Isaac Newton – Princípios Matemáticos da Filosofia Natural - Trechos selecionados. Prefácio ao Leitor (1ª edição) Visto que os antigos (como nos conta Pappus) deram muitíssima importância à mecânica na investigação das coisas naturais, e os modernos, rejeitando as formas substanciais e as qualidades ocultas, empenharam-se por submeter os fenômenos da natureza às leis da matemática, procurei desenvolver a esta no presente tratado, enquanto ela se refere à filosofia. Os antigos distinguiram uma dúplice mecânica: a racional, que procede cuidadosamente por demonstrações, e a prática. À mecânica prática pertencem todas as artes manuais, das quais a mecânica tirou seu nome. Como, porém, os artífices costumam operar com pouco rigor, a mecânica toda se distingue da geometria pelo seguinte: tudo o que é exato refere-se à geometria, ao passo que o que não o é pertence à mecânica. Entretanto, os erros não são da arte, mas dos artífices. Quem trabalha com menos rigor é um mecânico imperfeito, e, se alguém pudesse trabalhar com rigor perfeito, seria o mais perfeito mecânico de todos. Realmente, o traçado das retas e dos círculos, sobre o qual se funda a geometria, pertence à mecânica. A geometria não nos ensina a riscar essas linhas, mas postula-as, dado que exige do aprendiz que primeiramente seja capaz de traçá-las com exatidão, antes de atingir o limiar da geometria; em seguida, ensina como por essas operações são resolvidos os problemas, pois ao se traçarem retas e círculos constituem-se problemas, que não são geométricos. Na mecânica postula-se a solução deles, ao passo que na geometria se ensina seu emprego. A glória da geometria é que desses poucos princípios, oriundos de fora, seja capaz de produzir tantas coisas. Portanto, a geometria baseia-se na prática mecânica, e nada mais é que aquela parte da mecânica universal que propõe e demonstra com rigor a arte de medir. Mas, enquanto as artes manuais versam principalmente sobre o movimento dos corpos, acontece que vulgarmente se refira a geometria à grandeza, mas a mecânica ao movimento. Nesse sentido a mecânica racional será a ciência dos movimentos que resultam de quaisquer forças, e das forças exigidas para produzir esses movimentos, propostas e demonstradas com exatidão. Essa parte da mecânica foi cultivada pelos antigos nas cinco potências relativas às artes manuais. Eles consideraram a gravidade (que não é um poder manual) apenas no mover os pesos por esses poderes. Nós, porém, cuidando não das artes mas da filosofia, e não das potências manuais mas das naturais, tratamos sobretudo do que se refere à gravidade, leveza,força elástica, resistência dos fluidos e forças semelhantes, atrativas ou impulsivas; e,por conseguinte, apresento esta obra como os Princípios Matemáticos da Filosofia. Com efeito, a dificuldade precípua da filosofia parece consistir em que se investiguem, a partir dos fenômenos dos movimentos, as forças da natureza, demonstrando-se a seguir, por meio dessas forças, os outros fenômenos. A isso se destinam as proposições gerais do primeiro e segundo livros. No terceiro, porém, dou um exemplo disso por meio da explicação do sistema mundano. Aí, de fato, pelas proposições matematicamente demonstradas nos livros anteriores, derivam-se dos fenômenos celestes as forças de gravidade pelas quais os corpos tendem para o sol e os vários planetas. Depois deduzo dessas forças, por proposições também matemáticas, o movimento dos planetas, dos cometas, da lua e do mar. Oxalá pudéssemos também derivar os outros fenômenos da natureza dos princípios mecânicos, por meio do mesmo gênero de argumentos, porque muitas razões me levam a suspeitar que todos esses fenômenos podem depender de certas forças pelas quais as partículas dos corpos, por causas ainda desconhecidas, ou se impelem mutuamente, juntando-se segundo figuras regulares, ou são repelidas e retrocedem umas em relação às outras. Ignorando essas forças, os filósofos tentaram em vão até agora a pesquisa da natureza. Espero, no entanto, que os princípios aqui estabelecidos tragam alguma luz sobre esse ponto ou sobre algum método melhor de filosofar. Na publicação dessa obra o muito perspicaz e eruditíssimo senhor Edmundo Halley ajudou-me não só a corrigir os erros tipográficos e a preparar as figuras geométricas, mas também foi quem me levou à edição do trabalho. Com efeito, quando obteve minhas demonstrações da figura das órbitas celestes, insistiu comigo para que as comunicasse à Sociedade Real, a qual depois, graças a seus amáveis encorajamento e rogos, levou-me a pensar em publicá-las. Porém, depois que comecei a considerar a desigualdade dos movimentos lunares e algumas outras coisas a respeito das leis e medidas da gravidade ou outras forças; e as figuras que devem ser descritas pelos corpos atraídos conforme as ditas leis; o movimento de muitos corpos entre si; o movimento dos corpos nos meios resistentes; as forças, densidades e movimentos dos meios; as órbitas dos cometas e coisas semelhantes; vendo tudo isso, julguei dever adiar esta edição, a fim de estudar tais pontos e