Friedrich Wilhelm Schelling - Bruno ou do Princípio Divino e Natural das Coisas – Um Diálogo (1802) (Sirva como esclarecimento provisório a passagem de Platão (Timeu): "É preciso distinguir duas espécies de causas, uma necessária, a outra divina, e procurar a divina em todas as coisas, para a aquisição de vida bem-aventurada, na medida em que nossa natureza o admite". Nota do Autor) ANSELMO Queres repetir para nós, ó Luciano, aquilo que ontem, quando falávamos da instituição dos Mistérios, afirmaste sobre a verdade e a beleza? LUCIANO Minha opinião era que em muitas obras pode haver a mais alta verdade, sem que por isso lhes possa ser atribuído também o galardão da beleza. ANSELMO Mas tu, Alexandre, declaravas ao contrário que somente a verdade preenche todos os requisitos da arte e que unicamente por ela uma obra se torna verdadeiramente bela. ALEXANDRE Assim afirmei. ANSELMO É de vosso agrado que retomemos essa conversação e decidamos agora a controvérsia, que ficou sem decisão, quando o tempo nos obrigou a separar-nos? Pois, afortunadamente, apesar de não termos assumido compromisso explícito, um secreto acordo nos reúne novamente aqui. LUCIANO Bem-vinda seja toda onda de diálogo que nos conduz de volta ao rio da fala. ALEXANDRE Sempre mais fundo no núcleo das coisas penetra a emulação no diálogo, que, começando brandamente, prosseguindo devagar, se torna, por fim, uma profunda torrente, arrebata os participantes e é para todos uma festa. ANSELMO A origem da controvérsia não estava naquilo que havíamos estabelecido sobre os Mistérios e a mitologia, assim como sobre a relação entre o filósofo e o poeta? LUCIANO Assim foi. ANSELMO Não vos parece bom que deixemos de lado por ora a controvérsia, para que a conversação possa desde logo voltar a sua origem e, em seguida, possamos continuar a construir sem empecilhos, sobre o fundamento seguro assim estabelecido? ALEXANDRE Excelente. ANSELMO Tu então, Luciano, quando te parece possível que uma obra, sem ser bela, pode ter a mais alta perfeição de verdade, pareces chamar de verdade algo a que nós filósofos talvez não concedêssemos esse nome. Mas tu, Alexandre, quando fazes de uma obra algo belo apenas por sua verdade, suspeitas que possa haver um ponto em que ambas, de maneira igualmente incondicionada, sem que nenhuma delas dependa da outra ou lhe seja subordinada, cada uma sendo por si mesma o supremo, sejam pura e simplesmente uma e a mesma, a tal ponto que uma pode ser posta no lugar da outra e a obra, que exprimiu esse ponto, considerada de maneira plenamente igual sob ambas as propriedades. Não considerais então necessário que procuremos, antes de tudo, chegar a um acordo quanto ao que deve ser chamado de verdade, em seguida também quanto ao que deve ser chamado de beleza, para não identificarmos com a beleza algo qualquer, que só seja considerado assim de maneira subordinada, ou então, quando pusermos aquela verdade, que não o é em si, como incomparável com a beleza, não perdermos de vista, com isso, a única que é verdadeiramente verdade? LUCIANO Matéria e objeto dignos da conversação. ANSELMO E, se isso te apraz, ó meu excelente amigo, tu que atribuíste à verdade o galardão da beleza, sem considerar que ela conta com poucos que suportam sua face severa ou a visão de sua égide, é a ti que me dirijo. ALEXANDRE De bom grado te sigo, para esclarecer-me sobre a ideia da verdade. ANSELMO Assim, pondo a verdade acima de tudo e mesmo acima da beleza, meu amigo, tampouco poderás deixar de conferir a ela, além disso, as mais altas propriedades, e não permitirás que se aplique esse venerando nome, a esmo, a tudo aquilo que comumente se compreende nele. ALEXANDRE Por certo. ANSELMO Não concederás, portanto, a propriedade da verdade a nenhum conhecimento que traga consigo uma certeza presente ou, em geral, perecível. ALEXANDRE De modo nenhum. ANSELMO Por essa razão, jamais atribuirás verdade a um conhecimento tal, que seja mediado apenas pelas afecções imediatas do corpo ou que se refira imediatamente a elas. ALEXANDRE Seria impossível, pois sei que estas, juntamente com o objeto que as afeta, estão sujeitas às condições do tempo. ANSELMO Pela mesma razão, não concederás verdade a nenhum conhecimento que seja confuso, obscuro, inadequado à coisa tal como esta é em si. ALEXANDRE Não, pois são todos de ordem sensível e mediados por afecções. ANSELMO Mas designarias, além disso, algo que em geral é dotado da certeza, aliás permanente, mas, nessa medida, apenas subordinada, de que teria validade somente para a maneira de considerar do homem ou para alguma outra que não seja a mais alta, com o sublime nome da verdade? ALEXANDRE Isso tampouco, se é que há tal certeza. ANSELMO Duvidas que haja tal certeza. Vejamos, então, o que opuseste àquela certeza que denominamos perecível, ou onde pões a certeza imperecível. ALEXANDRE Necessariamente naquela verdade que não vale somente para as coisas singulares, mas para todas, e não somente por um tempo determinado, mas por todo o tempo. ANSELMO Porias, então, efetivamente, a certeza imperecível naquilo que tem, decerto, validade por todo o tempo, mas, no entanto, sempre em referência ao tempo? Não é óbvio que a verdade que vale em geral para o tempo e para coisas no tempo só é imperecível referida àquilo que em si mesmo não é eterno, portanto quando não considerada pura e simplesmente, e em si? Mas é impensável que aquilo que em geral vale apenas para o finito, embora valha universalmente para ele, tenha um valor superior a esse próprio finito, e que lhe possamos conceder uma verdade mais que relativa, já que permanece e perece ao mesmo tempo que o finito. Pois quem negará aos homens que todo efeito é precedido por sua causa e que esta certeza, sem ser provada nos objetos, é imediatamente indubitável, pela mera referência do conhecer finito ao conceito do conhecer? Mas, se a mesma proposição, fora da referência ao finito em si, não tem significação, também é impossível que lhe seja atribuída uma verdade. Pois não concordaste comigo que aquilo que é dotado de certeza para uma maneira de consideração subordinada não pode ser considerado verdadeiro em sentido genuíno? ALEXANDRE Certamente. ANSELMO Mas, além disso, não poderás contestar que o conhecimento do finito e do temporal, como tal, só tem lugar no conhecer finito, mas não no absoluto. E te contentarias com uma verdade que é verdade meramente para o conhecer de seres finitos, e não pura e simplesmente e mesmo com respeito a Deus e ao conhecer supremo; ou todo nosso esforço não visa conhecer as coisas assim como estão prefiguradas naquele entendimento arquetípico, do qual, no nosso, contemplamos as meras cópias? ALEXANDRE Isso é dificil de negar. ANSELMO Mas, esse conhecer supremo, podes em geral pensá-lo sob condições temporais? ALEXANDRE Impossível. ANSELMO Ou mesmo apenas como determinado por conceitos que, embora em si universais e infinitos, se referem, contudo, apenas ao tempo e ao finito? ALEXANDRE Como determinado por tais conceitos, por certo não, mas, como determinando esses conceitos, sim. ANSELMO Isso nos é indiferente, aqui; pois no conhecer finito não nos aparecemos como determinando aqueles conceitos, mas como determinados por eles, e, se aparecemos como determinando, é obviamente por um conhecer superior. - Temos, pois, em todos os casos, de admitir como uma proposição estipulada que aquele conhecimento que em geral se refere ao tempo ou à existência temporal das coisas, mesmo que sua origem não seja temporal e mesmo que tenha validade para o tempo infinito, assim como para todas as coisas no tempo, não tem nenhuma verdade absoluta, pois pressupõe um conhecer superior de tal ordem, que é em si mesmo, independentemente de todo tempo e sem nenhuma referência ao tempo, portanto, pura e simplesmente eterno. ALEXANDRE Essa consequência é inevitável, de acordo com as primeiras pressuposições. ANSELMO Portanto, só teremos chegado ao ápice da verdade mesma e só conheceremos e exporemos as coisas com verdade depois que tivermos alcançado com nossos pensamentos a existência intemporal das coisas e seus conceitos eternos. ALEXANDRE Não posso negá-lo, embora ainda não tenhas mostrado como podemos alcançá-la. ANSELMO Também essa questão não nos importa aqui, já que nos preocupamos meramente com a ideia da verdade, que consideramos indigno colocar em um plano inferior ou rebaixar de sua altura para que ela seja mais facilmente acessível à maioria. - Mas agrada-te prosseguirmos dessa maneira em nossas investigações? ALEXANDRE Certamente. ANSELMO Continuemos, pois, a considerar a distinção entre o conhecer eterno e o temporal. Julgas possível que aquilo que denominamos errôneo, defeituoso, imperfeito, e assim por diante, seja tudo isso efetivamente em si, ou que, antes, o é somente em relação a nosso modo de consideração? ALEXANDRE Não posso pensar que, por exemplo, a imperfeição de alguma obra humana não se verifique efetivamente com relação a essa obra, nem que aquilo que pensamos necessariamente como errôneo não seja também efetivamente falso. ANSELMO Não deixes, ó amigo, que te escape o sentido da questão. Não falo daquilo que a obra seja, considerada isoladamente, desvinculada do todo. Portanto, se aquele, em vez de uma obra perfeita, produz algo inteiramente defeituoso, e este, em vez de proposições verdadeiras, nada mais produz do que proposições falsas, isto, considerado verdadeiramente, não é nem defeito nem erro. Pelo contrário: se aquele, tal como é constituído, pudesse produzir algo perfeito e algo que não fosse o contrassenso e a tolice, isto é que deveria ser denominado um erro e um defeito efetivos da natureza, duas coisas que são impossíveis. Ora, como ninguém produz senão aquilo que decorre necessariamente, em parte da peculiaridade de sua natureza, em parte dos efeitos que agiram de fora sobre ele, cada um deles exprime, um por seu erro, o outro pela imperfeição de sua obra, a mais alta verdade e a mais alta perfeição do todo, e confirma, por seu exemplo mesmo, que na natureza nenhuma mentira é possível. ALEXANDRE Pareces enredar-te em tuas próprias palavras. Pois, se o erro de um é verdade, a imperfeição do outro é perfeição, isso decorre sem dúvida do defeito admitido de sua natureza. ANSELMO Que, mais uma vez, considerado em si, não é um defeito. Pois, depois que, por exemplo, aquele foi gerado por tal pai, este determinado por tais efeitos de fora, sua índole atual está inteiramente em regra e é necessária na ordem universal das coisas. ALEXANDRE Segundo essa perspectiva, terás apenas de evitar a admissão de um começo da imperfeição. ANSELMO Sem dúvida, assim como é impossível, em geral, pensar um começo do temporal. Toda imperfeição só tem lugar naquela perspectiva para a qual a lei de causa e efeito é, em si mesma, princípio, não para a superior, que, como não admite nenhum começo do finito, põe o imperfeito, desde a eternidade, ao lado do perfeito, isto é, também como perfeição. - Mas não te parece que aquilo que até agora restringimos mais às obras dos homens tem de ser estendido também às obras da natureza e, em geral, a todas as coisas, ou seja, que, considerado em si, nada é lacunar, imperfeito e desarmonioso? ALEXANDRE Assim parece. ANSELMO E que, por outro lado, elas são imperfeitas apenas para o modo de consideração meramente temporal; ou não era assim? ALEXANDRE Também isso. ANSELMO Mas, vamos adiante, e diz-me se não é admissível que, à natureza criadora, em todas as suas produções, não somente no todo, mas também no singular, esteja prescrito um tipo, segundo o qual ela forma tanto as espécies quanto os indivíduos. ALEXANDRE Isso é manifesto, pois vemos as diferentes espécies de animais e plantas exprimirem, próxima ou longinquamente, não somente a mesma forma fundamental, mas também, repetida nos indivíduos da espécie, exatamente a mesma disposição. ANSELMO E se chamamos a natureza, na medida em que é o espelho vivo em que todas as coisas estão prefiguradas, de arquetípica, mas a natureza, na medida em que imprime aqueles modelos na substância, de producente, diz-me se temos de pensar a natureza arquetípica ou a producente como submetida à lei do tempo e ao mecanismo. ALEXANDRE Não a arquetípica, ao que me parece, pois o arquétipo de toda criatura tem de ser pensado como sempre igual a si e imutável, e até mesmo como eterno, portanto de maneira nenhuma como submetido ao tempo, nem como nascido nem como perecível. ANSELMO Portanto, são as coisas na natureza producente, que não estão submetidas por vontade livre, mas obrigatoriamente, ao serviço da vaidade. Mas aqueles arquétipos eternos das coisas são como que os filhos e descendentes imediatos de Deus, e por isso está dito em um texto sagrado que a criatura aspira e anseia pelo esplendor dos filhos de Deus, que é a excelência daqueles arquétipos eternos. Pois é necessário que na natureza arquetípica, ou em Deus, todas as coisas, porque estão libertas da condição do tempo, sejam também muito mais esplêndidas e excelentes do que são em si mesmas. A Terra, por exemplo, que foi feita, não é a verdadeira Terra, mas uma imagem da Terra na medida em que não foi feita e nem nasceu nem jamais perecerá. Mas na ideia da Terra estão também compreendidas as ideias de todas as coisas contidas nela ou que nela vêm à existência. Portanto, também sobre a Terra não há nenhum homem, nenhum animal, nenhum vegetal, nenhuma pedra, cuja imagem não brilhe muito mais esplendidamente na arte e na sabedoria vivas da natureza do que no decalque morto do mundo criado. E, como essa vida prefigurada das coisas jamais começou nem cessará, enquanto a vida pós-figurada sob a lei do tempo, não livremente e meramente em conformidade com sua natureza própria, mas sob a coação das condições, nasce e perece outra vez, teremos então de admitir que, assim como em sua existência eterna nada é imperfeito e lacunar, tampouco pode nascer, de modo temporal, alguma perfeição, seja qual for, e que, antes, considerado temporalmente, tudo é necessariamente imperfeito e lacunar. ALEXANDRE Não poderemos esquivar-nos de afirmar tudo isso. ANSELMO Diz-me agora se consideras a beleza como uma perfeição, a ausência de beleza como uma imperfeição. ALEXANDRE Sem dúvida, e aliás considero que a beleza, que é somente a expressão exterior da perfeição orgânica, é a mais incondicionada das perfeições que uma coisa pode ter, porque toda outra perfeição de uma coisa é estimada segundo sua adequação a um fim exterior a ela, e a beleza, considerada meramente em si mesma e sem nenhuma referência a uma relação exterior, é aquilo que é. ANSELMO Tu me concederás, pois, ainda muito mais: que a beleza, por ser, dentre todas as perfeições, a que exige a maior independência de condições, não nasce de nenhuma maneira temporal e que, inversamente, de maneira temporal nada pode ser denominado belo. ALEXANDRE Segundo essa perspectiva, estaríamos em grande erro, quando costumamos denominar belas algumas coisas da natureza ou da arte. ANSELMO Também não nego a existência da beleza em geral, mas sua existência temporal. Além disso, eu poderia replicar-te o mesmo que Sócrates segundo Platão: que aquele que não foi iniciado há pouco nos Mistérios, se contemplar a beleza sensível, que empresta o mesmo nome da beleza em e para si mesma, não será tão facilmente conduzido por aquela a representar-se esta; mas o recém iniciado, ao ver um semblante divino, no qual a beleza ou, antes, o arquétipo incorpóreo é imitado, assombra-se e começa por aterrorizar-se, pois sobrevém a ele um medo semelhante ao anterior, mas em seguida o adora como a uma divindade. Estes, que viram a beleza em e para si mesma, estão também habituados, sem se perturbarem com as lacunas impostas pela coação das causas à natureza renitente, a ver no decalque imperfeito o arquétipo e a amar tudo o que lhes recorda a anterior beatitude da intuição. Aquilo que em cada figura viva contradiz o arquétipo da beleza deve ser concebido a partir do princípio natural, mas nunca aquilo que lhe é conforme, pois este é, segundo sua natureza, anterior, e seu fundamento está na própria natureza ideal e na unidade que temos de pôr entre a natureza producente e a natureza arquetípica; e essa unidade também se torna manifesta porque a beleza aparece por toda parte onde o curso natural o permite, mas ela mesma nunca nasceu e, onde parece nascer (mas sempre apenas parece), somente pode nascer porque é. Portanto, se denominas bela uma obra ou coisa, somente esta obra nasceu, mas não a beleza, que, segundo sua natureza e, portanto, no meio do tempo, é eterna. Desse modo, ao fazermos o balanço de nossas conclusões, resulta, não somente que os conceitos eternos são mais excelentes e mais belos do que as próprias coisas, mas, antes, que somente eles são belos, e mesmo que o conceito eterno de uma coisa é necessariamente belo. ALEXANDRE Contra essa conclusão nada há a objetar. Pois é necessário que, se a beleza é algo intemporal, cada coisa seja bela somente por seu conceito eterno; é necessário, se a beleza nunca pode nascer, que ela seja o primeiro, o positivo, a própria substância das coisas; é necessário, se o oposto da beleza é mera negação e limitação, que esta não possa chegar até aquela região onde não se encontra nada que não seja realidade e que, portanto, os conceitos eternos de todas as coisas sejam os únicos belos, e o sejam necessariamente. ANSELMO Mas não havíamos concordado antes que justamente esses conceitos eternos das coisas são também os únicos verdadeiros, e que o são absolutamente, e todos os outros são ilusórios, ou apenas relativamente verdadeiros, e que conhecer as coisas com absoluta verdade significa o mesmo que: conhecê-las em seus conceitos eternos? ALEXANDRE Sem dúvida havíamos concordado. ANSELMO Não indicamos, então, a suprema unidade da verdade e da beleza? ALEXANDRE Não posso contradizer-te, depois que me enredaste nessa conclusão. ANSELMO Tinhas, pois, toda razão ao julgares que uma obra de arte é bela unicamente por sua verdade, pois não creio que por verdade entendeste algo pior, ou inferior, do que os arquétipos intelectuais das coisas. Além dessa, porém, temos ainda uma verdade subordinada e enganosa, que toma emprestado o nome daquela, sem ser-lhe igual segundo á coisa mesma, e que, em parte, consiste em um conhecimento confuso e obscuro, mas sempre em um conhecimento meramente temporal. Essa espécie de verdade, que pactua mesmo com o que é imperfeito e temporal nas formas, com aquilo que lhe é imposto de fora e que não se desenvolveu vitalmente a partir de seu conceito, só pode ser tornada regra e norma da beleza por aquele que nunca contemplou a beleza eterna e sagrada. Da imitação dessa verdade nascem aquelas obras nas quais admiramos apenas a arte com que atingem o natural, sem poder vinculá-lo com o divino. Mas dessa verdade nem sequer pode ser dito, como o fez Luciano, que é subordinada à beleza, mas antes que não tem absolutamente nada em comum com ela. Mas aquela única alta verdade não é contingente à beleza, nem esta a ela, e, assim como a verdade que não é beleza também não é verdade, inversamente a beleza que não é verdade também não pode ser beleza, e disto temos, nas obras que nos cercam, ao que me parece, exemplos manifestos. Pois não vemos a maioria oscilar entre dois extremos: uns, que querem produzir a mera verdade, entregarem-se à tosca naturalidade e, inteiramente voltados para aquela, descuidarem-se, por outro lado, daquilo que não pode ser dado por nenhuma experiência; e outros, inteiramente desprovidos de verdade, produzirem uma vazia e débil aparência de forma, que os ignorantes admiram como beleza? Mas, ó amigo, depois que demonstramos a suprema unidade da beleza e da verdade, parece-me também demonstrada a da filosofia com a poesia; pois a que aspira aquela, se não justamente àquela verdade eterna, que é uma e a mesma que a beleza, e esta àquela beleza inata e imortal, que é uma e a mesma que a verdade? Mas é de teu agrado, ó caro, que explicitemos ainda essa relação, para, desse modo, retornarmos ao ponto de onde partimos? ALEXANDRE Certamente o desejo. ANSELMO A suprema beleza e verdade de todas as coisas é, pois, intuída em uma e mesma ideia. ALEXANDRE Assim o estipulamos. ANSELMO E essa ideia é a do eterno. ALEXANDRE Não é outra. ANSELMO E, assim como naquela ideia verdade e beleza são um, assim são também um nas obras que se igualam àquela ideia. ALEXANDRE Necessariamente. ANSELMO Mas o que consideras como o produtor de tais obras? ALEXANDRE É difícil dizer. ANSELMO Toda obra é necessariamente finita? ALEXANDRE Naturalmente. ANSELMO Mas o finito, dissemos, é perfeito por ser vinculado ao infinito. ALEXANDRE Correto. ANSELMO E através de que acreditas que o finito possa ser vinculado ao infinito? ALEXANDRE Obviamente, apenas através daquilo em relação ao qual era anteriormente um com ele. ANSELMO Portanto, através do próprio eterno. ALEXANDRE Isso é claro. ANSELMO Portanto, também uma obra que expõe a suprema beleza só pode ser produzida pelo eterno? ALEXANDRE Assim parece. ANSELMO Mas pelo eterno considerado pura e simplesmente ou pelo eterno na medida em que se refere imediatamente ao indivíduo produtor? ALEXANDRE Por este último. ANSELMO Mas através de que acreditas que se refere a este? ALEXANDRE Não atino de imediato. ANSELMO Não dissemos que todas as coisas estão em Deus somente por seus conceitos eternos? ALEXANDRE Certamente. ANSELMO O eterno, portanto, refere-se a todas as coisas através de seus conceitos eternos e, desse modo, ao indivíduo produtor através do conceito eterno do indivíduo, que está em Deus e é tão um com a alma quanto à alma com o corpo. ALEXANDRE Esse conceito eterno do indivíduo, pois, nós o consideraremos como o produtor de uma obra em que está exposta a suprema beleza. ANSELMO Indiscutivelmente. Mas essa beleza que é exposta na obra, é, ela mesma, mais uma vez. o eterno? ALEXANDRE Sem duvida. ANSELMO Mas o eterno considerado pura e simplesmente? ALEXANDRE Não parece, pois este só é produzido pelo eterno na medida em que é o conceito eterno de um indivíduo e se refere imediatamente a este. ANSELMO O eterno, pois, naquilo que é produzido, também não é exposto em si, mas apenas na medida em que se refere a coisas singulares, ou é o conceito de tais coisas. ALEXANDRE Necessariamente. ANSELMO Mas quais coisas, as que estão vinculadas com o conceito eterno do indivíduo ou as que não estão? ALEXANDRE Necessariamente as que estão vinculadas com ele. ANSELMO Não terá esse conceito, necessariamente, uma perfeição tanto mais esplêndida quanto mais de perto estiver vinculado a ele, em Deus, o conceito de todas as outras coisas? ALEXANDRE Indiscutivelmente. ANSELMO Não vemos, então, que, quanto mais perfeito aquele conceito, e como que mais orgânico, tanto mais apto estará o produtor a expor outras coisas que não ele próprio, e mesmo a distanciar-se inteiramente de sua individualidade, e que, em contrapartida, quanto mais imperfeito aquele, e mais singular, tanto mais inepto será este a manifestar em formas, por mais cambiantes que sejam, algo outro que ele próprio? ALEXANDRE Isso tudo é bastante claro. ANSELMO Mas também não fica manifestamente claro, a partir disto, que o produtor não expõe a beleza em e para si mesma, mas apenas a beleza em coisas, portanto sempre apenas a beleza concreta? ALEXANDRE Manifestamente. ANSELMO Mas o produtor não se iguala, também nisto, àquele de quem ele é a emanação? Pois também aquele, ou seja. Deus, acaso revelou em algum lugar do mundo sensível a beleza tal como está nele mesmo, e não dá, em vez disso, às ideias das coisas, que estão nele, uma vida própria e independente, fazendo-as viverem como almas de corpos singulares? E aliás não é justamente por isso que toda obra cujo produtor é o conceito eterno do indivíduo tem uma dupla vida, uma independente em si mesma, outra naquele que a produz? ALEXANDRE Necessariamente. ANSELMO Uma obra, pois, que não viva em si mesma e não perdure por si, independentemente de seu produtor, também não consideraremos como uma obra cuja alma é um conceito eterno. ALEXANDRE Isso seria impossível. ANSELMO Mas não estabelecemos, além disso, que toda coisa em seu conceito eterno é bela? Assim, aquele que produz uma obra, tal como o admitimos, e o próprio produto são um, ou seja, ambos belos. O belo, portanto, produz o belo; o divino, o divino. ALEXANDRE Isso é evidente. ANSELMO E, como o belo e o divino no indivíduo produtor referem-se imediatamente apenas a esse indivíduo, é pensável que, nessa medida, está nele, ao mesmo tempo, a ideia do divino em si e para si; ou, pelo contrário, esta não está necessariamente em outro, ou seja, nele mesmo, mas não como conceito imediato do indivíduo, e sim considerado pura e simplesmente? ALEXANDRE Necessariamente o último. ANSELMO Portanto, não é concebível, além disso, que aqueles que são aptos a produzir obras belas sejam muitas vezes os que menos possuem a ideia da beleza e da verdade em e para si mesma, justamente porque são possuídos por ela? ALEXANDRE Isso é natural. ANSELMO E, na medida em que o produtor não conhece o divino, ele aparece necessariamente, como tal, mais como um profano do que como um iniciado. Mas, embora não o conheça, ele o exerce por natureza e manifesta, sem o saber, àqueles que o entendem, os mais ocultos dos segredos, a unidade da essência divina e natural e a interioridade daquela natureza sacratíssima, em que não há nenhuma oposição; por isso os poetas, já na mais alta antiguidade, foram venerados como os intérpretes dos deuses e como homens impelidos e inspirados por eles. Mas não te parece que chamaremos com razão, a todo conhecimento que mostra as ideias somente nas coisas, exotérico, e, em contrapartida, aquele que mostra os arquétipos das coisas em e para si mesmos, esotérico? ALEXANDRE Com toda razão, parece-me. ANSELMO Mas o produtor jamais exporá a beleza em e para si mesma, e sim em coisas belas. ALEXANDRE Assim dissemos. ANSELMO Também não é pela própria ideia da beleza, mas apenas pela faculdade de produzir tantas coisas semelhantes a ela quantas forem possíveis, que é reconhecida sua arte. ALEXANDRE Indiscutivelmente. ANSELMO Sua arte, portanto, é necessariamente exotérica. ALEXANDRE Entende-se. ANSELMO O filósofo, porém, esforça-se, não por conhecer o verdadeiro e o belo singulares, mas a verdade e a beleza em e para si mesmas. ALEXANDRE Assim é. ANSELMO Exerce, pois, interiormente, o mesmo serviço divino que o produtor exerce exteriormente sem sabê-lo. ALEXANDRE Obviamente. ANSELMO Mas o princípio do filosofante não é o conceito eterno na medida em que se refere ao indivíduo, mas considerado pura e simplesmente, e em si mesmo. ALEXANDRE Assim teremos de concluir. ANSELMO E a filosofia é necessariamente, segundo sua natureza, esotérica, e não precisa ser mantida em segredo, mas, antes, é secreta por si mesma. ALEXANDRE Isso é claro. ANSELMO Mas não temos de considerar justamente isso como essencial ao conceito dos Mistérios, ou seja, que o são mais por si mesmos do que por disposições exteriores? ALEXANDRE Disso parece que os próprios antigos já nos deram o exemplo. ANSELMO Com toda certeza, pois, embora a Hélade inteira pudesse ter acesso aos