornar-se primeiro para si mesmo Outro, assim como a essência eterna se apresenta como o movimento de ser igual a si mesma no seu ser outro. Por ser determinado esse espírito como só imediatamente aí essente, ou como disperso na variedade de sua consciência, seu tornar-se Outro é o adentrar-se em si do saber em geral. O ser-aí imediato se converte no pensamento, ou a consciência apenas sensível na consciência do pensamento. Na verdade, porque é o pensamento derivado da imediatez - ou é pensamento condicionado -, não é o saber puro, mas o pensamento que nele tem o ser Outro; e portanto o pensamento, a si mesmo oposto, do bem e do mal. O homem é representado assim: aconteceu - como algo não necessário - que perdeu a forma da igualdade consigo mesmo, por colher o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal; e foi expulso do estado da consciência inocente, da natureza que se oferecia sem trabalho, e do paraíso - do jardim dos animais. Ao determinar-se imediatamente esse adentrar-se em si da consciência aí essente como o tornar-se desigual a si mesma, o mal aparece como o primeiro ser-aí da consciência adentrada em si; e porque os pensamentos do bem e do mal são pura e simplesmente opostos, e ainda não se resolveu essa oposição - essencialmente essa consciência é só o mal. Mas ao mesmo tempo, justamente por causa dessa oposição, está também presente a consciência boa, em contraste com ela, e também sua relação recíproca. Na medida em que o ser-aí imediato se transmuda no pensamento, o ser dentro de si é, de um lado, pensar, e, de outro lado, fica assim determinado com mais rigor o momento do tornar-se Outro da essência; então, o tornar-se mau pode ser deslocado bem atrás para fora do mundo aí essente, já no primeiro reino do pensar. Pode-se dizer, assim, que o filho primogênito da luz, como o que se adentrou em si, seja o que se precipitou; mas logo em seu lugar, outro filho foi gerado. Tais formas de expressão como precipitar-se, assim como filho, pertencem simplesmente à representação, não ao conceito; além disso, rebaixam ou deslocam para o representar os momentos do conceito invertendo-os; ou transferem o representar para o reino do pensamento. É igualmente indiferente coordenar na essência eterna, sob o pensamento simples do ser Outro, ainda uma multiplicidade de outras figuras; e transferir para elas o adentrar-se em si. Essa coordenação deve, por isso, ser ao mesmo tempo aprovada; porque graças a isso, este momento do ser Outro exprime ao mesmo tempo, como deve, a diversidade: e de certo, não como pluralidade em geral, mas como diversidade determinada. E, desse modo, uma parte - o filho - é o simples que sabe a si mesmo como essência; a outra parte, porém, é a extrusão do ser para si, que vive somente no louvor da essência. Então, pode ser também situada nessa parte de novo a recuperação do ser-aí extrusado, e o adentrar-se em si do mal. Na medida em que o ser Outro se divide em dois, o espírito seria expresso mais determinadamente em seus momentos - e se fossem eles contados - como quadrunidade; ou então, já que a multiplicidade se divide de novo em duas partes - a saber, na que permaneceu boa e na que se tornou má - como quinunidade. Mas pode-se considerar em geral como inútil contar os momentos; de um lado, porque o indiferenciado mesmo é igualmente apenas um, a saber, precisamente o pensamento da diferença, que é só um pensamento, assim como ele é esse termo diferenciado, o segundo em oposição ao primeiro. Mas, por outro lado, porque o pensamento que abrange o múltiplo no Uno deve ser dissolvido a partir de sua universalidade, e diferenciado em mais de três ou quatro distintos, sua universalidade frente à absoluta determinidade do Uno abstrato, do princípio do número, aparece como indeterminidade em relação ao número mesmo. Desse modo seria possível falar somente de números em geral, isto é, não de uma cifra de diferenças. Assim, aqui é de todo supérfluo, em geral, pensar no número e em contar; como também, aliás, a simples diferença de grandeza e quantidade é carente de conceito e nada diz. O bem e o mal eram as determinadas diferenças do pensamento que se apresentavam. Por não ter sido resolvida ainda sua oposição, e se representarem como essências do pensamento, cada uma das quais é independente para si, então é o homem o Si carente de essência e o terreno sintético de seu ser-aí e de sua luta. Mas essas potências universais igualmente pertencem ao Si; ou seja, o Si é efetividade delas. Acontece, pois, segundo esse momento - como o mal não é outra coisa que o adentrar-se em si do ser-aí natural do espírito - que o bem, inversamente, entra na efetividade e aparece como uma consciência aí essente. O que foi esboçado apenas de modo geral no espírito puramente pensado, como o tornar-se Outro da essência divina, aqui se aproxima de sua realização para o representar; realização que consiste, para ela, na auto-humilhação da essência divina, que faz renúncia à sua abstração e inefetividade. O representar toma o outro lado, o mal, como um acontecer alheio à essência divina. Captar o mal nessa essência mesma, como a sua cólera, é o esforço extremo e mais árduo do representar em conflito consigo mesmo; - esforço que, por carecer de conceito, permanece infrutífero. A alienação da essência divina se coloca, pois, em sua dupla modalidade: o Si do espírito e seu pensamento simples são os dois momentos cuja unidade absoluta é o espírito mesmo; sua alienação consiste em se dissociarem esses momentos e em terem um valor desigual, um em relação ao outro. Tal desigualdade é por isso desigualdade dupla: e surgem duas uniões, cujos momentos comuns são os indicados. Em uma delas a essência divina conta como o essencial, enquanto o ser-aí natural e o Si contam como o inessencial e o que se deve suprassumir. Ao contrário, na outra união, o ser para si conta como o essencial, e o Divino simples como o inessencial. Seu meio-termo, ainda vazio, é o ser-aí em geral, a simples comunidade de seus dois momentos. A solução dessa oposição não sucede pela luta desses dois momentos que são representados como essências separadas e independentes. Sua independência faz que em si, mediante seu conceito, cada um deva dissolver-se nele mesmo. A luta só recai onde os dois deixam de ser essa combinação de pensamento e de ser-aí independente; e onde se contrapõem, um ao outro, somente como pensamentos. Pois só então, como conceitos determinados, estão essencialmente só na relação de opostos; ao contrário, como independentes, têm sua essencialidade fora da oposição: seu movimento é, assim, o movimento próprio e livre, deles mesmos. Como assim o movimento dos dois é o movimento em si - porque neles mesmos tem de ser considerado -, assim também o que começa o movimento é aquele que é determinado como o em si essente, em contraste com o outro. Representa-se isso como um agir voluntário; mas a necessidade de sua extrusão se baseia no conceito de que o em si essente - que só na oposição é assim determinado - por isso mesmo não tem subsistência verdadeira. Por conseguinte, o momento para o qual conta como essência, não o ser para si mas o simples, é o momento que se extrusa a si mesmo, vai à morte e por isso reconcilia a essência absoluta consigo mesmo. Com efeito, nesse movimento ele se apresenta como espírito. A essência abstrata