Gottfried Wilhelm Leibniz – Da Origem Primeira das Coisas – O Que é a Ideia. DA ORIGEM PRIMEIRA DAS COISAS 23 de novembro de 1697 Além do mundo, ou agregado das coisas finitas, existe um ser dominante, não só como em mim a alma, ou melhor, como o próprio eu em meu corpo, mas num plano muito mais elevado. Realmente, o dominante único do universo não apenas rege o mundo, mas ainda o fabrica ou faz, sendo superior ao mundo e, por assim dizer, extramundano, de modo a constituir a razão última das coisas. Com efeito, não se pode encontrar a razão suficiente de existir, nem em cada um dos indivíduos, nem tampouco em todo o agregado e série das coisas. Imaginemos ter sido eterno o livro dos Elementos de Geometria, copiado sempre um do outro; vê-se que, conquanto se consiga justificar o livro atual pelo precedente, de que foi copiado, nunca se poderá chegar, por mais livros anteriores que se tomem, à razão plena, dado que sempre haverá motivo de admirar-nos por que desde todo tempo existiram tais livros, a saber, por que existiram os livros simplesmente e por que assim escritos. O que é verdadeiro quanto aos livros também se aplica aos vários estados do mundo, pois a situação seguinte é de certo modo copiada da precedente (ainda que com leis certas da mudança). Logo, por mais que se retome aos estados anteriores, nunca neles se achará a razão cabal, ou seja, o motivo da existência de um mundo simplesmente e de tal mundo. Embora, pois, imaginássemos um mundo eterno, mas não víssemos nele senão uma sucessão de estados, sem achar em cada um desses estados uma razão suficiente, ou, sem adiantar, tomando-os em conjunto, qualquer coisa nesse caminho, evidencia-se que a razão deve ser procurada noutra parte. Nas coisas eternas, com efeito, mesmo não havendo nenhuma causa, deve conceber-se uma razão, que nas coisas persistentes é a própria necessidade ou essência, mas na série das coisas mutáveis, se a imaginássemos eternamente produzida pela anterior, seria a própria predominância das inclinações, como se verá em breve, onde, a saber, as razões não necessitam (por uma necessidade absoluta ou metafísica, de modo que o contrário implique contradição), mas inclinam. Disso tudo se conclui que nem na hipótese da eternidade do mundo se pode escapar à razão última extramundana das coisas, que é Deus. As razões, portanto, do mundo acham-se em algum ser extramundano, diverso da cadeia dos estados ou da série das coisas, cujo agregado constitui o mundo. Assim, pois, há de chegar-se da necessidade física, ou hipotética, que determina as coisas posteriores do mundo pelas anteriores, a alguma coisa que seja de necessidade absoluta, ou metafísica, da qual não se possa dar a razão. Ora, o mundo presente é necessário física ou hipoteticamente, mas não absoluta ou metafisicamente. Isso quer dizer que, uma vez admitido que exista semelhante mundo, segue-se que tais ou tais coisas surgirão. Visto, pois, que a última raiz deve estar em algo que seja de necessidade metafísica, e dado que a razão do existente não pode provir senão de um existente, deve existir algum Ser único de necessidade metafísica, ou a cuja essência pertence a existência, e portanto existir algo diverso da pluralidade dos seres, ou mundo, que concedemos e mostramos não ser de necessidade metafísica. A fim de explicar um pouco mais distintamente como das verdades eternas, essenciais ou metafísicas nascem as verdades temporais, contingentes ou físicas devemos primeiramente saber que, pelo simples fato de que alguma coisa existe antes do que nada, há nas coisas possíveis ou na própria possibilidade, ou essência, certa exigência da existência, ou (digamos) uma pretensão a existir e, resumindo numa palavra, o fato de a essência por si tender à existência. Donde, portanto, se segue que todas as coisas possíveis, ou que exprimem a essência ou realidade possível, tendem com igual direito à existência conforme a quantidade da essência ou realidade, ou conforme o grau de perfeição que envolvem, pois a perfeição nada mais é que a quantidade da essência. Daí claramente se entende que das infinitas combinações de possíveis e séries possíveis existe aquela pela qual o máximo de essência ou possibilidade é levado a existir. Sempre, com efeito, vigora nas coisas um princípio de