publicar tudo junto. As coisas relativas aos movimentos lunares (sendo imperfeitas) foram colocadas nos corolários da Proposição LXVI para evitar ser obrigado a propô-las e demonstrá-las, uma por uma, com um método mais prolixo do que o merecia o assunto, interrompendo a série das outras proposições. Algumas coisas, achadas mais tarde, foram por mim introduzidas em lugares menos indicados, de preferência a modificar o número das proposições e citações. Peço de coração que as coisas que aqui deixo sejam lidas com indulgência, e que meus defeitos, num campo tão difícil, não sejam tanto procurados com vistas à censura, como com a finalidade de serem remediados pelos novos esforços dos leitores. IN Cambridge, Trinity College, 8 de maio de 1686 Definições DEFINIÇÃO I A quantidade de matéria é a medida da mesma, oriunda conjuntamente da sua densidade e grandeza. O ar duplamente mais denso, num duplo espaço, é quádruplo. O mesmo se diga da neve e do pó condensados por compressão ou liquefação. Igual razão vale para todos os corpos que por qualquer causa são condensados diversamente. Neste ponto não levo em consideração o meio, se é que aqui existe algum, que penetra livremente pelos interstícios entre as partes. É essa quantidade que muitas vezes tomo a seguir sob o nome de corpo ou massa. Conhecemo-la pelo peso de qualquer corpo, pois esta é proporcional ao peso, o que achei em experiências feitas cuidadosamente sobre os pêndulos, como se mostrará adiante. DEFINIÇÃO II A quantidade do movimento é a medida do mesmo, provinda conjuntamente da velocidade e da quantidade da matéria. O movimento do todo é a soma dos movimentos de cada uma das partes, e, por conseguinte, num corpo duplo em quantidade, com igual velocidade, ele é duplo, e com duas vezes a velocidade, é quádruplo. DEFINIÇÃO III A força inata (insita) da matéria é um poder de resistir pelo qual cada corpo, enquanto depende dele, persevera em seu estado, seja de descanso, seja de movimento- uniforme em linha reta. Essa força é sempre proporcional a seu corpo, e não difere da inércia da massa senão no nosso modo de conceber. É pela inércia da matéria que todo corpo dificilmente sai de seu estado de descanso ou de movimento. Logo, a força inata pode ser chamada pelo nome muito sugestivo de força de inércia. Mas um corpo só exerce essa força quando da mutação de seu estado por outra força impressa em si; e o exercício dessa força pode ser considerado sob o duplo aspecto de resistência e de ímpeto: resistência, enquanto, para conservar o seu estado, o corpo se opõe à força impressa; ímpeto, enquanto o mesmo corpo, dificilmente cedendo à força do obstáculo oposto, esforça-se por mudar o estado deste. Atribui-se usualmente a resistência aos corpos em repouso, e o ímpeto aos que se movem, mas o movimento e o descanso, enquanto concebidos pelo vulgo, apenas se distinguem relativamente um do outro, nem se acham sempre em repouso os corpos que o vulgo considera parados. DEFINIÇÃO IV A ação impressa é uma ação exercida sobre um corpo para mudar seu estado de repouso ou de movimento uniforme em linha reta. Esta força consiste somente na ação, nem permanece no corpo depois dela. De fato, um corpo persevera em todo novo estado, apenas pela força da inércia. Mas a força impressa é de diversas origens, como de percussão, de pressão e de força centrípeta. DEFINIÇÃO V A força centrípeta é aquela pela qual o corpo é atraído ou impelido ou sofre qualquer tendência a algum ponto como a um centro. Assim é a gravidade, pela qual o corpo tende ao centro da terra, a força magnética, pela qual o ferro tende ao centro do ímã, e aquela força, seja qual for, pela qual os planetas são continuamente afastados dos movimentos retilíneos, obrigados a seguir linhas curvas. A quantidade, porém, da força centrípeta é de três espécies: absoluta, acelerador a e motriz. DEFINIÇÃO VI A absoluta quantidade da força centrípeta é a medida da mesma, maior ou menor conforme a eficácia da causa que a propaga do centro pelos espaços em redor. Assim é que a força magnética se torna maior num ímã e menor em outro. DEFINIÇÃO VII A quantidade aceleradora de uma força centrípeta é a medida da mesma, proporcional à velocidade que gera em determinado tempo. Assim, a força de um mesmo ímã é maior numa distância menor, e menor numa distância maior. Do mesmo modo, a força da gravidade é maior nos vales e menor nos cumes dos montes muito altos (como consta da experiência dos pêndulos), e ainda menor (como depois se verá) em distâncias maiores da terra, sendo, porém, em tudo igual nas distâncias iguais, visto que acelera igualmente todos os corpos que caem (graves ou leves, grandes ou pequenos), tirando-se a resistência do ar. DEFINIÇÃO VIII A quantidade motriz da força centrípeta é a medida da mesma, proporcional ao movimento que gera em determinado tempo. Assim, o peso é maior num corpo maior, e menor num menor; e, no mesmo corpo, é maior perto da terra e menor nos céus. Essa força é o centripetismo ou propensão de todo o corpo para o centro, ou, por assim dizer, seu peso, conhecendo-se sempre