se alienou, tem ser-aí natural e efetividade própria do Si. Esse seu ser Outro - ou sua presença sensível - se retoma por meio do segundo tornar-se outro, e é posto como suprassumido, como universal. Mediante isso, a essência veio a ser para si mesma nessa presença sensível; o ser-aí imediato da efetividade deixou de ser estranho ou exterior a ela, por ser suprassumido, universal. Esta sua morte é portanto seu ressurgir como espírito. A presença imediata suprassumida da essência consciente de si é essa essência como consciência de si universal. Esse conceito do Si singular suprassumido - que é a essência absoluta - exprime por isso, imediatamente, a constituição de uma comunidade que, tendo-se demorado até então no representar, agora a si retorna como ao Si; e o espírito passa assim do segundo elemento de sua determinação - do representar - ao terceiro, que é a consciência de si como tal. Considerando ainda a maneira como esse representar se comporta em seu desenvolvimento, vemos primeiro que se exprime isto: a essência divina assume a natureza humana. Aí já está enunciado que em si as duas não estão separadas. Como também ao dizer que a essência divina se extrusa a si mesma do seu princípio, que seu ser-aí se adentra em si e se torna mau, não está expresso, mas aí está implícito que em si esse ser-aí mau não lhe é algo alheio. A essência absoluta só teria um nome vazio se houvesse em verdade Outro para ela, se houvesse uma queda a partir dela. O momento do ser dentro de si constitui, antes, o momento essencial do Si do espírito. Ora que o ser dentro de si e por isso a efetividade pertençam à essência mesma - isso, que para nós é conceito e, enquanto é conceito, aparece à consciência representativa como um acontecer inconcebível: o Em si assume para ela a forma do ser indiferente. Mas o pensamento de que não estão separados aqueles dois momentos que parecem evitar-se - o da essência absoluta e do Si para si essente - manifesta-se também a esse representar, pois ele possui o conteúdo verdadeiro; mas só mais tarde se manifesta, na extrusão da essência divina que se faz carne. Tal representação, que desse modo é ainda imediata, e portanto não espiritual, ou que primeiro sabe a figura humana da essência divina só como figura particular, e ainda não universal, torna-se espiritual para essa consciência no movimento da essência figurada; movimento que é sacrificar de novo seu ser-aí imediato, e retomar à essência. A essência só como refletida sobre si é o espírito. Portanto, está aí representada a reconciliação da essência divina com o Outro em geral, e precisamente com o pensamento desse Outro, com o mal. Se essa reconciliação, segundo o seu conceito, for enunciada de modo que consista em que o mal em si é o mesmo que o bem, ou ainda, em que a essência divina é a mesma coisa que a natureza em toda a sua amplitude, assim como a natureza separada da essência divina é apenas o nada; - isso deve ser visto como uma maneira não espiritual de expressar-se, que necessariamente deve suscitar mal-entendidos. Enquanto o mal é o mesmo que o bem, justamente o mal não é o mal, nem o bem é o bem, mas ambos antes estão suprassumidos: o mal em geral é o ser para si essente dentro de si; e o bem, é o Simples carente de si. Ao serem os dois assim enunciados segundo seu conceito, é evidente ao mesmo tempo sua unidade; pois o ser para si, essente dentro de si, é o saber simples; e o Simples, carente de si, é igualmente o puro ser para si, essente dentro de si. Portanto, assim como deve ser dito que o bem e o mal, segundo seu conceito - isto é, enquanto não são o bem e o mal -, são a mesma coisa; assim também deve dizer-se que não são o mesmo, e sim pura e simplesmente diversos; porque o ser para si simples, ou ainda, o puro saber, são de igual maneira a negatividade pura ou a diferença absoluta neles mesmos. Só essas duas proposições tornam completo o todo; e à afirmação e asseveração da primeira deve fazer frente, com igual obstinação, o manter-se firme na outra. Ao terem as duas o mesmo direito, ambas se acham igualmente sem direito, e sua falta de direito consiste em tomar tais formas abstratas, como o mesmo e não o mesmo, a identidade e a não identidade, por algo verdadeiro, sólido, efetivo; e em apoiar-se nessas formas. Não tem verdade nem uma nem outra; mas o que tem verdade é justamente o movimento delas, em que o Mesmo simples é a abstração, e, por isso, a diferença absoluta; mas esta, como diferença em si, é diferente de si mesma e, assim, é a igualdade consigo mesma. Ora, é exatamente isso o que ocorre com a mesmeidade da essência divina, e da natureza em geral, e da natureza humana em particular: aquela é a natureza enquanto não é essência; a outra, é divina segundo sua essência: mas o espírito, no qual os dois lados abstratos são postos como são em verdade - a saber, como suprassumidos -, é um pôr que não pode ser expresso mediante o juízo e por sua cópula, o é carente de espírito. Igualmente a natureza nada é, fora de sua essência; mas este nada também é: é a abstração absoluta, e assim o puro pensar, ou ser dentro de si; e, com o momento de sua oposição à unidade espiritual, é o mal. A dificuldade que se encontra nesses conceitos é somente o fato de manter-se no é e o esquecer do pensar, no qual os momentos tanto são como não são: apenas são o movimento que o espírito é. Essa unidade espiritual - ou a unidade em que as diferenças só são como momentos ou como suprassumidas - é o que nessa reconciliação veio a ser para a consciência representativa; e enquanto essa unidade é a universalidade da consciência de si, deixou esta de ser representativa; o movimento retornou à consciência de si. O espírito, assim, é posto no terceiro elemento, na consciência de si universal. Ele é sua comunidade. O movimento da comunidade, enquanto consciência de si que se diferencia de sua representação, consiste em produzir o que em si já veio a ser. O homem divino morto ou Deus humano, é em si, a consciência de si universal; ele tem de tornar-se isso para esta consciência de si. Ou seja, enquanto ela constitui um lado da oposição da representação - a saber, o lado mau, para o qual contam como essência o ser-aí natural e o ser para si singular - esse lado, que como independente ainda não é representado como momento, deve por sua independência elevar-se ao espírito, em si mesmo e para si mesmo; ou, deve apresentar nele o movimento do espírito. Esse lado é o espírito natural: o Si tem de retirar-se dessa naturalidade e adentrar-se em si - o que significa tornar-se mau. Ora, esse lado já é em si mau; o adentrar-se em si consiste em convencer-se de que o ser-aí natural é o mal. Incidem na consciência representativa tanto o ai essente fazer-se mau e o ser mau do mundo, com a ai essente reconciliação da essência absoluta. Mas na consciência de si, como tal, esse representado só recai segundo a forma, como momento suprassumido; pois o Si é o negativo, portanto é o saber. - um saber, que é um puro agir da consciência dentro de si mesma. Esse momento do negativo deve exprimir-se igualmente no conteúdo. É que, enquanto a essência em si já se reconciliou consigo, e é unidade espiritual, na qual as partes da representação são suprassumidas ou momentos - isso se exprime de modo que cada parte da representação recebe aqui a significação oposta à que