Étienne Bonnot de Condillac – A Língua dos Cálculos Toda língua é um método analítico, e todo método analítico é uma língua. Estas duas verdades, tão simples quanto novas, foram demonstradas; a primeira, em minha gramática; a segunda, em minha lógica; e é possível convencer-se da luz que elas lançam sobre a arte de falar e sobre a arte de raciocinar reduzindo-as a uma única e mesma arte. Esta arte é tanto mais perfeita quanto as análises se fazem com mais precisão; e as análises atingem uma precisão tanto maior quanto as línguas são mais bem feitas. As línguas não são um amontoado de expressões tomadas ao acaso, das quais a gente só se serve porque concordou em servir-se delas. Se o uso de cada palavra supõe uma convenção, a convenção supõe uma razão que faz adotar cada palavra, e a analogia, que dá a lei e sem a qual seria impossível entender-se, não permite uma escolha absolutamente arbitrária. Mas porque diferentes analogias conduzem a expressões diferentes, acreditamos escolher e isto é um erro: pois, quanto mais nos julgamos senhores da escolha, tanto mais escolhemos arbitrariamente e escolhemos mal. As primeiras expressões da linguagem de ação são dadas pela natureza porque elas são uma decorrência de nossa organização: as primeiras sendo dadas, a analogia faz as outras, amplia esta linguagem: pouco a pouco torna-se própria a representar todas as nossas ideias, de qualquer espécie que sejam. A natureza, que começa tudo, começa a linguagem dos sons articulados como começou a linguagem de ação; e a analogia, que completa as línguas, as faz bem, se ela continua como a natureza começou. A analogia é propriamente uma relação de semelhança: portanto, uma coisa pode ser expressa de várias maneiras, porque não existe nenhuma que não se assemelhe a muitas outras. Mas diferentes expressões representam a mesma coisa sob diferentes relações e as perspectivas do espírito, isto é, as relações segundo as quais consideramos uma coisa, determinam a escolha que devemos fazer. Então, a expressão escolhida é o que se chama o termo próprio. Entre vários, existe portanto sempre um que merece ser preferido; e todas as nossas línguas seriam igualmente bem feitas se sempre se tivesse sabido escolher. Mas, porque nos contentamos em saber pouco mais ou menos o que queremos dizer e nos preocupamos em saber menos ainda o que os outros dizem, falamos com expressões que são mais ou menos aquelas que nos convêm e permitimos aos outros falarem com aquelas que lhes agradam empregar, contanto apenas que tenham no som alguma semelhança ou analogia com as nossas. Sob este aspecto, temos uns pelos outros uma indulgência singular. Tais são as línguas que faz o uso, uso este que os gramáticos olham como um legislador e que entretanto não é senão a maneira de falar mais geralmente recebida junto a um povo ou junto a um populacho cujos indivíduos não se ocupam quase com o que dizem. Digo populacho; porque é preciso colocar nesta classe todos aqueles que não sabem dizer com precisão o que querem dizer, sejam eles pessoas de bem ou mesmo filósofos. Assim que um povo escolhe mal as analogias, faz sua língua sem precisão e sem gosto, porque desfigura seus pensamentos por imagens que não se assemelham a eles ou que os aviltam. Sua língua se faz mal pela mesma razão que se fala mal numa língua bem feita, assim que não se toma a analogia que daria o termo próprio. Em nossas línguas vulgares - na nossa - a escolha das expressões foi frequentemente feita segundo analogias tão fracas, tão vagas, tão disparatadas e algumas vezes com tão pouco gosto, que se seria tentado a acreditar que foram feitas como que ao acaso. Com efeito, tinham sido quase terminadas por bárbaros sem discernimento, quando foram remanejadas por homens de gênio, que não podiam falar como se falava. Eles aperfeiçoaram a língua dando-lhe seu caráter, mas não lhes foi possível purgá-la de todos os seus vícios. Este arbitrário que se acredita ver nas línguas é que fez cair no erro de que o uso as faz como quer, e os gramáticos nos deram os caprichos deste uso como leis. Mas o que eles tomam por capricho não é, da parte dos povos, senão ignorância, falta de critério e mau gosto. Pois, quando escolhem mal, não é que escolham sem razão, mas a razão que deveria determiná-los não se oferece a eles nem pode oferecer-se. Eis aí os bárbaros que fizeram as línguas modernas. A escolha das palavras é arbitrária! Uma das consequências deste erro é que o gosto mesmo só é um capricho, e as belezas de estilo, apenas belezas de convenção; não dependeria senão de nós achar Pradon superior a Racine. Não é espantoso que, com o risco de sermos absurdos, coloquemos o arbitrário em nossas opiniões quando o colocamos em nossa linguagem. As línguas são tanto mais imperfeitas quanto mais arbitrárias parecem; mas notai que elas o parecem menos nos bons escritores. Quando um pensamento é bem expresso, tudo está fundado na razão, até mesmo o lugar de cada palavra. Igualmente, foram os homens de gênio que fizeram tudo o que há de bom nas línguas; e, quando digo os homens de gênio, não excluo a natureza, da qual são os discípulos favoritos. A álgebra é uma língua bem feita e é a única: aqui nada parece arbitrário. A analogia, que jamais foge, conduz sensivelmente de expressão em expressão. Aqui, o uso não tem nenhuma autoridade. Não se trata de falar como os outros, mas é necessário falar segundo a maior analogia para chegar à maior precisão; e aqueles que fizeram esta língua sentiram que a simplicidade do estilo faz toda a elegância: verdade pouco conhecida em nossas línguas vulgares. Na medida em que a álgebra é uma língua feita pela analogia, a analogia, que faz a língua, faz os métodos, ou, melhor, o método de invenção não é senão a própria analogia. A analogia: eis, portanto, a que se reduz toda a arte de raciocinar, bem como toda a arte de falar, e, nesta única palavra, podemos ver como nos instruir com as descobertas dos outros e como nós mesmos podemos fazê-las. As crianças só aprendem a língua de seus pais porque sentem cedo a analogia: elas se conduzem naturalmente segundo este método, que está bem mais ao seu alcance que todos os outros. Façamos como elas, instruamo-nos pela analogia, e todas as ciências se tornarão tão fáceis quanto podem sê-lo, Pois, enfim, o homem que parece o menos apto às ciências é pelo menos capaz de aprender línguas. Ora, uma ciência bem tratada não é senão uma língua bem feita. As matemáticas são uma ciência bem tratada cuja língua é a álgebra. Vejamos, portanto, como a analogia nos obriga a falar nesta ciência e saberemos como deve obrigar-nos a falar nas outras. Eis o que me proponho. Assim, as matemáticas, das quais tratarei, são nesta obra um objeto subordinado a um objeto bem maior. Trata-se de mostrar como se pode dar a todas as ciências esta exatidão que se julga ser o dote exclusivo das matemáticas. Não digo nada sobre o plano que segui. Tenho um, do qual jamais me distancio, e no entanto não me prendi a ele, porque, quando se começa pelo começo e não