pela força que lhe é contrária e que é igual, capaz de impedir a descida do corpo. Essas quantidades das forças podem chamar-se, por amor à brevidade, forças absolutas, aceleradoras e motrizes, e, por causa da distinção, podem referir-se aos corpos, aos lugares dos corpos e ao centro das forças. Isso significa que atribuo a força motriz ao corpo, como um esforço (conatus) e uma propensão do todo para o centro, surgindo das propensões de todas as partes; atribuo a força acelerador a ao lugar do corpo, como certa eficácia, que parte do centro pelos diversos lugares em volta, a fim de mover os corpos que neles se acham; atribuo, porém, a força absoluta ao centro, enquanto dotado de alguma causa sem a qual as forças motrizes não se propagam pelas regiões ao redor, quer seja aquela causa algum corpo central (como o magnete no centro da força magnética, ou a terra no centro da força da gravidade), ou alguma outra ignorada. Trata-se, em todo caso, de um conceito matemático. Com efeito, não me preocupam aqui as causas e os portadores físicos das forças. Portanto, a força aceleradora está para a motriz como a velocidade para o movimento, pois a quantidade do movimento provém da velocidade multiplicada pela quantidade da matéria, e a força motriz surge da força aceleradora multiplicada pela quantidade da mesma matéria. De fato, a soma das ações da força acelerador a sobre cada uma das partículas do corpo é a força motriz do todo. Consequentemente, junto à superfície da terra, onde a gravidade aceleradora ou força da gravidade é a mesma em todos os corpos, a gravidade motriz, ou peso, é como o corpo; mas se subirmos às regiões onde a gravidade aceleradora se torna menor, o peso também diminuirá, e sempre será como o corpo multiplicado pela gravidade aceleradora. Assim nas regiões onde a gravidade da aceleração é duplamente menor, o peso do corpo dupla ou triplamente menor será quatro ou seis vezes menor. De mais a mais, denomino as atrações e os impulsos, no mesmo sentido, aceleradores e motrizes. Uso, porém, indiferente e promiscuamente as palavras "atração", "impulso" ou "Propensão" de qualquer espécie em direção ao centro, considerando essas forças não fisicamente, mas só matematicamente. Por isso, precavenha-se o leitor de pensar que eu queira definir com essas palavras uma espécie ou modo de ação, causa ou razão física, atribuindo aos centros (que são pontes matemáticos) forças verdadeiras e físicas, quando digo, por acaso, que os centros atraem ou falo de forças do centro. ESCÓLIO Até aqui só me pareceu ter que explicar os termos menos conhecidos, mostrando em que sentido devem ser tomados na continuação deste livro. Deixei, portanto, de definir, como conhecidíssimos de todos, o tempo, o espaço, o lugar e o movimento. Direi, contudo, apenas que o vulgo não concebe essas quantidades senão pela relação com as coisas sensíveis. É daí que nascem certos prejuízos, para cuja remoção convém distinguir as mesmas entre absolutas e relativas, verdadeiras e aparentes, matemáticas e vulgares. I. O tempo absoluto, verdadeiro e matemático flui sempre igual por si mesmo e por sua natureza, sem relação com qualquer coisa externa, chamando-se com outro nome "duração"; o tempo relativo, aparente e vulgar é certa medida sensível e externa de duração por meio do movimento (seja exata, seja desigual), a qual vulgarmente se usa em vez do tempo verdadeiro, como são a hora, o dia, o mês, o ano. II. O espaço absoluto, por sua natureza, sem nenhuma relação com algo externo, permanece sempre semelhante e imóvel; o relativo é certa medida ou dimensão móvel desse espaço, a qual nossas sentidos definem por sua situação relativamente aos corpos, e que a plebe emprega em vez do espaço imóvel, como é a dimensão do espaço subterrâneo, aéreo ou celeste definida por sua situação relativamente à terra. Na figura e na grandeza, o tempo absoluto e o relativo são a mesma coisa, mas não permanecem sempre numericamente o mesmo. Assim, p.ex., se a terra se move, um espaço do nosso ar que permanece sempre o mesmo relativamente, e com respeito à terra, ora será uma parte do espaço absoluto no qual passa o ar, ora outra parte, e nesse sentido mudar-se-á sempre absolutamente. III. O lugar é uma parte do espaço que um corpo ocupa, e, com relação ao espaço, é absoluto ou relativo. Digo uma parte do espaço, e não a situação do corpo ou a superfície ambiente. Com efeito, os lugares dos sólidos iguais são sempre iguais, mas as superfícies são quase sempre desiguais, por causa da dessemelhança das figuras; as situações, porém, não têm, propriamente falando, quantidade, sendo antes afecções dos lugares que os próprios lugares. O movimento do todo é o mesmo que a soma dos movimentos das partes, ou seja, a translação do todo que sai de seu lugar é a mesma que a soma da translação das partes que saem de seus lugares, e por isso o lugar do todo é o mesmo que a soma dos lugares das partes, sendo, por conseguinte, interno e achando-se no corpo todo. IV. O movimento absoluto é a translação de um corpo e um lugar absoluto para outro absoluto, ao