Mistérios e a participação neles fosse considerada como uma felicidade universal, a ponto de Sófocles apresentar uma de suas personagens falando deste modo: Oh! Dos mortais Felizes aqueles, que assim contemplando esta sagração Mudam-se para o Hades! Pois é sua parte, somente ali A inda viver, mas para os outros tudo ali é profano, e de Aristófanes colocar na boca do coro dos bem-aventurados que se despediam, nas Rãs, as palavras: Pois para nós somente é sol aqui E alegre luz, assim tantos, Participantes uma vez da sagração, Pelo santo direito do costume Com estrangeiros sempre e com Concidadãos viveram, nem por isso deixavam de ser segredos e, como tais, venerados e rigorosamente observados, de onde temos de concluir que devia haver algo em sua natureza que, embora comunicado a uma grande multidão, não podia ser dessacralizado. Mas a finalidade de todos os Mistérios não é outra senão mostrar aos homens os arquétipos de tudo aquilo de que estão habituados a ver somente as cópias, o que ontem Polihímnio, que estava presente, foi o último a explicitar com muitos fundamentos. Pois, no caminho de volta à cidade, quando falávamos do conteúdo dos Mistérios, ele dizia que em vão nos esforçávamos por inventar doutrinas mais sagradas ou símbolos e sinais mais significativos do que foram ensinadas e representados pelos antigos. E, quanto às primeiras, dizia ele, nos Mistérios os homens aprenderam pela primeira vez que, além das coisas que são constantemente alteradas e se convertem em múltiplas formas, há algo imutável, uniforme e indivisível, e que aquilo que há de mais semelhante ao divino e imortal é a alma e o que mais se assemelha ao multiforme, divisível e sempre mutável é o corpo. E as coisas singulares, através daquilo que nelas seria discernível e particular, ter-se-iam separado do Igual em e para si mesmo, embora, naquilo pelo qual são iguais a si mesmas e individuais, trouxessem consigo à temporalidade um decalque e como que o cunho daquele pura e simplesmente indivisível. E, como notamos essa semelhança das coisas concretas com o Igual em si mesmo e percebemos que estas, embora se esforcem por ser semelhantes àquele na unidade, nunca alcançam inteiramente essa semelhança, é preciso que tenhamos conhecido o arquétipo do Igual em e para si mesmo, pura e simplesmente indivisível, de maneira intemporal, como que antes do nascimento, o que eles exprimiam através de um estado da alma, anterior ao presente, em que esta teria tomado parte na intuição imediata das ideias e arquétipos das coisas, e do qual somente pela unificação com o corpo e a passagem à existência temporal teria sido arrancada. Os Mistérios seriam, por isso, representados como uma instituição destinada a levar aqueles que tomam parte neles, por purificação da alma, à reminiscência das ideias, outrora intuídas, do verdadeiro, belo e bom em si, e, com isso, à suprema bem-aventurança. E, como no conhecimento do eterno e inalterável consiste a sublime filosofia, a doutrina dos Mistérios não teria sido nada outro que a mais sublime, a mais sagrada e a mais excelente filosofia, legada pela mais remota antiguidade, de tal modo que os Mistérios estão efetivamente para a mitologia como acreditamos que a filosofia está para a poesia, e, portanto, é com bom fundamento que concluímos que a mitologia deveria, decerto, ser deixada a cargo dos poetas, mas a instituição dos Mistérios a cargo dos filósofos. Somente depois de termos reconduzido a conversação até este ponto, podeis também julgar se e de que modo quereis levá-la adiante, a partir dele. LUCIANO Abre-se diante do diálogo uma trajetória demasiado bela para que possais deter-vos. ALEXANDRE Também me parece assim. ANSELMO Ouvi, então, minha proposta. Parece-me, pois, que devemos continuar a falar sobre a instituição dos Mistérios e a índole da mitologia, e, aliás, o mais conveniente me pareceria que aquele que até agora esteve presente, como convidado, a nossos diálogos, Bruno, falasse sobre que espécie de filosofia acredita que tenha de ser ensinada nos Mistérios e contenha aquele estímulo à vida bem-aventurada e divina, que pode ser exigido legitimamente de uma doutrina sagrada; e, em seguida, que Polihímnio retomasse o fio onde aquele o tivesse abandonado e descrevesse as imagens sensíveis e ações pelas quais tal filosofia pode ser exposta; enfim, como for o caso, um de nós ou todos nós em conjunto completássemos a conversação sobre mitologia e poesia. BRUNO Eu pareceria ingrato se, tantas vezes e tão ricamente acolhido por vós, não vos comunicasse por minha vez, da melhor maneira que fosse capaz, algo de meu. Assim, dirijo-me, pois, não querendo faltar ao que manda o dever, não aos detentores dos Mistérios terrestres, mas aos regentes dos segredos eternos, que são celebrados pela luz dos astros, pela translação das esferas, pela morte e renascimento das espécies sobre a Terra; e rogo-lhes, primeiramente, que me permitam chegar à intuição do invulnerável, simples, são e santo; depois, que me livrem dos males sob os quais, em maior ou menor grau, na vida como na arte e na ação como no pensamento, a maioria padece de igual maneira, ao pretender furtar-se ao destino implacável, que ordenou que o mundo não consistisse apenas em vida, mas também em morte e, inversamente, não somente em corpo, mas também em alma, e que o universo estivesse sujeito a uma sorte inteiramente igual à do homem: ser uma mistura de imortal e mortal, e não apenas de finito, nem apenas de infinito. Mas em seguida dirijo-me a vós, suplicando que me perdoeis, se não vos digo, tanto, qual filosofia considero a melhor para ser ensinada nos Mistérios, mas, antes, exponho aquela da qual sei que é a verdadeira, e mesmo esta não em si mesma, mas apenas o solo e o fundamento sobre o qual tem de ser construída e executada. Em seguida, também, que me concedais desenvolver os pensamentos de minha mente, não por mim mesmo em uma fala continua, mas, como vós mesmos costumais fazer, perguntando ou também respondendo, conforme o caso, e particularmente que me permitais eleger um dentre vós para que, interrogado por mim, responda ou, interrogando-me, receba a resposta. E, se isso vos apraz, e apraz a ele, peço a nosso Luciano que seja ele a partilhar comigo a fala, da maneira que for de seu agrado. Mas, para colocar no fundamento do diálogo, o que encontraríamos, eu ou nós todos, de mais excelente, e sobre o que poderíamos todos concordar, Anselmo, senão aquilo a que nos conduziste, a ideia daquilo em que todas as oposições são, não tanto unificadas, mas, antes, unas, e não tanto suprimidos, mas, antes, absolutamente não separadas? Antes de tudo, pois, louvo-o como o primeiro, que precede tudo, porque, sem levá-lo em consideração, somente dois casos são possíveis: ou pôr a unidade que tem a oposição contraposta a ela como o primeiro, mas nesse caso ela mesma é posta com uma oposição; ou as oposições, mas nesse caso estas são pensadas sem a unidade, o que é impossível, pois tudo o que se opõe só é oposto verdadeiramente e de maneira real por dever ser posto em um e no mesmo. LUCIANO Cuida, ó dileto (pois quero dar sequência a tua exigência, e cedo recordar-te dela), de não te envolveres logo de início em contradições. Pois a unidade está necessariamente contraposta à oposição e, portanto, como sem a oposição ela é tão pouco pensável quanto esta sem ela, deve ser também impossível pôr a unidade sem pô-la com uma oposição. BRUNO Somente uma coisa, ó excelente, parece ter-te passado despercebida: a saber, como fazemos da unidade de todas as oposições o primeiro, mas a própria unidade, juntamente com aquilo que denominamos oposição, forma, por sua vez, uma oposição, e aliás a suprema, nós, para fazer daquela unidade a suprema, temos de pensar também essa oposição, juntamente com a unidade que se contrapõe a ela, como compreendida naquela, e determinar aquela unidade como a unidade em que a unidade e a oposição, o igual a si mesmo e o desigual, são um. LUCIANO Pareces, por certo, esquivar-te muito bem dessa armadilha, ao pores uma unidade que, por sua vez, vincula a unidade e a própria oposição. Mas como podes admitir a oposição com relação a esta sem, por isso mesmo, pô-la também com relação àquela? Portanto, de maneira nenhuma pareces chegar a uma unidade pura, e a uma unidade tal, que não fosse turvada pela diferença. BRUNO Parece, ó amigo, que dizes, tanto da unidade que se opõe à diferença, quanto da superior, na qual aquela mesma é una com esta, que ela é turvada, mas, seja de qual das duas tenhas essa opinião, penso persuadir-te do contrário. Pois se dizes que, com relação àquela unidade superior, a unidade e a diferença se contrapõem e que, portanto, ela mesma é afetada de um oposto, nego-te o primeiro ponto, ou seja, que, com relação a ela, unidade e diferença sejam opostas. Podes, portanto, querer atribuir o ser-turvada pela diferença somente àquela unidade que é oposta à diferença e na medida em que lhe é oposta, mas não àquela que está acima desta e com relação à qual essa própria oposição não existe. Ou não é assim? LUCIANO Por ora quero concedê-lo, BRUNO Dizes, pois, que a unidade é turvada na medida em que está oposta à diferença? LUCIANO Certamente. BRUNO Mas oposta como: pura e simplesmente ou apenas relativamente? LUCIANO O que denominas pura e simplesmente oposto e o que denominas relativamente oposto? BRUNO Relativamente oposto denomino aquilo que, em um terceiro, pode deixar de ser oposto e tornar-se um. Absolutamente oposto, aquilo de que isso não pode ser pensado. Pensa dois corpos de natureza oposta, que podem misturar-se e com isso produzir um terceiro, e terás um exemplo do primeiro. Pensa o objeto e a imagem do objeto refletida pelo espelho, e tens um exemplo do outro. Pois: podes pensar um terceiro em que a imagem poderia passar ao objeto, o objeto à imagem, e não estão eles, justamente porque um é objeto e a outra é imagem, necessariamente separados, eterna e pura e simplesmente? LUCIANO Sem dúvida. BRUNO Que espécie de oposição terás de pôr, então, entre a unidade e a diferença? LUCIANO Necessariamente da última espécie, segundo tua opinião, já que, para ti, somente em algo superior podem ser um. BRUNO Excelente; mas, essa unidade, tu a puseste como suprimida. Pois não é verdade que, para ti, a unidade só podia ser turvada na medida em que era oposta à diferença? LUCIANO Assim foi. BRUNO Mas oposta à diferença ela só é se a unidade superior for pensada como suprimida; portanto, só podias pensar ambas como relativamente opostas. LUCIANO Certamente. BRUNO Na medida em que são opostas apenas relativamente, também só poderão ser relativamente um, e delimitar-se e restringir-se mutuamente, como os dois corpos que tomamos acima. LUCIANO Necessariamente. BRUNO E somente na medida em que se delimitam e restringem mutuamente a unidade é turvada, e com isto entendes, por certo, que ela se torna participante da diferença. LUCIANO Perfeitamente correto. BRUNO Pões, portanto, necessariamente, ao pores a unidade como turvada, uma relação de causa e efeito entre ambas, como aqueles que, filosofando a esmo, põem, aqui a unidade, ali a diversidade, fazem aquela agir sobre esta, esta sobre aquela, e ambas se acomodarem uma à outra. LUCIANO Os deuses me guardem de admitir seriamente isso. BRUNO Então também não podes admitir seriamente que pomos aquela unidade, que contrapusemos à oposição, necessariamente como turvada. LUCIANO Sem dúvida, não. - Mas como: não se segue de tua opinião que apenas aquilo que se opõe absolutamente pode ser absolutamente um, e inversamente? BRUNO Sem dúvida, é o que se segue. Pensa apenas aquilo que já pensaste, e diz-me se podes pensar uma unidade mais perfeita do que entre o objeto e sua imagem, embora seja absolutamente impossível a junção de ambos em um terceiro. Por isso tu os pões como unificados por algo superior, no qual aquilo pelo qual a imagem é imagem e aquilo pelo qual o objeto é objeto, ou seja, a luz e o corpo, são outra vez um só. E se pões uma fatalidade tal - e essa ordem do mundo - que, universalmente, se o objeto é, também a imagem é e, se a imagem é, também o objeto é, então ambos estarão juntos necessariamente e por toda parte, porque não estão juntos em parte alguma, e justamente por essa razão. Pois o que se contrapõe absoluta e infinitamente só pode, também, ser unificado infinitamente. Mas aquilo que está infinitamente unificado não pode separar-se em nada, e nunca; portanto, aquilo, que nunca e em nada está separado e que está junto pura e - simplesmente, é, por isso mesmo, pura e simplesmente oposto entre si. Daquilo, pois, em que a unidade e a oposição são um, tens de separar aquela por si mesma, mas opor a ela, relativamente, a diferença, para fazer com que ela seja turvada por esta; mas aquilo te é impossível, pois ela nada é fora daquela unidade absoluta. Mas, com relação a esta, não pode ser pensada como turvada por diferença, pois com relação a ela não está, em geral, contraposta à diferença. Aqui, portanto, não há nada mais que transparência; pois tu mesmo vês e já admitiste que, com relação à unidade absoluta, a qual, concebendo o finito, concebe também o infinito, não unificados, mas inseparados, não há escuridão nem mistura. LUCIANO Mas tens certeza de ter suprimido todas as oposições com aquilo que denominaste a unidade da unidade e da oposição; e como se relacionam com ela as outras oposições que costumas fazer na filosofia? BRUNO Como poderia eu não estar certo do primeiro ponto, uma vez que um dos dois é necessário: ou as outras oposições que são feitas têm de cair sob aquilo que denominamos oposição, ou sob aquilo que denominamos a unidade e a oposição. Contudo, como pareces duvidar, e para que, ao mesmo tempo, eu te responda sobre o segundo ponto, nomeia-nos a oposição que consideras como a suprema. LUCIANO Considero que não pode haver nenhuma superior àquela que exprimimos por ideal e real, assim como, em contrapartida, a suprema unidade parece-me ter de ser posta na unidade do fundamento ideal e do fundamento real. BRUNO Não poderemos ainda contentar-nos com isso, e teremos de pedir-te ainda que nos digas o que te representas como unidade desse fundamento ideal e real. LUCIANO A unidade do pensar e do intuir. BRUNO Não te levantarei nenhuma controvérsia sobre essa determinação, ó amigo, não te perguntarei se acaso não determinas aquela própria unidade, mais uma vez, como ideal ou como real (pois como poderia ser oposto a um dos dois aquilo que está acima de ambos?), nem investigarei agora se aquilo que denominaste intuição já não é, ela mesma, uma unidade do ideal e do real. Pois agora queremos deixar tudo isso de lado, para apenas continuar a examinar aquilo que pensas como aquela própria unidade do intuir e do pensar. Pois, no entanto, parece-me que com isso exprimes exatamente o mesmo que denominamos unidade da oposição e da unidade, do finito e do infinito. Diz-me, pois, ó excelente, se não consideras a intuição como completamente determinada em cada caso singular e se não afirmaste, da intuição determinada sob cada aspecto, a unidade com o pensar. Pois somente dessa maneira posso pensar tanto uma oposição quanto uma unidade de ambos. LUCIANO Assim é efetivamente. BRUNO Mas necessariamente pensas a intuição como determinada por algo. LUCIANO Certamente, e aliás por outra intuição, e esta outra vez por outra, e assim por diante, ao infinito. BRUNO Mas como podes pôr uma intuição como determinada por outra, se não pães esta como discernível daquela e aquela desta, e, portanto, sem pores diferença através da esfera inteira da intuição, de tal modo que cada uma delas é uma intuição particular, e nenhuma é totalmente igual à outra? LUCIANO É impossível fazê-lo, a não ser como dizes. BRUNO Pensa, em contrapartida, um conceito, o da planta, ou de uma figura, ou o que quiseres, e diz-me se esse conceito se altera e determina do mesmo modo que tuas intuições se alteram e determinam, se consideras várias plantas ou várias figuras uma após a outra, ou se, pelo contrário, esse conceito não permanece inalteravelmente o mesmo e não é adequado a todas as plantas e figuras, por mais diferentes que sejam, de maneira totalmente igual, ou indiferente a todas? LUCIANO O último. BRUNO Portanto, determinaste as intuições como aquilo que está necessariamente submetido à diferença e o conceito como aquilo que é indiferente. LUCIANO Assim é. BRUNO Além disso, pensaste a intuição sob a propriedade do particular e o conceito sob a do universal. LUCIANO Está claro que assim é. BRUNO Que alta e excelente ideia enunciaste, pois, com aquela unidade do intuir e do pensar! Pois o que pode ser pensado de mais esplêndido e excelente do que a natureza daquilo em que, pelo universal, é posto e determinado também o particular, pelo conceito também os objetos, de tal modo que nele mesmo ambos são inseparados; e como, com essa ideia, te arrojaste acima do conhecimento finito, no qual tudo isso é separado, e como te arrojaste ainda mais, acima do pretenso conhecimento dos filósofos imaginários, que põem primeiro a unidade, depois a diversidade, mas opõem ambas pura e simplesmente uma à outra. Portanto, firmemo-nos nessa ideia e, sem imiscuir algo outro ou negligenciar algo do rigor primeiro com que a pensamos, ponhamos entre o pensar e o intuir uma unidade tal, que aquilo que está expresso em um deles o está necessariamente também no outro, e ambos são um, não meramente em um terceiro, mas em si e antes da separação, e não é tanto ao mesmo tempo, mas, antes, de maneira totalmente igual, que as propriedades de todo outro são aquilo que provém da excelência daquela natureza que em si não é nem um nem o outro, nem mesmo ambos ao mesmo tempo, mas a unidade deles. Mas não vês que, naquilo que denominamos a unidade do intuir e do pensar, está contida também a do finito e do infinito, e vice-versa, e que, portanto, sob expressões diferentes, fizemos de um e mesmo princípio o supremo? LUCIANO Acredito vê-lo bem determinadamente. Pois, como todo conceito em si traz consigo uma infinitude, na medida em que é adequado a uma série infinita de coisas assim como à coisa singular, enquanto o particular, que é objeto da intuição, é necessariamente também algo singular e finito, pomos necessariamente, com a unidade do conceito e da intuição, também a do finito e do infinito. Contudo, como esse objeto me parece especialmente digno de consideração, peço-te que prossigas essa investigação e, em particular, que consideres o modo e maneira como estão unificados nele o real e o ideal, o finito e o infinito. BRUNO Com razão dizes que aquele objeto é, em geral, especialmente digno de consideração, e aliás dirias muito mais corretamente que ele é o único digno de consideração filosófica, e também o único que a ocupa; pois não é óbvio que a inclinação a pôr o infinito no finito e, inversamente, este naquele é dominante em toda conversação e investigação filosóficas? Essa forma de pensar é eterna, como a essência daquilo que nela se exprime, nem começou agora nem jamais cessará; é, como diz Sócrates segundo Platão, a propriedade imortal, que nunca envelhece, de toda investigação. O jovem que a provou pela primeira vez alegra-se como se tivesse descoberto um tesouro de sabedoria e, inspirado por sua alegria, dedica-se com prazer a toda investigação, ora coligindo tudo o que lhe aparece na unidade do conceito, ora dissolvendo e repartindo tudo na multiplicidade. Essa forma é um dom dos deuses aos homens, que Prometeu trouxe à Terra ao mesmo tempo em que o fogo puro do céu. Em tal disposição das coisas, sendo de infinito e finito tudo o que é respeitado como eterno, e tudo o que distinguimos verdadeiramente tendo de ser um ou o outro, é necessário que de tudo haja uma única ideia e, portanto, inversamente, que tudo esteja em uma única ideia. Pois a ideia distingue-se do conceito, ao qual cabe apenas uma parte de sua essência, por ser este mera infinitude e, justamente por isso, também imediatamente oposto à pluralidade, enquanto aquela, unificando pluralidade e unidade, finito e infinito, relaciona-se com ambos de maneira totalmente igual. E, como anteriormente já fomos instruídos de que a filosofia só tem de ocupar-se com os conceitos eternos das coisas, a ideia de todas as ideias será então o único objeto de toda filosofia, e esta não é outra senão aquela que contém, expressa nela, a inseparabilidade do diverso e do uno, do intuir e do pensar. A natureza dessa unidade é a mesma da beleza e da verdade. Pois é belo aquilo em que o universal e o particular, a espécie e o indivíduo, são absolutamente um, como nas figuras dos deuses. Mas também somente isso é verdadeiro. E, como consideramos essa ideia como a suprema medida da verdade, consideraremos também como absolutamente verdadeiro somente aquilo que é verdadeiro com relação a essa ideia, e como verdades meramente relativas e enganosas aquelas às quais, com relação a essa ideia, não cabe nenhuma verdade. Por isso mesmo, pois, teremos de dirigir nossa investigação ao modo de unificação do finito com o infinito naquele ponto supremo. Primeiramente, então, devemos recordar-nos que pusemos uma absoluta inseparabilidade de ambos, de tal modo que a essência do Absoluto não é nem um nem o outro dos dois, e por isso mesmo é absoluta; mas tudo o que é, em relação a esse Absoluto, na medida em que é ideal é imediatamente também real e, na medida em que é real, imediatamente também ideal. Mas é manifesto que esse não é o caso em nosso conhecer, pois neste, ao contrário, aquilo que é ideal, o conceito, aparece como mera possibilidade, mas aquilo que é real, ou a coisa, como efetividade; e isso não atravessa todos os conceitos pelos quais exprimimos aquela oposição entre ideal e real? Não teremos, por exemplo, de dizer que, onde o ideal é inseparado do real e este daquele, também a pluralidade com a unidade, o limite com o ilimitado e, inversamente, estes com aqueles, são um só e estão vinculados de maneira absoluta? LUCIANO Assim é efetivamente. BRUNO Mas não é óbvio, então, que a unidade, para o conhecer finito, contém a mera possibilidade infinita, enquanto a pluralidade contém a efetividade das coisas, e, além disso, que na realidade ilimitada contemplamos apenas a infinita possibilidade de toda efetividade, enquanto no limite contemplamos sua efetividade, e que, portanto, a negação se toma aqui posição, enquanto a posição se torna negação? Do mesmo modo que aquilo que é considerado como o essencial em todas as coisas, a substância, contém, para aquele conhecer, a mera possibilidade de um ser, enquanto aquilo que é o meramente contingente e é denominado o acidente contém a efetividade; e que, portanto, em suma, no entendimento finito, comparado com a ideia suprema e com o modo de ser de todas as coisas nesta, tudo aparece invertido e como que de cabeça para baixo, mais ou menos como as coisas que vemos espelhadas na superfície da água. LUCIANO Tudo isso, que dizes, é difícil de pôr em dúvida. BRUNO Não será sem razão, portanto, que concluiremos que, como, com a oposição do ideal e do real, também está posta a da possibilidade e da efetividade por todos os nossos conceitos, também todos os conceitos que repousam sobre essa oposição ou provêm dela não são menos falsos que ela e, com relação à ideia suprema, não têm nenhuma significação? LUCIANO É necessário tirar essa conclusão. BRUNO Podemos considerar como uma perfeição, ou temos de considerar como uma imperfeição de nossa natureza podermos pensar algo que não é e, portanto, termos, em geral, um conceito do não ser ao lado do do ser, ou podermos julgar, tanto que algo não é, quanto que é? LUCIANO É-nos impossível considerá-lo comparado com a ideia suprema, como uma perfeição. Pois o conceito do não ser pressupõe um pensar que não está expresso na intuição, o que é impossível no Absoluto, porque, com relação a ele, aquilo que está expresso em um tem também de estar imediatamente expresso no outro. BRUNO Portanto, em referência à ideia suprema, não poderemos pensar a distinção do ser e do não ser, assim como não podemos pensar o conceito da impossibilidade. LUCIANO Este tampouco, porque põe uma contradição entre o conceito e a intuição, que, com relação ao Absoluto, é igualmente impensável. BRUNO Mas não estabelecemos que o ideal, já como ideal, é ilimitável e que, portanto, todo conceito em si é infinito; e como pensas essa infinitude? Como uma infinitude que se engendra no tempo e, portanto, segundo sua natureza, nunca pode perfazer-se, ou como uma infinitude pura e simplesmente presente, perfeita em si? LUCIANO Esta última, se o conceito é infinito segundo sua natureza. BRUNO Não é concebível, pois, que os inexperientes se alegrem, como se tivessem feito a suprema descoberta, ao notarem que, para tomarem consciência de seu conceito do triângulo - é um espaço encerrado por três linhas - como um conceito infinito, não precisam da intuição de todos os triângulos que existiram uma vez ou existirão, ou sequer da intuição de todas as diversas espécies de triângulos, equiláteros e não equiláteros, isósceles e não isósceles, e assim por diante, e, sem levar isso em conta, podem estar certos de que aquele abrange em si todos os triângulos possíveis, que foram, são agora ou serão futuramente, sem distinção de espécie, e é adequado a todos de igual maneira. Mas no conceito em si e para si está contida, decerto, como sabemos, a possibilidade infinita de todas as coisas que lhe correspondem no tempo infinito, mas apenas como possibilidade, de tal modo que, embora lhe caiba uma natureza totalmente independente do tempo, ele ainda não pode, por isso, ser considerado como absoluto. LUCIANO Assim é efetivamente. BRUNO Mas definimos o Absoluto como, segundo a essência, nem ideal nem real, nem como pensar nem como ser. Mas, referido às coisas, ele é necessariamente um e outro com igual infinitude, pois, com relação a ele, dissemos, tudo o que é, na medida em que é real, é também ideal e, na medida em que é ideal, também real. LUCIANO Perfeitamente correto. BRUNO Mas poderemos determinar a idealidade infinita como um pensar infinito e opor a este aquilo que denominaste intuição. LUCIANO Com isso estou inteiramente de acordo. BRUNO Mas não teremos de pôr no pensar infinito os conceitos de todas as coisas e, já que todo conceito, segundo sua natureza, é infinito, de pôr esse conceito como pura e simplesmente infinito, sem nenhuma referência ao tempo? LUCIANO Temos, sim. BRUNO O pensar infinito, pois, em oposição ao intuir, nós o consideraremos como a possibilidade infinita de todas as coisas, sempre igual a si e sem nenhuma referência ao tempo. LUCIANO Necessariamente. BRUNO Mas como no Absoluto o pensar é pura e simplesmente um com o intuir, as coisas também serão expressas, nele, não meramente por seus conceitos, como infinitas, mas por suas ideias, como eternas, portanto sem nenhuma referência, mesmo a de oposição, ao tempo, e com absoluta unidade de efetividade e possibilidade, como a suprema unidade do pensar e do intuir. Pois, como dás ao intuir a mesma relação com o pensar que outros dão ao ser ou à realidade, então, considerado o intuir como o real infinito, está nele, para o pensar infinito, a