se abandona a analogia, não se tem necessidade de fazer um plano. Não fui eu quem dispôs por ordem as partes desta obra: elas se colocaram naturalmente cada uma em seu lugar. Peço notar que, reduzindo à analogia todos os métodos de instrução e de invenção, digo uma verdade que na prática é tão antiga quanto o mundo e que, se na teoria ela parece hoje muito nova ou mesmo muito extravagante, não é minha culpa. Eu acrescentaria que, se tivéssemos sido capazes de tomar sempre a natureza por guia, saberíamos de alguma maneira tudo sem ter nada aprendido. E que ela não assume o tom dos filósofos que, no momento mesmo que nos desviam, não cessam de tratar-nos de ignorantes. Ao contrário, com ela sabemos tudo o que nos informa. Parece que não é preciso senão abrir os olhos e ela nos faz observar atentamente o que vemos. LIVRO PRIMEIRO A LÍNGUA DOS CÁLCULOS EM SUAS ORIGENS CAPÍTULO I Do cálculo com os dedos Para explicar a formação das línguas, comecei observando a linguagem de ação. Ora, o cálculo com os dedos é o primeiro cálculo, como a linguagem de ação é a primeira linguagem. Para explicar a formação de todas as espécies de cálculo, começarei portanto observando o cálculo com os dedos. Abrindo sucessivamente os dedos de uma mão representamo-nos uma sequência de unidades de um até cinco; aumentamos esta sequência até dez se abrimos sucessivamente os dedos das duas mãos. Chamo numeração esta operação dos dedos pela qual nos representamos sucessivamente uma unidade, duas, três, até cinco ou até dez. Concebe-se que, para elevar além de dez a numeração com os dedos, não preciso senão tomar dez por uma unidade; e, então, se reabro sucessivamente os dedos, um imediatamente após o outro, formarei uma sequência que se elevará até dez vezes ou cem. Da mesma maneira, eu formaria sequências até dez vezes cem ou mil, dez mil, cem mil, etc. Mas, se não queremos confundir tudo, teremos necessidade de distinguir, por nomes, os números dos quais estas sequências serão formadas; em consequência, os nomes tornar-se-ão tão necessários ao cálculo como os próprios dedos. Logo trataremos também do uso dos nomes no cálculo. Na numeração, os números crescem sucessivamente de uma unidade na medida em que se abrem sucessivamente os dedos. Se, depois de ter contado, por exemplo, até dez, fecho sucessivamente os dedos, os números decrescerão como cresceram, isto é, sucessivamente de uma unidade. Chamo esta operação dos dedos desnumeração. Permitir-me-ão esta palavra, porque é necessária; farei outras ainda; mas prometo, em compensação, suprimir muitas inúteis. Vê-se que, se a numeração faz os números, a desnumeração os desfaz; estas duas operações são o contrário uma da outra, como fechar os dedos é o contrário de abri-los. Estas duas operações são bem simples, e todavia é a elas que se reduzem todas as espécies de cálculos. Poder-se-á substituir os dedos por outros signos, poder-se-á imaginar métodos mais cômodos e mais rápidos: mas é certo, em última análise, que calcular não será jamais senão numerar e desnumerar. Com efeito, nós veremos, nestas duas operações, a adição e a subtração, a multiplicação e a divisão. A numeração faz os números juntando sucessivamente as unidades uma a uma. Mas, como uma criança sobe os degraus dois a dois depois de tê-los subido um a um, posso, pelo hábito do cálculo, juntar simultaneamente duas unidades a duas, a três, e descobrir o número que disto resulta, da mesma forma que o teria descoberto juntando as unidades uma a uma. É evidente que no fundo esta operação é a mesma que a numeração e que dela só difere porque faz simultaneamente o que a numeração faz sucessivamente. Eis o que se chama adição: é uma numeração mais rápida que a numeração propriamente dita. Portanto, no fundo numeração e adição são a mesma coisa, assim como subir a escada dois a dois e subi-la um a um não é no fundo senão subir. Chama-se soma o número encontrado pela adição. Portanto, se aproximo os dedos abertos de uma mão dos dedos abertos da outra, adicionarei e verei, neste relacionamento, a soma dada pela adição. Mas, como juntei simultaneamente várias unidades, posso suprimir várias simultaneamente. Se de cinco quero suprimir duas, não preciso senão fechar dois dedos da mão em que tenho cinco; e se dez, que represento com as duas mãos abertas, quero suprimir cinco, não preciso senão retirar uma das duas mãos e fechá-la. Esta operação que desfaz o que a adição fez é o que se chama subtração. Ela só difere da desnumeração porque desfaz simultaneamente o que a desnumeração só desfaz em várias vezes. A subtração suprime várias unidades simultaneamente, a desnumeração as suprime uma a uma. O número que permanece quando a subtração foi feita chama-se resto ou diferença. Logo veremos o uso destas duas denominações. Se quisesse tomar dois tantas vezes quantas unidades existem em três, poderia abrir dois dedos, em seguida dois outros, enfim dois outros ainda e teria em seis dedos abertos o número seis. Isto ainda é apenas uma adição. Mas, se pelo hábito do cálculo soubesse que duas vezes três fazem seis, então, ao invés de abrir dois dedos, depois mais dois e depois mais dois ainda, eu abriria simultaneamente seis. A esta adição feita em uma vez darei um nome particular, para distingui-Ia de uma adição feita em várias vezes: chamá-la-ei multiplicação. Portanto, a multiplicação não é propriamente mais que uma adição; mas, quando estiver familiarizado com este nome, talvez seja levado a acreditar que adição e multiplicação são duas coisas diferentes, porque adição e multiplicação são dois nomes diferentes; e talvez aconteça que eu seja obrigado a lembrar-me que não existe senão uma mesma operação que chamo multiplicação, quando a considero feita de uma só vez, e que chamo adição, quando a considero feita em várias vezes. A multiplicação fez atribuir aos números diferentes nomes, porque faz considerá-los sob diferentes aspectos. Chama-se assim multiplicando o número que deve ser multiplicado; multiplicador, aquele com o qual se multiplica; e produto, aquele que resulta da multiplicação. Compreende-se ainda sob o nome geral de fatores o multiplicador e o multiplicando, quando são considerados como concorrendo em conjunto para a formação do produto. Se, por exemplo, dois é o multiplicando e três O multiplicador, seis será o produto e este produto terá por fatores três e dois. E preciso observar que os fatores podem ser tomados indiferentemente como multiplicando ou como multiplicador; pois, quer se multiplique dois por três, quer três por dois, o produto será sempre seis. Para perceber toda a vantagem em que a multiplicação tem sobre a adição, seria preciso fazer estas operações sobre grandes números. Mas vejamos previamente como se pode exprimir grandes números com os dedos. Se tomo o mindinho como o signo de uma unidade, poderia tomar o dedo seguinte como o signo de uma dezena. Consequentemente, o terceiro significará cem, o quarto mil e o polegar dez mil. Portanto, eu exprimiria com uma mão aberta o número dez mil, mais