passo que o relativo é a translação de um lugar relativo para outro relativo. Desse modo, num navio a vela, o lugar relativo de um corpo é aquela parte do navio em que ele se acha, ou aquela parte da cavidade que o corpo ocupa, e que se move junto com o navio; e o descanso relativo é a permanência do corpo naquela mesma parte do navio ou de sua cavidade. O descanso verdadeiro, porém, é a permanência do corpo na mesma parte daquele espaço imóvel em que o próprio navio se move juntamente com sua cavidade e todo o seu conteúdo. Logo, se a terra está realmente parada, o corpo que está em repouso relativo no navio mover-se-á verdadeira e absolutamente na velocidade com que o navio se move na terra. Mas se a terra também se move, o verdadeiro e absoluto movimento do corpo surgirá em parte do verdadeiro movimento da terra no espaço imóvel, em parte do movimento relativo do navio na terra; e se o corpo também se mover relativamente no navio, surgirá seu verdadeiro movimento em parte do verdadeiro movimento da terra no espaço imóvel, em parte dos movimentos relativos, tanto do navio na terra, como do corpo no navio, e desses movimentos relativos nascerá o movimento relativo do corpo na terra. Assim é que se aquela parte da terra onde está o navio se move verdadeiramente para o Oriente com a velocidade 10010 das partes, e o navio se dirige, graças às velas e ao vento, para o Ocidente com a velocidade de 10 partes, mas se o navegante andar no navio para o Oriente com 1 parte da velocidade, mover-se-á verdadeira e absolutamente no espaço imóvel, para o Oriente, com 10001 partes da velocidade, e relativamente na terra, para o Ocidente, com nove partes da velocidade. O tempo absoluto distingue-se do relativo na astronomia pela equação do tempo vulgar. De fato, os dias naturais, que vulgarmente se consideram iguais para medida do tempo, são desiguais. Essa desigualdade é corrigida pelos astrônomos, para medirem os movimentos celestes por meio de um tempo mais verdadeiro. Pode muito bem ser que não haja movimento algum, que seja igual, para medir o tempo com exatidão. Todos os movimentos podem acelerar-se e retardar-se, mas o fluxo do tempo absoluto não se pode mudar. A duração ou perseverança da existência das coisas é a mesma, quer os movimentos sejam rápidos, quer lentos, ou até nulos; portanto, ela [a duração] se distingue, devidamente, das suas medidas sensíveis e das mesmas se deduz por meio de uma equação astronômica. A necessidade, porém, dessa equação para determinar os fenômenos impõe-se tanto pela experiência do relógio oscilatório [pendular], como também pelos eclipses dos satélites de Júpiter. Assim como a ordem das partes do tempo é imutável, também o é a ordem das partes do espaço. Na hipótese de se moverem de seus lugares essas partes, também se moveriam de si mesmas (como diríamos), pois os tempos e os espaços são como que os lugares de si mesmos e de todas as coisas. Estas localizam-se no tempo quanto à ordem da sucessão, e no espaço quanto à ordem da situação. Da essência deles é serem lugares, e é absurdo que os lugares primários se movam. Eis, portanto, os lugares absolutos, e só as translações desses lugares são movimentos absolutos. Contudo, como essas partes do espaço não podem ser vistas e distinguidas umas das outras por nossos sentidos, usamos em lugar delas medidas sensíveis. Com efeito, definimos todos os lugares pelas posições e distâncias das coisas em relação a um determinado corpo, que consideramos como imóvel; a seguir também calculamos todos os movimentos relativamente a esses lugares, enquanto concebemos os corpos como transferidos destes. É assim que empregamos em vez dos lugares e movimentos absolutos os relativos, sem nenhum inconveniente na vida comum: na filosofia, entretanto, devemos fazer abstração dos sentidos. Pode, na realidade, acontecer que nenhum corpo, ao qual os lugares e movimentos se refiram, esteja de fato parado. Distinguem-se, porém, um do outro o descanso e o movimento, tanto os absolutos como os relativos, por suas propriedades, causas e efeitos. Uma propriedade do descanso é que os corpos verdadeiramente em repouso estejam parados em relação um ao outro. Por isso, como é possível que algum corpo, nas regiões das estrelas fixas ou talvez mais longe ainda, esteja em repouso absoluto, não se podendo saber, pela situação dos corpos um em relação aos outros, nas nossas regiões, se algum deles guarda a mesma posição relativamente àquele corpo longínquo, não se pode definir o verdadeiro repouso pela situação dos corpos entre si. Uma propriedade do movimento é que as partes que guardam as posições dadas em relação a seus todos participam dos movimentos desses todos. Com efeito, todas as partes dos corpos que giram esforçam-se por se afastar do eixo do movimento, e o ímpeto dos que seguem adiante provém do ímpeto coligado das partes singulares. Logo, movidos os corpos ambientes, as coisas que em redor estão relativamente em repouso se moverão. E por isso o movimento verdadeiro e absoluto não pode ser definido pela translação a partir dos corpos