orientação tirado do máximo ou mínimo, de modo que se produza o máximo efeito com o mínimo gasto, por assim dizer. E nesta altura o tempo, o lugar ou, numa só palavra, a receptividade, ou capacidade do mundo pode ser tida como gasta ou como terreno em que se edifique do modo mais cômodo, correspondendo as variedades das formas à comodidade do edifício, bem como à multidão e elegância dos quartos. A mesma coisa acontece em alguns jogos em que todas as casas do tabuleiro devem ser preenchidas segundo certas leis; aí, a menos que se empregue determinado truque, acabar-se-á sendo levado a lugares indesejados e deixar-se-ão vazias algumas casas que se poderiam ou quereriam ocupar, ao passo que o jeito certo leva facilmente ao preenchimento máximo. Portanto, assim como, supondo-se a resolução de fazer um triângulo, ainda que não ocorra nenhuma outra razão que oriente, há de produzir-se um equilátero; e posto que se deva tender de um ponto a outro, embora nada mais indique o caminho, escolher-se-á a via mais fácil ou mais curta; assim também, uma vez assentado que o ser prevaleça sobre o não ser, ou que haja uma razão para que se produza alguma coisa de preferência ao nada, ou seja, que da possibilidade se deva passar ao ato, segue-se consequentemente que, embora nada mais seja indicado, exista o máximo possível consoante a capacidade do tempo e do lugar (ou da ordem possível da existência), do mesmíssimo modo como se ajustam as pedras para que caiba o maior número possível na área proposta. Do que ficou dito já se compreende muito bem como na produção das coisas se tenha exercido certa matemática divina, ou mecanismo metafísico, realizando-se a tendência para o máximo. Assim, de todos os ângulos prevalece na geometria o reto, e os líquidos postos heterogeneamente se arrumam na figura mais capaz, que é esférica, mas, sobretudo, na própria mecânica comum, lutando entre si muitos corpos graves, surge afinal um movimento pelo qual se produz no total a maior descida. Ora, da mesma maneira como todos os possíveis tendem com o mesmo direito a existir, na ordem da realidade, igualmente todos os pesos tendem com o mesmo direito a descer, na ordem da gravidade. E, assim como aqui se produz um movimento em que se contém a maior descida de carros graves, também ali se produz um mundo com a maior produção de possíveis. Já temos, dessa forma, a necessidade física, derivada da necessidade metafísica: ainda que o mundo não seja metafisicamente necessário, de modo que o contrário implique contradição ou absurdo lógico, é necessário fisicamente, ou determinado, de modo que o contrário implica imperfeição ou absurdo moral. E, como a possibilidade é o princípio da essência, também a perfeição, ou grau da essência (pelo qual muitas coisas são compossíveis), é o princípio da existência. Verificamos por aí como se encontra liberdade no Autor do mundo, embora faça tudo determinadamente, porque opera conforme o princípio da sabedoria ou perfeição. Com efeito, a indiferença nasce da ignorância, e quanto mais sábia for a pessoa, mais será determinada para o mais perfeito. Entretanto, dirás, essa comparação de certo mecanismo determinante de ordem metafísica com o de ordem física dos corpos pesados, conquanto pareça elegante, falha no ponto seguinte: os corpos pesados, que tendem para baixo, existem de fato, ao passo que as possibilidades, ou essências, antes ou fora da existência, são imaginárias ou fictícias, não se podendo, portanto, procurar nelas nenhuma razão de existir. Respondo que nem essas essências, nem o que chamam verdades eternas a seu respeito são fictícias, mas existem em alguma espécie de região das ideias, a saber, no próprio Deus, fonte de toda essência e existência das outras coisas. O que, para não parecer que falamos sem base, vem indicado pela própria existência atual da série das coisas. Com efeito, como nela, já vimos, não se encontra uma razão suficiente, mas deve ser procurada nas necessidades metafísicas, ou verdades eternas, e como, ao que dissemos acima, as coisas existentes não podem provir senão de existentes, cumpre que as verdades eternas tenham existência em algum sujeito absoluta ou metafisicamente necessário, ou seja, em Deus, pelo qual se realizem (para falarmos barbaramente, mas de modo significativo) essas