possibilidade de todas as coisas; só que, por causa da unidade absoluta de ambos, com esta possibilidade também está posta, imediatamente, igual efetividade, e, portanto, como os conceitos são infinitos e entre o conceito e a intuição não entra nada que os separe, têm de estar expressas nas ideias, além dos conceitos, também as intuições das coisas, mas estas como totalmente adequadas àqueles, portanto como infinitas. LUCIANO Mas nós mesmos não estabelecemos antes que toda intuição é determinada por outra intuição, que por sua vez é determinada por outra, e assim por diante, ao infinito? BRUNO Perfeitamente correto, pois, como pusemos o finito como o intuir, somente entre as intuições podíamos pôr uma vinculação causal. LUCIANO Mas como podes harmonizar com aquele ser eterno das coisas em suas ideias essa infinita determinação das coisas uma pela outra, que parece referir-se somente à existência temporal? BRUNO Vamos ver, Puseste, então, o conceito como infinito, a intuição como finita, mas ambos como um só na ideia. e totalmente inseparados, ou não foi assim? LUCIANO Assim foi. BRUNO E puseste a ideia como o único real em si? LUCIANO Também isso. BRUNO Com relação à ideia, pois, e portanto verdadeiramente, nem o infinito nem o finito são algo por si e independentemente de nossa distinção. E, como nenhum deles é em si o que é e cada um deles só o é por seu oposto, também não podemos pospor nenhum deles ao outro ou desistir dele em função do outro. LUCIANO Isso é impossível. BRUNO É necessário, pois, que, se o infinito está, também está o finito, ao lado dele e inseparado dele, naquilo que pusemos como eterno. LUCIANO Obviamente, pois senão teríamos de pôr o infinito somente; mas este mesmo só é, como infinito, na oposição ao finito. BRUNO Mas o finito, disseste, é sempre, como este finito, necessariamente algo determinado e, como este determinado, é determinado por outro finito, que por sua vez o é por outro, e assim por diante, ao infinito. LUCIANO Correto. BRUNO Esse finito ao infinito, porém, está posto, na ideia, como um com o infinito em e para si mesmo, e vinculado imediatamente com ele. LUCIANO Assim admitimos. BRUNO E aquele infinito em e para si mesmo é o conceito? LUCIANO Concedo-o. BRUNO Mas ao conceito não pode ser igualou adequada, de modo geral, nenhuma finitude que não seja infinita. LUCIANO Isso é claro. BRUNO Mas infinita segundo o tempo? LUCIANO Impossível, ao que me parece; pois aquilo que é infinito independentemente de todo tempo não é esgotado por nenhum tempo, mesmo infinito, e nenhuma infinitude que se refira a este pode tornar-se igualou adequada àquele. BRUNO Portanto, uma finitude que é intemporalmente infinita? LUCIANO É o que se segue. BRUNO Mas intemporalmente infinito é somente o conceito? LUCIANO Isso foi admitido. BRUNO Uma finitude intemporalmente infinita, portanto, é aquela que, em e para si mesma, ou segundo sua essência, é infinita. LUCIANO Também isso. BRUNO Mas uma finitude que, segundo sua essência, é infinita não pode nunca e de maneira nenhuma deixar de ser finita. LUCIANO Jamais. BRUNO Infinita, além disso, não pelo tempo, mas em e para si mesma, ela não pode, nem mesmo pela eliminação do tempo, deixar de ser infinitamente finita. LUCIANO Também não. BRUNO Portanto, tampouco pode deixar de ser finita em si porque está no Absoluto e, nele, intemporalmente presente. LUCIANO Tampouco. No entanto, embora isso não me pareça inteiramente desprovido de evidência, peço-te que o explicites mais, pois isso está entre as coisas mais obscuras, que não são captadas logo à primeira vista. BRUNO O pensar infinito, portanto, somente por nossa investigação nós o separamos da ideia, na qual ele é um com o finito, sem mediação. E, segundo a possibilidade, no pensar infinito, tudo é um sem distinção do tempo e das coisas, mas, segundo a efetividade, não é um, mas múltiplo, e necessária e infinitamente finito. Mas, assim como o infinito em e para si mesmo supera todo tempo e, assim como não poderia adquirir infinitude pelo tempo, já que este está excluído dele por seu conceito, também não pode, pela negação do tempo, perder sua finitude. Portanto, para pensar um finito infinito em e com o Absoluto, não é preciso nenhum tempo, embora seja necessário que, pensado separadamente dele, seja distendido em um tempo infinito. Mas, no tempo infinito, ele não se torna infinitamente finito, como seria, segundo sua natureza, no instante, se, com relação ao Absoluto, estivesse no instante. Contudo, podes, do seguinte modo, aproximar isto da intuição. Todo finito, como tal, não tem o fundamento de seu existir em si mesmo, mas necessariamente fora de si; é, pois, uma efetividade, cuja possibilidade está em outro. Inversamente, contém, de infinitos outros, somente a possibilidade sem a efetividade e justamente por isso é, necessariamente e ao infinito, imperfeito. Mas isso, com relação ao Absoluto, é inteiramente impensável. Pois neste, na medida em que consideramos a forma, que é igual à própria essência, o real é, decerto, segundo o conceito, necessária e eternamente oposto ao ideal, como a imagem ao modelo, e aquele é, decerto, segundo o conceito, necessariamente finito mas, realmente ou segundo a coisa, absolutamente igual a este. Se consideras, pois, o finito meramente segundo seu conceito, ele é, necessariamente e ao infinito, singular e, sendo ele mesmo uma efetividade cuja possibilidade está em outro, contém, por sua vez, a possibilidade infinita de outros singulares, que, pela mesma razão, contêm, por sua vez, a possibilidade infinita de outros singulares, e assim por diante, ao infinito. Mas, se for considerado realmente e, portanto, na unidade absoluta com o infinito, à possibilidade de outros singulares, que ele contém, está, em primeiro lugar, vinculada imediatamente a efetividade e, em segundo lugar e pela mesma razão, a ele próprio, como efetivo, está vinculada imediatamente sua possibilidade; tudo, pois, na medida em que está em Deus, é absoluto, está fora de todo tempo e tem uma vida eterna. Ora, o singular é singular e se separa justamente por conter apenas a possibilidade de outros sem a efetividade ou por conter, ele mesmo, uma efetividade cuja possibilidade não está nele. Mas, seja qual for o finito que tu ponhas e seja qual for a diferença entre possibilidade e efetividade nele - e assim como, ao mesmo tempo que a possibilidade infinita do corpo inteiro, que cada parte de um corpo orgânico contém, está posta também, imediatamente, em referência a ela, sem relação de tempo, a efetividade, e assim como, inversamente, nenhuma parte orgânica singular tem sua possibilidade antes de si ou fora de si, mas imediatamente consigo na outra -, também naquele, na medida em que está no Absoluto, nem a possibilidade está separada da efetividade, nem esta daquela. Portanto, de todas as coisas conhecidas e visíveis, aquela que mais se aproxima do modo como o finito está no infinito é o modo como o singular no corpo orgânico está vinculado ao todo, pois, assim como esta parte orgânica singular não está posta como singular no corpo orgânico, assim também o singular não está posto no Absoluto como singular, e, do mesmo modo que uma parte orgânica, por não ser, considerada realmente, singular, não deixa de ser, idealmente ou por si mesma, singular, assim também o finito, na medida em que está no Absoluto. A relação do finito ao finito, neste, não é, pois, a de causa e efeito, mas sim aquela que a parte de um corpo orgânico tem com a outra; só que aquela vinculação do finito com o infinito no Absoluto é infinitamente mais perfeita do que a que se dá em um corpo orgânico, pois cada um destes contém ainda uma possibilidade, cuja efetividade está fora dele e com a qual ele se relaciona como a causa com o efeito; também este é apenas a imagem de um arquétipo que está no Absoluto e no qual toda possibilidade está vinculada à sua efetividade e, justamente por isso, também toda efetividade à sua possibilidade. E, justamente porque o universo verdadeiro é de uma infinita plenitude, e nada nele está fora do outro, ou separado, mas tudo é absolutamente um, e um dentro do outro, ele se distende, na imagem, necessariamente por um tempo ilimitado, assim como aquela unidade do possível e do efetivo, que está, sem tempo, no corpo orgânico, dissociada no reflexo, exige, para seu vir a ser, um tempo, que não poderia ter nem um começo nem um fim. Assim, portanto, nenhum finito é, em si, fora do Absoluto e apenas por si mesmo, singular, pois no Absoluto aquilo que no finito é ideal sem tempo é também real e, se aquela relação de possibilidade é a de causa e efeito, é ele que se põe essa relação e, se isso não ocorre sem o tempo, ele se põe seu tempo, e põe, aliás, aquilo de que põe apenas a efetividade sem a possibilidade como passado e aquilo de que põe a possibilidade sem efetividade como futuro; o que põe seu tempo, portanto, é seu conceito, ou a possibilidade, determinada por referência a um real singular, que ele contém, e cuja determinação exclui tanto o passado quanto aquilo que é futuro. No Absoluto, pois, em contrapartida, ser e não ser estão imediatamente juntos. Pois também as coisas não existentes e os conceitos dessas coisas não estão contidos, no eterno, diferentemente das coisas existentes e dos conceitos dessas coisas, ou seja, de uma maneira eterna. Inversamente, também as coisas existentes e os conceitos dessas coisas não estão no Absoluto de maneira diferente do que as coisas não existentes e seus conceitos, ou seja, em suas ideias. E toda outra existência é aparência. O conceito de nenhum singular está, em Deus, separado do conceito de todas as coisas, que são, foram ou serão, pois essas distinções não têm, com relação a ele, nenhuma significação. A possibilidade infinita, por exemplo, no conceito de um homem, está unida, nele, não somente com a efetividade infinita de todos os outros, mas também com a de tudo aquilo que decorre dela como efetivo, e por isso a vida singular, prefigurada nele, é pura e clara e muito mais santa do que sua própria vida, pois também aquilo que no singular aparece como impuro e confuso serve, entretanto, intuído na essência eterna, para o esplendor e a divindade do todo. Portanto, meu amigo, se compreendemos aquela unidade, que tu mesmo estabeleceste, em seu sentido verdadeiro e supremo, não pensaremos encontrá-la verdadeiramente, de maneira nenhuma, no conhecer finito, mas, antes, temos de acreditá-la muito elevada acima deste. Conheceremos, na essência daquele uno, que, de todos os opostos, não é nem um nem o outro, o pai eterno e invisível de todas as coisas, que, nunca saindo ele mesmo de sua eternidade, concebe infinito e finito em um e mesmo ato de conhecimento divino; e o infinito é o espírito, que é a unidade de todas as coisas; e o finito é em si igual ao infinito, mas, por sua própria vontade, um deus passivo e submetido às condições do tempo. E como esses três podem ser um em uma única essência, e mesmo o finito como finito está, igualmente sem tempo, junto do infinito, é o que acredito ter mostrado. LUCIANO Conduziste-nos, meu amigo, a penetrar a fundo na natureza do inconcebível; só desejo ver como, de lá, retomas à consciência, depois de a teres sobrevoado tão alto. BRUNO Embora eu não saiba, ó dileto, se me fazes desse sobrevoo da consciência, como tu o denominas, uma objeção ou não, quero entretanto dizer que não o considero assim, pois diz-me, primeiramente, se fiz outra coisa senão tomar a ideia, que tu havias estabelecido como princípio, em seu sentido supremo. LUCIANO Outra coisa, por certo, não fizeste, mas isso fizeste de tal modo que aquela unidade deixa de ser princípio do saber e, por isso mesmo, ao que parece, também princípio da filosofia, que é a ciência do saber. BRUNO Sobre isso, é certo, eu poderia não estar perfeitamente de acordo contigo, mas receio que entendas por saber algum saber subordinado, que, por isso mesmo, requer um princípio também subordinado. Vamos, pois, antes de tudo, saber onde buscas o saber. LUCIANO Ponho o saber justamente naquela própria unidade do pensar e do intuir, da qual partimos. BRUNO E inversamente determinas essa unidade como princípio do saber? LUCIANO Assim é. BRUNO Vejamos então, meu amigo, como pensas essa unidade, na medida em que é princípio do saber e na medida em que é o próprio saber. Diz-me, pois, primeiramente, peço-te, se queres que o ideal e o real, no princípio do saber, sejam um do mesmo modo como determinamos que o são no Absoluto, ou se pensas essa unidade, na medida em que está naquele, de outro modo. Do mesmo? Então não divergimos, e nesse caso afirmarás do princípio do saber o mesmo que nós do Absoluto, só que nesse caso poderias bem estar de acordo comigo, mas não contigo mesmo. Pois, se para ti está expressa no princípio do saber a mesma unidade absoluta que, para nós, está expressa no Absoluto, tu, com o próprio saber, sobrevoas o saber e a consciência. LUCIANO Tu não percebes que, embora saibamos, por certo, a unidade, na medida em que é princípio do saber, como absoluta, nós só a sabemos como absoluta justamente em sua referência ao saber, e assim a conhecemos como princípio do saber. BRUNO Não sei se te entendo. - O saber como unidade do pensar e do intuir é consciência. E o princípio da consciência é a mesma unidade, apenas pensada pura ou absolutamente; é a consciência absoluta, enquanto aquela é a consciência derivada ou fundada. É então tua opinião que não temos nenhum fundamento para, no filosofar, ultrapassar a consciência pura dada na consciência fundada ou considerar esta de outro modo, senão referida à consciência, da qual ela é princípio? LUCIANO Pois essa é exatamente minha opinião. BRUNO Portanto, afirmas também, necessariamente, que a unidade na consciência fundada é outra que na absoluta? LUCIANO Tão necessariamente quanto é necessário que, em geral, a unidade no princípio seja outra que naquilo de que ele é princípio. BRUNO Mas a unidade na consciência absoluta é a mesma que no Absoluto considerado pura e simplesmente. LUCIANO Correto. BRUNO Mas a unidade no Absoluto nós pensamos absolutamente? LUCIANO Com certeza. BRUNO E a unidade no saber, portanto, como não absoluta. LUCIANO Sem dúvida. BRUNO Logo, como relativa. LUCIANO Tens toda razão. BRUNO Mas, se relativa, então necessariamente ambos, ideal e real, como discerníveis. LUCIANO Necessariamente. BRUNO Mas no Absoluto pensamos ambos como indiscerníveis, totalmente indiferentes. LUCIANO Assim fizemos. BRUNO Mas, se indiscerníveis e como pura e simplesmente um, não será possível nenhuma determinação pela qual um deles, o ideal, por exemplo, seja posto como ideal, sem que, pela mesma determinação, também o outro, o real, seja posto como real, e vice-versa. LUCIANO Não se pode negá-lo. BRUNO Nunca será posto, portanto, nem um ideal puro nem um real puro? LUCIANO Jamais. BRUNO Sempre, portanto, apenas uma unidade relativa de ambos? LUCIANO Indiscutivelmente. BRUNO Assim sendo, do mesmo modo que ambos são um no eterno, também um deles somente face ao outro, o real somente face ao ideal, o ideal somente face ao real, poderá separar-se da unidade absoluta. Onde isto não ocorrer, não está posto nem um deles nem o outro, mas a unidade absoluta de ambos. Estás de acordo com isto? LUCIANO Do começo ao fim. BRUNO Então compreenderás também como é inevitável que, tão logo seja posta em geral uma unidade relativa, por exemplo, que o ideal se separe face ao real, seja posta imediata e necessariamente também a unidade oposta, portanto o ideal como separado pela referência ao real, e que, portanto, tão logo se deixe de considerar, em geral, a unidade absoluta, aquela unidade suprema tem também, necessariamente, de aparecer separada em dois pontos, um em que, pelo real, é posto o ideal, outro em que, pelo ideal, é posto o real como tal. LUCIANO Isso tudo é inegável; também se pode demonstrar imediatamente que, tão logo é posta uma consciência, ainda que seja apenas a de mim mesmo, aquela separação determinada por ti é necessária. BRUNO Mas o saber é uma unidade relativa? LUCIANO Assim admitimos. BRUNO Portanto, contrapõe-se a ele outra. LUCIANO Também isso concedo. BRUNO Como denominas aquilo que se contrapõe ao saber, portanto aquilo que não sei? LUCIANO O ser. BRUNO O ser, portanto, é uma unidade relativa, como o saber. LUCIANO É o que se segue. BRUNO Portanto, assim como o saber não é uma idealidade pura, tampouco o ser é uma realidade pura. LUCIANO Correto. BRUNO Mas nenhuma dessas duas unidades é algo em si, pois cada uma só é pela outra. LUCIANO Assim parece. BRUNO É óbvio; pois nem podes pôr um saber sem pôr imediatamente, ao mesmo tempo, um ser; nem um ser sem pôr imediatamente, ao mesmo tempo, um saber. LUCIANO Isso é óbvio. BRUNO Nenhuma das duas unidades, portanto, pode ser o princípio da outra. LUCIANO Nenhuma. BRUNO O saber, na medida em que é unidade relativa, pode tão pouco sê-lo do ser quanto o ser, na medida em que é unidade relativa, do saber. LUCIANO Concedido. BRUNO Não podes, pois, dissolver nenhuma dessas determinidades na outra; pois cada uma delas permanece e perece com a outra, de tal modo que, eliminando uma, suprimes também a outra. LUCIANO Sem dúvida, também não é essa minha opinião. BRUNO Queres, pelo contrário, dissolver ambas na consciência absoluta. LUCIANO Certo. BRUNO Consciência absoluta, porém, é a unidade somente na medida em que a consideras como princípio da unidade relativa determinada, que é o saber. LUCIANO Certamente. BRUNO Mas não há nenhum fundamento para considerar a unidade absoluta, preferencialmente, como princípio de uma das duas unidades relativas, por exemplo, do saber, e para, na unidade considerada dessa maneira, suprimir as oposições relativas, pois ela é princípio igual de ambas e, portanto, ou a consideras, também em referência ao saber, em si, e então não há nenhum fundamento para restringi-la, em geral, a essa referência, ou não a consideras em si, e então há igual fundamento para considerá-la na referência à unidade relativa contraposta, que é real do mesmo modo e igualmente originária. Por que, então, em vez de conheceres aquela unidade somente em referência ao saber, não a fazes, antes, universal, onipresente, totalizante, e não a difundes sobre tudo? Só acreditarei que tu a conheces verdadeiramente em si e tens a intuição intelectual dela quando a tiveres liberado também da referência à consciência. Nas coisas, nada vês além das imagens retardadas daquela unidade absoluta, e mesmo no saber, na medida em que é uma unidade relativa, nada mais vês do que uma imagem, apenas desviada em outra direção, daquele conhecer absoluto no qual nem o ser é determinado pelo pensar, nem o pensar pelo ser. LUCIANO Sobre este ponto poderíamos perfeitamente entender-nos, meu amigo, pois também nós remetemos a filosofia à consciência somente em vista da compreensão de que aquelas oposições do saber e do ser, ou como queiramos ainda exprimi-las, não têm, fora da consciência, nenhuma verdade e de que, sem levar em conta a consciência, há tão pouco um ser como tal quanto um saber como tal. E, como sobre o retardamento ou separação relativa e restabelecimento daquela: unidade, como tu mesmo disseste, repousa tudo aquilo que é comumente considerado como real, mas aquela separação mesma só é feita idealmente na consciência, tu vês por que essa doutrina é idealismo: não porque determina o real pelo ideal, mas porque faz da própria oposição entre ambos algo meramente ideal. BRUNO Certamente o compreendo. LUCIANO Mas, meu amigo, se estamos de acordo em admitir que, com relação à ideia suprema, aquela separação não tem verdade, o modo como aquele sair do eterno, com o qual está vinculada a consciência, pode ser compreendido, não somente como possível, mas como necessário, é um ponto que, além de ainda não teres demonstrado de modo nenhum, deixaste totalmente intocado. BRUNO Com razão exiges que eu fale desse ponto. Pois, ao quereres saber a unidade absoluta conhecida originariamente já na referência à unidade relativa do saber, por certo escapas àquela questão, que é somente um caso particular da investigação universal sobre a proveniência do finito a partir do eterno. Tua opinião, pois, parece-me ser, ó dileto, que eu, a partir do próprio ponto de vista do eterno e sem pressupor, além da ideia suprema, algo outro, chego à origem da consciência efetiva e da segregação e separação postas ao mesmo tempo em que ela. Pois também essa separação, juntamente com aquilo que é posto com ela, está, mais uma vez, compreendida naquela ideia e, por mais que o singular amplie o círculo de sua existência, contém e abrange, contudo, aquela eternidade, e ninguém transpõe o anel de bronze que está posto ao redor de todos nós. Assim, recorda-te que, naquela unidade suprema, que consideramos como o abismo sagrado do qual tudo provém e ao qual tudo retoma, em relação à qual a essência é também a forma e a forma também a essência, pomos, primeiramente, por certo, a infinitude absoluta, mas, não contraposto a esta, e sim pura e simplesmente adequado, suficiente, nem delimitado nem delimitando aquela, pomos o finito intemporalmente presente e o infinito, ambos como uma só coisa, só distinguíveis e distintos naquilo que aparece, mas em si mesmos, totalmente um, embora, segundo o conceito, eternamente diferentes, como o pensar e o ser, o ideal e o real. Mas nessa unidade absoluta - porque nela, como foi mostrado, tudo é perfeito e absoluto - nada é distinguível do outro, pois as coisas se distinguem somente por suas imperfeições e pelos limites que lhes são postos pela diferença entre a essência e a forma; naquela natureza perfeitíssima, porém, a forma é sempre igual à essência, porque o finito, somente ao qual cabe uma diferenciação relativa de ambos, não está contido nela como finito, mas como infinito, sem nenhuma distinção de ambos. Mas, porque o finito, embora de maneira real seja inteiramente igual ao infinito, idealmente não deixa de ser finito, está naquela unidade, igualmente, mais uma vez, a diferença de todas as formas, só que contida nela como inseparada da indiferença, na medida em que não é distinguível em relação a esta, embora contida de tal modo que cada um toma para si, a partir dela, uma vida própria e, embora idealmente, pode passar a um existir distinto. Dessa maneira dorme, como em um germe infinitamente fecundo, o universo com a abundância de suas formas, a riqueza da vida e a plenitude de seus desenvolvimentos, sem fim segundo o tempo, mas, aqui, pura e simplesmente presente, naquela unidade eterna: o passado e o futuro, ambos sem fim para o finito, mas aqui lado a lado, inseparados, sob um invólucro comum. Como o finito está compreendido naquela eternidade absoluta, que podemos também, como outros, denominar eternidade de razão, já expliquei há bom tempo, ó amigo. Se, portanto, o finito, embora finito por si mesmo, está igualmente junto do infinito, ele é, também como finito, portanto não com relação ao infinito, mas por si mesmo, diferença relativa de ideal e real; e põe, com essa diferença, primeiramente a si mesmo e seu tempo, e em seguida a efetividade de todas as coisas, cuja possibilidade está contida em seu conceito próprio. No entanto, compreenderás isto ainda mais imediatamente a partir daquilo que tu mesmo concedeste antes, ou seja, que a unidade do pensar e do intuir é onipresente, universal, de onde se segue que nenhuma coisa ou essência pode ser sem essa inseparabilidade, e nenhuma pode ser, como esta coisa ou essência, determinada, sem uma igualdade determinada do pensar e do intuir, e, depois de teres determinado este como diferença e aquele como indiferença, não poderia haver nenhuma, na qual não se encontrasse, como expressão do intuir, diferença e, como expressão do pensar, indiferença, e aliás à primeira corresponderia aquilo que denominamos corpo e à segunda aquilo que denominamos alma. Assim, pois, todas as coisas compreendidas desde a eternidade naquela finitude sem tempo, que está junto do infinito, são também imediatamente vivificadas por seu ser nas e tornadas mais ou menos aptas ao estado pelo qual se desprendem daquela, para si mesmas, mas não para o eterno, e chegam à existência temporal. Não acreditarás, pois, que as coisas singulares, as formas múltiplas dos seres vivos, ou aquilo que ainda distinguires, estejam efetivamente contidas como separadas, assim como tu as vês, no universo em e para si mesmo, mas antes que se separam meramente para ti e que para elas mesmas e para cada essência a unidade se desvenda na mesma medida em que se separaram dela; por exemplo, a pedra que tu vês está em igualdade absoluta com todas as coisas, mas também, para ela, nada se separa ou se destaca da noite fechada; em contrapartida, para o animal, cuja vida está nele mesmo, abre-se, mais ou menos, quanto mais ou menos individual for sua vida, o todo, e este, enfim, derrama diante do homem todos os seus tesouros. Elimina aquela igualdade relativa, e verás tudo reunir-se outra vez em um só. Mas não te parece que justamente esta consideração pode convencer-nos de como a existência de todos os seres pode ser compreendida a partir de um e mesmo fundamento e de que, portanto, há apenas uma única fórmula para o conhecimento de todas as coisas, ou seja, que cada coisa, com a oposição relativa do finito e do infinito, se separa da totalidade, mas naquilo pelo qual unifica a ambos, traz em si o cunho e como que a imagem do eterno, pois, porque a unidade do finito e do infinito, do real e do ideal, em sua perfeição, é a forma eterna e, como forma, ao mesmo tempo a essência do Absoluto, a coisa traz consigo, onde atinge aquela unidade relativa, uma aparência daquilo em que a ideia é também substância e a forma é o pura e simplesmente real. Logo, as leis do todo finito deixam-se compreender, em toda a sua universalidade, a partir daquela igualdade e oposição relativas do finito e do infinito, que, por certo, onde é viva, chama-se saber, mas, em sua expressão nas coisas, é, segundo o modo, a mesma que no saber. Entretanto, digo isto universalmente e, se alguém não o achar bastante claro sem a aplicação ao particular, isso pouco me admiraria. Do universo visível, pois, e da corporificação das ideias, parece-me que se tem de pensar do seguinte modo. Naquilo que denominaste o intuir, não há, em si, nenhuma diferença, mas somente na medida em que se opõe ao pensar. Em si e para si desprovido de toda forma e figura, ele é receptivo a todas, fecundado pelo pensar infinito com todas as formas e diferenças das coisas desde a eternidade, mas infinitamente adequado a ele, vinculado com ele em uma unidade absoluta, na qual todo o diverso se extingue e na qual, justamente porque contém tudo, nada de distinguível pode estar contido. Portanto, somente com relação à própria coisa singular, mas não com relação àquilo em que o pensar e o intuir, como dizes, são um, separam-se intuir e pensar em oposição (pois somente naquela o intuir não é suficiente ao pensar); mas, ao separar-se, trazem consigo à temporalidade aquilo em que ambos são um, a ideia, que então aparece como o real e, em vez de ser, como lá, o primeiro termo, é aqui o terceiro. Mas, em si, nem o