mil, mais cem, mais dez e mais um, ou como nos exprimimos - onze mil, cento e onze. Nesta expressão, as unidades crescem de tal maneira que cada uma contém dez vezes aquela que a precede imediatamente e, por esta razão, elas são cada uma de diferente espécie: unidade simples, unidade de dezena, unidade de centena, etc. Se cada dedo de uma mão aberta só exprime uma espécie de unidade, é fácil imaginar como, com os dedos da outra, se poderá juntar unidades de toda espécie. Suponhamos que a dez mais um, que exprimimos abrindo o dedo mindinho e seguinte, nós quiséssemos juntar nove unidades simples, a soma que buscamos será dez mais um mais nove; dito de outra maneira, dez mais dez ou dois dez. Destas duas dezenas, se uma é expressa pelo segundo dedo aberto da mão direita, a outra o será pelo segundo dedo aberto da mão esquerda; e, para marcar que não existem unidades simples, fecharemos o mindinho que dela é o signo, fecharemos o dedo seguinte quando um número não contiver dezena, o terceiro quando ele não contiver centena, etc. Uma observação que não se pode negligenciar é que os dedos, tornando-se os signos dos números, os decompõem nas diferentes espécies de unidade de que os tínhamos composto; e não é espantoso, pois, se contamos até dez para fazer igualmente de cada dezena uma unidade que multiplicamos ainda até dez, é porque temos dez dedos. Assim, o sistema de numeração que a natureza nos fez adotar mostra-nos sensivelmente como cada número se compõe e se decompõe; vantagem que não têm nossas línguas: por exemplo, dizemos setenta e dois e os dedos dizem sete dez mais dois, expressão que preferimos, para seguir a analogia da linguagem dada pela natureza. Agora, seja a multiplicação de doze por doze. Se me fosse necessário representar sucessivamente com os dedos doze vezes doze e fazer a adição do todo, esta operação seria longa e embaraçosa. Mas seria mais fácil fazer a multiplicação? E o que é necessário buscar e o que se acharia sem muito esforço, se este número tivesse sido melhor denominado ou se a palavra doze se assemelhasse ainda à palavra latina da qual ela vem por corrupção. Com efeito, doze em latim, como com os dedos, é dez mais dois, expressão que mostra de que espécies de unidade este número está composto e quantas contém de cada uma. Ora, é evidente que, se os números sempre tivessem tido semelhantes denominações, nossas línguas, que nos fariam, notar a geração, nos mostrariam como se pode compô-los e decompô-los; por conseguinte, elas nos conduziriam naturalmente aos métodos de cálculo. Mais de uma vez terei ocasião de observar que a dificuldade em fazer bons elementos vem em parte de uma linguagem que foi mal feita e que nos obstinamos em falar, porque era falada antes de nós. Doze substituo portanto por dez mais dois e observo que, se não me é possível multiplicar imediatamente dez mais dois por dez mais dois, posso, o que é a mesma coisa, fazer esta multiplicação em duas vezes; isto quer dizer que posso multiplicar dez mais dois primeiramente por dez e em seguida por dois ou, o que será frequentemente mais cômodo, por dois e em seguida por dez. Portanto, digo com os dedos: dois vezes dois jazem quatro e duas vezes dez fazem dois dez, primeira multiplicação parcial da qual resulta duas dezenas mais quatro unidades. Digo em seguida: dez vezes dois jazem dois dez e dez vezes dez jazem uma centena, segunda multiplicação parcial, da qual resulta uma centena mais duas dezenas. É evidente que por estas duas operações multipliquei dez mais dois por dez mais dois e que, para ter o produto total, só preciso adicionar os dois produtos parciais que elas me ofereceram. Encontro uma centena mais dois dez mais dois dez mais quatro e, reduzindo-a a uma expressão mais simples, uma centena mais quatro dez mais quatro, cento e quarenta e quatro. Por este exemplo compreende-se que, para encontrar as regras de multiplicação, é suficiente dar aos números nomes análogos à numeração pelos dedos. Esta é uma observação que não se pode esquecer. Por mais simples que seja o método que acabamos de encontrar, será difícil ou mesmo impossível multiplicar, apenas Com o auxílio dos dedos, números muito compostos. Mas nos dedos, tomados como signos dos números, existem ainda outros signos que descobriremos e com os quais multiplicaremos facilmente os maiores números. Cabe aos signos que conhecemos conduzir-nos aos signos que ainda não conhecemos; e iremos de descoberta em descoberta porque iremos do conhecido ao desconhecido. Com a multiplicação, tem-se o mesmo resultado que se se tivesse adicionado um dos fatores tantas vezes quantas o outro tem de unidades. Para desfazer o que a multiplicação fez, seria suficiente portanto fazer uma subtração. Mas, por este meio, seria longo decompor o produto em seus fatores. Trata-se portanto de substituir a subtração propriamente dita por uma subtração que se faça por um método mais curto e, visto que esta subtração dividirá o produto dado pela multiplicação, chamá-la-emos divisão. A multiplicação nos fez atribuir aos números nomes particulares porque nos fez considerá-los sob novos aspectos; será necessário dar-lhes outros ainda para exprimir os novos aspectos sob os quais a divisão deve fazer considerá-los. Em consequência, daremos, com todo mundo, o nome de dividendo ao número a ser dividido e o de divisar ao número com o qual se divide outro; e ao número que exprime quantas vezes o divisor está contido no dividendo daremos o nome do quociente. Seja seis, por exemplo, o número a ser dividido por dois; seis será o dividendo, dois o divisor e três o quociente. Todo número a ser dividido pode ser olhado como o produto de dois fatores, dos quais um se chama multiplicador e o outro multiplicando. O número, ao qual na divisão atribuímos o nome de dividendo, é portanto o mesmo que chamamos produto na multiplicação; da mesma maneira, o divisor e o quociente são apenas os dois fatores. Concordo que esta variedade de denominações pode embaraçar os principiantes, tanto mais que os nomes multiplicando, dividendo e quociente são bárbaros em nossa língua; mas não existem outros. Como não fizemos as ciências, não fizemos a linguagem e estamos condenados a falar uma língua completamente diferente da nossa; daí que tenhamos muita dificuldade em familiarizar-nos com ideias que se ligam com palavras que só são francesas pela terminação; e, porque em semelhantes casos a analogia não poderia auxiliar, acontece ainda vermos coisas diferentes em diferentes nomes dados a uma mesma coisa. É um erro contra o qual é necessário cedo se precaver, pois a confusão, com a qual se teria começado, não permitiria progressos fáceis no estudo do cálculo. No máximo adquirir-se-ia, por força do trabalho, uma rotina que se esqueceria por pouco que se parasse de trabalhar, sendo continuamente necessário reaprender porque se teria aprendido mal. Muitos de meus leitores reconhecer-se-ão aqui; recordar-se-ão que foram obrigados a aprender a divisão mais de uma vez e estão sempre prestes a esquecê-la: recordo-me de mim mesmo. Vejamos como se pode fazer esta operação. Visto que todo dividendo é o produto de dois números multiplicados um pelo outro, e o divisor é consequentemente um dos fatores, vê-se que, o produto e um dos fatores sendo dados, o objeto da divisão é encontrar o outro fator. Quando, por exemplo, tenho que dividir seis por dois, o produto me é dado no dividendo seis, um dos fatores me é dado igualmente no divisor dois, e encontro o outro no quociente três. Com semelhantes números a divisão parece fácil porque se faz imediatamente; mas não é preciso imaginar que ela se torne difícil com números maiores. Será apenas mais longa porque será necessário repetir a mesma operação, pois não se poderá terminar com uma. Portanto, far-se-ão várias divisões parciais assim como fizemos várias multiplicações parciais; e, como cada divisão parcial será igualmente fácil, a divisão total, que será o resultado delas, não poderá ser passiva de grandes dificuldades. Nosso objeto, nesta ocasião, é encontrar o método mais expeditivo. Ora, se observamos como a multiplicação se faz mais rapidamente que a adição, descobriremos como a divisão também pode fazer-se mais rapidamente que a subtração. Seja, portanto, cento e quarenta e quatro para ser dividido por doze; tomo este exemplo porque, sabendo ser este número o produto de doze por doze, as observações far-se-ão mais facilmente. Assim que encontrei este produto, meus dedos, que tinham decomposto doze em dez mais dois, decompuseram cento e quarenta e quatro em cem mais quatro dez mais quatro. Portanto, a expressão do dividendo é cem mais quatro dez mais quatro e a do divisor dez mais dois; e como uma destas expressões é o produto da multiplicação e a outra um dos dois fatores, é óbvio que, desfazendo o que a multiplicação fez, encontrarei o segundo fator sob o nome de quociente. Pela mesma razão que fiz a multiplicação em duas vezes farei em duas vezes a divisão, e farei duas divisões parciais como fiz duas multiplicações parciais. Mas a divisão é o contrário da multiplicação. Portanto, a ordem na qual devo operar para dividir será a inversa daquela na qual operei para multiplicar. Ora, comecei a multiplicação pelo último termo dois do multiplicador dez mais dois e começarei portanto a divisão pelo primeiro termo dez do divisor dez mais dois. Em consequência, digo: cem é o produto de dez por dez, portanto dez está contido dez vezes em cem, logo cem dividido por dez dá dez no quociente; três proposições que são apenas uma e que se exprimiriam com os dedos de uma única e mesma maneira. Mas dez, que é o primeiro termo do quociente, não apenas foi multiplicado por dez mas foi ainda multiplicado por dois; e como multiplicado por dez produziu cem, multiplicado por dois produziu dois dez. Portanto, pela subtração destes produtos, a primeira divisão parcial desfará o que foi feito pela última multiplicação parcial. De cem mais quatro dez mais quatro subtraindo cem mais dois dez resta dois dez mais quatro. Desfiz assim o produto da última multiplicação parcial e estou seguro de que dez é o primeiro termo do quociente que busco. O resto de dois dez mais quatro deve ser o produto da primeira parcial, isto é, de dez mais dois por outro número e, por conseguinte, este número, qualquer que seja, multiplicou igualmente dez e dois. Portanto, se encontro o multiplicador de dez teria, neste multiplicador, o de dois; e por conseguinte teria ainda, neste mesmo multiplicador, o divisar de dois dez mais quatro. Agora, se do resto dois dez mais quatro subtraio o produto de dez mais dois por dois, não restará nada. Portanto, desfiz o produto da primeira multiplicação parcial; a divisão está acabada e dez mais dois é o quociente de cem mais quatro dez mais quatro dividido por dez mais dois. Vê-se sensivelmente como a divisão desfaz o que a multiplicação fez e que, se por um lado a multiplicação pode ser considerada como uma adição, por outro a divisão pode ser considerada como uma subtração. Começamos a multiplicação por dois, último termo do multiplicador, e ao contrário começamos a divisão por dez, primeiro termo do divisor; e se seguimos na divisão uma ordem inversa àquela que tínhamos seguido na multiplicação, é que estas duas operações são o inverso uma da outra. Com efeito, esta ordem é mais cômoda. Enfim, para ter a multiplicação total fizemos duas multiplicações parciais, parque havia no multiplicador dois termos e era necessário multiplicar por um e pelo outro. Desta forma, fizemos duas divisões parciais para ter a divisão total, porque dois termos no divisor forçavam a fazer duas divisões. Concebe-se que, em semelhantes casos, a multiplicação e a divisão, de qualquer maneira abreviada que se faça, acabar-se-ão só depois de ter feito várias operações parciais. O número das operações será igual ao número dos termos do multiplicador se se trata de multiplicar, igual ao número dos termos do divisor se se trata de dividir. Eis já várias noções que nós formamos. Frequentemente terei ocasião de lembrá-las, e poder-se-á pouco a pouco torná-las familiares. Com efeito, concebe-se que estas primeiras noções devem encontrar-se em todos os cálculos. Portanto, será calculando que aprenderemos a calcular, como foi falando que aprendemos a falar. Estar-se-ia bem antes de aprender a própria língua, ou mesmo jamais se chegaria a sabê-la, se se quisesse falar somente depois de consultar cada vez a gramática. Não é assim que a natureza nos instrui: o que ela nos quer ensinar faz-nos fazer. Portanto, calcularemos para aprender a calcular, e se cada vez observamos o que tivermos feito instruir-nos-emos porque saberemos refazê-lo. Mas hão nos apressemos, assim iremos de maneira mais segura e chegaremos antes. Presentemente, não exijo senão uma coisa dos principiantes, que eles tenham apreendido a sequência dos raciocínios que fiz neste capítulo. Se a apreenderam, não a esquecerão; ou, se a esquecerem, reencontrá-la-ão; sabê-la-ão quando eles mesmos a tiverem encontrado e calcularão facilmente assim que tiverem signos mais cômodos. Estes signos, não compete a mim ensiná-los: compete a eles vê-los naquilo que sabem, e eu lhes garanto que eles os descobrirão. CAPÍTULO II Do uso dos nomes no cálculo Por pouco que os números fossem compostos, eles somente se ofereceriam a nós sob uma ideia vaga de multiplicidade, se para cada coleção de unidades não tivéssemos dado um nome com o fim de distingui-Ia da coleção precedente que tem uma unidade a menos e da coleção seguinte que tem uma unidade a mais. Oito, por exemplo, representa para mim um número que distingo de sete e de nove; de sete, porque me recordo ser um nome que dei a uma coleção que é sete mais um; de nove, porque me recordo igualmente que é um nome que dei a uma coleção que é nove menos um. Portanto, oito não me oferece uma ideia distinta senão na medida em que o vejo entre dois nomes, dos quais um designa uma unidade a mais e outro uma unidade a menos. Tomando como exemplo números maiores, sentir-se-á melhor quantos nomes são