vizinhos, que são vistos como parados. Os corpos extensos não devem ser vistos apenas como parados, mas precisam parar verdadeiramente. Caso contrário, todos os corpos incluídos fora da translação, a partir dos corpos ambientes vizinhos, participarão também dos verdadeiros movimentos deles, e sem essa translação não estarão verdadeiramente parados, mas só serão vistos como parados; os corpos ambientes, de fato, referem-se aos corpos incluídos como a parte exterior do todo em relação à interior, ou como a casca em relação ao cerne, pois que, movida a casca, o cem e também, como parte do todo, se moverá, sem a translação da casca vizinha. Uma propriedade vizinha da anterior é que, movendo-se o lugar, juntamente se move o conteúdo, e, por isso, um corpo que se move de um lugar em movimento participa também do movimento do seu lugar: Por conseguinte, todos os movimentos oriundos dos lugares em movimento são somente partes dos movimentos integrais e absolutos; e todo movimento integral compõe-se do movimento do corpo a partir de seu primeiro lugar, e do movimento deste lugar para fora de seu lugar, e assim por diante, até chegar ao lugar imóvel, como no citado exemplo do navegante. Logo, movimentos integrais e absolutos não podem definir-se senão pelos lugares imóveis, e, por isso, acima os referi a esses lugares, mas referi os movimentos relativos aos lugares móveis. Ora, lugares imóveis não são senão aqueles que, por toda infinidade, conservam as posições mútuas, pelo que sempre permanecem imóveis, constituindo o espaço que chamo imóvel. As causas pelas quais os movimentos verdadeiros e os relativos se distinguem entre si são causas impressas nos corpos para gerar o movimento. O movimento verdadeiro não é gerado nem se muda senão por forças impressas no próprio corpo movido; mas o movimento relativo pode ser gerado e mudar-se sem forças impressas nesse corpo. Basta, com efeito, que se imprimam apenas em outros corpos, com os quais se faz a relação, de modo que, faltando eles, muda-se aquela relação em que consiste o repouso ou movimento relativo de determinado corpo. Da mesma forma, o movimento verdadeiro sempre sofre alguma mutação pelas forças impressas no corpo movido, mas o movimento relativo não é mudado necessariamente por essas forças. De fato, se as mesmas forças se imprimirem também em outros corpos com que se estabelece relação, de modo a conservar a situação relativa, estará igualmente conservada a relação em que consiste o movimento relativo. Pode, pois, mudar-se todo o movimento relativo, conservando-se o verdadeiro, e ser conservado, mudando-se o verdadeiro; logo, o movimento verdadeiro não consiste de maneira alguma em tais relações. Os efeitos pelos quais se distinguem uns dos outros os movimentos absolutos e os relativos são as forças de se afastar do eixo do movimento circular. De fato, no movimento circular simplesmente relativo não há tais forças; no verdadeiro, porém, e absoluto, existem em maior ou menor grau conforme a quantidade do movimento. Penduremos, p.ex., um vaso por meio de uma corda muito comprida, e viremo-la muitas vezes até ficar a corda endurecida pelas voltas; enchamo-la então de água e larguemo-la: subitamente ocorrerá aí certo movimento contrário, descrevendo um círculo, e, relaxando-se a corda, o vaso continuará por mais tempo nesse movimento. A superfície da água [dentro do vaso] será plana no começo, como antes do movimento do vaso, mas depois, imprimindo-se aos poucos a força da água, esta começará sensivelmente a mexer-se, afastando-se aos poucos do centro e subindo aos lados, de modo a formar uma figura côncava (como eu mesmo experimentei); e, na medida em que o movimento aumentar, a água subirá sempre mais, até que, por último, igualando-se no tempo sua revolução com a do vaso, descansará relativamente nele. Esta subida indica o esforço por afastar-se do eixo do movimento, e por esse esforço se torna conhecido e se mede o verdadeiro e absoluto movimento circular da água, aqui inteiramente contrário ao movimento relativo. No início, quando era sumo o movimento relativo da água, não produzia nenhum esforço por se afastar do eixo; a água não tendia à circunferência, subindo aos lados do vaso, mas permanecia plana, e, por conseguinte, seu verdadeiro movimento circular ainda não tinha começado. Depois, porém, que o movimento relativo da água diminuiu, sua subida para os lados do vaso indicava o esforço por afastar-se do eixo, e esse esforço mostrava seu verdadeiro movimento circular, continuamente crescendo até atingir seu máximo quando a água passou a descansar relativamente no vaso. Portanto, aquele esforço não depende da translação da água com relação aos corpos ambientes; logo, o verdadeiro movimento circular não pode ser definido por essas translações. Só há um verdadeiro movimento circular de qualquer corpo que gira, correspondendo ao único esforço, como seu efeito próprio e adequado, ao passo que os movimentos relativos, consoante as várias relações, com os corpos externos, são inúmeros, e, como as relações, são completamente destituídos de efeitos