pensar está sujeito à temporalidade, nem o intuir, mas cada um deles só o está por sua separação e unificação relativas de e com o outro. Pois, como já nos foi transmitido pelos antigos, aquilo que, em relação a todas as coisas, é receptivo à diferença é o princípio materno, e o conceito ou o pensar infinito é o princípio paterno; o terceiro termo, porém, que provém de ambos, nasceu e tem o modo de algo nascido, mas, participando igualmente da natureza de ambos e vinculando em si, outra vez, de maneira perecível, o pensar e o ser, imita ilusoriamente a realidade absoluta de que tirou sua origem, mas para si mesmo é necessariamente singular, porém, sendo singular e determinado apenas pela oposição relativa do real e do ideal, dos quais nenhum é feito mortal por si, mas cada um pelo outro, transmite também a coisa mesma ou o real à temporalidade. O nascido, portanto, é, necessariamente e ao infinito, finito, mas só o é em referência. Pois verdadeiramente, por si, nunca existe o finito, mas somente a unidade do finito com o infinito. Aquele finito, pois, considerado por si, é, com aquilo pelo qual é real, novamente essa mesma unidade e, com aquilo que nele é forma, a unidade relativa do finito e do infinito. E, quanto mais perfeita é uma coisa, mais se esforça por expor, já naquilo que nela é finito, o infinito, para, dessa maneira, igualar tanto quanto possível o finito em si ao infinito em si e para si. E quanto mais tem o finito, em sua essência, da natureza do infinito, mais adquire da imperecibilidade do todo e aparece como mais duradouro e permanente, mais perfeito em si e menos carente daquilo que está fora dele. Dessa espécie são os astros e todos os corpos celestes, cujas ideias são as mais perfeitas de todas as que estão em Deus, porque são as que mais exprimem aquele ser do finito junto do infinito, em Deus. Mas entende por corpos celestes a unidade primeira de cada um deles, somente da qual proveio a ele essa diversidade e separação das coisas singulares, da mesma maneira como proveio, da unidade absoluta, a diversidade infinita de todas as coisas. Como, portanto, cada corpo celeste não somente se esforça por expor em si o universo inteiro, mas o expõe efetivamente, também todos eles são, por certo, suscetíveis de infinitas transformações, como um corpo orgânico, mas em si mesmos são incorruptíveis e imperecíveis e, além disso, livres, independentes como as ideias das coisas, desvencilhados, autossuficientes, em poucas palavras, animais sagrados e, comparados com os homens mortais, deuses imortais. Mas, para compreenderes o modo como o são, nota o seguinte. A ideia de cada um deles é absoluta, liberta do tempo, verdadeiramente perfeita. Mas aquilo que, no fenômeno, unifica o finito que está neles com o infinito e produz aquela realidade derivada, de que já falamos antes, é a imagem imediata da própria ideia, a qual, tão pouco suscetível de diferença como esta, põe, de maneira eternamente igual, o universal no particular, o particular no universal. Em si, por certo, é unidade pura e simples, não nascida nem condicionada, mas, na referência à oposição, produz unidade. E a oposição, como sabes, é a do finito e do infinito. E o próprio finito está, decerto, para o infinito, mais uma vez, como diferença para indiferença. Mas ao finito por si não cabe nenhuma realidade; ele tem, antes, com a substância, uma relação tal, que somente multiplicado por seu quadrado se toma igual a ela. E o que entendo por seu quadrado, por certo já poderás adivinhar, em parte, a partir do que precede, e mais tarde se tomará ainda mais claro para ti. Exatamente àquilo que denominaste, nas coisas, o finito, está oposto o infinito. E este, na medida em que se refere imediatamente àquele finito, é também apenas o infinito desse finito; não a unidade infinita de todo finito, mas a unidade relativa desse finito, ou o conceito que imediatamente só se refere a este, como sua alma. Essa unidade relativa, à qual, como ao universal em cada coisa, está vinculado o finito, como o particular, por aquilo em que unidade e oposição são inseparados, é aquilo pelo qual a coisa se separa da totalidade das coisas e, persistindo em sua separação, é eternamente a mesma, diferente de outras, somente igual a si mesma. Mas a primeira condição sob a qual o infinito em si e para si pode ser o infinito desse finito, com exclusão de todo outro, é que esse próprio finito seja pura e simplesmente finito, e não infinito. Não somente o infinito é posto aqui na referência ao finito, mas também aquilo que vincula ambos e do qual admitimos que é uma imagem do eterno. Mas aquilo que se origina da referência do finito, infinito e eterno ao finito, se os dois primeiros se tomam absolutamente iguais, é o espaço, a imagem eternamente em repouso, nunca movida, da eternidade. E o conceito que se refere imediatamente ao finito é expresso na coisa pela primeira dimensão ou o comprimento puro. Pois, que a linha, na extensão, corresponde ao conceito no pensamento, tu o reconhecerás também a partir disto: que, primeiramente, ela é, considerada por si, infinita, e não contém em si nenhum fundamento de finitude; além disso, que ela é o supremo e o mais puro ato de separação da totalidade do espaço, a alma de todas as figuras, razão pela qual os geômetras, incapazes de derivá-la ou de fazê-la nascer da totalidade, a postulam, como que para assinalar que ela é antes uma ação do que um ser. E aquele ato de separação é, por assim dizer, aquilo que turva a unidade universal, e com ele tudo, como particular, se precipita para fora daquilo em que nada é discernível; pois, como a unidade nele se toma relativa e oposta à particularidade, também não pode ser posta nele a igualdade absoluta, mas apenas a igualdade relativa de sujeito e objeto. E sua expressão na coisa é aquilo pelo qual esta é una consigo mesma, e se coliga, assim como vemos que, em virtude da igualdade relativa da natureza, o ferro se liga ao imã e cada coisa àquilo que lhe é aparentado mais de perto ou mais semelhante à sua natureza. Mas, porque a unidade relativa não pode existir a não ser na referência a um finito singular ou à diferença, está unificada com a primeira dimensão necessariamente a segunda. Vês, pois, que, assim como a unidade absoluta da oposição e da unidade é o eterno, assim aquilo em que são distinguidos a unidade, a oposição e aquilo em que ambas são unificadas é o nascido. A imagem desdobrada das relações internas do Absoluto é, portanto, o arcabouço das três dimensões, cuja igualdade absoluta é o espaço. Contudo, na continuação, isso se tornará ainda mais claro. O conceito, pois, dissemos nós, na medida em que se refere imediatamente apenas a este finito determinado, é também, ele mesmo, finito, e somente a alma deste singular. Em si, porém, é infinito. E o finito está para o conceito finito assim como a raiz para seu quadrado. E na medida em que, como infinito, está fora da coisa, na medida em que esta não tem o tempo em si mesma, ele é necessariamente sujeito ao tempo. Pois uma imagem constantemente movida, eternamente nova, harmoniosamente fluente do pensar infinito é o tempo, e aquela própria igualdade relativa de uma coisa é, nela, a expressão do tempo. Onde, pois, aquela igualdade se torna viva, infinita, ativa, e aparece como tal, ela é o próprio tempo e, em nós, por certo, aquilo que denominamos autoconsciência. Mas na coisa, na medida em que não lhe está absolutamente vinculado o conceito infinito, há somente a expressão morta daquela linha viva, e o ato mesmo, que se exprime nela pela unidade que ela tem consigo mesma, permanece oculto no infinito. Portanto, por esse modo de a unidade ser igual a si mesma e, dessa maneira, sujeito e objeto de si mesma, a coisa, assim como está subordinada ao tempo, subordina-se também ao reto. E apenas para si mesma ou idealmente ela é singular e exterior ao conceito infinito, mas realmente ela só é por aquilo pelo qual é vinculada àquele e acolhida na totalidade das coisas. Na medida, pois, em que ela afirma meramente a igualdade relativa consigo mesma, o universal e o particular não lhe estão vinculados de outro modo, senão como a linha ao ângulo, portanto em triângulo. Mas, na medida em que é vinculada ao conceito infinito das coisas, que está para o finito nela assim como o quadrado para sua raiz, esse conceito só pode ser-lhe vinculado como seu quadrado. Ser-lhe vinculado, no entanto, este só pode através daquilo em que o universal e o particular são absolutamente um e que, por si mesmo, como sabes, não é suscetível de nenhuma diferença; a coisa, pois, já que só existe como tal pela oposição do universal e do particular, não é igual àquele uno, que não tem oposição, nem se confunde com ele, mas, separada dele, está, antes, em relação de diferença com ele. Por isso, com relação à coisa, aquele não aparece como aquilo que existe, mas como aquilo que é fundamento de existência. Mas se o quadrado é multiplicado por aquilo de que é quadrado, nasce a raiz, que é a imagem sensível da ideia ou da unidade absoluta da oposição e da própria unidade. Contudo, tu o compreenderás melhor da seguinte maneira. O real que aparece, do mesmo modo que o real verdadeiro, só pode ser um real que vincule infinito e finito. Pois tanto a unidade por si quanto a diferença por si são determinações meramente ideais, e só é real nas coisas o que nelas é expresso da unidade daqueles dois. E, como aquele, nas coisas, é exposto pela primeira dimensão e este pela segunda, a unidade de ambos tem de exprimir-se, da maneira mais perfeita, por aquilo em que as duas primeiras se extinguem, que é a espessura ou a profundidade. E aquele princípio, com o qual as coisas, por certo, aparecem em relação de diferença, e que vincula nelas a alma ou a expressão do pensamento infinito ao corpo, é o peso; sujeitas a este, no entanto, elas só são na medida em que o tempo não está nelas mesmas e não se torna vivo nelas. Mas na medida em que isto ocorre elas são autônomas, vivas, livres, absolutas em si mesmas, como os corpos celestes. O peso, entretanto (pois é necessário sabê-lo de antemão), que acolhe incessantemente a diferença na indiferença universal, é em si indivisível e, por isso, mesmo quando uma coisa sensível é dividida, o peso não é dividido e, em si, não é aumentado nem diminuído; sendo, além disso, de tal natureza, que é a indiferença do espaço e do tempo, não pode ser oposto a nenhum dos dois e, com o aumento do espaço (que é expressão da diferença), não pode diminuir, nem com sua diminuição aumentar. E também, quanto mais uma coisa se separa da totalidade, menos aspiração ou esforço há nela, considerada idealmente, para retomar à unidade de todas, mas, com isso, o peso não se altera e é, imóvel, igual em relação a todas. Ora, o que determina as coisas para o meramente reto e para o conceito finito é a parte inorgânica, o que lhes dá forma ou as determina para o juízo e para o acolhimento do particular no universal é a parte orgânica, mas aquilo pelo qual elas exprimem a unidade absoluta do universal e do particular é a parte racional. Por isso, aquilo que, em cada coisa, requeremos para sua efetividade pode ser exprimido por três graus ou potências, de tal modo que cada coisa exprime o universo à sua maneira. Mas o que é terceiro nas coisas singulares é em si o primeiro, estabelecemos antes; por si pureza suprema, clareza não turvada, turvada nas coisas por aquilo que até agora denominamos unidade e oposição, mas que, se for viva, podemos denominar autoconsciência e sensação. A dimensão real, contudo, é somente a razão, que é a imagem mais imediata do eterno, o que o espaço absoluto só é na referência à diferença. Mas a unidade relativa e a oposição, sendo, como já foi dito, meras determinações formais, fazem a unidade pura, justamente por turvá-la, preencher o espaço. Contudo, até agora, falei mais das coisas mais imperfeitas, que têm o conceito infinito fora de si, mas volta-te agora para a consideração das mais perfeitas, que outros denominam, por certo, corpos celestes, mas que nós queremos denominar animais sensíveis e inteligentes. Pois é óbvio que seu tempo lhes é inato e o conceito eterno lhes é dado como a alma que dirige e ordena seus movimentos. Expondo o infinito naquilo mesmo que nelas é finito, elas exprimem as ideias como ideias e vivem, não uma vida dependente e condicionada, como coisas submetidas ao conceito, mas uma vida absoluta e divina. Mas como, naquele finito que está junto do infinito em si e para si mesmo desde a eternidade, pode estar contido um inumerável de infinita plenitude, que, por sua vez, é a unidade na qual se alia a potência de coisas inumeráveis - isto não te será inconcebível, segundo o que também estabelecemos antes. Mas pela mesma lei, pela qual uma coisa se separa da unidade suprema, ela partilha, também, gerando por sua vez uma infinidade de coisas, da perfeição da primeira unidade, e exala, em seres inumeráveis, aquilo que ela mesma recebeu de cima. Dessa maneira tudo o que é tem uma unidade da qual tirou sua origem e da qual está separado pela oposição relativa do finito e do infinito em si mesmo; no entanto, também aquela unidade, por sua vez, brotou de uma superior, que contém a indiferença de todas as coisas que estão compreendidas nela. Mas, ou uma coisa tem o ser em si mesma e é para si mesma a substância, o que só é possível se nela o finito é igual ao infinito, de tal modo que, embora em sua separação, possa mesmo assim, expor em si o universo; ou não é para si mesma a substância, e assim é constantemente forçada a estar somente onde pode estar e a retomar à unidade da qual foi tirada. Mas a diferença pura em uma coisa ou o puramente finito é aquilo pelo qual, em geral, a aparência de uma ideia está no espaço, mas, da verdadeira ideia, é uma parte-tal que somente multiplicada três vezes por si mesma se torna igual a ela; e como, além disso, a grandeza daquela diferença determina também a grandeza da distância entre uma coisa no espaço e a unidade, também esta tem com a verdadeira imagem que preenche o espaço a mesma relação que a diferença pura tem com a Ideia. Mas a distância não é nem real nem meramente ideal, mas é sempre ideal onde uma coisa não é para si mesma a substância, pois também as coisas diversas, que vês vinculadas a um todo como a Terra, estão para esta como a unidade, mas cada uma pesada a partir de uma distância determinada, o que determina então a grandeza de seu peso particular. E o tempo, a unidade viva, é, como sabes, vinculado no peso à diferença, e da vinculação da unidade com a diferença origina-se a medida do tempo, o movimento; onde, pois, uma coisa não tem a substância em si mesma, move-se necessariamente em direção àquilo em que está para ela o ser, mas isso de tal modo que o tempo do movimento não é igual à distância (que é a expressão sensível da diferença), mas ao quadrado da distância, e, por isso, inversamente, ao mover-se em direção àquilo em que está, os tempos diminuem e os espaços se tornam iguais aos seus quadrados. Ora, no tocante ao mais perfeito, que tem o ser e a vida em si mesmo, a diferença, ou aquilo que nele é puramente finito, não deixa de ser oposta ao infinito segundo o conceito, embora realmente e em relação à substância lhe seja absolutamente igual. Mas, na medida em que é idealmente oposto ao infinito, este está para ele como seu quadrado, e, nessa medida, ele determina também aquilo do qual ele é o finito, a linha de seu distanciamento da imagem da unidade. Mas, realmente ou em relação àquilo que é para si mesmo a vida, o finito está vinculado ao infinito nele, de tal maneira que este não está mais para aquele como seu quadrado, mas como o plenamente igual está para o plenamente igual. Inversamente, aquele só pode ser a substância para si mesmo se a linha de sua distância se torna viva nele, mas viva ela só se torna se a diferença ou o puramente finito nele se torna igual ao conceito infinito, o qual, como é o tempo, unifica a distância e a transforma em translação. Dessa maneira foram implantados nas esferas seus tempos, e elas próprias orientadas por sua natureza celeste a serem, por movimentos circulares, a imagem sensível do todo que, embora ampliando-se por todas as naturezas, retoma constantemente à sua unidade. Pois aquilo pelo qual se separam e se distanciam da imagem de sua unidade e aquilo pelo qual são acolhidas no conceito infinito não estão separados nelas, como nas coisas terrestres, nem divididos em forças conflitantes, mas harmoniosamente vinculados; e, como somente elas são verdadeiramente imortais, também somente elas fruem, na existência separada, da bem-aventurança do universo. Mas em sua própria translação, que é a exterminação de toda oposição e a pura identidade, a própria autonomia absoluta, respiram a paz divina do verdadeiro mundo e o esplendor dos primeiros motores. Observa, pois, meu amigo, o sentido das leis, que um entendimento divino parece ter-nos revelado. (Isto se refere às leis de Kepler. Para pressentir seu sentido especulativo, é preciso tê-las conhecido antes, libertas de suas posteriores desfigurações empíricas e em sua pureza. Quanto a isso podemos, com convicção, remeter aos primeiros trabalhos de um amigo: o positivo da perspectiva ali expressa sobre essas leis é conforme ao esquema geral de construção, que é dominante neste diálogo; pois, segundo essa perspectiva, as três leis de Kepler relacionam-se, em geral, como indiferença, diferença e aquilo em que ambas são reconstruídas na unidade, totalidade; dessa maneira exprimem completamente o inteiro organismo racional e formam um sistema fechado em si. Isso pode ser o astro-guia provisório para o entendimento das palavras de Bruno, para aqueles que não quiserem esperar pelas outras explicações, a serem fornecidas em outra parte. Nota do Autor) Um ser que é autônomo, igual a Deus, não está subordinado ao tempo, mas força este a lhe ser submisso e faz dele seu súdito. Igualando, além disso, o finito em si ao infinito, modera o tempo poderoso, de tal modo que este, não mais multiplicado por aquilo do qual é o quadrado, mas por si mesmo, se torna igual à verdadeira ideia. Dessa moderação do tempo origina-se a medida celeste do tempo, aquele movimento em que o espaço e o tempo mesmos são postos como grandezas plenamente iguais, que, multiplicadas por si mesmas, engendram aquele ser de espécie divina. Penso, pois, a própria translação como pura e simplesmente inteira, simples, não como composta, mas como unidade absoluta, da qual aquilo pelo qual uma coisa está na unidade e que é comumente denominado peso e aquilo pelo qual está em si mesma e que é considerado como o oposto do peso, são plenamente as mesmas formas, ambas o mesmo todo, uma só coisa; pois nem pode uma coisa, estando na unidade, estar distanciada dela em si mesma, nem, estando em si mesma, estar na unidade, a não ser que o finito nela seja absolutamente vinculado ao infinito; mas, uma vez vinculados dessa maneira, estes não podem nunca e de maneira nenhuma separar-se e mesmo aquilo que distinguimos no movido nunca é um ou o outro, mas sempre e necessariamente a própria unidade do finito e do infinito. Nenhuma das esferas, pois, é distanciada de sua unidade nem vinculada com ela por algo outro do que sua própria excelência inata, que consiste em saber fazer daquilo pelo qual é separada a própria unidade absoluta e, inversamente, da própria unidade aquilo pelo qual é separada. E, se o movido por si mesmo pudesse, de tal maneira plenamente igual, acolher a diferença em si na indiferença e, inversamente, a indiferença em sua diferença, nasceria aquela figura que é a mais completa expressão da razão, da unidade do universal e do particular, a linha circular. Se essa forma fosse universal, aqueles animais celestes descreveriam, em tempos iguais, curvas plenamente iguais, e aquela diferença do espaço e do tempo, que tu viste no movimento do singular em direção à sua unidade, na queda, seria totalmente exterminada. Mas então seriam todos igualmente perfeitos; mas a beleza inata que se manifesta neles quis universalmente que naquilo pelo qual ela se tornaria visível restasse um vestígio do particular, para que, dessa maneira, também a contemplassem os olhos mais sensíveis, que, conhecendo-a nas coisas particulares, ficariam encantados, e os olhos não sensíveis, inferindo a partir dessa unidade, expressa na própria diferença e inextinguível, chegassem à intuição da beleza absoluta e de sua essência em e para si mesma. Também por isso, ao desvelar seu rosto no céu para os olhos sensíveis, ela quis que aquela igualdade absoluta que rege os movimentos das esferas aparecesse separada em dois pontos, em cada um dos quais, por certo, estivesse expressa a mesma unidade de diferença e indiferença, mas em um deles a diferença fosse igual à indiferença, no outro a indiferença à diferença, e assim a verdadeira unidade, decerto segundo a coisa, embora não segundo a aparência, estivesse presente. Dessa maneira ocorre, primeiramente, que as esferas se movem em linhas que, embora retomem a si mesmas, como a linha circular, não se descrevem, como esta, em torno de um único centro, mas em torno de dois focos separados, que se equilibram mutuamente e dos quais um, por certo, preenche a imagem luminosa da unidade da qual foram tirados, mas o outro exprime a ideia de cada um na medida em que é, para si mesmo, o todo absoluto e autônomo, para que desse modo, na própria diferença, seja conhecida a unidade e a própria fatalidade de cada um, de ser, como essência particular, absoluto e, como absoluto, algo particular. Mas, porque a diferença só é para o fenômeno e verdadeiramente ou em si não poderia haver nenhuma, aquelas criaturas celestes foram ensinadas, por uma arte verdadeiramente divina, ora a moderar e reter o curso de seus movimentos, ora a seguir livremente seu impulso imanente e, para que desse modo tempos e espaços se tornassem outra vez iguais e a distância, que somente por sua igualdade com o tempo inato é viva, não deixasse de ser viva, de percorrer na maior distância uma curva menor no mesmo tempo em que, na menor, a curva maior é percorrida. Por essa sabedoria mais que mortal, que na própria diferença preserva a igualdade, ocorre que os astros, cujas rotas na aparência são linhas circulares suprimidas, descrevem contudo, verdadeiramente e segundo a ideia, rotas circulares. Mas isto tudo, meu amigo, que mencionei até agora sobre a ordenação e os movimentos celestes, explicitá-lo de acordo com a dignidade do objeto nos conduziria mais longe do que aquilo mesmo em função do qual esta investigação foi empreendida. Contudo, daquelas coisas, poderemos também falar na continuação. Mas nenhuma fala mortal é capaz de louvar dignamente aquela sabedoria celeste ou de medir a profundidade do entendimento que é intuído naqueles movimentos. Mas se queres que eu diga, ó amigo, segundo que leis são determinadas a ordem, o número, a grandeza e as demais propriedades cognoscíveis dos astros, digo que, no tocante à ordem, a mesma matéria está no todo, apenas transformada diversamente, mas no interior deste há duas regiões diferentes, uma que é habitada por aquelas esferas às quais o tempo está enlaçado mais perfeitamente do que às restantes e cuja unidade mais se aproxima da absoluta, e outra em que vivem aquelas que têm o tempo menos perfeitamente em si mesmas e são menos autônomas. E, como toda coisa à qual o tempo está vitalmente vinculado traz também a expressão exterior disso, que é a linha e, em vinculação com a matéria, a coerência e a firmeza, também em cada uma dentre aquelas que são as mais perfeitas está implantado, primeiramente, o cunho do tempo, a linha, que denominamos seu eixo, e cujos pontos extremos são designados por sul e norte; mas, em seguida, o mesmo está também expresso no todo, de tal modo que todas juntas formam uma linha comum e, segundo a colocação que tomam nesta, mostram um grau maior ou menor de coerência e de unidade consigo mesmas, mas os pontos extremos do todo se relacionam, mais uma vez, como sul e norte. Aquelas esferas, pois, que expõem no todo a vinculação de sul e norte são construídas de matéria mais firme e mais duradoura, mas ordenadas entre si de tal modo que no interior daquela vinculação todas as regiões do céu se aliam e toda vinculação é exposta por três astros, dos quais o primeiro, que é o menos distanciado da imagem da unidade, pertence a uma delas, o terceiro ou o mais distanciado pertence à oposta e o médio expõe a indiferença de ambos nessa vinculação, de tal modo que nenhum é essencialmente diferente do outro, e o número de todos os astros que estão no interior dessa vinculação poderia tornar-se igual ao número doze. A estes, pois, são outorgados os movimentos mais perfeitos. Mas, assim como estes, tomados em seu todo, expõem a vinculação de sul e norte, assim aqueles que habitam a segunda região expõem a de leste e oeste, embora de tal modo que, no próprio interior dessa oposição, mais uma vez todas as regiões do céu, de cada uma das quais há necessariamente uma expressão em cada coisa corpórea, se entrelaçam e vinculam. Mas estes, porque trazem em si uma espécie de unidade que é menos absoluta, justamente porque é a que menos se separa da absoluta, afastam-se mais ou menos, justamente por isso, do movimento perfeito. Mas encontrar a lei de seu número, que aumenta em grandes proporções, poderia ser impossível a todos. Mas segundo que ordem, além disso, entre aqueles que têm em si mesmos a vida mais perfeita, aumentam as distâncias, já poderia conceber alguém que continuasse a meditar a partir do que foi anteriormente tratado por nós, mas ainda mais se tivesse conhecido os segredos do triângulo. Mas, no tocante às massas e densidades, foi do agrado daquela arte celeste que, tomadas no todo, as massas maiores ocupassem o centro e as mais densas fossem as mais próximas da unidade de todas ou da imagem da unidade, mas também no singular, digamos, entre três astros de uma única ordem, ao que se destaca mais pela densidade se seguisse o que se caracteriza pela maior massa e a este um da espécie que, entre eles, mais se afasta em seu curso da linha circular. Mas no universal, no tocante a este último ponto, há a seguinte lei. As coisas no universo, em geral, são mais ou menos perfeitas quanto mais ou menos lhes está incorporado o tempo. Mas este está incorporado em todas as que se destacam das outras. Pois, por certo, na coisa singular, dissemos nós, a expressão do tempo é a linha ou o comprimento puro e, portanto, aquela que exprime em si com maior perfeição o comprimento é também, de todas as coisas meramente corpóreas e singulares, a que tem o tempo em si mais perfeitamente do que as outras. Mas, se o tempo como tempo lhe está vinculado viva e ativamente, tem também de estar contida em seu conceito, mais ou menos, a possibilidade de outras coisas. De onde vemos que aquela pedra que os antigos denominavam pedra de Héracles, mas a posteridade denominou ímã, embora pareça singular, tem um conhecimento e sentimento de outras coisas, que move e atrai para si ou repele de si; além disso, também a mudança das estações do ano não lhe é alheia, igual à ave de