coisas que, caso contrário, seriam imaginárias. E na verdade vemos que no mundo tudo se faz segundo as leis das eternas verdades, não só geométricas, mas também metafísicas, isto é, não apenas conforme as necessidades materiais, mas também segundo as razões formais; e isso é verdade não só em geral na razão do mundo existente, como agora a explicamos, mais que na razão do não existente e mais que do existente de outra forma (a qual razão se deve inferir da tendência dos possíveis para existir), mas também, descendo aos casos particulares, verificamos que, com razão admirável, vigoram em toda a natureza as leis metafísicas da causa, da potência e da ação, prevalecendo sobre as próprias leis puramente geométricas da matéria, como, ao descobrir as razões das leis do movimento, depreendi, com grande admiração, a tal ponto que outrora, na juventude, por ser eu mais material, não podendo alcançar os princípios da composição geométrica, tive que acabar desistindo dela, como expliquei mais longamente noutra parte. Assim, portanto, encontramos a razão última da realidade, tanto das essências como das existências, em um Ser único que precisa, sem dúvida, ser maior, superior e anterior em relação ao mundo, dado que por ele não só têm realidade as coisas existentes, as quais o mundo abrange, mas também a têm os possíveis. Isso, porém, somente pode ser procurado numa única fonte, em vista da conexão entre todas essas coisas. Vê-se, logo, que dessa fonte as coisas existentes promanam e se produzem continuamente, e por ela foram produzidas, pois não há motivo de pensar que dela flua um estado do mundo de preferência a outro, o de ontem mais que o de hoje. Patenteia-se, ainda, como Deus opera não apenas fisicamente, mas também livremente, e como é ele não só o eficiente, mas também o fim das coisas. Da mesma forma, nele está tanto a razão da grandeza e potência da máquina do universo já constituída, como da bondade e da sabedoria ao constituí-la. E para que ninguém julgue que aqui se confunde a perfeição moral, ou bondade, com a perfeição metafísica, ou grandeza, e concedendo esta negue aquela, infere-se do que ficou dito que não só o mundo é perfeitíssimo fisicamente, ou, se preferirmos, metafisicamente (o que quer dizer que se produziu a série de coisas em que se torna ato o máximo de realidade), mas também que é perfeitíssimo moralmente, porque, na verdade, a perfeição moral é física para as próprias mentes. Por consequência, o mundo não apenas é uma máquina sumamente admirável, mas também, enquanto consta de mentes, é uma ótima república pela qual se dá às mentes o máximo de felicidade ou alegria, em que consiste a perfeição física dessas mentes. Entretanto, dirás, experimentamos o contrário no mundo, pois os ótimos vão muitas vezes pessimamente, e os inocentes (não só entre os animais, mas também entre os homens) são angustiados e mortos, até com torturas, parecendo afinal o mundo, sobretudo se olharmos para o regime do gênero humano, antes um caos confuso que uma coisa posta em ordem por uma suprema sabedoria. Assim, confesso, afigura-se à primeira vista, mas, olhando-se mais a fundo, verifica-se que se deve estabelecer o contrário: realmente, é claro a priori, em vista do que aduzimos, que se obtém a máxima perfeição possível de todas as coisas, e, por conseguinte, também das mentes. Seria presunçoso, com efeito, emitir um julgamento sem estudar toda a lei, como dizem os jurisconsultos. Ora, só conhecemos uma parte mínima da história, que se desenvolve na imensidão da eternidade, ou seja, só conhecemos o que está guardado na memória de uns poucos milênios. E, contudo, por essa experiência tão pequena julgamos temerariamente do imenso e do eterno, como presos num cárcere, ou melhor, como os nascidos e criados nas salinas subterrâneas dos sármatas, que julgam não haver outra luz no mundo senão a escassa claridade das lâmpadas, que mal basta para dirigir os passos. Tomemos uma pintura belíssima e cubramo-la toda, salvo uma pequena partícula. Que aparecerá nela (embora a olhemos bem de perto, e até por mais perto que a observemos), a não ser um amontoado confuso de cores misturadas sem arte? Contudo, se, removendo o pano, olharmos o quadro inteiro na posição conveniente, entenderemos que aquilo que parecia