tinha antes. Por isso, cada significação se perfaz na outra, e só assim o conteúdo é um conteúdo espiritual; enquanto a determinidade é também o seu oposto, é consumada a unidade no ser Outro: o espiritual. Foi assim que antes se unificaram para nós ou em si as significações opostas, e se suprassumiram até mesmo as formas abstratas do mesmo e do não mesmo; da identidade e da não identidade. Se assim, na consciência representativa, o interiorizar-se da consciência de si natural era o mal ai essente, então o interiorizar-se no elemento da consciência de si é o saber sobre o mal, como um mal que em si está no ser-aí, Assim, esse saber é evidentemente um vir a ser do mal, mas só um vir a ser do pensamento do mal; e é por isso reconhecido como o primeiro momento da reconciliação. Pois, como um retornar a si desde a imediatez da natureza, que é determinada como o mal, esse saber é um desistir dessa imediatez e um morrer ao pecado. Não é o ser-aí natural, como tal, que é abandonado pela consciência, mas um ser natural que é ao mesmo tempo sabido como mal. O movimento imediato do adentrar-se em si é também um movimento mediatizado: pressupõe-se a si mesmo, ou seja, é seu próprio fundamento. O fundamento do adentrar-se em si é que a natureza, em si, nela já se adentrou; e, por causa do mal, o homem deve adentrar-se em si; ora, o mal é ele mesmo o adentrar-se em sí. Esse primeiro movimento é, por isso mesmo, somente o conceito imediato ou seu conceito simples; porque é o mesmo que seu fundamento. O movimento - ou o tornar-se Outro - deve portanto aparecer ainda em sua forma mais peculiar. Além dessa imediatez é portanto necessária a mediação da representação. Em si o saber da natureza, como do ser-aí não verdadeiro do espírito, e essa universalidade do Si, que veio a ser dentro de si, são a reconciliação do espírito consigo mesmo. Esse Em si, para a consciência de si não conceituante, recebe a forma de algo essente e que lhe é representado. Assim, para ela, o conceituar não é um compreender desse conceito, que sabe a naturalidade suprassumida como universal, e portanto como reconciliada consigo mesma; mas é um compreender daquela representação de que a essência divina se reconciliou com seu ser-aí por meio do acontecer da própria extrusão da essência divina, por meio de sua aconteci da encarnação e de sua morte. O compreender dessa representação exprime agora mais precisamente o que antes era denominado nela o ressurgir espiritual, ou o converter-se de sua consciência de si singular na universal ou na comunidade. A morte do homem divino, como morte, é a negatividade abstrata, o resultado imediato do movimento, que só se consuma na universalidade natural. A morte perde essa significação natural na consciência de si espiritual, ou seja, torna-se seu conceito indicado acima: a morte daquilo que imediatamente significa, do não ser deste Singular se transfigura na universalidade do espírito, que vive em sua comunidade, e nela cada dia morre e ressuscita. O que pertence ao elemento da representação - isto é, que o espírito absoluto, como um espírito singular, ou melhor, um particular, representa em seu ser-aí a natureza do espírito - aqui se transfere pois à própria consciência de si, ao saber que se preserva em seu ser Outro. Essa consciência portanto não morre efetivamente - como se representa que o ser particular morreu efetivamente - mas sua particularidade morre em sua universalidade; quer dizer, morre em seu saber, que é a essência reconciliando-se consigo. Assim, o elemento, imediatamente anterior, do representar é posto aqui como suprassumido; ou seja, retomou ao Si, ao seu conceito: o que nele era essente apenas, converteu-se no sujeito. Por isso mesmo, também o primeiro elemento, o pensar puro e o espírito eterno nele, já não estão além da consciência representativa, nem do Si, mas o retorno do todo a si mesmo é justamente isto: conter dentro de si todos os momentos. A morte do mediador, apreendida pelo Si, é o suprassumir de sua objetividade ou de seu ser para si particular. Esse ser para si particular tornou-se consciência de si universal. De outro lado o universal tornou-se, por isso mesmo, consciência de si; e o espírito puro ou inefetivo do mero pensar tornou-se efetivo. A morte do mediador não é só a morte do seu lado natural, ou de seu ser para si particular; não morre somente o invólucro já morto, despojado da essência, mas morre também a abstração da essência divina. Com efeito, o mediador, na medida em que sua morte ainda não consumou a reconciliação, é o unilateral, que sabe o simples do pensar como a essência, em oposição à efetividade: esse extremo do Si não tem ainda valor igual à essência; isto, o Si só o tem no espírito. A morte dessa representação contém pois, ao mesmo tempo, a morte da abstração da essência divina, que não é posta como Si. A morte é o sentimento dolorido da consciência infeliz, de que Deus mesmo morreu. Essa dura expressão do simples saber de si mais íntimo, o retorno da consciência às profundezas da noite do Eu = Eu, que nada mais distingue nem sabe fora dela. Assim, esse sentimento é de fato a perda da substância e de seu contrapor-se à consciência; mas é, ao mesmo tempo, a pura subjetividade da substância, ou a pura certeza de si mesma que faltava à substância - seja enquanto objeto, seja enquanto o imediato, seja enquanto pura essência. Esse saber é, pois, a animação pela qual a substância se tornou sujeito. Morreu sua abstração e carência de vida, e assim a substância se tornou consciência de si simples e universal. O espírito é, desse modo, o espírito que se sabe a si mesmo: ele se sabe; o que para ele é objeto, é. Ou seja, sua representação é o verdadeiro conteúdo absoluto; exprime, como vimos, o espírito mesmo. Ao mesmo tempo, não é somente conteúdo da consciência de si, nem é somente objeto para ela, mas é também espírito efetivo. O espírito é isso, ao percorrer os três elementos de sua natureza - esse movimento através de si mesmo que constitui sua efetividade: 1- o que se move é ele; 2- ele é o sujeito do movimento, e 3- ele é igualmente o mover mesmo, ou a substância através da qual passa o sujeito. O conceito de espírito já tinha vindo a ser para nós, ao entrarmos na religião; - a saber, como o movimento do espírito certo de si mesmo que perdoa o malvado e com isso se despoja, ao mesmo tempo, de sua própria simplicidade e dura imutabilidade, - ou seja, como o movimento em que o absolutamente oposto se reconhece como o mesmo, e esse reconhecer irrompe como o sim entre esses extremos. É esse conceito que intui a consciência religiosa, à qual se revelou a essência absoluta: suprassume a distinção entre seu Si e seu objeto intuído; e como é sujeito, assim também é substância, e portanto ela mesma é o espírito: justamente porque é, e enquanto é, esse movimento. Essa comunidade porém ainda não está consumada nessa sua consciência de si: seu conteúdo, para ela, está em geral na forma do representar, e a espiritualidade efetiva dessa comunidade - seu retorno desde seu representar - tem também essa cisão ainda nela, tal como estava afetado de cisão o próprio elemento do pensar puro. Ela não tem ainda a consciência sobre o que ela é; é a consciência de si espiritual, que não é, como esta consciência de si, objeto para si. Ou seja, não se abre à consciência de si mesma