arribação que dirige o voo para outro clima, e é, também, um indicador do tempo e, igual aos astros, apenas mais imperfeitamente e subordinando-se à unidade que está fora dela, tem seus anos e dias. Mas, se o tempo não lhe está mais perfeitamente incorporado, o fundamento disso está na imperfeição de seu corpo ou daquilo que nela é diferença pura. Portanto, primeiramente, quanto mais o tempo está vinculado a uma coisa, menos precisa ela da unidade fora de si, pois é para si mesma a unidade, mas também menos pode fazer parte daquelas que estão mais sujeitas ao peso e que são as mais densas. Inversamente, as mais densas, justamente por isso, terão o tempo mais imperfeitamente em si mesmas, mas as que menos trazem em si do tempo são também as menos individuais e separadas da unidade, portanto menos sujeitas ao peso, que exige, do lado da coisa, uma relação de diferença. Aplica isto aos astros, e conceberás por que aqueles nos quais o tempo está mais perfeitamente implantado, e que são, portanto, os mais excelentes e mais perfeitamente exprimem a unidade que está neles, mesmo em seus movimentos, fazem parte dos menos densos e, inversamente, por que os mais densos, como têm o tempo imperfeitamente em si mesmos, se afastam mais que aquele do modo mais belo de movimento, enfim, por que aqueles que menos trazem em si da expressão do tempo, forma e figura, e que mais se afastam do mais belo movimento, são também os menos densos, não porque precisem menos da unidade, mas porque se separaram menos dela. E aqui está, pois, o segredo das diferenças que são percebidas nas coisas celestes, quanto à perfeição com que imitam a figura mais bela em seus movimentos. E depois que, dessa maneira, tudo foi ordenado, segundo medida e número, para o mais belo, e foi outorgada a cada uma das esferas uma dupla unidade: a primeira pela qual ela seria absoluta para si mesma e mais semelhante àquela unificação perfeitíssima do finito com o infinito em Deus, cuja ideia podemos denominar o animal absoluto, portanto orgânica, livre e viva; a outra, pela qual, no Absoluto, e com aquilo que nela é diferença, ela seria acolhida na unidade; depois que, além disso, foi do agrado da sabedoria celeste que a igualdade das duas unidades só estivesse contida na diferença - foi então encerrada, ao mesmo tempo que a diferença, também a separação em coisas que, como diferença, somente suscetíveis de acolhida na indiferença e, pelo modo imperfeito de terem em si o tempo, totalmente sujeitas ao peso, apareceriam como mortas e inanimadas, e naquelas em que a própria diferença seria indiferença e que, tendo o tempo e a vida mais perfeitamente em si mesmas, seriam vivas e orgânicas, e exprimiriam aquela unidade das esferas, pela qual são para si mesmas o todo, e livres e racionais, mais perfeitamente dentre todos os seres singulares. Dessa maneira as esferas celestes, ao se separar de sua unidade aquilo que estava determinado a viver em outro, foram povoadas ao mesmo tempo com seres vivos de toda espécie e de toda perfeição que estava contida naquela primeira unidade, mas isso pela mesma deliberação que fez suas rotas se desviarem mais ou menos da linha circular. E, quanto mais perfeitamente uma esfera unificava a unidade pela qual é orgânica com aquela pela qual é inorgânica, tanto mais necessariamente se aproximava do arquétipo do movimento. Mas, no centro de todas, na imagem de sua unidade, acendeu-se a luz imortal, que é a ideia de todas as coisas. Pois, como a ideia, que é forma, é igual à substância, e aliás é a própria substância, teria também de estar expressa, naquilo em que todas as coisas do universo são um segundo a substância, a ideia de todas. Portanto, para que aquela unidade da essência com a forma se tornasse manifesta, a arte celeste criou aquele astro de tal modo que ele fosse inteiramente massa e inteiramente luz, o foco do mundo ou, como dizem outros, a sagrada sentinela de Zeus; mas, como ele mesmo é tirado de uma unidade superior e, nessa medida, é um singular, ela exprimiu aquilo que nele é diferença por lugares escuros que espalhou sobre seu brilho. Mas porque a luz, como a ideia, é ao mesmo tempo a indiferença do espaço e do tempo, foi ordenado ainda que ele, primeiramente, descrevesse o espaço em todas as direções sem preenchê-lo e iluminasse todas as coisas, e em seguida que ele fosse o facho e o indicador do tempo e a medida tanto dos anos como dos dias. Pois o sol, além de ser a indiferença de todas as coisas que estão contidas em seu universo, esforça-se ainda, constantemente, por entrar em conexão com aquilo que, nas outras esferas que se movem em torno dele, é diferença pura, por continuar através delas sua própria unidade relativa e por continuar a crescer através delas ou, em poucas palavras, por tornar-se um com elas da mesma maneira como uma coisa é una consigo mesma. Mas, quanto mais perfeitamente é inato a uma coisa o tempo, tanto mais ela é igual a si mesma, de onde vemos que a Terra, exprimindo o cunho do tempo vivo mesmo naquilo que nela é morto, unifica a diferença pela unidade do conceito e da linha, que é a expressão de sua autoconsciência e que, aliás, se expõe no fenômeno como o eixo, cujos pontos extremos são designados por sul e norte. Vinculando dessa maneira o particular em si ao universal, ela se esforça ao encontro do sol, que procura pôr aquele como particular e unificá-lo com a expressão do tempo, que tem em si mesmo. Mas, como a Terra e toda outra esfera põem a igualdade relativa consigo mesma, que consiste na unificação da diferença nela ao conceito, na direção do comprimento, o sol, ao buscar vincular o particular de cada uma com seu conceito, esforça-se por produzir igual unidade relativa na direção da largura. Mas, porque cada esfera se opõe a esse esforço por sua vida própria, foram feitos, primeiramente, o dia e a noite (pois aquele esforço do sol faz cada esfera mover-se em torno de si mesma), mas o ano foi separado do dia e foi impedido que o tempo inato e vivo de cada uma fosse posto como um e igual ao tempo a que está submetido. Pois, se o sol fosse um com uma esfera da mesma maneira como uma coisa é una consigo mesma, aquela, no mesmo tempo em que se move uma vez em torno de si mesma, faria também sua translação em torno do sol, e o ano, portanto, seria igual ao dia e uma das metades da Terra nem veria o rosto do sol, nem a clara luz, assim como notamos que aquelas das esferas inferiores, que denominamos luas, voltam para aquelas com as quais estão em conexão sempre o mesmo lado e têm um único tempo de movimento em torno de si mesmas e de translação em torno destas. Mas a diferença da Terra, que só é vivificada por sua vinculação com o conceito e a alma da Terra, se fosse vinculada à unidade relativa do sol, sofreria a morte total. Dessa maneira, pois, assim como o descrevemos, está o universo entrelaçado consigo mesmo e esforça-se por tornar-se sempre mais semelhante a si mesmo e um só corpo e uma só alma. Mas, do mesmo modo que, em um animal, a alma se separa em membros multiformes, cada um dos quais tira dele sua alma particular, e todo singular, embora vinculado ao todo, vive para si mesmo, assim também, no universo, para que fosse um na pluralidade e finito na infinitude, foi dado a cada um seu tempo particular, mas o todo foi de tal forma copiado de Deus, que tem o tempo absolutamente em si mesmo e, portanto, ele mesmo não está em nenhum tempo e é um animal instituído de tal modo que nunca pode morrer. Ora, a ideia eterna de todas as coisas corporais, meu amigo, denominamos a luz. E onde, em uma coisa, o finito se torna igual ao infinito, está nele expressa também a ideia ou aquele conhecer absoluto no qual não há nenhuma oposição do pensar e do ser. Além disso, a forma em tal coisa é a substância, a substância a forma, ambas inseparáveis. Mas, quanto mais uma coisa é singular e persiste em sua singularidade, tanto mais se separa do conceito eterno de todas as coisas, que fica na luz fora dela, como o conceito infinito no tempo, mas ela mesma pertence àquilo que não é, mas é fundamento de existência, a noite primordial, mãe de todas as coisas. Mas a luz, que é vista com olhos sensíveis, não é a própria indiferença de pensar e ser, considerada pura e simplesmente, mas é essa indiferença na medida em que se refere a uma diferença, como a da Terra ou de outra esfera; e, conforme um corpo terrestre se separa da totalidade da Terra, é necessariamente intransparente, mas, quanto menor o grau de separação, necessariamente mais transparente. Mas, no tocante aos graus de vivificação, digo que uma coisa, na proporção em que tem o tempo e a luz em si mesma, é também vivificada. Ora, a forma como forma não é a alma da coisa, mas, quanto mais é perfeita, mais é igual à substância; mas a alma é o conceito da coisa, que, aliás, considerado finitamente, é determinado também a ser apenas a alma da coisa existente singular. Faz parte, portanto, da alma de cada coisa do universo somente aquilo que a coisa expõe deste. E a coisa meramente corpórea é, como sabemos, necessariamente e ao infinito, uma coisa singular. O ser orgânico, em contrapartida, no qual a luz e a forma se tornam a própria substância, contém em seu conceito a possibilidade de infinitas coisas além da singular, seja a possibilidade de si mesmo em infinitos engendramentos pela propagação, ou a possibilidade de outras coisas, que são diferentes dele e que ele vincula consigo por movimento, ou, enfim, a possibilidade de outras coisas que ao mesmo tempo são diferentes dele e no entanto estão nele, na medida em que lhe está incorporada a ideia, que, aliás, na referência a uma diferença, é o que intui. Mas, porque os seres orgânicos, embora tendo o conceito infinito e a vida em si mesmos, tinham de tomar de fora, para si, a diferença, que seria de cada vez adequada àquele conceito, e a condição da vida, por isso eles foram, primeiramente, tornados dependentes, carentes, em seguida também suscetíveis de doença, sujeitos à velhice e mortais, de tal modo que não podem, de maneira nenhuma, tornar-se iguais a excelência das coisas celestes. Mas, trazendo em si mais ou menos imperfeitamente a unidade pela qual a Terra é para si mesma a substância, os seres orgânicos relacionam-se com aquela unidade como com seu fundamento, sem serem ela mesma, e são, por certo, em suas ações, racionais, mas não pela razão que reside neles mesmos, mas pela que reside no universo e que se exterioriza neles como sua força de gravidade. Mas, como são singulares e necessariamente imperfeitos pela oposição do ideal e do real, da alma e do corpo, todas as suas ações dirigem-se à unidade, mas não por si mesmas, e sim pelo princípio divino que as guia. Mas este lhes deu tal unidade com todas as coisas que fazem parte de sua existência, que eles se sentem nessas coisas, e de todas as maneiras se esforçam por torná-las um consigo. Uma verberação da arte viva que constrói todas as coisas foi-lhes também outorgada e foi-lhes ensinado alcançar, por ações mais ou menos compostas, a indiferença do pensar e do ser, que não têm em si, fora de si, em obras, que parecem conformes a fins porque ao conceito que as anima está mais ou menos vinculado o conceito de outras coisas. Também uma parte lhes foi implantada da música celeste que está no universo inteiro, na luz e nas esferas, e foi ensinado aos que estavam determinados a habitar o éter, esquecendo-se em sua canção, retomar à unidade. Outros a unidade deixou mais livres, e lhes proporcionou terem mais dela em si mesmos do que fora de si, assim como uma mãe fecunda e cheia de dons gera a si mesma em todos os seus filhos, mas em um mais, em outro menos, e somente a um único se comunica inteira. Mas, pondo em cada um aquilo que está nela mesma, com diferença, ela tornou discernível aquilo que nela é indiscernível, pois toda propriedade particular de seres vivos nasce por nenhum deles trazer em si a inteira indiferença da unidade, que, como é o conjunto de todas as coisas, não pode igualar-se a nenhuma forma particular. Somente o ser que não tem perfeitamente a substância em si mesmo não pode separar-se perfeitamente da unidade e está somente nela. Da coisa meramente corpórea sabemos, por certo, que do conceito há nela somente uma expressão morta, mas o conceito vivo está fora dela no infinito, e que ela tem somente uma vida exterior no Absoluto. Mas a todo modo passivo de ser corresponde, no universo, um ativo, e todo animal, além de ser um modo particular de ser, toma parte também no conceito vivo e tem um ser interior no Absoluto; mas apenas participando e exprimindo imperfeitamente, naquilo que nele é finito, o infinito, ele não é o próprio princípio que intui, mas está em relação de diferença com ele. Mas, na medida em que uma alma é da natureza do infinito em e para si mesmo, mas o corpo expõe, embora finitamente, mas, no finito, infinitamente, o universo - aquela igualdade absoluta, oculta em Deus, do infinito que é o modelo com o infinitamente finito que é a cópia, se torna manifesta em um ser temporal. Aquilo, pois, em relação ao qual alma e corpo, pensar e ser são absolutamente um, trará em si a essência do pura e simplesmente eterno, indivisível, no qual a ideia é também a substância, mas a alma, embora sendo em si o conhecer infinito, como alma deste existente será a possibilidade infinita de tudo aquilo cuja efetividade está expressa nele. E este, que determinamos como o corpo, embora não seja um ser finito, mas um ser infinitamente-finito, e exponha em si a totalidade, é, contudo, idealmente, necessariamente singular, portanto necessariamente também determinável em oposição a outras coisas, que exprimem um ser finito ou infinito e das quais, no conceito de corpo, está contida, seja a possibilidade sem a efetividade, ou a efetividade sem a possibilidade. Portanto, se o pensar infinito, que, tornando-se igual ao ser, se expõe como conhecer infinito no finito, é pensado como a alma do corpo, na medida em que é necessariamente singular, ele também aparece necessariamente como infinito apenas na finitude, e como conceito singular, embora da espécie mais perfeita, do conhecer infinito; em contrapartida, considerado em si, não é a alma dessa coisa, mas o próprio conceito infinito da alma e aquilo que é comum a todas as almas. Imediatamente, pois, ao pores o conhecer infinito, a ideia viva e imortal de todas as coisas, como existente, pões também, mais uma vez, porque isso não ocorre sem referência a uma coisa singular, a oposição de diferença e indiferença, e como que uma dupla alma, a que contém a efetividade do conhecer infinito e a que contém sua possibilidade infinita. E se agora, meu amigo, eu for capaz de provar que, ao mesmo tempo em que aquela separação, não, por certo, em relação ao Absoluto, mas, como tudo que pertence ao mundo das cópias, em relação a si mesma e para si mesma, está posta a consciência e, para ela, ao mesmo tempo, também o ser temporal das coisas e a totalidade do mundo fenomênico, terei alcançado o alvo proposto por ti, e derivado a origem da consciência a partir da própria ideia do eterno e de sua unidade interior, sem ter de conceder ou admitir uma passagem do infinito ao finito. Mas, antes, vamos ainda fixar o permanente e aquilo que temos de pôr como imóvel ao pormos o móvel e o mutável, pois a alma nunca se cansa de retomar sempre à consideração do mais excelente; em seguida, recordemo-nos, também, como tudo aquilo que parece proceder daquela unidade ou desprender-se dela tem a possibilidade de ser por si mesmo determinado previamente nela, mas a efetividade da existência separada está apenas nele mesmo e, mesmo assim, apenas idealmente, mas como ideal somente na medida em que uma coisa, por seu modo de ser no Absoluto, é tornada apta a ser para si mesma a unidade. Portanto, nem uma coisa pode ser determinada pela duração, a não ser na medida em que é o objeto de uma alma que é finita e cuja existência é determinada por duração, nem pode, por sua vez, a existência da alma ser determinada como duração, a não ser na medida em que for determinada a ser o conceito de uma coisa singular existente. Por isso a alma, tão pouco quanto o corpo, não é algo em si; pois tanto aquela como este são cada qual temporal apenas no outro, mas em si há apenas unidade de ambos, naquilo que não é sujeito à duração, na natureza bem-aventurada em que a possibilidade não está separada da efetividade, o pensamento do ser, portanto no arquétipo que é incriado e verdadeiramente imperecível. Pois nem a alma que se refere imediatamente ao corpo é imortal, pois este não o é, e sua existência em geral só é determinável pela duração e determinada por ela, na medida em que este dura, nem a própria alma da alma, que se relaciona com esta do mesmo modo que esta com o corpo. A alma, além disso, como só é pela oposição relativa com o corpo e, portanto, de modo geral, não em si, aparece apenas por essa oposição e, portanto, somente na medida em que é o conceito de um ser singular determinado a existir, mas isso não por uma vinculação com a coisa, mas por sua própria finitude, em virtude da qual a possibilidade que em Deus está vinculada à sua efetividade e, inversamente, a efetividade que nele está vinculada à sua possibilidade, com relação a ela mesma, estão fora dela. Pois os conceitos que são conceitos imediatos de coisas finitas comportam-se como estas mesmas e são opostos ao conceito infinito do mesmo modo que estas e somente na medida em que são infinitos na finitude são adequados a ele. Assim como, portanto, a coisa se põe seu tempo, na medida em que contém uma efetividade cuja possibilidade está fora dela ou uma possibilidade cuja efetividade está fora dela, assim também o conceito, na medida em que é pura e simplesmente finito. E, assim como em relação à coisa, também em relação ao conceito imediato das coisas aquela unidade infinita, em que toda possibilidade tem imediatamente com e em si sua efetividade e toda efetividade sua possibilidade, é, dissociada no reflexo, uma relação de causa e efeito, de tal modo que todo conceito parece determinado a existir por outro conceito, no qual sua infinita possibilidade é intuída, este por sua vez por outro de mesma espécie, e assim por diante, ao infinito. Logo, como os conceitos infinitos são as próprias coisas finitas e absolutamente unos com elas, pode também a oposição do finito e do infinito ser expressa universalmente como a oposição dos conceitos finitos e do conceito infinito de todos os conceitos, de tal modo que àqueles estão para este como o real para o ideal, e, portanto, a própria diferença do ideal e do real é uma diferença na esfera dos conceitos. Mas somente o conceito separado de seu conceito infinito e considerado nessa separação aparece determinado a existir: sua ideia, ou ele mesmo vinculado ao infinito, está em eterna comunidade com Deus. Mas no conceito finito, na medida em que é separado, está somente, daquilo que está em Deus eternamente, sem tempo, aquilo que se separa ao mesmo tempo em que ele da totalidade, e isto, por sua vez, é determinado pela possibilidade de outras coisas, que em Deus está vinculada com ele mesmo. Mas a lei segundo a qual somente para si mesma a alma se separa e parece determinada a existir, porque toda alma é uma parte do corpo orgânico infinito que está na ideia, proporcionaria, se a conhecêssemos, pelo menos uma visão longínqua da harmonia daquele mundo resplandecente que aqui conhecemos somente como que através de um espelho. Mas encontrar tal lei é tão difícil quanto é impossível enunciá-la para todos. Encontrar, porém, as leis mais universais, segundo as quais o mundo absoluto se delineia no conhecer finito, é um elevado alvo do pensamento. Vamos pois, meu amigo, continuando agora a inferir a partir do ponto que havíamos anteriormente designado, ou seja, onde, por referência do conhecer infinito a uma coisa singular, está posta imediata e necessariamente a oposição relativa do finito e do infinito no próprio conhecer, esforçar-nos por alcançar aquele alvo. Pois também retornaremos mais seguramente ao primeiro e à origem de todas as coisas se tivermos mostrado que todas as oposições pelas quais são determinadas e distinguidas as coisas finitas estão postas por aquela única separação, que, ela mesma, só é feita no interior do eterno, e não com relação ao Absoluto, mas somente com relação àquilo que se separou dele para si mesmo. Mas, para que estejamos certos de nosso assunto, é de teu agrado que, mais uma vez, repitamos brevemente aquilo sobre o qual entramos em acordo? LUCIANO Totalmente de acordo. BRUNO O conhecer infinito, pois, só pode existir como a alma de uma coisa que expõe em si, infinitamente, o finito, portanto o universo? LUCIANO Assim é, pois todo conceito, dissemos, existe somente por ser o conceito de uma coisa existente. BRUNO Mas aquela coisa é, por sua vez, necessariamente singular e, na medida em que existe como tal, sujeita ao tempo e à duração. LUCIANO Sem dúvida. BRUNO A alma, pois, da qual ela é o objeto imediato, não menos? LUCIANO Do mesmo modo. BRUNO A alma, pois, que é o conceito dessa coisa (e somente desta falamos adiante), é, por sua vez, apenas uma parte da possibilidade infinita, que em Deus é efetiva sem tempo; na alma singular, porém, está somente a efetividade daquilo cuja possibilidade está contida nela mesma. LUCIANO Necessariamente. BRUNO Mas não admitimos que a alma é o próprio conhecer infinito? LUCIANO Certamente, mas pomos isso na medida em que a consideramos em si; na medida em que a consideramos como a alma dessa coisa, nós a pomos necessariamente como finita e sujeita à duração. BRUNO Temos, pois, necessariamente uma dupla perspectiva da alma? LUCIANO Naturalmente, pois, se a pomos meramente como referindo-se àquilo de que ela é o conceito, não a pomos como conhecer infinito, e, se a pomos meramente como infinita, não a pomos como conceito de uma coisa existente, portanto ela mesma como não existente. Pomos, portanto, necessariamente a alma como finita e infinita ao mesmo tempo. BRUNO O conhecer infinito, portanto, existe ou aparece somente sob a forma da diferença é indiferença. LUCIANO Assim é. BRUNO Mas pomos ambas como necessariamente unificadas: a alma, na medida em que é una com o corpo e é, aliás, o próprio corpo, e a alma, na medida em que é o conhecer infinito? LUCIANO Unificadas pelo conceito eterno, em que finito e infinito são iguais entre si. BRUNO Somente essa ideia está em Deus, mas a oposição de diferença e indiferença está somente na própria alma, na medida em que esta existe. LUCIANO Também isso é assim. BRUNO Mas não disseste que a alma, considerada sob um dos aspectos, é una com o corpo, e aliás é o próprio corpo? LUCIANO Assim disse eu. BRUNO Que relação, pois, darás à alma considerada como infinita, com a considerada como finita? LUCIANO Necessariamente, mais uma vez, a da alma com o corpo. BRUNO E temos, pois, a oposição entre alma e corpo deslocada para a própria alma. LUCIANO Assim parece. BRUNO À alma, pois, na medida em que é finita, teremos de atribuir todas as relações que são necessariamente atribuídas ao corpo. LUCIANO Não podemos fazer de outro modo. BRUNO Mas a alma, na medida em que se refere ao corpo, nós a determinamos como a possibilidade cuja efetividade estaria expressa no corpo. LUCIANO Perfeitamente correto. BRUNO Não temos, portanto, já que pusemos a alma, como conceito imediato do corpo, e o próprio corpo como uma só coisa, de opor aquela, na medida em que se refere imediatamente ao corpo, à alma na medida em que é infinita, como a efetividade à possibilidade, e esta àquela como a possibilidade à efetividade? LUCIANO Inquestionavelmente. BRUNO Mas pomos necessariamente aquela possibilidade como pura e simplesmente infinita, e esta efetividade como finita? LUCIANO Como poderia ser de outro modo? BRUNO Estarás, portanto, satisfeito, se denominarmos aquela o conceito infinito do conhecer e esta, como é um pensar referido a um ser, o próprio conhecer, e aliás o conhecer objetivamente existente. LUCIANO Por que não? BRUNO Mas esse conhecer objetivo, sendo, como finito, igual ao corpo e estando sujeito à vinculação por causa e efeito, é necessariamente, ao infinito, um conhecer determinado, singular. LUCIANO É inegável. BRUNO Mas o pensas como determinado por quê? Por algo fora dele ou por si mesmo? LUCIANO O último, necessariamente. BRUNO Pões, portanto, uma vinculação por causa e efeito nele mesmo, e uma vinculação tal que todo conhecer singular seja determinado por outro singular e este, por sua vez, por outro, e assim por diante, ao infinito. LUCIA o Não é de outro modo. BRUNO Aquele conceito infinito do conhecer, tu o pensas como igual a si mesmo, imutável, independente da temporalidade, indeterminado por uma vinculação tal como a que acabamos de admitir. LUCIANO Necessariamente. BRUNO Pões, agora, portanto, entre o conhecer objetivo e o conhecer infinito, exatamente a mesma relação que anteriormente puseste entre intuir e pensar. LUCIANO Assim parece. BRUNO Mas puseste a unidade do ideal e do real justamente nessa unidade do pensar e do intuir. LUCIANO Certamente. BRUNO Vês, pois, que tomaste por aquela unidade a expressão de um ponto singular, como se ela se restringisse a esse. Contudo, por isso mesmo, compete a nós determinar esse ponto, para aprender a conhecer sua dignidade. Pões necessariamente, portanto, se pões a unidade do intuir e do pensar, o conhecer objetivo como igual ao conceito infinito do conhecer. LUCIANO Assim ponho. BRUNO Mas o conhecer objetivo só é finito na medida em que é referido ao corpo como seu objeto imediato, portanto infinito na medida em que é referido ao conceito do conhecer? LUCIANO É o que se segue. BRUNO Mas este é igualmente infinito? LUCIANO Correto. BRUNO O referido, portanto, e aquilo a que é referido são um só e indiscerníveis? LUCIANO Necessariamente. BRUNO O infinito vem, portanto, ao infinito, e como pensas que este vir a si mesmo do infinito se enuncia, ou que expressão há para ele? LUCIANO Eu. BRUNO Nomeaste o conceito com o qual, como por um passe de magia, o mundo se abre. LUCIANO Certamente, ele é a expressão da suprema separação entre o finito e o infinito. BRUNO Mas que outras determinações desse conceito costumas dar? LUCIANO O que denominamos eu é apenas aquela unidade do ideal com o real, do finito com o infinito; mas essa mesma é apenas, por sua vez, seu próprio fazer. O agir, pelo qual ele nasce, é ao mesmo tempo ele mesmo, consequentemente ele nada é independentemente desse agir e fora dele, mas somente para si mesmo e por si mesmo. Do mesmo modo, também as coisas eternas em si chegam ao conhecer objetivo e temporal, em que são determinadas pelo tempo, meramente porque o pensar infinito se torna objetivo no finito. BRUNO Mas essa objetivação do pensar infinito é exatamente aquilo que acabamos de denominar a unidade do finito e do infinito? LUCIANO Necessariamente, pois o que pomos no conhecer finito ou nas coisas e o que pomos no conceito infinito do conhecer é um e o mesmo, apenas considerado de diferentes lados, lá objetivamente, aqui subjetivamente. BRUNO Sobre esse ser ao mesmo tempo subjetivo e objetivo, infinito e finito, repousa