borrado quando coberto foi feito com suma perícia pelo autor da obra. O que se diz dos olhos na pintura vale para os ouvidos na música. De fato, os grandes artistas da composição misturam muitíssimas vezes as dissonâncias com as consonâncias, a fim de que o ouvinte fique excitado e como que aflito, ansioso pelo resultado, alegrando-se tanto mais quando tudo voltar à ordem. Assim é que, graças ao sentimento de nossa potência ou de nossa felicidade, ou graças à ostentação delas, alegramo-nos com os pequenos perigos ou com as experiências dos males. Da mesma forma, no espetáculo de trapézio ou no salto entre espadas (sauts périlleux), divertimo-nos com as próprias coisas que metem medo, e vemos com prazer os moços que vão se atirar; igualmente, rimos com o macaco Cristierno que leva para o alto, até o teto, o rei da Dinamarca, ainda criança, envolto em faixas, e, alegre, o traz de novo, apesar da apreensão geral, são e salvo ao berço. Pelo mesmo princípio, é insípido alimentar-se sempre com doces: convém misturar coisas acres, ácidas e até amargas, para excitar o gosto. Quem não experimentou coisas amargas, não mereceu as doces e nem sequer gostará delas. Esta, com efeito, é a lei da alegria: que o prazer não flua constantemente, porque nesse caso produz fastio e causa embasbacados em vez de satisfeitos. O que dissemos quanto a poder uma parte achar-se perturbada, salvando-se a harmonia no todo, não se há de tomar no sentido de que não se levem em conta de modo algum as partes, ou como se bastasse que o mundo inteiro fosse absoluto em seus números, embora pudesse suceder que o gênero humano fosse miserável. Seria como se no universo não se tivesse cuidado algum com a justiça ou conosco, da maneira como opinam os que não pensam bem a respeito da totalidade das coisas. Saiba-se que, assim como na república otimamente constituída se cuida de que os indivíduos quanto possível estejam bem, o universo também não será suficientemente perfeito, resguardada a harmonia universal, se não se cuidar dos indivíduos. Disso não pôde haver melhor medida que a própria lei da justiça, mandando que cada um participasse da perfeição do universo e da felicidade própria, na medida do poder próprio e do que fez em favor do bem comum da vontade, pelo qual se executa aquilo que chamamos caridade e amor de Deus, no que também consiste toda força e poder da religião cristã, conforme os juízos dos sábios, inclusive dos teólogos. Nem é de admirar que tanto se atribua às mentes no universo, visto que refletem proximamente a imagem do Autor supremo e se referem a ele não só como máquinas em relação ao artífice (o que fazem as outras coisas), mas também como cidadãos em relação ao príncipe. Essas mentes, ademais, são destinadas a durar tanto quanto o próprio universo, exprimindo e concentrando em si mesmas, de certo modo, o todo, de modo que se podem chamar partes totais. No que tange, porém, às aflições dos bons, sobretudo, é certo que elas redundam no seu maior bem. Isso não se verifica apenas teologicamente, mas também fisicamente, como o grão, atirado na terra sofre antes de produzir frutos. E em geral podemos dizer que as aflições, temporariamente más, são boas quanto ao efeito, como atalhos para uma maior perfeição. Assim é que, nas coisas físicas, em que os líquidos fermentam lentamente, também demoram mais para melhorar, mas aqueles em que se passa uma perturbação mais forte, tendo as partes externas expostas com maior força, mais depressa são emendados. Isso é o que se diria recuar a fim de saltar para frente com maior impulso (quon recu/e pour mieux sauter). Essas coisas que estabelecemos não são somente agradáveis e consoladoras, mas também veríssimas. E sinto que no universo nada existe mais verdadeiro que a felicidade, e mais feliz e doce que a verdade. Ainda para cúmulo da beleza e da perfeição universal das obras divinas, deve reconhecer-se certo progresso perpétuo e sumamente livre de todo o universo, de modo a seguir sempre rumo a um maior aprimoramento. Assim é que grande parte da nossa terra recebeu o cultivo, até agora, e o receberá sempre mais. E, embora seja verdade que, uma vez ou outra, certa porção torne a ficar selvagem ou se veja de novo arrasada e abandonada, tal coisa há de ser tomada como o que dissemos, pouco