mas, na medida em que é consciência, tem essas representações que foram consideradas. Nós vemos a consciência de si interiorizar-se no seu último ponto de reversão e chegar ao saber do ser dentro de si; nós a vemos extrusar seu ser-aí natural e adquirir a pura negatividade. Mas a significação positiva - a saber, que essa negatividade ou interioridade pura do saber é igualmente a essência igual a si mesma, ou seja, que a substância conseguiu neste ponto ser a consciência de si absoluta - isso para a consciência piedosa é outro. Ela apreende este lado - de que o puro interiorizar-se do saber é em si a simplicidade absoluta, ou a substância - como a representação de algo que não é assim segundo o conceito, mas como a operação de uma satisfação alheia. Ou seja: para tal consciência, não é claro que essas profundezas do Si sejam a força pela qual a essência abstrata se faz descer de sua abstração, e é elevada ao Si pelo poder dessa pura devoção. O agir do Si conserva, pois, essa significação negativa em contraste com a consciência devota; porque de seu lado a extrusão da substância é, para essa consciência, um Em si que ela igualmente não apreende nem conceitua, ou que não encontra em seu agir como tal. Ao efetuar-se em si essa unidade da essência e do Si, a consciência tem ainda também essa representação de sua reconciliação, mas como representação. Obtém a satisfação ao acrescentar exteriormente, à sua pura negatividade, a significação positiva da unidade de si com a essência: assim sua satisfação fica afetada pela oposição de um além. Sua própria reconciliação entra, pois, como um longe na sua consciência; como um longe do futuro, assim como a reconciliação, que o outro Si realizou, aparece como um longe do passado. Como o homem divino singular, tem um pai em si essente, e somente uma mãe efetiva, assim o homem divino universal - a comunidade - tem por seu pai o próprio agir e saber, e, por sua mãe, o amor eterno que ela apenas sente, mas que não contempla em sua consciência como objeto imediato efetivo. Por conseguinte, sua reconciliação está em seu coração, mas ainda cindida com sua consciência; e ainda está rompida sua efetividade. O que entra em sua consciência como o Em si, ou como o lado da pura mediação, é a reconciliação residente além. Mas o que nela entra como presente, como o lado da imediatez e do ser-aí, é o mundo, que ainda tem de aguardar sua transfiguração. Certamente em si, o mundo está reconciliado com a essência; e da essência, sabe-se bem que não conhece mais o objeto como alienado de si, mas como igual a si no seu amor. Mas, para a consciência de si, essa presença imediata não tem ainda figura de espírito. Assim está o espírito da comunidade, em sua consciência imediata, separado de sua consciência religiosa, que na verdade declara que essas consciências não estão separadas em si. Mas é um Em si que não se realizou, ou que ainda não se tornou igualmente ser para si absoluto. VIII O Saber Absoluto O espírito da religião manifesta ainda não ultrapassou sua consciência como tal; - ou, o que é o mesmo - sua consciência de si efetiva não é o objeto de sua consciência. Esse espírito em geral, e os momentos que nele se distinguem, incidem no representar e na forma da objetividade. O conteúdo do representar é o espírito absoluto, e o que resta ainda a fazer é só o suprassumir dessa mera forma da objetividade, ou melhor, já que ela pertence à consciência como tal, sua verdade deve já ter-se mostrado nas figuras da consciência. Essa superação do objeto da consciência não se deve tomar como algo unilateral, em que o objeto se mostrasse como retomado ao Si; mas, de modo mais determinado, em que o objeto como tal se mostrasse ao Si como evanescente. Melhor ainda, toma-se de modo que é a extrusão da consciência de si que põe a coisidade, e que essa extrusão não tem só a significação negativa, mas a positiva; não só para nós ou em si, mas para ela mesma. Para a consciência de si, o negativo do objeto, ou o suprassumir do objeto a si mesmo, tem significação positiva; ou seja, ela sabe essa nulidade do objeto, de uma parte, porque se extrusa a si mesma, pois nessa extrusão se põe como objeto, ou põe o objeto como a si mesma em razão da inseparável unidade do ser para si. De outra parte, aí reside ao mesmo tempo esse outro momento, que a consciência de si também tenha igualmente suprassumido e recuperado dentro de si essa extrusão e objetividade: assim está junto de si no seu ser outro como tal. É isso o movimento da consciência, e nesse movimento ela é a totalidade de seus momentos. A consciência deve igualmente relacionar-se com o objeto segundo a totalidade de suas determinações, e deve tê-lo apreendido conforme cada uma delas. Essa totalidade de suas determinações faz do objeto em si a essência espiritual; e isso ele se torna em verdade para a consciência, mediante o apreender de cada determinação sua singular como o Si, ou pelo relacionamento espiritual para com elas, acima mencionado. O objeto é assim, de uma parte, ser imediato, ou uma coisa em geral, o que corresponde à consciência imediata. De outra parte é um tornar-se outro de si, sua relação ou ser para outro e ser para si: a determinidade - o que corresponde à percepção. E ainda por outra parte, é essência ou é como universal, o que corresponde ao entendimento. Enquanto todo, o objeto é silogismo ou o movimento do universal, através da determinação, para a singularidade - como é também o movimento inverso da singularidade, através da singularidade como suprassumida, ou da determinação, para o universal. A consciência, portanto, deve saber o objeto como a si mesma, segundo essas três determinações. Contudo, não se fala aqui do saber como conceituar puro do objeto, mas esse saber deve ser indicado somente em seu vir a ser ou em seus momentos, segundo o lado que pertence à consciência como tal; e os momentos do conceito propriamente dito, ou do saber puro, devem ser indicados na forma de figurações da consciência. Por isso, na consciência como tal, ainda não aparece o objeto como a essencialidade espiritual, do modo como acima foi expressa por nós; e o comportar-se da consciência para com ele não é a consideração do objeto nessa totalidade; como tal, nem em sua pura forma de conceito; mas é, de uma parte, a figura da consciência em geral, e de outra, certo número de tais figuras, que nós reunimos, e nas quais a totalidade dos momentos do objeto e do comportamento da consciência só se pode mostrar dissolvida nos momentos dessa totalidade. Por isso, a propósito desse aspecto do apreender do objeto, tal como é na figura da consciência, há que rememorar somente as figuras anteriores da consciência que já foram encontradas. Assim, do ponto de vista do objeto que enquanto imediato é um ser indiferente, vimos a razão observadora buscar e encontrar a si mesma nessa coisa indiferente. Quer dizer: vimos essa razão ser para si tão consciente de seu agir como algo exterior, quanto é consciente do objeto só como objeto imediato. Vimos também em seu ponto culminante declarar sua determinação no juízo infinito de que o ser do Eu é uma coisa: E na verdade, uma coisa sensível imediata; se o Eu se denomina alma, também assim é representado, sem dúvida, como coisa; mas, de fato, como um ser invisível, insensível, etc., portanto não como ser imediato, nem