o eu. LUCIANO Sem dúvida. BRUNO Assim, também as coisas finitas que aparecem são, para o eu, apenas pelo eu; pois dizes que chegam ao conhecer temporal somente por aquela objetivação do infinito no finito. LUCIANO E essa é justamente minha opinião. BRUNO Vês quão exatamente concordamos. A suprema separação entre o finito e seu igual é, portanto, aquela em que o finito entra na unidade e como que em comunidade imediata com Q infinito. Mas, como ele é um finito, este, o infinito, para tornar efetiva nele a possibilidade sem limites que está contida em seu pensar, só pode fazê-lo de maneira também finita e apenas finitamente refletir nele aquilo que está infinitamente prefigurado em si mesmo. Assim, aquilo que, no eterno, é possibilidade e efetividade em unidade absoluta, separa-se, no objetivo do eu, como efetividade, no subjetivo como possibilidade, mas, no próprio eu, que é a unidade do subjetivo e objetivo, é refletido como necessidade, que é a imagem permanente da harmonia divina das coisas e como que o reflexo imóvel da unidade, da qual todas elas foram tiradas. - Estás também de acordo com isto? LUCIANO Perfeitamente. BRUNO Mas não tem de ser reconhecida, justamente por isso, em todas as coisas finitamente conhecidas, a expressão do infinito, a partir do qual são refletidas, e do finito, no qual são refletidas, e do terceiro, no qual estes são um? - Pois daquilo que, no Absoluto, é primeiro, já dissemos antes que, na cópia, ele se torna necessariamente o terceiro. LUCIANO Indiscutivelmente se segue o que concluíste. BRUNO As determinações e as leis das coisas finitas podem, portanto, ser compreendidas imediatamente, sem partirmos da natureza do saber. Pois também nisto não és de minha opinião, que não podemos denominar o conhecer objetivo, por si mesmo, um saber, do mesmo modo que aquilo que opusemos a ele? LUCIANO Pelo contrário, o saber está apenas na unidade de ambos. BRUNO Necessariamente, pois com todo saber, além de ser ele um saber efetivo, está vinculado também o conceito desse saber; quem sabe, sabe também imediatamente que sabe, e esse saber de seu saber e o saber desse saber de seu saber são um e estão imediatamente vinculados com o primeiro saber; toda regressão ao infinito é suprimida, pois o conceito do saber vinculado com o saber é o princípio da consciência, o próprio infinito em si e para si. Contudo, convém aqui, para destrinçar de dentro para fora essas relações intricadas, considerar cada um deles por si. O saber, portanto, disseste, consiste na unidade do conhecer objetivo com seu conceito infinito. Mas o conhecer objetivo tu igualaste, antes, ao intuir e afirmaste que é necessariamente finito, determinado de maneira temporal e diferente em oposição ao pensar. Mas mal podias pôr um mero finito ou uma diferença pura e, onde o punhas assim, isso ocorria meramente em oposição a outro. Essa essência entrelaçada de finito e infinito, porém, só é capaz de desembaraçá-la inteiramente aquele que compreende que e como tudo está contido em tudo e mesmo no singular está deposta a plenitude do todo. A intuição, portanto, é finito, infinito e eterno, só que, no todo, subordinada ao finito. E o finito nela é aquilo que pertence à sensação, mas o infinito aquilo que nela é expressão da autoconsciência. Aquele, em oposição a este, é necessariamente diferença, este, em oposição àquele, indiferença, aquele real, este ideal; aquilo em que o ideal e o real, a indiferença e a diferença são um é aquilo que nela imita a natureza do pura e simplesmente real ou do eterno. Acreditas, pois, que podes opor esse eterno na intuição ao pensar, como entretanto fizeste? LUCIANO Sem dúvida não vejo como isso seja possível. BRUNO Determinaste a intuição como diferença, o pensar como indiferença? LUCIANO Certamente. BRUNO Mas a intuição, na intuição, não é diferença nem indiferença, e sim aquilo em que ambas são um. Como foi, então, que pudeste contrapô-la ao pensar e pô-la, na unidade do ideal e do real, como o real? LUCIANO Peço-te que me expliques isso. BRUNO Querias restringir a unidade do ideal e do real a um ponto determinado, como eu te havia demonstrado, e fazer do real um verdadeiro oposto do ideal, enquanto essa oposição é eternamente apenas ideal e mesmo aquilo que determinas como o real consiste, por sua vez, em uma unidade de ideal e real, de tal modo que o que nele é o real verdadeiro é essa própria unidade, mas o que nele repousa sobre a oposição do ideal e do real é apenas determinação ideal do real. Não encontras, portanto, em parte nenhuma, um real puro em oposição a um ideal; mas, no tocante ao intuir em particular, para descobrir que pões, com toda intuição, seja ela qual for, uma unidade do pensar e do ser, basta perguntares a ti mesmo: o que intuis propriamente quando dizes que intuis um triângulo ou um círculo ou uma planta? Sem dúvida, o conceito do triângulo, o conceito do círculo, o conceito da planta, e nunca intuis algo outro do que conceitos. Se, portanto, denominas intuição aquilo que em si é um conceito ou um modo do pensar, o fundamento disso é que pões um pensar em um ser; mas aquilo pelo qual o pões não pode ser, mais uma vez, nem um pensar nem um ser; só pode ser aquilo em que ambos, por toda parte, não são distintos. Ora, a igualdade absoluta do pensar e do ser na intuição é o fundamento da evidência da intuição geométrica. Mas o que intui, em todo intuir, é o que não é suscetível de nenhuma oposição de universal e particular, a razão absoluta em si e sem levar em consideração aquilo que se acrescenta ao finito pelo reflexo, unidade não turvada, suprema clareza e perfeição. Mas aquilo que se acrescenta no reflexo é, como já foi mostrado, a oposição relativa do infinito, que é nela a unidade, e do finito, que é a diferença, aquele, aliás, é nela a expressão do conceito, este a do juízo, aquele é o que põe a primeira dimensão, este a primeira e a segunda. Mas o que, na intuição, é intransparente, empírico, e que não é espaço puro, pura igualdade do pensar e do ser, é o que nela é determinado por essa oposição relativa. Mas o fundamento de que, na intuição, finito, infinito e eterno sejam subordinados ao finito, está somente na relação imediata da alma ao corpo como coisas singulares. Pois, já que o corpo e .alma são uma só coisa, e é somente um em relação ao outro e um pelo outro que ambos estão separados da totalidade, de tal modo que, em referência ao conceito infinito, é inteiramente indiferente determinar o corpo como o ser finito ou como o conceito do ser finito, mas no conceito do corpo está contido necessariamente o conceito de outras coisas: assim também esse conceito, isto é, a própria alma, na medida em que é o conceito daquela coisa singular existente, está determinado pelo conceito de outras coisas. Dessa maneira, o inseparável de finito, infinito e eterno, na alma, está subordinado ao finito, e foi esse intuir, que está sujeito ao tempo e é necessariamente singular e diferente de si mesmo, que tu opuseste ao pensar. Mas, como o intuir, assim determinado, não é o verdadeiro intuir, mas uma aparência confusa dele, segue-se também que aquela unidade do pensar e do intuir, assim como foi determinada por ti e posta como a suprema, é singular e de espécie subordinada, e tirada da mera experiência. Portanto, abandonarás esse estreito em que te havias mantido anteriormente, ao restringires a unidade suprema à consciência, e ganharás comigo o livre oceano do Absoluto, onde não só nos moveremos mais vivamente, mas conheceremos a infinita profundeza e altura da razão. De que modo, agora, a tri-unidade do finito, infinito e eterno, assim como no intuir é subordinada ao finito, é subordinada, no pensar, ao infinito e, na razão, ao eterno, resta ainda dizer. Do universo, portanto, em todo tempo, cai na intuição somente uma parte, mas o conceito da alma, que está vinculado imediata, vitalmente, à alma, é o conceito infinito de todas as coisas. A separação do conhecer objetivo em relação a esse conceito põe o tempo. Mas o referir do conhecer finito ao conhecer infinito produz o saber, não um conhecer absolutamente intemporal, mas um conhecer para todo o tempo. Por aquela referência, necessariamente, a intuição se torna, ao mesmo tempo que aquilo que nela é finito, infinito e eterno, infinita, e se torna uma possibilidade infinita de conhecimento. Mas o infinito infinitamente posto é o que denominamos conceito, e o finito acolhido sob o infinito engendra o juízo, assim como o eterno, posto como infinito, o silogismo. Infinitude, porém, tem, nessa esfera, tudo, embora uma mera infinitude de entendimento. O conceito é infinito, o juízo é infinito, o silogismo é infinito. Pois valem de todos os objetos e para todo o tempo. Mas cada um deles tem de ser considerado em particular. Ora, o infinito na intuição, que no conceito é posto outra vez como infinito, é a expressão do conceito infinito da alma, que é um com a própria alma; o finito é a expressão da alma na medida em que é o conceito imediato do corpo e una com este; mas o eterno é a expressão daquilo em que ambos são um. E o conceito infinito da alma contém, como sabemos, a possibilidade infinita de todas as intuições, a alma cujo objeto imediato é o corpo, a efetividade infinitamente-finita, mas aquilo em que ambos são um, a necessidade infinita. Mas, como o conceito é o infinito infinitamente posto, ele é a possibilidade infinita, posta como infinita, das intuições diferentes por si; o juízo, como põe o finito infinitamente, é o infinitamente determinante da efetividade, e o silogismo, como é o eterno, é a necessidade. O próprio conceito, em seguida, é, mais uma vez, conceito, portanto possibilidade infinita, não somente do infinito, finito e eterno, mas também do infinito, finito e eterno subordinados ao infinito, finito é eterno, de tal modo que os três primeiros, multiplicados por si mesmos e penetrados por si mesmos, determinam o número dos conceitos. Há aqui um emaranhado difícil de destrinçar e uma determinada articulação; mas, se quiseres tentar comigo destrinçá-lo, espero que chegaremos ao alvo. A infinitude do conceito, pois, é uma mera infinitude da reflexão, mas o esquema da reflexão é a linha, que, por certo, nas coisas em que está expressa, implanta o tempo, mas, posta viva e ativamente, como no conhecer objetivo, é o próprio tempo. O infinito, finito e eterno, portanto, subordinados ao infinito, por que espécie de conceitos acreditas que sejam expressos? LUCIANO Necessariamente por conceitos de tempo, e aliás isso me parece estar determinado assim: A mera possibilidade infinita de um tempo contém a própria unidade pura; a efetividade infinitamente-finita do tempo, a diferença ou a multiplicidade; a efetividade inteira do tempo, determinada pela possibilidade infinita, é a totalidade. BRUNO Excelente, de tal modo que mal preciso chamar tua atenção para que observes que o primeiro dentre esses conceitos corresponde à indiferença quantitativa ou ao próprio conceito, o segundo, porque pressupõe um pôr da indiferença na diferença, uma acolhida do diferente sob o uno, ao juízo, e o terceiro, que é a totalidade, está para os dois primeiros como o silogismo está para o conceito e o juízo. Mas, como a unidade também não é unidade, a pluralidade não é pluralidade, sem que aquela seja posta nesta e esta acolhida naquela, aquilo em que são um, e que aparece na reflexão como terceiro, é necessariamente o primeiro. Se eliminas o relativo que se acrescenta no reflexo, tens o supremo conceito da razão: absoluta unidade, absoluta oposição e absoluta unidade da unidade e da oposição, que está na totalidade. Mas o infinito, finito e eterno subordinados ao finito engendram consigo os seguintes conceitos: A possibilidade infinita de toda efetividade para a reflexão contém a realidade ilimitada; a efetividade do efetivo, aquilo que é absoluta não realidade, é mero limite; a efetividade do efetivo determinada pela possibilidade inteira está naquilo em que o ilimitado e o limite são pura e simplesmente um, e que, considerado absolutamente, é, mais uma vez, o primeiro e, na intuição, é o espaço absoluto, Mas é óbvio que, assim como, pelo conceito de tempo, as coisas estavam determinadas mais para o conceito, assim, pelo conceito do espaço, estão determinadas mais para o juízo. Mas o infinito e o finito vinculados ao eterno têm de engendrar todo par de conceitos, pois na natureza do eterno em si e para si já está unificada a natureza do finito e do infinito, mas de tal modo que, quanto mais um dos dois conceitos participa necessariamente da natureza do finito, o outro participa da do infinito. No infinito, portanto, exprime-se a forma do eterno por dois conceitos, dos quais o primeiro, no próprio reflexo, é mais uma vez possibilidade, o outro é efetividade, mas ambos vinculados, como estão, engendram a necessidade. Denominamos esses conceitos substância e acidente. Mas na finitude ou efetividade o eterno se espelha pelos conceitos de causa e efeito, dos quais a primeira, no reflexo, é a mera possibilidade do efeito, o segundo a efetividade, e ambos, vinculados, a necessidade. Mas entre a possibilidade e a efetividade introduz-se, no reflexo, o tempo, e somente em virtude desse conceito duram as coisas. Na necessidade, enfim, exprime-se o eterno pelo conceito da determinação recíproca universal das coisas uma pela outra, e esta é a mais alta totalidade que se deixa conhecer na reflexão. Assim como se tornou claro para nós, agora, que o infinito, finito e eterno, subordinados ao finito ou à diferença, aparecem como espaço e, subordinados ao infinito ou à unidade relativa, como tempo, é óbvio que essa mesma unidade intuída sob a forma do eterno é a própria razão e sê exprime, como razão, no conceito. A partir disso, poderia também ser facilmente compreendida a diferença das três ciências, aritmética, geometria e filosofia. Desenvolver mais, agora, o organismo da razão refletida no juízo, que, com a distinção anteriormente determinada entre juízo e conceito, é o mesmo que no conceito, seria trabalho desnecessário. Mas, quanto ao silogismo, que põe o eterno infinitamente, basta observar que, como em cada um, por si, já estão juntos possibilidade, efetividade e necessidade, toda demais diferença, em relação a ele, limita-se a que a unidade destas três, que estão em todos os silogismos, é enunciada, ou sob a forma do infinito, ou do finito ou do eterno. E a forma infinita é a categórica, li finita a hipotética, e aquela que mais tem da natureza do eterno é a disjuntiva. Em todo silogismo, porém, com toda a sua diversidade, a premissa maior referida à premissa menor é sempre categórica ou infinita, a premissa menor é hipotética ou finita, mas à conclusão é disjuntiva e unifica em si tanto aquela como esta. LUCIANO Ó admirável forma do entendimento! Que prazer é perscrutar tuas relações e conhecer a mesma marca do eterno desde o arcabouço das coisas corpóreas até a forma do silogismo. Em tua consideração mergulha o pesquisador, depois que conheceu em ti a imagem do mais esplêndido e do mais santo. Nesse reflexo movem-se os astros, e percorrem a rota que lhes foi prescrita, nele todas as coisas são como aparecem, e o são necessariamente. Mas o fundamento dessa necessidade está em sua verdadeira natureza, cujo segredo não está em ninguém a não ser em Deus e, entre os homens, naquele que o conhece. BRUNO Mas, para o conhecimento dos princípios das coisas que estão em Deus e determinam às coisas seu fenômeno, é importante acima de tudo saber o que pertence ao reflexo, para que não aconteça, como para aqueles que filosofam ao léu, que seja rejeitado algo do que pertence ao fenômeno, a esmo, e algo outro acolhido como verdadeiro, com o que aqueles desfiguram ao mesmo tempo a filosofia e a essência divina. Pois, fora do Absoluto, cuja natureza não conheceram puramente, admitem ainda muito mais, de que precisam para poder instituir aquilo que denominam sua filosofia, sem separação e partilha entre aquilo que é verdadeiro meramente para o fenômeno e aquilo que é verdadeiro com relação a Deus. Alguns chegam a ir ainda mais fundo do que o fenômeno e admitem uma matéria, à qual atribuem a forma da exterioridade recíproca e a diversidade infinita. Mas, absolutamente ou com relação à natureza divina, não há nada além dela mesma e daquilo pelo qual ela é perfeita, a unidade absoluta da unidade e da oposição, portanto, decerto, a oposição assim como a unidade, mas absolutamente igual a esta, sem tempo, de tal modo que em parte nenhuma há separação, em parte nenhuma há reflexo em relação a ela. Mas outros determinam o mundo fenomênico como se fosse oposto à natureza divina, quando, em relação a esta, ele não é absolutamente nada. Pois aquilo que denominamos mundo fenomênico não é aquele finito que, de maneira totalmente não sensível, está ligado ao infinito na ideia, mas o mero reflexo dele, assim como está na ideia. E como, além das coisas cognoscíveis, a ideia daquilo que estava determinado a conhecer o universo na imagem visível também está contida de maneira eterna no universo em si e para si, a ideia é antes do mundo fenomênico, mas sem precedê-lo no tempo, assim, como antes das coisas singulares iluminadas, está, não segundo o tempo, mas segundo a natureza, a luz universal, que, embora refletida por coisas inumeráveis e por cada uma conforme sua própria natureza, não se torna ela mesma diversa, e, em sua clareza, sem ser turvada, reúne em si todos esses reflexos. Mas o verdadeiro mundo não é aquele que o singular se forma no reflexo, e cuja ideia este retira daquilo que está acima dele, mas o imóvel e harmonioso céu de fogo, que paira sobre tudo e abrange tudo. Como o finito, infinito e eterno são subordinados ao finito na intuição e ao infinito no pensar, meu amigo, foi o que conseguimos mostrar até agora. Mas é da referência do conhecer objetivo ao infinito que nascem todos aqueles conceitos pelos quais as coisas estão determinadas universal e necessariamente e que, por isso, parecem preceder os objetos. Mas, suponho, dificilmente acreditarás que as coisas estejam assim determinadas independentemente desses conceitos. LUCIANO Jamais o acreditaria. BRUNO Mas, como não podem ser separadas dessas determinações, não são nada, em geral, independentemente daqueles conceitos. LUCIANO Absolutamente nada. BRUNO E como denominas aquela unidade do conhecer objetivo com seu conceito infinito? LUCIANO Saber. BRUNO Aquelas coisas, portanto, também não serão nada independentemente desse saber. LUCIANO Absolutamente nada. Nascem somente pelo saber e são, elas mesmas, esse saber. BRUNO Excelente. Vês como concordamos em todos os pontos. Todo o mundo fenomênico, portanto, deve também ser concebido puramente a partir do saber considerado por si mesmo. LUCIANO Assim é. BRUNO Mas a partir de que saber: de um saber que é real em si ou de um saber que, ele mesmo, meramente aparece? LUCIANO Necessariamente o último, isto é, se, em geral, a oposição do conhecer finito e do conhecer infinito, e sua igualação, pertencem ao fenômeno. BRUNO Poderias, depois do que vimos até agora, duvidar disso? - Portanto, em toda essa esfera do saber, que descrevemos por último, e que nasce pela referência do finito, infinito e eterno do conhecer ao infinito, reina um gênero de conhecimento inteiramente subordinado, que denominaremos o da reflexão ou do entendimento. LUCIANO Estou de acordo. BRUNO Teremos de considerar também o conhecimento por silogismos como um verdadeiro conhecimento da razão, e não, antes, como um mero conhecimento por entendimento? LUCIANO O último, provavelmente. BRUNO Não é de outro modo. Pois, embora tu ponhas no conceito a indiferença, no juízo a diferença e no silogismo a unidade de ambas, essa unidade é entretanto subordinada ao entendimento; pois a razão está em tudo, mas, na intuição, subordinada à intuição, no entendimento ao entendimento, e, se na razão entendimento e intuição são um, tens, no silogismo, por certo, na premissa maior aquilo que corresponde ao entendimento, na premissa menor aquilo que corresponde à intuição, ali o universal, aqui o particular, mas ambos dissociados para o entendimento e mesmo na conclusão unificados somente para o entendimento. O mais funesto dos equívocos, portanto, é tomar essa razão subordinada ao entendimento pela razão mesma. LUCIANO Sem dúvida. BRUNO Mas a doutrina, que nasce dessa subordinação do todo da razão ao entendimento, os que nos precederam denominaram lógica. A lógica, pois, se seguimos esse uso, teremos de considerá-la como uma mera ciência de entendimento? LUCIANO Necessariamente. BRUNO Que esperança de filosofia há, pois; para aqueles que a procuram na lógica? LUCIANO Nenhuma. BRUNO E o conhecimento do eterno que pode ser alcançado por esse gênero de conhecimento será e permanecerá conhecimento de entendimento? LUCIANO Assim temos de pensar. BRUNO Assim como nas três formas dos silogismos o Absoluto, segundo a forma, se dissocia em um infinito, finito e eterno de entendimento, assim, segundo a matéria, nos silogismos da razão a serviço do entendimento, ele se dissocia em alma, mundo e Deus, e estes três todos separados um do outro, cada qual à parte, representam a suprema dissociação daquilo que é pura e simplesmente uno no Absoluto, para o entendimento. De todos, pois, que procuram nesse gênero de conhecimento a filosofia, ou querem provar o ser do Absoluto, por essa via ou em geral, julgaremos que ainda não saudaram o umbral da filosofia. LUCIANO Como é justo. BRUNO Como para nós, além disso, aquilo que uma grande parte dos filósofos antes de nós, mas quase todos aqueles que assim se denominam agora, fez passar pela razão, cai ainda na esfera do entendimento, teremos então, para o gênero supremo do conhecimento, um lugar não alcançado por aqueles, e o determinaremos como aquele pelo qual finito e infinito são contemplados no eterno, mas não o eterno no finito ou no infinito. LUCIANO Essa demonstração me parece cabal. BRUNO E qual é, além disso, tua opinião: é suficiente, para esse gênero supremo de conhecimento, apenas contemplar o finito, de modo geral, como ideal, uma vez que o ideal nada mais é do que o próprio infinito; ou não consiste ele, pelo contrário, em não admitir nada fora do eterno e em não admitir o finito por si, nem no sentido ideal nem no real? LUCIANO É o que se segue. BRUNO Segundo nossa opinião, portanto, um idealismo que somente o é em referência ao finito merecerá, de modo geral, o nome de filosofia? LUCIANO Não parece. BRUNO Mas pode, de modo geral, algum conhecimento ser estimado absolutamente verdadeiro, a não ser aquele que determina as coisas tais como estão determinadas naquela suprema indiferença do ideal e do real? LUCIANO Impossível. BRUNO E nas coisas, amigo, tudo o que denominamos real o é pela participação na essência absoluta, mas nenhuma das imagens o expõe na total indiferença, a não ser a única em que tudo chega à mesma unidade do pensar e do ser que no Absoluto: a razão, que, conhecendo a si mesma, pondo universal e absolutamente aquela indiferença que está nela como a matéria e a forma de todas as coisas, é a única que conhece imediatamente tudo o que é divino. Mas jamais chegará à intuição de sua unidade imóvel quem não pode afastar-se do reflexo. Pois aquele rei e pai de todas as coisas vive em eterna beatitude fora de todo conflito, seguro e inalcançável como em uma cidadela inexpugnável. Mas de sentir em alguma medida a interioridade de uma natureza tal, que em si não é pensar nem ser, mas a unidade deles, só seria capaz aquele que participasse mais ou menos dela. Contudo, esse segredo interior de sua essência, que consiste em nada conter em si mesmo nem de um pensar nem de um ser, mas ser a unidade deles, que está acima de ambos sem ser turvada por eles, manifesta-se na natureza das coisas finitas; pois no reflexo a forma se dissocia em ideal e real, não como se este tivesse estado anteriormente naquele, mas para que fosse conhecido como aquilo que é a mera unidade deles, sem ser nenhum deles em si mesmo. Conhecer o eterno, portanto, é contemplar, nas coisas, ser e pensar somente unificados por sua essência, mas não pôr, seja o conceito como o efeito da coisa ou a coisa como efeito do conceito. Nada está mais afastado da verdade do que isto. Pois coisa e conceito não são um por uma vinculação de causa e efeito, mas pelo Absoluto e, considerados verdadeiramente, são somente as perspectivas diferentes de um e do mesmo; pois nada existe, que não estivesse expresso no eterno finita e infinitamente. No entanto, a natureza daquele eterno em e para si mesmo é difícil de exprimir com palavras mortais, pois a linguagem foi derivada das imagens e criada segundo o entendimento. Pois, se parecíamos denominar com razão aquilo que não tem nenhuma oposição acima de si ou em si, mas todas sob si, o único que é, contudo, justamente esse ser não encerra em si nenhuma oposição àquilo que, em toda outra referência, é determinado como o formal do ser, o conhecer; pois faz parte, também, da natureza do Absoluto, que nele a forma é a essência, a essência a forma; e, como ele está na razão, como conhecimento absoluto, segundo a forma, está também segundo a essência expresso nela, e, portanto, com relação ao Absoluto, não resta nenhum ser que pudesse ser oposto a um conhecer; mas se quiséssemos, inversamente, determinar o Absoluto como conhecer absoluto, mais uma vez não poderíamos fazê-la no sentido de opormos a esse conhecer absoluto o ser, pois, considerado absolutamente, o verdadeiro ser só é na ideia e, inversamente, a ideia é também a substância e o próprio ser. Mas, como indiferença de conhecer e ser, o Absoluto, mais uma vez, só é determinável em referência à razão, porque somente nesta conhecer e ser podem aparecer como opostos. Contudo, se afastaria ao máximo da ideia do Absoluto aquele que, para não determinar sua natureza como ser, quisesse determiná-la pelo conceito da atividade. Pois toda oposição de atividade e ser só é no mundo copiado, na medida em que, sem se considerar o pura e simplesmente eterno em si e para si, a unidade interior de sua essência só é contemplada, seja no finito ou no infinito, mas em ambos necessariamente de igual maneira, para que assim, no reflexo, mais uma vez, da unificação de ambos, do mundo finito e do infinito, seja gerada a unidade do universo. Mas nem o Absoluto pode ser refletido no finito, nem no infinito, sem exprimir em cada um deles a inteira perfeição de sua essência, e, se a unidade do finito e do infinito, refletida no finito, aparece como ser, e no infinito como atividade, no Absoluto não aparece nem como um nem como a outra, e nem sob a forma da finitude nem da infinitude, mas da eternidade. Pois no Absoluto tudo é absoluto e se, portanto, a perfeição de sua essência aparece no real como ser infinito e no ideal como conhecer infinito, no Absoluto o ser como o conhecer são absolutos e, na medida em que cada um é absoluto, também nenhum deles tem uma oposição fora de si no outro, mas o conhecer absoluto é a essência absoluta, a essência absoluta o conhecer absoluto. Na medida, além disso, em que a ilimitação da essência eterna é refletida de igual maneira no finito e no infinito, os