necessários à numeração. Concebe-se como, com a sequência dos nomes um, dois, três, etc., pode-se levar a numeração até dez. Fazemos ideias tanto mais distintas quanto distinguimos números pelos nomes que lhes atribuímos e ao mesmo tempo pelos dedos que abrimos. Tínhamos necessidade deste duplo auxílio. Se para numerar não tivéssemos tido outro meio que dizer um mais um mais um, etc., esta maneira de considerar as unidades uma a uma não nos teria dado a ideia de nenhum número um pouco composto. Portanto, só somos capazes de numerar porque podemos formar coleções e fixar cada uma por nomes. Mas tínhamos igualmente necessidade do auxílio dos dedos, porque apenas eles podiam representar sensivelmente as coleções. Igualmente, a natureza, formando-nos mãos, deu-nos as primeiras lições de cálculo. Só temos dez dedos. E por esta razão que, tendo levado a numeração até dez, recomeçamos tomando dez por unidade; não precisamos senão continuar para formar uma sequência que sempre poderá crescer. Ora, nós continuaremos porque podemos continuamente refazer o que fizemos, isto é, tomar cada nova dezena por uma nova unidade. Agora, observamos nos números diferentes ordens de unidades, a das unidades simples, a das unidades de dezena, a das unidades de centena, etc.; e estas ordens distinguem-se tanto com os nomes quanto com os dedos. Coloco a primeira ordem na unidade simples, porque esta unidade é o ponto fixo por onde começa a numeração. Aqui faço o inverso do que se faz no discurso, pois começamos por enunciar as unidades superiores e dizemos cem mais dez mais um ou, se se quer, cento e onze. Seja qual for o número das ordens, a multiplicação pode sempre acrescentar novas. E o que acontecerá todas as vezes que o produto de um número por outro for maior que nove. Oito vezes cinco, por exemplo, fará com que quatro unidades passem para uma ordem superior. Portanto, concebe-se que, se começamos a multiplicação pela ordem inferior, agora os produtos parciais se colocam sucessivamente em seu lugar, cada um na ordem superior à qual ele pertence. Igualmente, concebe-se que, se começamos a divisão pela ordem superior, para desfazer uma coisa é natural começar por onde se terminou de fazê-la. Não é que não se pudesse começar a multiplicação pelas ordens superiores e a divisão pelas ordens inferiores; mas então estas operações não seriam mais tão simples nem tão fáceis: cada um pode experimentá-lo. Estas ordens, nas quais distribuímos as diferentes espécies de unidades, são análogas à maneira pela qual se faz a numeração pelos dedos; e isto devia acontecer pois nós a imaginamos segundo esta própria numeração e elas a representam perfeitamente. Ora, foi para conservar esta analogia que eu disse dez mais dois ao invés de doze e cem mais quatro dez mais quatro ao invés de cento e quarenta e quatro. Por mais extraordinária que possa parecer esta linguagem, conjeturo com fundamento que se fez semelhante quando se começou a calcular com nomes. Com efeito, se se fala para fazer-se entender, o que devia ser mais comum no nascimento das línguas - isto é, numa época em que só se falava porque se tinha alguma coisa a dizer -, seria a analogia a única que teria conduzido de uma primeira linguagem a uma segunda; em consequência, ter-se-ia feito a numeração pelos nomes sobre o modelo da numeração pelos dedos. Também retomaremos a esta linguagem e a adotaremos com todo o mundo, quando falarmos álgebra. Assim, eis que se aproximam o cálculo cornos dedos e o cálculo com as letras, se bem que ainda se esteja bem longe do segundo quando se está apenas no primeiro. Mas, como os bons métodos pertencem à natureza, não existe entre eles uma distância tão grande quanto se acredita. De qualquer maneira, o caráter das línguas de que falo era tal que se via nos números enunciados com nomes como nos números enunciados com os dedos a maneira pela qual a numeração se tinha formado; e isto é uma grande vantagem: pois então não é muito difícil descobrir como as outras operações se podem fazer. Com efeito, assim que o discurso, na composição e na decomposição dos números, conforma-se ao método que seguem a numeração e a desnumeração pelos dedos, tornando-se como elas a expressão distinta das diferentes ordens de unidades, que grandes obstáculos será preciso vencer para descobrir a adição, a subtração, a multiplicação e a divisão? Nossas línguas modernas, que são apenas restos desfigurados das línguas mortas, não conservaram sempre, na maneira de enunciar os números, uma linguagem análoga à numeração pelos dedos. Eis por que não nos mostram como o cálculo começou; e porque nós não o vemos, supomos que não se viu jamais. Portanto, não imaginando como era fácil encontrá-lo, olhamos como um esforço de gênio uma descoberta que todo homem de senso pode fazer. Mas se ela nos espanta, se fazemos esforço para compreendê-la, é que, não começando como se começou, começamos sempre mal. A língua dos cálculos é aquela em que a analogia mais se mostra. E a isso que ela deve sua riqueza, quero dizer, todas as suas expressões, todos os seus métodos, todas as suas descobertas; e parece que, para terminá-la, seria suficiente começá-la bem. A analogia se percebe facilmente e ela não escapa quando se pega onde ela começa. São nossas línguas mal feitas que nos impedem de percebê-la e, por essa razão, tornam os cálculos mais difíceis. Por exemplo, se no lugar de vinte, trinta, quarenta, etc., contássemos dois dez, três dez, quatro dez, etc., a multiplicação tornar-se-ia mais fácil; não duvido que alguém que não tivesse nenhum conhecimento de nossa aritmética pudesse fazer longos cálculos com esta linguagem, por pouco que nela estivesse exercitado. Os camponeses, que não sabem ler, sentiram-no bem, sobretudo aqueles aos quais não ensinamos a contar. Eles, que não conhecem nossas expressões cinquenta, sessenta, setenta e cinco, fizeram para si outras mais análogas à numeração. E por dez ou por vinte que eles contam: dizem, por exemplo, oito vinte e não nos entendem quando dizemos cento e sessenta; com isso contam segura e prontamente. Nós, que nos julgamos instruídos, teríamos portanto frequentemente necessidade de ir para perto dos povos mais ignorantes para aprender deles o começo de nossas descobertas, pois é sobretudo deste começo que teríamos necessidade; nós o ignoramos porque há muito tempo não somos mais os discípulos da natureza. CAPÍTULO III Acepções dadas às palavras número, multiplicar e dividir. Por que é preciso que sejamos obrigados a tomar a mesma palavra em acepções diferentes? Não teria sido melhor ter tantas palavras quantas acepções? Respondo que, se falamos para nos fazer entender, devemos preferir a linguagem que mostra como passamos de ideia a ideia, pois uma língua bem feita deveria ser como um quadro em movimento no qual se veria o desenvolvimento sucessivo de todos os nossos conhecimentos. Iremos do conhecido ao desconhecido, isto é, vemos o desconhecido no próprio conhecido. Portanto, o desconhecido que se descobre é o conhecido que se via. Eles