como o que se entende ao falar de uma coisa. Aquele juízo, tomado assim como imediatamente soa, é carente de espírito; ou melhor, é a própria carência de espírito. Mas quanto ao seu conceito, é de fato o mais rico de espírito; e esse seu interior, que nele ainda não está disponível, é o que exprimem os dois outros momentos que passamos a considerar. A coisa é Eu: de fato, nesse juízo infinito a coisa está suprassumida: a coisa nada é em si; só tem significação na relação, somente mediante o Eu, e mediante sua referência ao Eu. Para a consciência, apresentou-se esse momento na pura inteligência e no Iluminismo. As coisas são pura e simplesmente úteis, e só segundo sua utilidade há que considerá-las. A consciência de si cultivada - que percorreu o mundo do espírito alienado de si, produziu por sua extrusão a coisa como a si mesma: portanto, conserva-se ainda a si mesma na coisa e sabe a falta de independência da coisa, ou sabe que a coisa é essencialmente apenas ser para outro; ou, para exprimir perfeitamente a relação - isto é, o que constitui aqui somente a natureza do objeto - a coisa para ela vale como algo para si essente. Ela enuncia a certeza sensível como verdade absoluta, mas esse mesmo ser para si como momento que apenas desvanece e passa ao seu contrário: ao ser que ao outro se abandona. Mas a essa altura, o saber da coisa ainda não chegou à perfeição: a coisa deve ser conhecida não somente segundo a imediatez do ser e segundo a determinidade, mas também como essência ou interior: como o Si. Isso está presente na consciência de si moral. Ela sabe seu saber como a absoluta essencialidade, ou seja, sabe o ser pura e simplesmente como a pura verdade ou o puro saber, e nada mais é que essa vontade e saber somente. A outra consciência que não à consciência moral compete só o ser inessencial, isto é, não essente em si; só sua casca vazia. A consciência moral, enquanto em sua representação do mundo, desprende do Si o ser-aí, ela igualmente o recupera dentro de si mesma. Como boa consciência, enfim, não é mais esse colocar e deslocar, alternadamente, do ser-aí e do Si; mas sabe que seu ser-aí, como tal, é a pura certeza de si mesma: o elemento objetivo, para o qual se traslada enquanto operante, não é outra coisa que o puro saber do Si sobre si mesmo. Esses são os momentos dos quais se compõe a reconciliação do espírito com sua própria consciência. Para si, os momentos são singulares, e só sua unidade espiritual é que constitui a força dessa reconciliação. O último desses momentos, porém, é necessariamente essa unidade mesma, e de fato reúne - como é evidente - a todos dentro de si. O espírito, certo de si mesmo em seu ser-aí, não tem por elemento do ser-aí outra coisa que esse saber de si mesmo. Declarar que aquilo que faz, faz segundo a convicção do dever, essa sua linguagem é o legitimar de seu agir. O agir é o primeiro separar em si essente da simplicidade do conceito, e é o retorno desde essa separação. Esse primeiro momento se converte no segundo, enquanto o elemento do reconhecer se contrapõe, como saber simples do dever, à diferença e à cisão que residem no agir como tal; e dessa maneira formam uma efetividade férrea contra o agir. No perdão, porém, nós vimos como essa dureza abdica de si mesma e se extrusa. A efetividade, portanto, como ser-aí imediato, não tem aqui para a consciência de si outra significação que ser o saber puro; assim também, como ser-aí determinado, ou como relação, o que se lhe contrapõe é um saber. Esse saber é, de uma parte, saber desse Si puramente singular; de outra parte, do saber como universal. Nisso está, ao mesmo tempo, posto que o terceiro momento - a universalidade ou a essência - para cada um dos dois lados contrapostos só conta como saber: e afinal, eles igualmente suprassumem essa oposição vazia que ainda resta, e são o saber do Eu = Eu: este Si singular que é imediatamente saber puro ou universal. Essa reconciliação, da consciência com a consciência de si, mostra-se portanto como efetuada dos dois lados: primeiro, no espírito religioso; outra vez, na própria consciência como tal. Os dois lados se diferenciam, um do outro, por ser o primeiro a reconciliação na forma do ser em si, e o outro, na forma do ser para si. Tais como foram considerados, eles incidem inicialmente fora um do outro; a consciência, na ordem em que se apresentavam para nós suas figuras, de uma parte chegou aos momentos singulares dessas, e de outra parte atingiu, há muito, sua unificação; antes que a religião também tivesse dado a seu objeto a figura de consciência de si efetiva. A unificação dos dois lados não está ainda indicada; é ela que conclui essa série de figurações do espírito, já que o espírito chega a saber se nela não só como é em si, ou segundo seu conteúdo absoluto; nem só como é para si, segundo sua forma carente de conteúdo, ou segundo o lado da consciência de si; senão como o espírito é em si e para si. Mas essa unificação já aconteceu em si: sem dúvida, ocorreu também na religião, - no retorno da representação à consciência de si; mas não se deu segundo sua forma autêntica, porque o lado religioso é o lado do Em si, que se contrapõe ao movimento da consciência de si. A unificação pertence, pois, a esse outro lado, que na oposição é o lado da reflexão sobre si, e assim é aquele que contém a si mesmo e o seu contrário; e não só em si, ou de uma maneira universal, mas para si ou de uma maneira desenvolvida e diferenciada. O conteúdo, assim como o outro lado do espírito consciente de si, enquanto é o outro lado, se fazem presentes e se mostram em sua integralidade: a unificação que ainda falta é a unidade simples do conceito. Esse conceito já está também presente no lado da própria consciência de si; mas tal como se apresentou no que precede, tem, como todos os demais momentos, a forma de ser uma figura particular da consciência. É assim aquela parte da figura do espírito certo de si mesmo, que permanece firme dentro de seu conceito, e que se chama a bela alma. É que a bela alma é seu saber sobre si mesma, em sua pura unidade translúcida; é a consciência de si que sabe como sendo o espírito esse puro saber sobre o puro ser dentro de si; não é somente a intuição do divino, mas a auto intuição do divino. Enquanto esse conceito se mantém oposto à sua realização, ele é a figura unilateral, cujo desvanecer em névoa vazia nós vimos; mas também vimos sua extrusão positiva e movimento para a frente. Graças a essa realização, suprassume-se o obstinar-se em si dessa consciência de si carente de objeto, a determinidade do conceito contra sua implementação. Sua consciência de si ganha a forma da universalidade, e o que lhe resta é seu conceito verdadeiro, ou o conceito que ganhou sua realização. É o conceito em sua verdade, isto é, na unidade com sua extrusão: - o saber do saber puro, não como essência abstrata, que é o dever, mas do saber puro como essência que é este saber, esta consciência de si pura, que assim ao mesmo tempo é o verdadeiro objeto, pois é o Si para si essente. Esse conceito se conferiu sua implementação, de uma parte no espírito operante, certo de si mesmo; de outra parte, na religião. O conceito ganhou na religião o conteúdo absoluto, como conteúdo; ou seja, na forma da representação, na forma do ser Outro para a consciência. Ao contrário, na figura do espírito