verdadeiros, a não ser enquanto participam daquele verdadeiro e único movimento. Segue-se que no sistema daqueles conforme os quais nosso céu gira abaixo do céu das estrelas fixas, carregando consigo os planetas, estes e todas as partes do céu, que relativamente descansam em seu céu próximo, na verdade se movem. De fato, mudam suas posições mas em relação às outras (o que não se dá com os corpos em repouso verdadeiro), e, carregados por seu céu, participam de seu movimento, e, como partes dos todos que giram, esforçam-se por afastar-se de seus eixos. Logo, as quantidades relativas não são as próprias quantidades cujos nomes ostentam, mas sim as medidas sensíveis delas (verdadeiras ou erradas), usadas vulgarmente em lugar das qualidades em si. Se, portanto, se deve definir pelo uso o sentido das palavras, pelos termos "tempo", "espaço", "lugar" e "movimento" hão de entender-se propriamente essas medidas, e será inusitado e puramente matemático subentenderem-se as quantidades medidas. Por conseguinte, forçam a Sagrada Escritura os que interpretam essas palavras como sendo das quantidades em si. Nem menos maculam a matemática e a filosofia os que confundem as verdadeiras quantidades com suas relações e medidas vulgares. É dificílimo, porém, conhecer os verdadeiros movimentos de cada um dos corpos, distinguindo-se efetivamente dos aparentes, dado que as partes do espaço imóvel em que os corpos se movem de verdade não caem sob os sentidos. A causa, entretanto, não está de todo perdida, porque há argumentos que suprem esse defeito, em parte provindos dos movimentos aparentes, os quais constituem diferenças dos movimentos verdadeiros, em parte oriundos das forças que são causas e efeitos desses movimentos. Se, p. ex., dois globos, com determinada distância entre si e ligados por um cordão, forem movimentados ao redor do centro comum de gravidade, conhecer-se-á pela tensão do fio o esforço dos globos por afastar-se do eixo do movimento, e, daí, poderemos calcular a quantidade do movimento circular. Em seguida, se forem impressas ao mesmo tempo em ambas as faces dos globos quaisquer forças iguais, a fim de aumentar ou diminuir o movimento circular, poderemos inferir pela tensão aumentada ou diminuída do cordão o aumento ou diminuição do movimento; e daí se poderiam encontrar afinal as faces dos globos em que se devessem imprimir as forças para que o movimento atingisse o máximo, i.e., as faces posteriores, ou aquelas que vêm depois no movimento circular. Ora, conhecidas as faces que se seguem, e as faces opostas, as que precedem, conhecer-se-ia a determinação do movimento. Dessa maneira, poder-se-ia chegar tanto à quantidade quanto à determinação deste movimento circular num vácuo imenso, onde não houvesse nada de externo e sensível, com que os globos pudessem ser comparados. Mas se se estabelecessem nesse espaço alguns corpos remotos que guardassem certa posição entre si, como são as estrelas fixas nas nossas regiões, não se poderia, de fato, saber pela translação relativa dos globos entre os corpos se o movimento deveria ser atribuído a estes ou àqueles. Se, porém, se prestasse atenção ao fio e se se verificasse que sua tensão é aquela que o movimento dos globos exige, poderíamos concluir que o movimento é dos globos e chegar afinal, pela translação dos globos entre os corpos, à determinação desse movimento. Mas inferir os movimentos verdadeiros de suas causas, de seus efeitos e de suas diferenças aparentes, ou, inversamente, deduzir dos movimentos, quer verdadeiros quer aparentes, suas causas e efeitos, é o que se ensinará com mais particularidades nas páginas seguintes. É para esse fim que compus este trabalho. Axiomas ou leis do movimento LEI I Todo corpo permanece em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em linha reta, a menos que seja obrigado a mudar seu estado por forças impressas nele. Os projéteis permanecem em seus movimentos enquanto não forem retardados pela resistência do ar e impelidos para baixo pela força da gravidade. Uma roda [de brinquedo], cujas partes, por sua coesão, desviam continuamente dos movimentos retilíneos, não cessa de rodar senão enquanto é retardada pelo ar. Mas os corpos maiores que são os planetas e os cometas conservam por mais tempo seus movimentos, tanto os progressivos como os circulares, por causa da menor resistência dos espaços. LEI II A mudança do movimento é proporcional à força motriz impressa, e se faz segundo a linha reta pela qual se imprime essa força. Se toda força produz algum movimento, uma força dupla produzirá um movimento duplo e uma tripla um triplo, quer essa força se imprima conjuntamente e de uma vez só, quer seja impressa gradual e sucessivamente. E esse movimento, por ser sempre orientado para a mesma direção que a força geratriz, se o corpo se movia antes, ou se acrescenta a seu movimento, caso concorde com ele, ou se subtrai dele, caso lhe seja contrário, ou, sendo oblíquo, ajunta-se-lhe obliquamente, compondo-se com ele segundo a determinação de ambos. LEI III A uma ação sempre se opõe uma reação igual, ou seja, as