antes, da aflição, ou seja, que essa destruição e abandono servirão para se conseguir algo maior, de modo que, em certa medida, lucremos com o dano. Quanto à objeção de que o mundo assim feito deveria ser um paraíso, a resposta é fácil: ainda que muitas substâncias já tenham chegado a uma grande perfeição, dada, contudo, a divisibilidade infinita do contínuo, sobram sempre no abismo das coisas partes adormecidas a serem excitadas e que precisam ser levadas a um ponto maior e melhor, ou, numa palavra, a um cultivo melhor. Por isso, nunca se chegará ao término do progresso. O QUE É A IDEIA Antes de tudo, porém, queremos dizer com a palavra "ideia" alguma coisa que está em nossa mente. Logo, os vestígios gravados no cérebro não são ideias, pois tenho por certo que a mente é outra coisa que o cérebro ou qualquer parte mais sutil da substância do cérebro. Há, entretanto, muitas coisas em nossa mente, como por exemplo, os pensamentos, as percepções e os afetos, que sabemos não ser ideias, ainda que não se realizem sem as ideias. Para nós, com efeito, a ideia não consiste em algum ato de pensar, mas sim na faculdade de exercê-lo, e afirmamos que temos a ideia da coisa, embora nela não pensemos, desde que possamos, dado o caso, pensar a seu respeito. Nisso, contudo, vai alguma dificuldade, pois possuímos o poder remoto de pensar sobre todas as coisas (mesmo aquelas de que talvez não tenhamos nenhuma ideia), porque somos dotados do poder de receber as ideias de tudo. A ideia, por conseguinte, exige certa faculdade ou facilidade próxima de pensar sobre uma coisa. Mas tal coisa ainda não basta. Realmente, quem possui um método por meio do qual poderá chegar ao objeto nem por isso terá dele uma ideia. Se, digamos, eu enumerar as seções do cone em ordem é certo que atingirei o conhecimento das hipérboles opostas, conquanto não tenha ainda a ideia delas. É preciso, pois, haver em mim algo que não só conduza à coisa, mas também a exprima. Dizemos que exprime uma coisa aquilo em que existem os modos correspondentes aos modos da coisa a ser expressa. Essas expressões, porém, são diversas. Assim, por exemplo, o módulo da máquina exprime a própria máquina, o desenho figurado de algo num plano exprime o sólido, a oração exprime os pensamentos e as verdades, os caracteres exprimem os números, a equação algébrica exprime o círculo ou outra figura. O que há de comum nessas expressões é que pela simples contemplação dos modos daquilo que exprime podemos chegar ao conhecimento das propriedades correspondentes da coisa a ser expressa. Donde se conclui não ser necessário que aquilo que exprime seja semelhante à coisa expressa, contanto que se conserve alguma analogia dos modos. Verifica-se também que algumas expressões têm fundamento na natureza, ao passo que outras, ao menos parcialmente, são arbitrárias, como é o caso das expressões que se fazem pelas palavras orais ou pelos símbolos escritos. As que se baseiam na natureza ou exigem uma semelhança igual à existente entre um círculo grande e um pequeno ou entre uma região e um mapa dessa região, ou, pelo menos, uma conexão como a que há entre o círculo e a elipse que o representa opticamente, pois cada ponto da elipse corresponde, segundo certa lei, a algum ponto do círculo. Junte-se, até, que em tal caso o círculo é mal representado por outra figura mais parecida. Do mesmo modo, todo efeito integral representa a causa plena, visto que, pelo conhecimento desse efeito, podemos passar para o conhecimento de sua causa. É assim que as ações de uma pessoa representam seu espírito, e que o próprio mundo, de certa maneira, representa Deus. Pode também acontecer que se exprimam mutuamente as coisas que provêm da mesma causa, como, digamos, o gesto e a linguagem. Dessa forma, alguns surdos entendem os que falam, não pelo som, mas pelo movimento da boca. Dizer, portanto, que existe em nós a ideia das coisas, equivale a afirmar que Deus, criador ao mesmo tempo das coisas e da mente, imprimiu nesta tal faculdade de pensar que pudesse de suas operações deduzir tudo quanto corresponde perfeitamente ao que se segue das coisas. Assim é que, embora a ideia do circulo não se assemelhe ao círculo, dela se podem inferir verdades que, sem dúvida, a experiência confirmará no círculo verdadeiro.