operante, a forma é o próprio Si, porque ela contém o espírito operante, certo de si mesmo; o Si leva a termo a vida do espírito absoluto. Essa figura é, como vemos, aquele conceito simples, mas que abandona sua essência eterna, é aí, ou opera. Tem, na pureza do conceito, o cindir-se ou o emergir, já que essa pureza é a absoluta abstração, ou negatividade. Igualmente, o conceito tem o elemento de sua efetividade, ou do ser, dentro dele: no puro saber mesmo. Com efeito, esse saber puro é a imediatez simples, que é tanto ser e ser-aí quanto essência. O primeiro, é o pensar negativo; o segundo, é o positivo pensar mesmo. Enfim, esse ser-aí é também o ser refletido sobre si mesmo para fora do puro saber - seja como ser-aí, seja como dever; é o ser mau. Esse adentrar-se em si constitui a oposição do conceito, e é, por isso, o surgir do saber puro, inoperante e inefetivo, da essência. Porém esse seu surgir nessa oposição é a participação nela: o saber puro da essência extrusou-se, em si, de sua simplicidade, pois é o cindir-se ou a negatividade que é o conceito. Na medida em que esse cindir-se é o vir a ser para si, ele é o mal; na medida em que é o Em si, ele é o que permanece bom. Ora, o que de início acontece em si, ao mesmo tempo é para a consciência, e é também duplo, ele mesmo: tanto é para a consciência quanto é seu ser para si ou seu próprio agir. O mesmo que em si já foi posto, repete-se, pois, agora como o saber da consciência sobre ele, e como agir consciente. Cada momento abdica, em favor do outro, da independência da determinidade em que surge contra ele. Esse abdicar é o mesmo ato de renúncia à unilateralidade do conceito, que em si constituía o começo; mas de agora em diante, é seu ato de renúncia: - como o conceito, ao qual renuncia, é o seu conceito. Em verdade, aquele Em si do começo é igualmente como negatividade o Em si mediatizado. Agora se põe tal como é em verdade; e o negativo é como determinidade de cada um para com o outro, e é em si o que suprassume a si mesmo. Uma das duas partes da oposição é a desigualdade do ser dentro de si em sua singularidade, em contraste com a universalidade; a outra, é a desigualdade de sua universalidade abstrata em contraste com o Si. O primeiro Em si morre ao seu ser para si, se extrusa e se confessa; este outro renuncia à dureza de sua universalidade abstrata, e morre ao seu Si sem vida e à sua universalidade inconcussa; de modo que assim o primeiro Em si se completou através do momento da universalidade que é a essência, e o segundo, através da universalidade que é o Si. Mediante esse movimento do agir, o espírito - que só é espírito porque é aí, porque eleva seu ser-aí ao pensamento e por isso à oposição absoluta, e desta, por ela e nela mesma retoma; - o espírito surgiu como pura universalidade do saber, que é consciência de si. Como consciência de si, é a unidade simples do saber. Por conseguinte, o que na religião era conteúdo ou forma do representar de outro, isso mesmo é aqui agir próprio do Si: o conceito o obriga a que o conteúdo seja o agir próprio do Si; pois esse conceito é, como vemos, o saber do agir do Si dentro de si como saber de toda a essencialidade e de todo o ser-aí: o saber sobre este sujeito como sendo a substância, e da substância como sendo este saber de seu agir. O que aqui acrescentamos é, de uma parte, somente a reunião dos momentos singulares, cada um dos quais apresenta em seu princípio a vida do espírito todo; e de outra parte, o manter se firme do conceito na forma do conceito, cujo conteúdo já havia resultado naqueles momentos, e na forma de uma figura da consciência. Essa última figura do espírito - o espírito que ao mesmo tempo dá ao seu conteúdo perfeito e verdadeiro a forma do Si, e por isso tanto realiza seu conceito quanto permanece em seu conceito nessa realização - é o saber absoluto. O saber absoluto é o espírito que se sabe em figura de espírito, ou seja: é o saber conceituante. A verdade não é só em si perfeitamente igual à certeza, mas tem também a figura da certeza de si mesma: ou seja, é no seu ser-aí, quer dizer, para o espírito que sabe, na forma do saber de si mesmo. A verdade é o conteúdo que na religião é ainda desigual à sua certeza. Ora, essa igualdade consiste em que o conteúdo recebeu a figura do Si. Por isso, o que é a essência mesma, a saber, o conceito, se converteu no elemento do ser-aí, ou na forma da objetividade para a consciência. O espírito, manifestando-se à consciência nesse elemento, ou, o que é o mesmo, produzido por ela nesse elemento, é a ciência. A natureza, os momentos e o movimento desse saber se mostraram, pois, de modo que esse saber é o puro ser para si da consciência de si; o saber é o Eu, que é este e nenhum outro Eu, e que é igualmente o Eu universal, imediatamente mediatizado ou suprassumido. Tem um conteúdo que distingue de si, pois é a negatividade pura ou o cindir-se: o Eu é consciência. Esse conteúdo é, em sua diferença mesma, o Eu, por ser o movimento do suprassumir a si mesmo; ou essa mesma negatividade pura que é o Eu. O Eu está no conteúdo como diferenciado, refletido sobre si: o conteúdo é conceituado somente porque em seu ser outro está junto de si mesmo. Esse conteúdo, determinado com mais rigor, não é outra coisa que o movimento mesmo que acabamos de expor: pois é o espírito que se percorre a si mesmo, e certamente o faz para si como espírito, porque tem a figura do conceito na sua objetividade. Mas no que concerne ao ser aí desse conceito, a ciência não se manifesta no tempo e na efetividade antes que o espírito tenha chegado a essa consciência sobre si mesmo. Como o espírito que sabe o que ele é, não existe antes, aliás não existe em parte alguma, senão depois do cumprimento do trabalho de dominar sua figuração imperfeita, de se criar para a sua consciência a figura de sua essência, e, dessa maneira, igualar sua consciência de si com sua consciência. O espírito essente em si e para si, diferenciado em seus momentos, é saber para si essente, o conceituar em geral, que como tal não atingiu ainda a substância; ou seja, não é saber absoluto em si mesmo. Ora, na efetividade a substância que sabe é aí antes que sua forma ou figura conceitual. Com efeito, a substância é o Em si ainda não desenvolvido, ou o fundamento e o conceito em sua simplicidade ainda inconcussa; é, pois, a interioridade ou o Si do espírito que ainda não é aí. O que é aí, está como o ainda não desenvolvido Simples e Imediato, ou como o objeto da consciência representativa em geral. Inicialmente, o conhecer só tem um objeto pobre, pelo motivo de ser a consciência espiritual, para a qual o que é em si só é enquanto é ser para o Si, e ser do Si ou conceito: em contraste com esse objeto pobre, a substância e a consciência dela são mais ricas. A manifestabilidade, que a substância tem na consciência, de fato é ocultamento: já que a substância é o ser ainda carente de si, e só a certeza de si mesma é para si manifesta. Portanto de início, da substância, só pertencem à consciência de si os momentos abstratos; porém, enquanto esses momentos, como movimentos puros, impelem para diante a si mesmos, a consciência de si se enriquece até extrair da consciência a substância toda, a estrutura completa de suas essencialidades. E enquanto esse comportamento negativo para com a objetividade é igualmente