se assemelham, em consequência são análogos. Portanto, se quereis fazer-me passar de um a outro, não tendes outro meio que colocar a mesma analogia em vossos discursos. Eis a linguagem que a natureza ensina a todos nós mas que não aprendemos ou que aprendemos mal. As línguas têm muitas palavras, e é sobretudo a falta das modernas que, ao invés de formar-se separadamente apenas pela analogia, deram-se expressões umas às outras depois de tê-las tomado cada uma de línguas que não se falam mais. Ora, as palavras estão sem analogia com as de outra língua à qual são estranhas; e então, porque não é fácil fazê-las passar por diferentes acepções, fazemos todas as línguas contribuírem de alguma maneira e pilhamos em toda parte como bárbaros. Nossas línguas parecem ser apenas o que resta após tormentas e devastações: elas assemelham-se a nossos impérios. Tudo fica mal quando tudo começou mal. A mais perfeita língua seria aquela que, não tendo tomado emprestado nada, devesse unicamente à analogia o uso de todas as expressões introduzidas; e acredito que esta língua representaria o maior número possível de ideias com o menor número possível de palavras. Mas, porque julgamos ser mais sábios falando de acordo com as línguas que chamamos eruditas, ligamo-nos a elas para construir nossas línguas, como se quiséssemos construir jargões. Pareceu-nos conveniente empregar nas ciências palavras que não são francesas e as tornamos difíceis apenas pela dificuldade em aprender o léxico. Certamente, se se tivesse falado para fazer-se entender, não seria com palavras desconhecidas que se teria imaginado exprimir ideias novas. Uma palavra torna-se naturalmente signo de uma ideia quando esta ideia é análoga à primeira que esta palavra significou e, então, diz-se que ela é empregada por extensão. Mas, porque esta primeira ideia não é sempre conhecida ou porque não se sabe tomar a analogia que conduz de uma acepção à outra, olha-se frequentemente como um abuso empregar a mesma palavra para exprimir ideias que, mesmo que análogas, não são completamente as mesmas. Às vezes engana-se ainda mais grosseiramente, pois, sem notar o que significa uma palavra, supõe-se que ela tem sempre a mesma significação e levantam-se questões absurdas ou pueris. Aqueles, por exemplo, que perguntaram se a unidade é um número, não viram que a palavra número tem duas acepções diferentes: na primeira ela só se diz de uma variedade de unidades, e então é evidente que a unidade não é um número e ela difere do número como o simples do composto. Mas, porque os números são formados de unidades, a analogia obrigou a dar, por extensão, à unidade simples a mesma denominação que a várias unidades reunidas, e a unidade tornou-se um número. Igualmente, na primeira acepção, multiplicar é tomar um número várias vezes, e o produto, após a multiplicação, é maior que o multiplicando. Entretanto, porque se diz multiplicar por dois, por três, que são números na primeira acepção da palavra, diz-se multiplicar por um, que só é número por extensão. Portanto, multiplicar tomou uma nova significação, na qual o produto é igual ao multiplicando ou na qual, propriamente falando, não existe produto, pois não existe propriamente multiplicação. Faremos a mesma observação sobre a palavra dividir, que propriamente significa separar em várias partes; pois, porque se disse dividir por dois, se disse dividir por um, apesar de que, verdadeiramente, um não divida, porque dois dividido por um dá no quociente inteiro dois. Ora, desde que a palavra multiplicar tem duas acepções, uma na qual o multiplicando, após a multiplicação, é maior, e outra na qual, após a multiplicação, permanece o mesmo, é evidente que não nos entenderemos se queremos manter-nos exclusivamente em uma ou outra destas acepções. Entender-nos-íamos menos ainda se acontecesse que após a multiplicação o produto fosse às vezes menor que o multiplicando: e todavia é isso que acontecerá. Para fazer-se uma ideia geral da palavra multiplicar, não é portanto preciso considerar nem se o multiplicando aumenta nem se permanece o mesmo nem se diminui: é suficiente observar a multiplicação na operação que se faz quando se diz duas vezes três fazem seis, uma vezes três fazem três. Acontece o mesmo com a palavra dividir: pois, na acepção mais geral, dividir não é separar em várias partes, é apenas buscar quantas vezes um número está contido em outro; e como a unidade é um número, divide-se quando se busca quantas vezes ela está em três, como quando se busca quantas vezes dois está em seis. Portanto, considerando a divisão na operação que se faz e não na primeira acepção da palavra, temos dela uma ideia geral aplicável a todos os casos, mesmo àqueles nas quais o dividendo, após a divisão, for maior; o que ainda acontecerá. Assim, sem considerar se um número aumenta, diminui ou permanece o mesmo, multiplicar é tomar o multiplicando tantas vezes quantas são as unidades existentes no multiplicador; e dividir é observar quantas vezes o divisor está contido no dividendo. Estas noções, que são simples e não são senão simples, e que por esta razão são tudo o que busco, iluminarão e afastarão várias dificuldades. Por outro lado, as observações que fizemos sobre as palavras número, multiplicar e dividir são vários exemplos marcantes das diferentes acepções às quais os nomes se tornam suscetíveis; e meu primeiro objeto nesta obra é dar da analogia a ideia mais exata. Quero sobretudo mostrar o caminho que ela traça, caminho que deve conduzir-nos de descoberta em descoberta; mas, como ainda estamos apenas no início, não poderíamos vê-lo senão confusamente; nós só o conheceremos bem quando tivermos chegado. CAPÍTULO IV Em que consistem as ideias dos números As ciências são grandes e belos caminhos que a natureza tinha aberto e traçado e cuja entrada os homens fecharam; colocaram nela desajeitadamente urzes e obstáculos de toda espécie, abriram mesmo precipícios; de maneira que hoje toda a dificuldade está nos primeiros passos. Os esforços que se fizeram para abrir uma passagem apenas deixam ver traços confusos onde, há séculos, nós nos extraviamos uns após os outros. Verdadeiramente, alguns homens de gênio chegam, mas estão, de qualquer maneira, fora do alcance de nossa visão e desdenham dizer-nos como chegaram ou o escondem propositadamente. Portanto, não podendo conceber como puderam vencer os obstáculos, imaginamo-nos que eles os transpuseram; e acreditamos vê-los planar nos ares, nós que estamos condenados a ir rastejando. Entretanto, concebemos melhor como eles ultrapassaram os obstáculos e como planam acima? Sem dúvida, não. Tentemos portanto abrir a entrada que fechamos para nós mesmos; para nós não existe outra passagem. Se este empreendimento tem suas dificuldades, elas não são tão grandes como parecem à primeira vista. Por outro lado, quando as tivermos ultrapassado, encontrar-nos-emos nestes belos caminhos em que os homens de gênio nos precederam; e talvez confessem que lá chegaram como nós, rastejando. Iniciando, só almejo aplanar