dois mundos em que se separa e desdobra o fenômeno, já que são um só, têm também de conter o mesmo, e portanto o mesmo que se exprime no finito ou no ser tem também de estar expresso no infinito ou na atividade. Aquilo, portanto, que vês expresso no mundo real ou natural como peso, vês expresso no ideal como intuição, ou aquilo que, nas coisas, em virtude da separação do universal e do particular, aparece determinado como unidade relativa e oposição relativa, mas no pensamento aparece determinante como conceito e como juízo, são um e o mesmo; nem o ideal como tal é causa de uma determinação no real, nem este é causa de uma determinação no ideal; e também nenhum deles tem um valor antes do outro, nem é concebível a partir do outro, pois a nenhum cabe a dignidade de princípio, mas ambos, conhecer como ser, são somente reflexos diferentes de um e mesmo Absoluto. Verdadeiramente, pois, ou em si, a unidade, que está no fundamento da oposição do universal e do particular nas coisas e da mesma oposição no conhecer, não é ser nem conhecer, pensados em oposição. Mas onde, em cada um por si, seja no real ou no ideal, é atingida a absoluta igualdade dos opostos, está também expressa, no próprio real e ideal, a indiferença do conhecer e do ser, da forma e da essência. Se, refletida no ideal ou no pensar, aquela unidade eterna do finito e do infinito aparece distendida no tempo sem começo e sem fim, no real ou no finito ela se expõe, imediata e necessariamente, completa como unidade, e é espaço; mas, embora apenas no real, aparece como suprema unidade do conhecer e do ser. Pois o espaço, se, por um lado, como suprema clareza e repouso, aparece como o supremo ser, que, em si mesmo fundado e completo, não sai de si ou age, é contudo, por outro lado, ao mesmo tempo, intuir absoluto, suprema idealidade e, nessa medida, conforme se considere o subjetivo ou o objetivo, cuja oposição mesma, em relação a ele, é totalmente eliminada, suprema indiferença de atividade e ser. Mas, de resto, atividade e ser relacionam-se em todas as coisas como alma e corpo; por isso, também o conhecer absoluto, embora estando eternamente em Deus e sendo o próprio Deus, não pode, contudo, ser pensado como atividade. Pois dele alma e corpo, portanto atividade e ser, são as próprias formas, que não estão nele, mas sob ele; e, assim como a essência do Absoluto refletida no ser é o corpo infinito, assim a mesma, refletida no pensar ou na atividade, como conhecer infinito, é a infinita alma do mundo, mas no Absoluto nem a atividade pode comportar-se como atividade, nem o ser como ser. Quem, portanto, encontrasse a expressão para uma atividade que é tão calma quanto o mais profundo repouso, para um repouso que é tão ativo quanto a suprema atividade, em alguma medida se aproximaria, em conceitos, da natureza do perfeitíssimo. Mas, assim como não basta conhecer o finito, infinito e eterno no real, também não basta conhecê-las no ideal, e nunca contempla a verdade em e para si mesma quem não a intui no eterno. Mas a separação dos dois mundos, daquele que exprime a essência inteira do Absoluto no finito e daquele que a exprime no infinito, é também a separação entre o princípio divino e natural das coisas. Pois, se este aparece como passivo, aquele aparece como ativo. Por isso, as matérias, por exemplo, por sua natureza passiva e receptiva, filiam-se ao princípio natural, mas a luz, por sua natureza criadora e ativa, parece ser de índole divina. Mas o singular, que, no mundo submetido ao finito, ou mesmo no mundo submetido ao infinito, exprime mais imediatamente por seu modo de ser a natureza do Absoluto, não pode, do mesmo modo que este, ser concebido meramente como ser ou meramente como atividade. Somente onde corpo e alma são igualados em uma coisa há nela uma imagem da ideia e, assim como esta, no Absoluto, é também o próprio ser e a essência, assim naquela, na imagem, a forma é também a substância, a substância a forma. Dessa espécie é, entre as coisas reais, o organismo, entre as ideais aquilo que é produzido pela arte e é belo, na medida em que aquele vincula a luz, ou a ideia eterna expressa no finito, e este a luz daquela luz, ou a ideia eterna expressa no infinito, como princípio divino, à matéria, como princípio natural. Somente aquele, porque aparece necessariamente como uma coisa singular, tem ainda, com a unidade absoluta, sempre a mesma relação que têm os corpos na medida em que são pesados, ou seja, a relação da diferença. Em sua forma, portanto, atividade e ser estão sempre, por certo, igualados (de tal modo que o agente é também o subsistente e, inversamente, o subsistente é também o agente), mas, na medida em que ele é singular, a igualdade não é efetuada por ele mesmo, mas pela unidade, com a qual ele se relaciona, por si mesmo, como com seu fundamento. Por isso, ambos, nele, também não aparecem ainda unificados em um supremo repouso na suprema atividade, mas apenas em causalidade, como um intermediário ou uma comunidade de subsistir e agir. Mas o mundo em que o ser parece posto pela atividade, o finito pelo infinito, é oposto à natureza, onde este, pelo contrário, está naquele e é através daquele, e considerado como o mundo e como que a cidade de Deus, construída por liberdade. Através dessa oposição os homens aprenderam a ver a natureza fora de Deus, e Deus fora da natureza, e, na medida em que despojaram aquela da necessidade sagrada, subordinaram-na à profana, que denominam mecânica, mas, por isso mesmo, fizeram do mundo ideal o palco de uma liberdade sem lei. Ao mesmo tempo, na medida em que determinaram aquela como um ser meramente passivo, acreditaram ter adquirido para si o direito de determinar Deus, que elevam acima da natureza, como atividade pura, pura atuosidade, como se um desses conceitos não permanecesse e perecesse com o outro, e tivesse verdade por si. Mas, se se diz a eles que a natureza não está fora de Deus, mas em Deus, entendem com isso essa natureza que foi morta pela separação de Deus, como se essa, em geral, fosse algo em si ou, em geral, algo mais do que a criatura fabricada por eles mesmos. Mas, assim como a parte natural do mundo, também a parte livre não é algo separado daquilo em que ambas são, não tanto uma, mas, antes, não separadas em geral. Mas é impossível que, onde ambas são uma, elas sejam por aquilo pelo qual são fora dele, portanto uma por necessidade, a outra por liberdade. A potência suprema, portanto, ou o verdadeiro Deus, é aquele fora do qual a natureza não é, assim como a verdadeira natureza é aquela fora da qual Deus não é. Aquela unidade sagrada, pois, em que Deus é inseparado da natureza e que na vida, por certo, é experimentada como destino, conhecê-la na intuição imediata, suprassensível, é a iniciação à beatitude suprema, que só é encontrada na contemplação do perfeitíssimo. A promessa, pois, que vos fiz, de revelar em sua universalidade, na medida em que fosse capaz, o fundamento da verdadeira filosofia, acredito tê-la cumprido, e ter mostrado, em diferentes formas, sempre o uno, que é objeto da filosofia. Mas o modo como é possível continuar a construir sobre esse fundamento e como o germe divino da filosofia pode ser levado a seu supremo desenvolvimento, e que forma acreditais convir a tal doutrina, podeis vós mesmos investigar ainda. ANSELMO E muito me parece, ó excelente, que temos de preocupar-nos com as formas; pois, embora, de modo geral, não somente conhecer o supremo em sua universalidade, mas expô-la em traços duradouros e permanentes, igual à natureza, seja aquilo que eleva a arte à condição de arte, a ciência à condição de ciência, e as distingue do diletantismo, contudo, em particular, a matéria do mais nobre e do mais esplêndido, de que versa a filosofia, enquanto dispensa forma e figura, não está livre de corrupção, e talvez as formas mais imperfeitas tenham perecido, mas a nobre matéria que estava ligada a elas, depois que foi liberada delas, deve ter sido confundida com matéria ignóbil, volatilizada e, por fim, tornada inteiramente irreconhecível, para exigir formas mais duradouras e menos mutáveis. Mas nunca a matéria da filosofia parece ter estado mais sujeita a mudança do que justamente naquele tempo, entre nós, em que, com a mais viva intranquilidade, se aspirou pelo imperecível. Pois, enquanto alguns a encontraram no mais inseparável e no mais simples, para estes ela se converteu em água, para aqueles em seca areia, e para outros toma-se cada vez mais fina, mais transparente, e como que semelhante ao ar. Por isso não é de admirar se a maioria considera a filosofia suscetível apenas de aparições meteóricas, e mesmo as formas mais grandiosas em que ela se manifestou participam do destino dos cometas junto ao povo, que não as enumera entre as obras permanentes e eternas da natureza, mas entre as aparições efêmeras de vapores ígneos. Por essa razão, além disso, é quase aceito pela maioria que possa haver diversas filosofias e que, de todos os que, em geral, se empenham em filosofar, cada um tenha necessariamente sua filosofia particular. Mas com potência superior oprime a todos o tempo, estão todos moldados no mesmo e único anel e só vão até onde a corrente alcança, e os que querem afastar-se para mais longe são, em regra, os que recaem mais fundo. A considerar com rigor, padecem todos do mesmo mal, o de conhecerem apenas um único gênero de conhecimento: aquele que infere do efeito à causa. E, depois de haverem julgado meramente a razão que está a serviço do entendimento e, com isso, acreditarem ter provado, quanto à própria razão, que ela se enreda apenas em sofismas inevitáveis e em vãs contradições, estão autorizados a fazer, de seu medo diante da razão, a própria filosofia. Mas, se querem transpor esses limites, diante de nada se amedrontam tanto, quanto diante do Absoluto, assim como diante do conhecimento categórico e apodítico. Não podem dar nenhum passo sem partir do finito e, a partir deste, inferir, a esmo, se podem chegar a algo que fosse pura e simplesmente e por si mesmo. Mas, seja o que for que ponham como Absoluto, põem-no necessariamente e sempre com uma oposição, para que não se torne Absoluto. Mas, entre aquele e seu oposto, não há, mais uma vez, nenhuma outra relação, senão a de causa e efeito, e entre todas as formas repete-se um único começo, um único esforço, de não conceder a unidade daquilo que separaram no entendimento e de fazer da dualidade inata e irrefreável de sua natureza a própria filosofia. Contudo, isso vale para a plebe dos que agora filosofam. Mas mesmo o melhor que este século trouxe e que ainda vale como o mais alto - transformou-se, na exposição e no entendimento da maioria, em uma mera negatividade. Explicariam perfeitamente o finito pela forma, se o eterno não se obstinasse em recusar a matéria. Sua filosofia consiste na demonstração de que aquilo que absolutamente nada é, o mundo dos sentidos, efetivamente nada é, e a essa filosofia, categórica apenas diante do nada, denominam idealismo. Mas as formas grandes e verdadeiras estão mais ou menos desaparecidas. A matéria da filosofia é da natureza do mais indecomponível, e em toda forma há apenas tanto de verdadeiro e justo, quanto ela tem em si dessa indecomponibilidade. Mas, assim como o único centro de gravitação da Terra pode entretanto ser considerado de quatro diferentes lados, e a única protomatéria se expõe através de quatro metais, igualmente nobres, igualmente inseparáveis, assim aquele indecomponível da razão enunciou-se, principalmente, em quatro formas, que como que designam os quatro pontos cardeais da filosofia; pois ao mundo ocidental parece pertencer aquilo que os nossos denominaram materialismo e ao oriente aquilo que denominaram intelectualismo, mas ao sul podemos nomear o realismo, ao norte o idealismo. Mas o metal único da filosofia, que em todos é o mesmo, conhecê-lo em sua pureza e solidez é o alvo da suprema aspiração. Mas conhecer essas formas particulares e seus destinos parece-me importante para aquele que quer elevar-se acima delas, e agradável para aquele que se elevou acima delas. Por isso, se é de vosso agrado, é meu parecer que Alexandre nos revele a história daquela filosofia que conhece o princípio eterno e divino na matéria e eu, por minha vez, a essência daquela doutrina do mundo intelectual, mas Luciano e tu, Bruno, tomeis em consideração a oposição do idealismo e do realismo. Pois assim parece-me coroar-se da maneira mais perfeita o edifício de nosso diálogo, se mostrarmos como a única ideia, que fomos ensinados a pressupor e a buscar antes de tudo na filosofia, foi posta no fundamento de todas as formas e das mais diversas manifestações da razão que se configura em filosofia. ALEXANDRE No tocante aos destinos daquela doutrina, (Para conhecedores talvez não seja preciso lembrar que a exposição seguinte se aproxima muito do modo particular como Giordano Bruno expõe a doutrina do universo, especialmente segundo o brilhante extrato de sua obra: na Causa, do Princípio e do Uno, dado em apêndice às Cartas sobre a Doutrina de Espinosa, de Jacobi. Excetuando-se que Bruno explica a alma e a forma de uma coisa como idênticas, e por isso se torna impossível para ele chegar ao ponto supremo de indiferença entre matéria e forma com completa clareza, enquanto Alexandre afirma a própria alma como uma das oposições contidas na forma e, portanto, a subordina à forma, os seguintes trechos de Bruno podem ser considerados como documentação e paralelos para sua exposição: "Temos de distinguir da forma contingente a forma necessária, eterna e primeira, que é forma e fonte de todas as formas". "Essa primeira forma universal e aquela primeira matéria universal, como são unificadas, inseparáveis, diferentes, e contudo apenas uma única essência? É esse enigma que devemos tentar resolver." "A possibilidade perfeita da existência das coisas não pode preceder sua existência efetiva e tampouco sobreviver a ela. Se houvesse uma possibilidade perfeita de ser efetivo, sem existência efetiva, as coisas criariam a si mesmas e existiriam antes de existirem. O princípio primeiro e perfeitíssimo abrange em si toda existência, pode ser tudo e é tudo. Força ativa c potência, possibilidade e efetividade são, pois, nele, um uno inseparado e inseparável. Não são assim as outras coisas, que podem ser ou não ser, ser determinadas assim ou de outro modo. Cada homem é, a cada instante, aquilo que pode ser nesse instante, mas não tudo o que pode ser, em geral e segundo a substância. Aquilo que é tudo o que pode ser é somente um único, que compreende em sua existência toda outra existência." "O universo, a natureza inengendrada, é, do mesmo modo, tudo o que pode ser, em ato e de uma vez, porque abrange em si toda matéria, ao lado da forma eterna, inalterável, de suas figuras cambiantes; mas em seus desenvolvimentos de momento a momento, em suas partes particulares, estados, seres singulares, em sua exterior idade em geral, já não é mais o que é e pode ser, mas somente uma sombra da imagem do primeiro princípio, no qual força ativa e potência, possibilidade e efetividade são um e o mesmo." "Não temos olho nem para a altura dessa luz nem para a profundeza desse abismo; sobre isto os livros sagrados, coligindo os dois extremos, dizem com sublimidade: "Evite-se confundir a matéria da segunda espécie, que é somente o sujeito das coisas naturais e alteráveis, com aquela que têm em comum o mundo sensível e o suprassensível." "Essa matéria, que está no fundamento das coisas incorpóreas como das corpóreas, é uma essência diversa, na medida em que encerra em si a multidão das formas, mas, considerada em si, absolutamente simples e indivisível. Porque é tudo, não pode ser nada em particular. Concedo que não é fácil para todos compreender como algo pode possuir todas as propriedades e nenhuma, ser a essência formal de tudo e, no entanto, não ter nenhuma forma; contudo, é conhecida dos filósofos a proposição: Não podem ser o mesmo, tudo e algo. Nota do Autor) que tem o nome da matéria, meu amigo, posso concisamente mostrar que não são outros do que aqueles que, no curso do tempo, toda outra doutrina especulativa não menos experimentou, e que foi, também, somente no declínio da filosofia que ela encontrou o seu. Pois o que nos foi transmitido pelos antigos sobre o sentido daquela doutrina é suficiente para ensinar-nos que ela trouxe os germes da suprema especulação mais ou menos desenvolvidos em si. Mas a verdadeira ideia da matéria perdeu-se muito cedo e, em todo tempo, só foi conhecida de poucos. Ela é a própria unidade do princípio divino e natural, portanto absolutamente simples, imutável, eterna. Mas a posteridade e já Platão entenderam por matéria o mero sujeito das coisas naturais e alteráveis, e este, todavia, não é absolutamente nada que pudesse ser tornado princípio; mas o uno, que está acima de toda oposição e somente no qual aquilo que é natural nas coisas e aquilo que nelas é divino se distinguem e são opostos, é o que os criadores dessa doutrina denominaram a matéria. Épocas ainda mais tardias confundiram matéria com corpo e misturaram aquilo que segundo sua natureza é corruptível e perecível com o incorruptível e imperecível. Uma vez chegados tão longe, era fácil tomar ainda a tosca massa inorgânica pela verdadeira matéria originária. Mas a ideia da matéria não está onde orgânico e inorgânico já se separaram, e sim naquilo em que estão juntos e são um. Mas esse ponto, justamente por isso, não pode ser contemplado com olhos sensíveis, mas somente com olhos da razão. O modo como provieram dessa unidade todas as coisas pode ser representado da seguinte maneira. A matéria, em si, é sem nenhuma diversidade. Contém todas as coisas, mas, por isso mesmo, sem nenhuma discernibilidade, inseparadas, como que em uma possibilidade infinita encerrada em si mesma. Mas aquilo pelo qual todas as coisas são um é justamente a própria matéria, e aquilo pelo qual são diferentes e pelo qual cada uma delas se separa da outra é a forma. Mas as formas são todas perecíveis, não eternas; mas eterna, imperecível como a própria matéria, é a forma de todas as formas, a forma necessária e primeira, que, porque é forma de todas as formas, não pode ser, por sua vez, semelhante ou igual a nenhuma forma particular e tem de ser absolutamente simples, infinita, imutável e, por isso mesmo, igual à matéria. Mas dela não está excluída nenhuma forma, de tal modo que ela é infinitamente fecunda em formas, e a matéria, por si mesma, é pobre; por isso os antigos, ao fazerem Eros ser engendrado da riqueza e da pobreza, e o mundo formado por ele, parecem ter assinalado, com isso, justamente aquela relação da matéria com a forma originária. Para estes, pois, está na matéria a infinita possibilidade de todas as formas e figuras, mas esta, que em sua indigência é excelente, é igualmente bastante a todas, e como, em relação ao perfeitíssimo, possibilidade e efetividade são, sem tempo, um, também todas aquelas formas estão expressas nela desde a eternidade e, em relação a ela, são, em todo tempo, ou antes, sem nenhum tempo, efetivas. Pela forma de todas as formas, portanto, o Absoluto pode ser tudo, pela essência ele é tudo. As coisas finitas, como tais, são, por certo, em todo tempo, aquilo que podem ser neste instante, mas não aquilo que poderiam ser segundo sua essência. Pois a essência é em todas infinita, e por isso são as coisas finitas aquelas em que forma e essência são diferentes, aquela finita, esta infinita. Mas aquilo em que essência e forma são pura e simplesmente um é sempre aquilo que pode ser, a todo tempo e de uma só vez, sem distinção de tempo, mas tal só pode ser um único. Pela mesma diferença a existência das coisas singulares se torna uma existência temporal, pois, já que elas, com uma parte de sua natureza, são infinitas, com a outra finitas, aquela contém, por certo, a infinita possibilidade de tudo aquilo que está em sua substância segundo a potência, mas esta, necessariamente e sempre, apenas uma parte daquela possibilidade, para que forma e essência sejam diferentes; o finito nelas, portanto, somente na infinitude é adequado àquela, à essência. Mas essa finitude infinita é o tempo, do qual o infinito da coisa contém a possibilidade e o princípio, e o finito a efetividade. Dessa maneira o Absoluto, já que para si mesmo é uma unidade absoluta, absolutamente simples, sem nenhuma pluralidade, passa, por certo, ao fenômeno, em uma unidade absoluta da pluralidade, em uma totalidade fechada, que denominamos universo. Assim a totalidade é unidade, a unidade totalidade, ambas são diferentes, mas a mesma. Mas, para que aquela forma de todas as formas, que poderíamos certamente denominar, como outros, a vida e a alma do mundo, não seja pensada por alguém como alma, que está oposta à matéria como ao corpo, é preciso notar bem que a matéria não é o corpo mas aquilo em que o corpo e a alma existem. Pois o corpo é necessariamente mortal e perecível, mas a essência é imortal e imperecível. E aquela forma das formas, considerada absolutamente, não está oposta à matéria, mas é una com ela, embora, na referência ao singular, porque este nunca é inteiramente o que pode ser, ponha necessariamente e sempre uma oposição, que é a do infinito e do finito, e esta mesma é a da alma e do corpo. Alma e corpo estão, pois, eles mesmos, compreendidos naquela forma de todas as formas, mas esta, que, como é simples, pode ser tudo e, porque é tudo, não pode ser nada em particular, é pura e simplesmente una com a essência. A alma, pois, como tal, está necessariamente subordinada à matéria, mas oposta ao corpo sob aquela. Desse modo, portanto, assim como foi explicitado, todas as formas são inatas à matéria, mas forma e matéria em todas as coisas são necessariamente uma só coisa. O que alguns, depois de terem visto como em todas as coisas matéria e forma se buscam, exprimiram figuradamente deste modo: a matéria, de maneira semelhante como a mulher deseja o homem, deseja a forma, e lhe é fervorosamente dedicada; mas alguns, porque, embora matéria e forma, consideradas absolutamente, sejam inteiramente indiscerníveis, a matéria, na medida em que é expressa no finito e se torna corpo, aparece como receptiva à diferença mas, no infinito ou na medida em que se torna alma, aparece como unidade, denominaram, seguindo o precedente dos pitagóricos, que haviam denominado a Monas o pai e a Dyas a mãe dos números, a forma o pai e a matéria a mãe das coisas. Mas o ponto em que matéria e forma são totalmente um, e a alma e o corpo, nessa própria forma, são indiscerníveis - está acima de todo fenômeno. Uma vez chegados ao conhecimento de como, na matéria, alma e corpo podem separar-se, concebemos, além disso, que o progresso dessa oposição não tem nenhum limite; mas, seja qual for a excelência a que possam chegar, nela, a alma e o corpo, esse desenvolvimento ocorre, entretanto, somente no interior do princípio da matéria, que abrange tudo e é eterno. Há uma única luz, que ilumina tudo, e uma única força de gravidade, que aqui ensina os corpos a preencherem o espaço, ali dá às produções do pensar subsistência e essência. Aquele é o dia, esta a noite da matéria. Quão infinito é seu dia, infinita é também sua noite. Nessa vida universal nenhuma forma nasce exteriormente, mas apenas por arte interior, viva e inseparada de sua obra. Há uma única fatalidade de todas as coisas, uma única vida, uma única morte; nada ultrapassa o outro, há somente um único mundo, uma única planta, da qual tudo o que é são somente folhas, flores e frutos, cada qual diferente, não segundo a essência, mas segundo o grau, um único universo, mas em relação ao qual tudo é esplêndido, verdadeiramente divino e belo, e ele mesmo inengendrado em si, igualmente eterno como a própria unidade, inato, imarcescível. Como, em todo tempo, está inteiro, perfeito, a efetividade nele adequada à possibilidade, em parte nenhuma uma lacuna, uma ruptura, assim não há nada pelo qual poderia ser arrancado de seu repouso imortal. Vive um ser imutável, sempre igual a si. Toda atividade e movimento só é uma maneira de consideração do singular e, como tal, somente a continuação daquele ser absoluto, jorrando imediatamente de seu mais profundo repouso. Assim como não pode mover-se, pois todo espaço e todo tempo em que se moveria estão nele, mas ele mesmo não está compreendido em nenhum tempo e em nenhum espaço, tampouco pode mudar sua figura interior; pois também toda mudança, enobrecimento ou aviltamento das formas está meramente na consideração do singular; mas, se pudéssemos contemplá-lo no todo, ele mostraria ao olho encantado, embriagado, um semblante constantemente, inalteravelmente sereno, igual a si mesmo. Mas, daquela mudança que está junto do imperecível, não se pode nem dizer que começou nem que não começou. Pois é independente do eterno, não segundo o tempo, mas segundo a natureza. Também não é, portanto, finita segundo o tempo, mas segundo o conceito, isto é: é eternamente finita. Mas a essa finitude eterna jamais pode ser adequado um tempo, tão pouco um que começou quanto um que não começou. Mas o tempo, que matou tudo, e aquela idade particular do mundo, que ensinou os homens a separarem o finito do infinito, o corpo da alma, o natural do divino, e a banirem ambos para dois mundos inteiramente diferentes, tragou também aquela doutrina no túmulo universal da natureza e na morte de todas as ciências. E, depois que, primeiramente, a matéria foi morta e a imagem tosca foi colocada no lugar da essência, foi fácil prosseguir até a opinião de que todas as formas da matéria estão expressas exteriormente: como seriam meramente exteriores e não haveria fora delas nada de imperecível, elas teriam também de estar inalteravelmente determinadas; dessa maneira a unidade interior e o parentesco de todas as coisas foram anulados, o mundo pulverizado em uma multidão infinita de diferenças fixas, até que, a partir disso, se formou a representação geral segundo a qual o todo vivo se assemelha a um recipiente ou a um habitáculo no qual as coisas estão colocadas, sem tomar parte uma na outra e sem que uma vivesse ou atuasse na outra. Enquanto aqueles inícios da matéria eram mortos, a morte foi decretada como princípio, mas a vida como algo derivado. Depois que a matéria se havia conformado a essa morte, não faltava, para banir os últimos testemunhos de sua vida, nada mais que fazer, daquele espírito universal da natureza, a forma de todas as formas, a luz, uma igual essência corpórea e separá-la mecanicamente, como tudo; como, dessa maneira, a vida foi extinta em todos os órgãos de todo e mesmo os fenômenos vivos dos corpos entre si foram reduzidos a movimentos mortos, restava agora a suprema e última culminância, a saber, a tentativa de chamar de volta à vida, mecanicamente, essa natureza morta até seu íntimo, esforço que, nos tempos subsequentes, se chamou materialismo, e, se seu desvario não foi capaz de reconduzir aqueles que o conheciam até a primeira fonte e se, antes, serviu apenas para confirmar ainda mais a morte da matéria e pô-la fora de toda dúvida, ele, em vez disso, produziu uma rudeza da representação da natureza e de sua essência, em referência à