positivo, é um pôr, ela engendrou a partir de si esses momentos, e por isso, ao mesmo tempo, os restaurou para a consciência. No conceito que se sabe como conceito, os momentos se apresentam, pois, anteriormente ao todo implementado, cujo vir a ser é o movimento desses momentos. Na consciência, ao contrário, é anterior a esses momentos o todo, mas o todo não conceituado. O tempo é o conceito mesmo, que é-ai, e que se faz presente à consciência como intuição vazia. Por esse motivo, o espírito se manifesta necessariamente no tempo; e manifesta-se no tempo enquanto não apreende seu conceito puro; quer dizer, enquanto não elimina o tempo. O tempo é o puro Si exterior intuído mas não compreendido pelo Si: é o conceito apenas intuído. Enquanto compreende a si mesmo, o conceito suprassume sua forma de tempo, conceitua o intuir, e é o intuir concebido e conceituante. O tempo se manifesta, portanto, como o destino e a necessidade do espírito, que ainda não está consumado dentro de si mesmo; como a necessidade de enriquecer a participação que a consciência de si tem na consciência, e de pôr em movimento a imediatez do Em si - a forma em que está a substância na consciência. Ou, inversamente - tomando o Em si como o interior - como a necessidade de realizar e de revelar o que é somente interior; isto é, de reivindica-lo para a certeza de si mesmo. Por essa razão deve-se dizer que nada é sabido que não esteja na experiência; - ou, como também se exprime a mesma coisa - que não esteja presente como verdade sentida, como Eterno interiormente revelado, como o sagrado em que se crê, ou quaisquer outras expressões que sejam empregadas. Com efeito, a experiência é exatamente isto: que o conteúdo - e ele é o espírito - seja em si substância, e assim, objeto da consciência. Mas essa substância, que é o espírito, é o seu vir a ser para ser o que é em si; e só como esse vir a ser refletindo-se sobre si mesmo ele é em si, em verdade, o espírito. O espírito é em si o movimento que é o conhecer - a transformação desse Em si no Para si; da substância no sujeito; do objeto da consciência em objeto da consciência de si; isto é, em objeto igualmente suprassumido, ou seja, no conceito. Esse movimento é o círculo que retoma sobre si, que pressupõe seu começo e que só o atinge no fim. Assim, pois, enquanto o espírito é necessariamente esse diferenciar dentro de si, seu todo intuído se contrapõe à sua consciência de si simples. E já que esse todo é o diferenciado, diferencia-se em seu conceito puro: no tempo, e no conteúdo - ou no Em si. A substância, como sujeito, tem nela a necessidade, inicialmente interior, de apresentar-se nela mesma como o que ela é em si, como espírito. Só a exposição completa e objetiva é, ao mesmo tempo, a reflexão da substância, ou seu converter-se em Si. Portanto, o espírito não pode atingir sua perfeição como espírito consciente de si antes de ter-se consumado em si, antes de ter-se consumado como espírito do mundo. Por isso o conteúdo da religião proclama no tempo, mais cedo que a ciência, o que é o espírito; mas só a ciência é o verdadeiro saber do espírito sobre si mesmo. O movimento, que faz surgir a forma de seu saber de si, é o trabalho que o espírito executa como história efetiva. A comunidade religiosa, enquanto é inicialmente a substância do espírito absoluto, é a consciência tosca que tem um ser-aí tanto mais bárbaro e rude, quanto mais profundo é seu espírito interior; e tanto mais duro trabalho tem seu Si obtuso com sua essência; com o conteúdo, para ele estranho, de sua consciência. Só depois que renunciou à esperança de suprassumir o ser estranho de uma maneira exterior, isto é, estranha, é que volta a si, porque a maneira estranha suprassumida é o retorno à consciência de si: volta a si mesma, a seu próprio mundo e a seu presente; descobre-os como propriedade sua, e assim deu o primeiro passo para descer do mundo-intelectual, ou melhor, para vivificar com o Si efetivo o elemento abstrato desse mundo. Por um lado, através da observação encontra o ser-aí como pensamento, e o conceitua; e inversamente, encontra em seu pensar o ser-aí. Ora, enquanto essa consciência assim exprimia, de início, a unidade imediata do pensar e do ser, da essência abstrata e do Si, embora abstratamente, e fazia renascer a luminosidade primeira sob forma mais pura, a saber, como unidade da extensão e do ser - porque a extensão é a simplicidade mais equivalente que a luz ao puro pensar - ressuscitou com isso no pensamento a substância do amanhecer. Ao mesmo tempo, o espírito se horroriza ante essa unidade abstrata - essa substancialidade carente de si - e afirma contra ela a individualidade. Contudo, somente depois de ter na cultura extrusado sua individualidade, tornando-a desse modo ser-aí, e fazendo-a prevalecer em todo o ser-aí; só depois de ter chegado ao pensamento da utilidade, e de ter captado na liberdade absoluta o ser-aí como sua vontade, é que o espírito desentranha o pensamento de sua mais íntima profundidade, e enuncia a essência como Eu = Eu. Mas esse Eu = Eu é o movimento que se reflete sobre si mesmo; pois sendo essa igualdade, como negatividade absoluta, a absoluta diferença - a igualdade do Eu consigo mesmo se contrapõe a essa diferença pura, que enquanto diferença pura é ao mesmo tempo objetiva para o Si que se sabe -, há que exprimir-se como o tempo; de modo que a essência, que antes era expressa como unidade do pensar e da extensão, deveria ser apreendida agora como unidade do pensar e do tempo. Mas a diferença deixada a si mesma - o tempo sem repouso e sem pausa - antes colapsa dentro de si mesma: é a quietude objetiva da extensão. Ora, essa é a pura igualdade consigo mesma - o Eu. Em outras palavras: o Eu não é apenas o Si, mas é a igualdade do Si consigo; essa igualdade porém é a perfeita e imediata unidade consigo mesmo, ou seja, este sujeito é igualmente a substância. A substância; por si só, seria o intuir vazio de conteúdo, ou o intuir de um conteúdo que, como determinado, só teria acidentalidade, e seria sem necessidade. A substância só valeria como o absoluto na medida em que fosse pensada ou intuída como a unidade absoluta; e todo o conteúdo, segundo sua diversidade, devesse recair fora dela, na reflexão. Ora, a reflexão não pertence à substância, pois a substância não seria sujeito, nem o que se reflete dentro de si e sobre si; ou seja, não seria conceituada como espírito. Ora bem, se ainda se devesse falar de conteúdo, seria, de uma parte, para lançá-lo no vazio abismo do absoluto, e, de outra parte, ele seria recolhido externamente da percepção sensível: o saber pareceria ter chegado às coisas, à diferença dele mesmo e à diferença das coisas múltiplas - sem que se conceituasse como e donde chegou lá. O espírito porém se mostrou a nós não somente como o recolher-se da consciência de si para estar na sua pura interioridade, nem como a mera submersão da consciência de si na substância e não ser da sua própria diferença. Ao contrário, o espírito é esse movimento do Si, que se extrusa de si mesmo e se submerge em sua substância, e que tanto saiu dessa substância como sujeito, e se adentrou em si, convertendo-a em objeto e conteúdo - quanto suprassume essa diferença entre a objetividade e o conteúdo. Aquela primeira reflexão, que parte da imediatez, é o diferenciar-se do sujeito em relação à