as dificuldades de tudo que me embaraça. Eis por que vou lentamente, eis por que me detenho longamente sobre questões que os calculadores jamais imaginaram tratar, porque estas questões são da metafísica e os calculadores não são metafísicos. Eles não sabem que a álgebra não é senão uma língua, que esta língua ainda não tem gramática e que apenas a metafísica lhe pode dar uma. Vimos que para cada dedo que abrimos a numeração nos faz passar a um número uma unidade maior e a desnumeração nos faz passar a um número uma unidade menor para cada dedo que fechamos. Ora, quando nos habituamos a representar pelos dedos uma sequência de números alternativamente crescente e decrescente, podemos representar-nos esta mesma sequência por qualquer outra coisa, por seixos, por árvores, por homens, etc.; isto é, podemos numerar e desnumerar com seixos, árvores, homens, etc., como com os dedos. Portanto, essas ideias que nos fizemos com os dedos, a analogia nos faz aplicá-las a seixos, árvores e homens; e, porque podemos aplicá-las a todos os objetos do universo, dizemos que elas são gerais, isto é, aplicáveis a tudo. Mas, quando nos limitamos a considerá-las como aplicáveis a tudo, não as aplicamos a nenhuma coisa particular, as consideramos nelas mesmas e as separamos de todos os objetos aos quais se pode aplicá-las. Entretanto, foi nestes objetos mesmos que originariamente percebemos estas ideias e só pudemos percebê-las neles. Primeiramente as vimos nos dedos, na medida em que observávamos a ordem sucessiva em que se abriam e se fechavam. Em seguida, vimo-las em todos os objetos, na medida em que fazíamos com eles a numeração e a desnumeração que tínhamos feito com os dedos. Considerar os números de uma maneira geral ou como aplicáveis a todos os objetos do universo é portanto a mesma coisa que não aplicá-los a nenhum destes objetos em particular; é a mesma coisa abstraí-los ou separá-los destes objetos para considerá-los à parte; e então dizemos que as ideias gerais dos números são ideias abstratas. Mas, quando as ideias dos números, primeiramente percebidas nos dedos e em seguida em todos os objetos aos quais se aplicam, tornam-se gerais e abstratas, não as percebemos mais nem nos dedos nem nos objetos aos quais cessamos de aplicá-las. Onde, portanto, nós a percebemos? Nos nomes tornados os signos dos números. Somente resta no espírito estes nomes e é em vão que se buscaria aqui outra coisa. Um, dois, três, etc., eis portanto as ideias abstratas dos números: pois estas palavras representam os números como aplicáveis a tudo e como a nada aplicadas. São elas que os separam dos objetos onde aprendemos a percebê-los. Quando, por exemplo, após ter dito um dedo, um seixo, uma árvore, nós dizemos um sem nada acrescentar, temos nesta palavra um a unidade abstrata. Se julgais que as ideias abstratas são outra coisa que nomes, dizei, se podeis, qual é esta outra coisa. Com efeito, quando fizerdes abstração dos dedos e dos outros objetos que podem representar os números, quando fizerdes abstração dos nomes que deles são outros signos, buscareis em vão o que resta em vosso espírito, nele não encontrareis nada, absolutamente nada. Mas, dir-se-á, como reduzir as ideias abstratas a palavras apenas? Ser-me-a mais fácil responder a esta questão do que responder a esta outra: se as ideias abstratas são outra coisa que palavras, que são elas? Os números me são representados pelos dedos quando aprendo a numeração e eles me são representados por outros objetos quando repito com outros objetos o que aprendi com os dedos. Na medida em que os represento, dou a cada um nomes diferentes. Designo por um um dedo considerado sozinho, em consequência direi um de um seixo, de uma árvore; exprimo por dois um dedo mais um dedo, em consequência direi dois de um seixo mais um seixo, de uma árvore mais uma árvore. Farei o mesmo com os nomes três quatro, etc. Ora, que ideias expõem estes nomes? Respondo que um é uma palavra que recordo ter escolhido para significar um único dedo, um único seixo, uma única árvore e em geral um objeto individual; dois é outra palavra que me recordo ter escolhido para exprimir um dedo mais um dedo, um seixo mais um seixo, uma árvore mais uma árvore e, em geral, um indivíduo mais um indivíduo. Ora, como nos nomes gerais, tais como um, dois, três, propriamente só existem nomes, assim também propriamente só existem nomes nas ideias abstratas: pois ideias abstratas e nomes gerais são no fundo a mesma coisa. O erro em que se cai a esse respeito vem do fato de se supor que a palavra ideia tem esta única acepção. Todavia, ela tem duas: uma que lhe é própria e outra que lhe é dada por extensão. Se digo um seixo, dois seixos, a palavra ideia é tomada no sentido próprio, pois encontro as ideias de um e de dois nos objetos que junto a estes nomes; mas, se digo um, dois, estes são unicamente nomes gerais, e só por extensão é que se chamam ideias. Sabe-se que não existe fora de nós nem gênero nem espécie: sabe-se que apenas existem indivíduos, mesmo que nossos filósofos, que o sabem sem dúvida, o esqueçam tão frequentemente que parecem ignorá-los. Os gêneros e as espécies não são senão denominações que nós fizemos; e tivemos necessidade de fazê-las porque a limitação de nosso espírito obrigava-nos a classificar os objetos. Ora, as denominações dadas aos números são somente uma maneira de classificar as coisas para observá-las sob os diferentes aspectos em que estão no cálculo. Portanto, pela mesma razão que não existe nada no universo que seja gênero e espécie, não existe também nada que seja dois, três, quatro, que, em uma palavra, seja um número; não há, se posso exprimir-me assim, senão um, um, um; e os números só estão nos nomes que fizemos para nosso uso. Não existe nenhum número aos olhos de Deus: como ele vê simultaneamente tudo, não conta nada. Somos nós que contamos, porque não vemos senão um a um e, para contar, somos obrigados a dizer dois, três, quatro, como se houvesse alguma coisa que fosse dois, três, quatro. Isto nós o supomos mesmo; levados a realizar nossas abstrações, estabelecemos de bom grado, por princípio, que tudo isto que concebemos clara e distintamente existe fora de nós tal como nós o concebemos. Um bom cartesiano não duvidará disto. CAPÍTULO V Das relações gerais sob as quais podemos considerar os números Dois números são iguais quando contêm o mesmo número de unidades e são desiguais quando não contêm o mesmo número. Percebemos esta igualdade ou desigualdade comparando-os; e, porque então nós os relacionamos um ao outro, diz-se que eles estão em relação de igualdade ou em relação de desigualdade. Estas relações são as mais gerais. Dois números iguais contêm-se reciprocamente: dois mais dois contém quatro e quatro contém dois mais dois. Portanto, não se contêm reciprocamente se são desiguais: dois mais dois está contido em cinco mas cinco não o está em dois mais dois. Porque dois números se contêm reciprocamente, diz-se que são reciprocamente a medida exata um do outro: dois mais dois é a