ações de dois corpos um sobre o outro sempre são iguais e se dirigem a partes contrárias. Tudo quanto impele ou atrai o outro, é do mesmo modo impelido ou atraído por ele. Se alguém aperta com o dedo uma pedra, seu dedo será apertado pela pedra. Se o cavalo puxa uma pedra amarrada numa corda, o cavalo também será, igualmente, puxado pela pedra, pois a corda esticada dos dois lados, tanto levará, pelo esforço a relaxar-se, o cavalo para a pedra, como esta para o cavalo, e tanto impedirá o progresso de um quanto promover o do outro. Se um corpo, batendo num outro, mudar por sua força, de qualquer modo, o movimento dele, também mudará, sofrendo por sua vez, por força do outro, a mesma mudança em seu movimento, num sentido oposto ao do outro (devido à igualdade da pressão mútua). Por essas ações, tornam-se iguais não as mudanças de velocidades, mas as dos movimentos (a saber, nos corpos não impedidos de outro modo). Com efeito, porque os movimentos mudam igualmente, as mudanças das velocidades, feitas da mesma forma em direções opostas, são reciprocamente proporcionais aos corpos. LIVRO III Do sistema do mundo Nos livros precedentes tratei dos princípios da filosofia, mas não dos filosóficos, e sim apenas dos matemáticos, i.e., daqueles sobre os quais se pode discutir nos assuntos filosóficos. Tais são as leis e condições dos movimentos e das forças, coisas que dizem bem respeito à filosofia. Entretanto, para que não parecessem áridas, ilustrei-as com alguns escólios filosóficos, e versei sobre generalidades, em que parece fundar-se principalmente a filosofia, como sejam, a densidade e resistência dos corpos, os espaços vazios de corpos, bem como o movimento da luz e dos sons. Resta deduzir desses princípios a constituição do sistema do mundo. Sobre esse ponto eu compusera num método popular o livro terceiro, para ser lido por mais pessoas. Mas aqueles que não compreenderem suficientemente os princípios estabelecidos não perceberão de modo algum a força das consequências, nem se desfarão dos preconceitos adquiridos já muito antes. Por isso, a fim de não dar azo a discussões, resumi aquele livro em proposições, de forma matemática, para serem lidas só por aqueles que tiverem antes estudado os princípios. Entretanto, como aí ocorrem muitíssimas proposições que poderão causar demasiada dificuldade aos leitores, até aos mais versados na matemática, não pretendo que se percorram todas: basta que se leiam atentamente as definições, as leis dos movimentos e as três primeiras seções do livro I, passando-se então a este livro sobre o Sistema do Mundo, bem como, se se quiser, às restantes proposições, aqui citadas, dos livros anteriores. Hipóteses HIPÓTESE I Não se hão de admitir mais causas das coisas naturais do que as que sejam verdadeiras e, ao mesmo tempo, bastem para explicar os fenômenos de tudo. A natureza, com efeito, é simples e não se serve do luxo de causas supérfluas das coisas. HIPÓTESE II Logo, os efeitos naturais da mesma espécie têm as mesmas causas. Assim, as causas da respiração no homem e no animal, da descida das pedras na Europa e na América, da luz no fogo de cozinha e no sol, da reflexão da luz na terra e nos planetas. HIPÓTESE III Todo corpo pode transformar-se num corpo de qualquer outra espécie e adquirir sucessivamente todos os graus intermediários das qualidades. HIPÓTESE IV O centro do sistema do mundo está em repouso. Escólio Geral A hipótese dos vórtices se defronta com muitas dificuldades. A fim de que todo planeta possa descrever, por um raio traçado com relação ao sol, áreas proporcionais aos tempos de descrição, os tempos periódicos das várias partes dos vórtices devem observar o quadrado de suas distâncias do sol; mas, a fim de que os tempos periódicos dos planetas possam obter os 3/2 do poder de suas distâncias do sol, os tempos periódicos das partes do vórtice devem ser como os 3/2 do poder de suas distâncias. Para que os vórtices menores possam manter suas revoluções menores ao redor de Saturno, Júpiter e outros planetas e deslizar suavemente e imperturbáveis no maior vórtice do sol, os tempos periódicos das partes do vórtice do sol devem ser iguais; mas a rotação do sol e dos planetas em torno de seus eixos, que deve corresponder aos movimentos de seus vórtices, está muito aquém de todas essas proporções. Os movimentos dos cometas são extremamente regulares, são governados pelas mesmas leis que os movimentos dos planetas e não podem de forma alguma servir de explicação para as hipóteses dos vórtices; pois os cometas são conduzidos por movimentos bastante excêntricos através de todas as partes dos céus indiferentemente, com uma liberdade que é incompatível com a noção de um vórtice. Corpos lançados em nosso ar não sofrem nenhuma resistência além da do ar. Retire-se o ar, como é feito no vácuo do Sr. Boyle, e a resistência cessa; pois nesse vazio uma pena e um pedaço de ouro sólido descem com velocidade igual. E o mesmo argumento deve-se aplicar aos espaços celestiais acima da atmosfera da terra; nesses espaços, onde não existe ar para resistir a seus