sua substância, ou o conceito que se cinde: - o adentrar-se em si e o vir a ser do puro Eu, Enquanto essa diferença é o agir puro do Eu = Eu, o conceito é a necessidade e o eclodir do ser-aí, que tem a substância por sua essência, e subsiste para si. Ora, o subsistir do ser-aí para si é o conceito posto na determinidade, e por isso é igualmente seu movimento, nele mesmo, de ir mais fundo dentro da substância simples, que só é sujeito enquanto é essa negatividade e movimento, O Eu tampouco tem que aferrar-se à forma da consciência de si, contra a forma da substancialidade e objetividade, como se tivesse pavor de sua extrusão. A força do espírito consiste, antes, em permanecer igual a si mesmo em sua extrusão, e como o essente em si e para si, em pôr tanto o ser para si quanto o ser em si apenas como momento. O Eu também não é um terceiro termo que rejeite as diferenças, lançando-as no abismo do absoluto, e que proclame sua igualdade dentro desse abismo. Ao contrário: o saber consiste muito mais nessa aparente inatividade que só contempla como é que o diferente se move nele mesmo, e retoma à sua unidade. No saber, portanto, o espírito concluiu o movimento de seu configurar-se enquanto esse configurar-se é afetado pela diferença não superada da consciência. O espírito ganhou o puro elemento do seu ser-aí - o conceito. O conteúdo é, segundo a liberdade de seu ser, o Si que se extrusa, ou a unidade imediata do saber-se a si mesmo. O puro movimento dessa extrusão, considerado no conteúdo, constitui a necessidade desse mesmo conteúdo. O conteúdo diversificado está como determinado na relação; não é em si. Sua inquietude é suprassumir-se a si mesmo, ou a negatividade: assim é a necessidade ou a diversidade; é tanto o Si quanto é o ser livre; e nessa forma de Si, em que o ser-aí é imediatamente pensamento - o conteúdo é conceito. Quando, pois, o espírito ganhou o conceito, desenvolve o ser-aí e o movimento nesse éter de sua vida, e é ciência. Os momentos de seu movimento já não se apresentam na ciência como figuras determinadas da consciência, mas, por ter retomado ao Si a diferença da consciência, apresentam-se como conceitos determinados, e como seu movimento orgânico, fundado em si mesmo. Se na fenomenologia do espírito cada momento é a diferença entre o saber e a verdade, e é o movimento em que essa diferença se suprassume; - ao contrário, a ciência não contém essa diferença e o respectivo suprassumir; mas, enquanto o momento tem a forma do conceito, reúne em unidade imediata a forma objetiva da verdade e a forma do Si que sabe. O momento não surge mais como esse movimento de ir e vir da consciência ou da representação para a consciência de si e vice-versa: mas sua figura pura, liberta de sua manifestação na consciência - o conceito puro e seu movimento para diante - dependem somente de sua pura determinidade. Inversamente, a cada momento abstrato da ciência corresponde em geral uma figura do espírito que se manifesta. Como o espírito aí essente não é mais rico que a ciência, assim também não é mais pobre em seu conteúdo. Conhecer os conceitos puros da ciência, nessa forma de figuras da consciência, constitui o lado de sua realidade segundo o qual sua essência - o conceito - que nela está posto em sua simples mediação como pensar, dissocia um do outro os momentos dessa mediação, e se apresenta segundo a oposição interna. A ciência contém, nela mesma, essa necessidade de extrusar-se própria da forma do puro conceito; e contém a passagem do conceito à consciência. Pois o espírito que se sabe a si mesmo, precisamente porque apreende o seu conceito, é a igualdade imediata consigo mesmo, a qual em sua diferença é a certeza do imediato, ou a consciência sensível - o começo donde nós partimos. Esse desprender-se da forma de seu Si é a suprema liberdade e segurança de seu saber de si. Essa extrusão, contudo, é ainda incompleta: exprime a relação da certeza de si mesmo com o objeto, que não ganhou sua perfeita liberdade, justamente porque está na relação. O saber conhece não só a si, mas também o negativo de si mesmo, ou seu limite. Saber seu limite significa saber sacrificar-se. Esse sacrifício é a extrusão, em que o espírito apresenta seu processo de vir a ser o espírito, na forma do livre acontecer contingente, intuindo seu puro Si como o tempo fora dele, e igualmente seu ser como espaço. Esse último vir a ser do espírito, a natureza, é seu vivo e imediato vir a ser. Ora, a natureza - o espírito extrusado - em seu ser-aí não é senão essa eterna extrusão de sua subsistência, e o movimento que estabelece o sujeito. Mas o outro lado de seu vir a ser, a história, é o vir a ser que sabe e que se mediatiza - é o espírito extrusado no tempo. Mas essa extrusão é igualmente a extrusão dela mesma: o negativo é o negativo de si mesmo. Esse vir a ser apresenta um movimento lento e um suceder-se de espíritos, um ao outro; uma galeria de imagens, cada uma das quais, dotada com a riqueza total do espírito, desfila com tal lentidão justamente porque o Si tem de penetrar e de digerir toda essa riqueza de sua substância. Enquanto sua perfeição consiste em saber perfeitamente o que ele é - sua substância - esse saber é então seu adentrar-se em si, no qual o espírito abandona seu ser-aí e confia sua figura à rememoração. No seu adentrar se em si, o espírito submergiu na noite de sua consciência de si; mas nela se conserva seu ser-aí que desvaneceu; e esse ser-aí suprassumido - o mesmo de antes, mas recém nascido agora do saber - é o novo ser-aí, um novo mundo e uma nova figura de espírito. Nessa figura o espírito tem de recomeçar igualmente, com espontaneidade em sua imediatez; e partindo dela, tornar-se grande de novo - como se todo o anterior estivesse perdido para ele, e nada houvesse aprendido da experiência dos espíritos precedentes. Mas a rememoração os conservou; a rememoração é o interior, e de fato, a forma mais elevada da substância. Portanto, embora esse espírito recomece desde o princípio sua formação, parecendo partir somente de si, ao mesmo tempo é de um nível mais alto que recomeça. O reino dos espíritos, que desse modo se forma no ser-aí, constitui uma sucessão na qual um espírito sucedeu a outro, e cada um assumiu de seu antecessor o reino do mundo. Sua meta é a revelação da profundeza, e essa é o conceito absoluto. Essa revelação é, por isso, o suprassumir da profundeza do conceito, ou seja, sua extensão, a negatividade desse Eu que em si se adentra: negatividade que é sua extrusão ou sua substância. Essa revelação é seu tempo, em que essa extrusão se extrusa nela mesma, e desse modo está, tanto em sua extensão quanto em sua profundeza, no Si. A meta - o saber absoluto, ou o espírito que se sabe como espírito - tem por seu caminho a rememoração dos espíritos como são neles mesmos, e como desempenham a organização de seu reino. Sua conservação, segundo o lado de seu ser-aí livre que se manifesta na forma da contingência, é a história; mas segundo o lado de sua organização conceitual, é a ciência do saber que se manifesta. Os dois lados conjuntamente - a história conceituada - formam a rememoração e o calvário do espírito absoluto; a efetividade, a verdade e a certeza de seu trono, sem o qual o espírito seria a solidão sem vida; somente "do cálice desse reino dos espíritos espuma até ele sua infinitude". Schiller