medida exata de quatro e quatro o é de dois mais dois. Vê-se portanto que dizer que dois números são iguais, que se contêm reciprocamente, que são a medida exata um do outro, é dizer a mesma coisa de três maneiras diferentes; mas, mesmo que semelhantes expressões sejam idênticas, veremos que cada uma delas tem seu uso. Quando dois números não se medem reciprocamente, pode-se compará-los a um terceiro que, estando contido certo número de vezes em um e em outro, é a medida comum dos dois. Oito e doze, por exemplo, têm por medida comum quatro dois e um, sendo preciso observar que a unidade é a medida comum de todos os números; existem mesmo números que não têm outra medida comum, tais como quatro e cinco, nove e onze. Quando medimos dois números, descobrimos o excesso do maior sobre o menor; quando os comparamos, vemos que o excesso do maior sobre o menor é a diferença de um ao outro, e, quando tiramos o menor do maior, percebemos que este excesso ou esta diferença é o que resta. Portanto, excesso, diferença e resto são palavras que significam precisamente a mesma coisa mas, no uso que delas se faz, as perspectivas do espírito não são as mesmas. Excesso é relativo a medida porque o excesso é conhecido após ter sido medido; diferença é relativa a comparação porque se descobre a diferença comparando; resto é relativo a subtração porque se descobre o resto após ter subtraído o menor número. Dois é o excesso de seis sobre quatro, a diferença de quatro a seis e o resto quando de seis se tira quatro; estas três palavras neste exemplo significam portanto igualmente dois e consequentemente a mesma coisa; mas um supõe que se mediu, outro que se comparou e o último que se subtraiu. Os detalhes em que entro pareceram sem dúvida minuciosos, porque parece que aqueles que sabem a numeração não têm necessidade de que se lhes ensine o que constitui a igualdade, o excesso, a diferença, o resto. Mas uma criança conta por seus dedos antes de ter aprendido estas denominações e talvez, quando ela as conhecer, acreditará conhecer tantas coisas quantas palavras. É verdade que escrevo para adultos; mas devo tratá-los como crianças porque não existe senão uma maneira de instruir-se, e ela é a mesma para todas as idades; aliás, todos os ignorantes são crianças e os mais sábios são bem jovens ainda. Lembremo-nos de que não podemos ir senão do conhecido ao desconhecido. Ora, como podemos ir de um ao outro? É que o desconhecido se encontra no conhecido e não está nele senão porque é a mesma coisa. Portanto, não podemos passar do que sabemos ao que não sabemos senão porque o que não sabemos é a mesma coisa que aquilo que sabemos. Vós, que não aprendestes nada lendo este capítulo, estais persuadidos de que tudo o que disse é a mesma coisa que vós sabíeis. Portanto, quando uma criança o souber, o que tiver aprendido será a mesma coisa que aquilo que sabia. Ora, sendo tudo o que ignoramos a mesma coisa que o que sabemos, é evidente que não podemos observar muito o que sabemos, se queremos chegar ao que não sabemos. É preciso observá-lo e observá-lo muito porque o que julgamos saber, frequentemente o sabemos mal. Igualmente, há muito tempo estou convencido de que não se terão bons elementos senão quando se tiver tudo refeito, até as noções mais comuns. Pois as ideias, por serem comuns, não são mais bem feitas; ao contrário, são aquelas de que se deu menos conta. Entretanto, se aqui se deixa confusão, elas serão mal conhecidas; e, se são mal conhecidas, não poderão conduzir-nos ao que não conhecemos. Eis por que começo por onde jamais se começou e observo longamente coisas que todo mundo julga inútil dizer. Sinto que devo parecer minucioso; mas rogo ao público ter por mim a mesma indulgência que tem por tantos outros. Quando digo dois mais dois é igual a quatro, vê-se que a igualdade se reduz à identidade; pois é suficiente saber o valor das palavras para reconhecer que o que chamo dois mais dois é a mesma coisa que o que chamo quatro. Dois mais dois e quatro são portanto, o mesmo número expresso diferentemente, ou duas expressões idênticas nas ideias. Que se diga portanto que dois números são iguais, que se contêm reciprocamente, que se medem exatamente um ao outro, que são o mesmo número ou que são idênticos, isto não é senão dizer a mesma coisa de várias maneiras. Não se fazem portanto, na língua dos cálculos, senão proposições idênticas e, por consequência, frívolas, objetar-se-á talvez. Concordo que nesta língua, como em todas as outras, só se fazem proposições idênticas todas as vezes que as proposições forem verdadeiras. Pois, tendo demonstrado que o que não sabemos é o mesmo que o que sabemos, é evidente que não podemos fazer senão proposições idênticas, quando passamos do que sabemos ao que não sabemos. Todavia, por ser idêntica, uma proposição não é frívola. Seis é seis é uma proposição simultaneamente idêntica e frívola. Mas notai que a identidade está ao mesmo tempo nos termos e nas ideias. Ora, não é a identidade nas ideias que faz o frívolo, é a identidade nos termos. Com efeito, jamais se pode ter necessidade de fazer esta proposição, seis é seis; ela não levaria a nada, e a frivolidade, como se pode ter ocasião de notar, consiste em falar por falar, sem objeto, sem fim, sem nada dizer. Não acontece a mesma coisa com esta outra proposição: três e três são seis. Ela é a soma de uma adição. Portanto, pode-se precisar fazê-la, e ela não é frívola porque a identidade está unicamente nas ideias. Por falta de ter distinguido duas identidades, uma nas palavras, outra nas ideias, supôs-se que toda proposição idêntica é frívola, porque toda proposição idêntica nas palavras é com efeito frívolo; e não se suspeitou que uma proposição não poderia ser frívola quando a identidade está unicamente nas ideias. Não se quis mesmo perceber esta identidade. Pois por que motivo se diz, por exemplo, dois e dois fazem quatro, por que fazem se não é por que se supõe que dois e dois são alguma outra coisa que dois e dois? Parece-me que se teria dito dois e dois são quatro se se tivesse sentido que dois e dois são a mesma coisa que quatro. Quando julgamos que dois homens são iguais em grandeza, vemos uma mesma coisa em duas que comparamos, isto é, uma mesma grandeza em dois homens e fazemos uma proposição idêntica. Igualmente, quando dizemos dois mais dois é igual a quatro, vemos uma mesma ideia em duas expressões e nossa proposição é idêntica ainda. Mas os calculadores, não tendo observado que estas expressões são idênticas nas ideias, julgam que compararam ideias diferentes porque compararam palavras diferentes. Quando digo que eles não observaram esta identidade, não quero dizer que não a perceberam. Quem poderia não percebê-la? Mas se eles a observassem ver-se-iam forçados a concluir que, quando calculam, não fazem e não podem fazer senão proposições idênticas. Ora, eles se recusam como por instinto a esta conclusão, porque têm o prejuízo de que toda proposição idêntica é uma proposição frívola; e eles têm repugnância em ser frívolos.