qual se tornam respeitáveis aqueles povos, outrora denominados rudes, que adoravam o sol, os astros, a luz, ou animais ou corpos naturais isolados. Mas, porque a vida não pode fugir inteiramente dos pensamentos dos homens, assim como não pode fugir do universo, ela se refugiou imediatamente, da natureza, em um mundo aparentemente diverso, e assim elevou-se imediatamente, do declínio daquela filosofia, a nova vida daquela antiquíssima doutrina do mundo intelectual. ANSELMO Não sem razão, ó amigo, (Anselmo, enquanto se prende, por um lado, ao intelectualismo leibniziano, parece, por outro lado, ser também tolhido em sua exposição pela primeira limitação deste, que consiste em partir do conceito da mônada; ao mesmo tempo, poderia entretanto surgir a questão: se aqui aquela doutrina não foi efetivamente reinterpretada em um sentido superior e se, nos embaraços e deformações tornados necessários por aquela limitação primeira, poderia jamais transparecer uma expressão da verdadeira filosofia com a clareza que têm vários pontos na fala de Anselmo, por exemplo, que somente uma representação inadequada permite ver as coisas fora de Deus, e outras semelhantes. Essa questão é tanto mais natural quanto mais universalmente, até nosso tempo, mesmo para aqueles que se declaram adeptos de Leibniz ou querem reconduzir a ele a filosofia, sua doutrina, não sem sua culpa, e em pontos capitais, como o da harmonia preestabelecida (que é referida à vinculação do corpo com a alma), a relação das mônadas com Deus, e assim por diante, permaneceu inteiramente incompreendida; mesmo assim, pode ser que na fala de Anselmo não se encontrasse nada que não pudesse ser documentado com passagens isoladas de Leibniz, sem que fosse necessário refugiar-se no apelo ao espírito do sistema do intelectualismo. No tocante, por exemplo, ao ser das unidades em Deus, e que, para a representação adequada ou de razão, tudo está em Deus, é possível referir-se a muitas afirmações que, em parte, se encontram nos próprios Nouveaux Essais. em parte em um adendo a estes, sobre o teorema de Malebranche, segundo o qual vemos todas as coisas em Deus. Nota do Autor) enalteces a alta antiguidade daquela doutrina de que todas as coisas no universo só adquirem sua existência por comunicação e causação de naturezas que são mais perfeitas e mais excelentes do que elas mesmas. E com fundamento poderia alguém, meditando em que o conhecimento das coisas eternas está somente nos deuses, chegar à opinião de que ele provém daqueles tempos em que os mortais tinham relações com os deuses, e aliás, em sua origem e ali de onde fluiu primeiro, ele não era separado nem da veneração dos deuses nem de uma vida sagrada e adequada ao conhecimento delas. Tríplice, pois, ó amigo, é a gradação dos seres. O primeiro grau é o dos que aparecem, que não são em si, verdadeiramente, e independentemente das unidades que ocupam o segundo grau. Mas cada uma destas é somente um espelho vivo do mundo arquetípico. Este é o único real. Todo ser verdadeiro, pois, está somente nos conceitos eternos ou nas ideias das coisas. Mas verdadeiramente absoluto é somente um arquétipo tal, que não é meramente modelo e tem ou produz a oposição fora de si em outro, mas que unifica ao mesmo tempo modelo e cópia em si, de tal maneira que cada ser copiado tira dele imediatamente, apenas com perfeição mais limitada, a unidade e a oposição, e do modelo a alma, mas da cópia o corpo. Este, contudo, como é necessariamente finito, está expresso naquilo em que está desde a eternidade junto do modelo, sem prejuízo da finitude, de maneira infinita. A ideia, pois, ou a unidade absoluta é o inalterável, não submetido a nenhuma duração, a substância considerada pura e simplesmente, da qual aquilo que comumente é denominado substância tem de ser considerado como um mero reflexo. Mas as unidades são o que é derivado das ideias; pois se nelas se considera a substância, mas esta como é em si, elas são as próprias ideias, mas se se considera nelas aquilo pelo qual são individuadas ou separadas da unidade e a substância na medida em que é o real, esta permanece, por certo, também na aparência, como a substância corpórea, que, por mais multiplamente que se mude sua forma, não é alterada, e nem aumentada nem diminuída, fiel à natureza do inalterável; mas aquele, o individuante, é necessariamente mutável, sem permanência e mortal. Se, pois, há na ideia uma unidade infinita do mundo dos modelos e do mundo real, nasce dela a unidade copiada, quando um conceito tira da plenitude infinita do mundo das cópias um singular, ao qual se refere, caso em que se relaciona a este como a alma ao corpo. E quanto maior aquela parte do mundo das cópias, e quanto mais é intuído nela o universo, quanto mais, portanto, a cópia, que é finita, se torna igual à natureza do modelo, tanto mais a unidade se aproxima da perfeição da ideia ou da substância. Mas aquilo que se comporta como cópia tem sempre e necessariamente uma natureza determinável, e aquilo ao qual corresponde, uma natureza determinante. Mas, como na ideia de todas as ideias ambos são pura e simplesmente um, mas ela mesma é a vida da vida, o fazer de todo fazer (pois somente porque ela é o próprio fazer pode ser dito dela que ela age), a primeira pode, por certo, ser considerada nela como querer, mas o segundo como o pensar. De tal modo que, sendo em cada coisa algo determinável e algo determinante, aquele é a expressão do querer divino, este do entendimento divino. Vontade, contudo, e entendimento são, uma como o outro, somente na medida em que se manifestam nas coisas criadas, mas não em si mesmos. Mas aquilo que unifica o determinante com o determinável é a imitação da própria substância absoluta ou da ideia. Mas onde o modelo e onde a cópia começa ou cessa, é impossível dizer. Pois, como cada um deles está infinitamente vinculado ao outro na ideia, também não pode estar separado em nada, e estão necessariamente e ao infinito juntos. Aquilo, pois, que sob um aspecto é o determinável, é, em si mesmo, outra vez, uma unidade semelhante à arquetípica, e o que nesta, mais uma vez, aparece como o determinável é, considerado em si, uma unidade mista de determinável e determinante. Pois tão infinita quanto a efetividade no mundo das cópias é a possibilidade no mundo dos modelos, e surgem referências cada vez mais altas da possibilidade naquele à efetividade neste. Quanto mais, portanto, o determinável em um ser tem da natureza do determinante, que é infinita, tanto mais alta é a unidade de possibilidade e efetividade que está expressa nele. Por isso, não é preciso provar que os corpos orgânicos e, dentre estes, os que são mais orgânicos, são, de todo o determinável, o que é mais perfeito. Mas, sendo a alma imediatamente apenas a unidade do corpo, que é necessariamente singular e, segundo sua natureza, finita, também são suas representações necessariamente insignificantes, confusas, inadequadas. Pois nessa medida a substância não lhe aparece em si, mas na referência à oposição do determinante e do determinável, não como aquilo em que ambos são absolutamente um, mas como aquilo que os reúne de maneira infinita. Mas a ideia mesma ou a substância da alma e do corpo, naquela referência da alma ao corpo, entra em uma relação exterior com a substância absoluta e é, ela mesma, determinada por aquela a submeter, em primeiro lugar, o corpo e a alma, mas, em seguida, também outras coisas que estão vinculadas com o conceito de corpo, ao tempo e à duração, mas a conhecer a própria substância absoluta somente como o que é fundamento do ser (mas este é o oposto do conhecimento perfeito), e isso tanto fora de si mesma, em outras coisas, quanto em si mesma. Pois, assim como ela mesma, na referência à unidade determinada do corpo e da alma, é somente uma imagem da verdadeira unidade, assim também se torna, para ela, de igual maneira, tudo o que em outras coisas é o real. Esse, pois, é o modo como o mundo fenomênico nasce das unidades. Mas toda unidade, considerada em si, sem levar em consideração a oposição da alma e do corpo, é o perfeito e a própria substância absoluta, pois esta, que não é relativamente, mas pura e simplesmente e em si, indivisível, é em relação a cada unidade o mesmo Absoluto, em que possibilidade e efetividade são um e, na medida em que, impedida por sua própria natureza de tomar parte na quantidade, ela é, por seu conceito, una, cada uma das unidades é um mundo perfeito, autossuficiente, e quantas unidades há, há também tantos mundos, mas estes, como cada um deles é igualmente inteiro, cada um absoluto em si, são, mais uma vez, não distintos um do outro, mas um único mundo. E se consideramos aquele em-si da unidade vemos que nada de fora pode chegar a ela, pois, nessa medida, ela é a própria unidade absoluta, que contém tudo em si e produz tudo a partir de si, e que nunca é dividida, mesmo quando as formas se separam. A produtividade, em cada unidade, é, pois, a própria perfeição de todas as coisas, mas aquilo pelo qual o eterno que está nela se transforma em um temporal é seu princípio limitante e individuante. Pois o em-si de cada uma representa, sempre igual, o universo, mas o particular reflete em si tanto daquela unidade absoluta, quanto nele é expresso dela pela oposição relativa da alma e do corpo, e, como o modo dessa oposição determina a maior ou menor perfeição da alma e do corpo, cada uma, considerada temporalmente, representa o universo em conformidade com seu grau de desenvolvimento e em cada uma há tanto deste quanto ela pôs em si pelo princípio individuante. Mas cada uma se determina de igual maneira sua passividade e sua atividade, ao sair da comunidade com o eterno, em que estão as ideias de todas as coisas, sem passividade mútua uma em relação à outra, cada uma perfeita, igualmente absoluta. Nenhuma substância pode, pois, como substância, experimentar a ação de uma outra ou agir, ela mesma, sobre esta, pois como tal cada uma delas é indivisível, inteira, absoluta, o próprio uno. A relação de alma e corpo não é uma relação de diferente a diferente, mas de unidade a unidade, das quais cada uma, considerada em si, expondo mais uma vez em si o universo, em conformidade com sua natureza particular, concorda com a outra, não por vinculação de causa e efeito, mas pela harmonia determinada no eterno. Mas o corpo, como tal, é movido pelo corpo, pois ele próprio pertence apenas à aparência, mas no mundo verdadeiro não há nenhuma passagem; pois o em-si é a unidade que, considerada verdadeiramente, é tão pouco suscetível quanto carente de ação, mas, sempre igual a si mesma, cria constantemente infinito no finito. Mas o único que é pura e simplesmente é a substância de todas as substâncias, que é denominada Deus. A unidade de sua perfeição é o lugar universal de todas as unidades e está para estas assim como, no reino da aparência, está para os corpos sua imagem, o espaço infinito, que, intocado pelos limites do singular, passa através de todos. Somente na medida em que as representações das unidades são incompletas, limitadas, confusas, elas representam o universo fora de Deus e relacionam-se a ele como a seu fundamento, mas na medida em que são adequadas representam-no em Deus. Deus, portanto, é a ideia de todas as ideias, o conhecer de todo conhecer, a luz de toda luz. Dele vem tudo e para ele vai tudo. Pois, primeiramente, o mundo fenomênico está separado apenas nas unidades e não delas, pois somente na medida em que contemplam a aparência turvada da unidade o universo é nelas sensível, consistindo em coisas separadas, que são perecíveis e incessantemente mutáveis. Mas as unidades mesmas são, por sua vez, separadas de Deus somente em referência ao mundo fenomênico, mas em si estão em Deus e são um com ele. E isto, ó amigos, que compreende apenas os pontos capitais daquela doutrina, considerei suficiente para demonstrar que também essa forma da filosofia reconduz àquele Uno, que foi determinado como aquele em que, sem oposição, tudo é, e somente no qual é intuída a perfeição e verdade de todas as coisas. BRUNO Resta ainda, segundo vossa vontade, ó amigos, considerar a oposição entre realismo e idealismo. Mas já se aproxima o tempo de separar-nos. Esforcemo-nos, pois, Luciano, por compreender no mínimo o máximo e, se te parece propício, coloquemos no fundamento da investigação a questão: que realismo teria de ser oposto ao idealismo, e que idealismo ao realismo. LUCIANO Antes de tudo, então, parece necessário dizer, em geral, como idealismo e realismo podem distinguir-se. Mas não pelo objeto, se ambos visam o gênero supremo do conhecimento, pois este é necessariamente apenas um. Mas, se não são, em geral, de natureza especulativa nem um dos dois nem ambos, no primeiro caso não é possível nenhuma comparação, no outro não vale a pena investigar sua diferença. Mas o uno de toda filosofia é o Absoluto. BRUNO Este, pois, tem de ser, em ambos, de igual maneira, objeto do gênero supremo de conhecimento. LUCIANO Necessariamente. BRUNO É tua opinião, pois, que se distinguem pelo modo de consideração? LUCIANO Assim penso. BRUNO Mas como? Há no Absoluto uma diferença ou duplicidade, ou não é ele, antes, necessária e pura e simplesmente um? LUCIANO Não uma duplicidade nele mesmo, mas somente na consideração. Pois, por certo, ao ser considerado nele o real nasce o realismo, ao ser considerado o ideal, o idealismo. Mas nele mesmo o real é também o ideal e, inversamente, o ideal é o real. BRUNO Parece necessário que determines o que denominas o real e o que denominas o ideal; pois essas palavras, como sabemos, estão sujeitas a significações muito diferentes. LUCIANO Por real entendamos, então, nesta investigação, a essência em geral, e por ideal a forma. BRUNO O realismo nasceria, pois, pela reflexão sobre a essência e o idealismo pela fixação da forma do Absoluto. LUCIANO Assim é. BRUNO Mas como, não dizíamos que no Absoluto forma e essência são necessariamente um? LUCIANO Tão necessariamente quanto, no finito, a essência se distingue da forma. BRUNO Mas um de que modo? LUCIANO Não por vinculação, mas de tal modo que cada um é por si o mesmo, ou seja, cada um por si o Absoluto inteiro. BRUNO Realismo e idealismo, pois, na medida em que um considera o Absoluto segundo a essência, o outro segundo a forma, considerariam necessariamente e sem contradição, em ambos, uma só coisa (se é que consideram, em geral, uma coisa) - um só objeto. LUCIANO Obviamente. BRUNO Mas qual seria o melhor modo de designar essa unidade, que não repousa sobre um ser ao mesmo tempo, mas sobre um total ser igual? LUCIANO Já a designamos anteriormente, não sem propriedade, ao que me parece, como indiferença, e com isso exprimimos justamente aquela indiferença o para o modo de consideração. BRUNO Mas se idealismo e realismo são as supremas oposições da filosofia, não repousa sobre a compreensão dessa indiferença a compreensão da filosofia sem nenhuma oposição, da filosofia pura e simplesmente? LUCIANO Sem dúvida. BRUNO Continuemos em busca daquele segredo, de todos o mais alto. Já não estabelecemos antes que o Absoluto, de todos os opostos, não é nem um nem o outro, é pura identidade e, em geral, nada é senão ele mesmo, ou seja, totalmente absoluto? LUCIANO Certamente. BRUNO E, quanto à forma, concordamos que ela é a de um e do outro, ou seja, da idealidade e da realidade, do subjetivo e do objetivo, mas de ambos com igual infinitude. LUCIANO Assim é. BRUNO Mas toda unidade de subjetivo e objetivo, pensada como ativa, é um conhecer. LUCIANO Entende-se. BRUNO Um conhecer, pois, que com igual infinitude é ideal e real, é um conhecer absoluto. LUCIANO Com toda certeza. BRUNO Um conhecer absoluto, além disso, não é um pensar em oposição ao ser, mas, ao contrário, mantém o pensar e o ser já unificados em si e de maneira absoluta. LUCIANO Indiscutivelmente. BRUNO Tem, pois, também o pensar e o ser sob si, não acima de si. LUCIANO É necessariamente superior a ambos, na medida em que são opostos. BRUNO Mas esse conhecer está, com a essência do eterno, em relação de absoluta indiferença. LUCIANO Necessariamente, pois é a forma. BRUNO Mas, como tem o pensar e o ser sob si, ser-nos-ia impossível fazer do pensar ou do ser atributos imediatos do próprio Absoluto, segundo a essência. LUCIANO Impossível. BRUNO Poderemos, então, considerar como perfeito do lado da forma um realismo tal que considera o pensamento e a extensão como as propriedades imediatas do Absoluto, como se costuma entender aquele que é tomado pelo mais perfeito? LUCIANO Jamais poderemos fazê-lo, BRUNO Mas aqueles que, seja da maneira que for, fazem do pensar como talo princípio e lhe opõem pura e simplesmente o ser, nós os incluiremos inteiramente entre os imaturos em filosofia. LUCIANO Dizes bem. BRUNO Mas não é necessário descrevermos o conhecer absoluto como um conhecer tal, em que o pensar é imediatamente também uma posição do ser, assim como a posição do ser é também um pensar, enquanto esta, no conhecer finito, aparece, antes, como um não pôr do pensar, assim como o pensar como um não ser do ser? LUCIANO Inevitavelmente, assim parece. BRUNO Mas com isso não pomos, ao mesmo tempo, porque em relação a ele não há nenhuma oposição de pensar e ser, aquele conhecer absoluto como pura e simplesmente idêntico, simples, puro, sem nenhuma duplicidade? LUCIANO Certo. BRUNO Pensar e ser estão, pois, somente em potência, não em ato, nele. Aquilo de que algo se separou não precisa conter o separado, mas pode ser pura e simplesmente simples. Aquele conhecer, justamente por ser absoluto, torna necessária, em referência à finitude ou em geral ao fenômeno, a separação em pensar e ser, pois de outro modo não pode, como absoluto, exprimir-se em coisas finitas; mas aqueles dois só são postos com a separação e, antes dela e naquele, não estão de maneira nenhuma. LUCIA NO Isso tudo é de tal índole, que tenho de concordar. BRUNO Mas pensar e ser, no finito como tal, nunca mais podem ser unificados de maneira absoluta, mas sempre apenas relativamente? LUCIANO Consequência necessária, ao que parece, se a finitude, segundo a forma, repousa na oposição de pensar e ser. BRUNO Mas não há necessariamente, também no finito, um ponto em que ambos, se bem que não absolutamente inseparados, estão absolutamente unificados, ou seja, onde a essência do Absoluto expressa no infinito é exposta perfeitamente pela expressa no finito ou no ser? LUCIANO Nós deduzimos tal ponto. Está necessariamente onde o conhecer finito se refere, como subjetivo, a um objetivo, que expõe em si, como efetividade, a inteira possibilidade infinita daquele. É o ponto de enclave do infinito no finito. BRUNO Necessariamente, porém, a referência do conhecer finito ao objetivo, não obstante o infinito que este exprime no finito, é a referência a um singular. A unidade do pensar com o ser, portanto, somente na ideia ou em uma intuição intelectual é absoluta, mas em ato ou na efetividade é sempre apenas relativa. LUCIANO Isso é evidente. BRUNO E, como denominamos aquela unidade determinada do pensar e do ser, em geral, egoidade, podemos denominá-la, na medida em que é intuída intelectualmente, egoidade absoluta; na medida em que é relativa, egoidade relativa. LUCIANO Sem hesitação. BRUNO E na egoidade relativa é somente pela referência do conhecer objetivamente posto ao seu conceito infinito, mas somente por sua finitude e em sua finitude, que os objetos são infinitamente postos e determinados, a oposição do finito e do infinito é apenas relativamente suprimida, nascem verdades relativas, um saber, por certo infinito, mas apenas relativo. LUCIANO Também quanto a isso estamos de acordo. BRUNO Mas na egoidade absoluta ou na intuição intelectual as coisas não são determinadas para o fenômeno, embora infinitamente, mas segundo o caráter eterno, ou como são em si. Nasce um saber absoluto. LUCIANO Assim tem de ser. BRUNO Na medida em que os objetos são infinitamente determinados apenas pelo saber relativo, também só são por esse saber e para esse saber. LUCIANO Sem dúvida. BRUNO E se queremos considerar a idealidade, no sentido comum, apenas como o oposto da realidade sensível, e o idealismo como nada mais do que uma doutrina que nega a realidade do mundo dos sentidos, toda filosofia, perante as coisas assim determinadas, é necessariamente idealismo e oposta ao realismo, no mesmo sentido comum, com igual necessidade. LUCIANO Necessariamente. BRUNO Desse ponto de vista da mera unidade relativa de sujeito e objeto, a unidade absoluta de ambos aparece como algo pura e simplesmente independente dela, inalcançável pelo saber. Somente no agir ela se torna objetiva, conforme a sua natureza contida no saber relativo, ou seja, como uma unidade pura e simplesmente independente desse saber, pois o objetivo naquilo que deve ocorrer aparece como algo que absolutamente não é um saber, porque este (de acordo com a pressuposição) é condicionado, e aquele é incondicionado. Com isso, a relação de diferença do Absoluto com o saber e conhecer é firmada. A partir do saber relativo, portanto, o real originário é remetido à ética, e a especulação em relação ao mesmo é remetida ao dever. Somente aqui a unidade do pensar e do ser aparece como categórica e absoluta, mas, porque a absoluta harmonia da efetividade com a possibilidade nunca é possível no tempo, não é absolutamente posta, mas absolutamente postulada e, portanto, para o agir, como mandamento e tarefa infinita, mas para o pensar como crença, que é o fim de toda especulação. LUCIANO Não há nada a objetar contra a correção dessas consequências. BRUNO Depois que a unidade absoluta do pensar e do ser só existe como exigência, também por toda parte onde ela está, na natureza, por exemplo, ela só é pelo dever-ser e para o dever-ser. Este é a matéria originária não somente de todo agir, mas também de todo ser. Somente para a ética a natureza tem uma significação especulativa, pois é, em geral, somente órgão, somente meio: não considerada em função de sua própria divindade, bela sem finalidade fora de si e em si mesma, mas considerada por si mesma, morta, mero objeto e matéria de um agir, que está fora dela e não deriva dela mesma. LUCIANO A consequência é como tu dizes. BRUNO Uma filosofia, que se funda em tal saber, não exporá perfeitamente a totalidade da consciência comum e não lhe será inteiramente adequada, sem - justamente por isso - conter o mínimo de filosofia? LUCIANO Com toda certeza. BRUNO Aquele idealismo que, depois de ter perdido a unidade absoluta, toma por princípio, em vez do ponto de indiferença absoluto, o relativo da subordinação do ser sob o pensar, do finito e do eterno sob o infinito, será necessariamente oposto ao realismo? LUCIANO Infalivelmente, se este se funda na essência do Absoluto, e a este só pode ser igualado o conhecer absoluto. BRUNO Tal idealismo, justamente por isso, também não tem por princípio o ideal em si, mas somente o ideal que aparece como fenômeno? LUCIANO Necessariamente, pois senão se veria fora de toda oposição com o realismo. BRUNO Mas o sujeito-objeto puro, aquele conhecer absoluto, o eu absoluto, a forma de todas as formas, é o filho inato do Absoluto, igualmente eterno com ele, não diferente de sua essência, mas um. Portanto, quem possui a este, possui também o pai, somente através dele se chega àquele, e a doutrina que provém dele é a mesma que provém daquele. Aquela indiferença no Absoluto, pois, pela qual, em relação a ele, a ideia é a substância, o real pura e simplesmente, a forma é também a essência, a essência é a forma, uma inseparável da outra, cada uma não somente a imagem totalmente igualável da outra, mas a própria outra - conhecer essa indiferença é conhecer o centro de gravidade absoluto e como que aquele metal originário da verdade, cuja matéria liga todo verdadeiro singular, e sem o qual nada é verdadeiro. Esse centro de gravidade é o mesmo no idealismo e no realismo e, se ambos são opostos, é somente por falta do conhecimento ou da exposição perfeita do mesmo em um deles ou em ambos. Mas, no tocante à forma da ciência, e à exigência de levar o germe comprimido daquele princípio ao seu supremo desenvolvimento e até a perfeita harmonia com a forma do universo, do qual a filosofia deve ser a imagem fiel, para esse fim não podemos prescrever nenhuma regra mais excelente, seja a nós mesmos, seja a outros, para ter constantemente diante dos olhos, do que aquela que um filósofo antes de nós deixou formulada nestas palavras: Para penetrar nos segredos mais profundos da natureza, é preciso não cansar-se de pesquisar os extremos opostos e conflitantes das coisas; encontrar o ponto de unificação não é o mais grandioso, mas desenvolver a partir dele também seu oposto, este é propriamente o segredo, e o segredo mais profundo da arte. Somente seguindo este preceito conheceremos, na igualdade absoluta da essência e da forma, o modo como tanto o finito quanto o infinito jorram de seu interior, e um deles está necessária e eternamente junto do outro, e conceberemos como aquela verberação simples, que parte do Absoluto e é o próprio Absoluto, aparece separada em diferença e indiferença, finito e infinito, e determinaremos exatamente o modo da separação e da unidade para cada ponto do universo, e seguiremos este até o ponto em que aquele absoluto ponto de unidade aparece separado nas duas unidades relativas, e em uma delas conheceremos a fonte do mundo real e natural, na outra a do ideal e do divino, e com aquela celebraremos a humanização de Deus desde a eternidade, com esta a divinização necessária do homem, e movendo-nos sobre esse fio condutor espiritual livremente e sem obstáculo, ora, em sentido descendente, veremos a unidade do princípio divino e natural separada, ora, em sentido ascendente, veremos tudo dissolver-se outra vez no uno, a natureza em Deus e Deus na natureza. Em seguida, depois de termos alcançado essa altura e intuído a luz harmoniosa daquele conhecer maravilhoso, mas ao mesmo tempo conhecido a este como o real da essência divina, ser-nos-à proporcionado ver a beleza em seu supremo esplendor, sem sermos ofuscados por sua visão, e viver na santa comunidade com todos os deuses. Em seguida, compreenderemos a alma régia de Júpiter; sua é a potência; mas sob ele está o princípio formante e o amorfo, que, na profundeza do abismo, um deus subterrâneo junta de novo; mas ele habita no éter inacessível. Também os destinos do universo não nos permanecerão ocultos: como o princípio divino se retirou do mundo e como a matéria acasalada com a forma foi abandonada à necessidade rígida, nem nos serão obscuras as representações dos destinos e da morte de um Deus, que são dadas em todos os Mistérios, a paixão de Osíris e a morte de Adônis. Mas, antes de tudo, nossos olhos estarão dirigidos aos deuses superiores, e, adquirindo participação naquele ser santíssimo por intuição, tornar-nos-emos verdadeiramente, como se exprimem os antigos, perfeitos, pois, não somente como fugitivos da mortalidade, mas como aqueles que receberam a iniciação aos bens imortais, viveremos no círculo esplêndido. Contudo, ó amigos, já nos adverte a noite que cai e a luz das estrelas que faíscam solitárias. Partamos, pois, daqui.