movimentos, todos os corpos se moverão com o máximo de liberdade; e os planetas e cometas prosseguirão constantemente suas revoluções em órbitas dadas em espécie e posição, de acordo com as leis acima explicadas; mas, apesar de tais corpos poderem, com efeito, continuar em suas órbitas pela simples lei da gravidade, todavia eles não podem de modo algum ter, em princípio, derivado dessa lei a posição regular das próprias órbitas. Os seis planetas primários são revolucionados em torno do sol em círculos concêntricos ao sol, com movimentos dirigidos em direção às mesmas partes e quase no mesmo plano. Dez luas são revolucionadas em torno da terra, Júpiter e Saturno, em círculos concêntricos a eles, com a mesma direção de movimento e quase nos planos das órbitas desses planetas; mas não se deve conceber que simples causas mecânicas poderiam dar origem a tantos movimentos regulares, desde que os cometas erram por todas as partes dos céus em órbitas bastante excêntricas; pois por essa espécie de movimento eles passam facilmente pelas órbitas dos planetas e com grande rapidez; e em seus apogeus, onde eles se movem com o mínimo de velocidade e são detidos o máximo de tempo, eles recuam às distâncias máximas entre si e sofrem, portanto, a perturbação mínima de suas atrações mútuas. Este magnífico sistema do sol, planetas e cometas poderia somente proceder do conselho e domínio de um Ser inteligente e poderoso. E, se as estrelas fixas são os centros de outros sistemas similares, estes, sendo formados pelo mesmo conselho sábio, devem estar todos sujeitos ao domínio de Alguém; especialmente visto que a luz das estrelas fixas é da mesma natureza que a luz do sol e que a luz passa de cada sistema para todos os outros sistemas: e para que os sistemas das estrelas fixas não caiam, devido a sua gravidade, uns sobre os outros, ele colocou esses sistemas a imensas distâncias entre si. Esse Ser governa todas as coisas, não como a alma do mundo, mas como Senhor de tudo; e por causa de seu domínio costuma-se chama-lo Senhor Deus Pantokrátor, ou Soberano Universal; pois Deus é uma palavra relativa e tem uma referência a servidores; e Deidade é o domínio de Deus não sobre seu próprio corpo, como imaginam aqueles que supõem Deus ser a alma do mundo, mas sobre os serventes. O Deus Supremo é um Ser eterno, infinito, absolutamente perfeito; mas um ser, mesmo que perfeito, sem domínio, não pode dizer-se ser Senhor Deus; pois dizemos, meu Deus, seu Deus, o Deus de Israel, o Deus dos Deuses, e Senhor dos Senhores; mas não dizemos, meu Eterno, seu Eterno, o Eterno de Israel, o Eterno dos Deuses; não dizemos, meu Infinito ou meu Perfeito; estes são títulos que não têm referência aos servidores. A palavra Deus “O Dr. Pocock deriva a palavra latina Deus da palavra árabe du (no caso oblíquo di), que significa Senhor. E neste sentido os soberanos são chamados deuses. Sl. 82,6; Jc 10,35. E Moisés é chamado um deus para seu irmão Aaron, e um deus para o faraó, Êx. 4,16; 7,1. E no mesmo sentido as almas dos soberanos mortos foram anteriormente, pe, os pagãos, chamadas deuses, mas falsamente, por causa de sua falta de domínio”. (Nota do Autor) comumente significa Senhor; mas nem todo senhor é um Deus. É o domínio de um ser espiritual que constitui um Deus: um domínio verdadeiro, supremo ou imaginário. E de seu domínio verdadeiro segue-se que o Deus verdadeiro é um Ser vivente, inteligente e poderoso; e, de suas outras perfeições, que ele é supremo ou o mais perfeito. Ele é eterno e infinito, onipotente e onisciente; isto é, sua duração se estende da eternidade a eternidade; sua presença do infinito ao infinito; ele governa todas as coisas e conhece todas as coisas que são ou podem ser feitas. Ele não é eternidade e infinitude, mas eterno e infinito; ele não é duração ou espaço, mas ele dura e está presente. Ele dura para sempre, e está presente em todos os lugares; e, por existir sempre e em todos os lugares, ele constitui a duração e o espaço. Desde que toda partícula de espaço é sempre, e todo momento indivisível de duração está em todos os lugares, certamente o Criador e Senhor de todas as coisas não pode ser nunca e estar em nenhum lugar. Toda alma que tem percepção é, embora em tempos diferentes e em diferentes órgãos dos sentidos e movimento, ainda a mesma pessoa indivisível. Existem partes sucessivas dadas na duração, partes coexistentes no espaço, mas nem uma nem outra pessoa de um homem, ou de seu princípio pensante; e muito menos podem elas ser encontradas ria substância pensante de Deus. Todo homem, até o ponto em que ele seja unia coisa que tem percepção, é um e o mesmo homem durante toda sua vida, em todos e cada um de seus órgãos dos sentidos. Deus é o mesmo Deus, sempre e em todos os lugares. Ele é onipresente não somente virtualmente, mas também substancialmente; pois a virtude não pode subsistir sem substância. Nele, “Esta era a opinião dos antigos. Assim Pitágoras, em Cícero De Natura Deorum, I. Tales, Anaxágoras, Virgílio em Geórgicas, IV, 220; e Eneida VI, 721. Filon, Alegorias, no começo do Livro I. Aratus, em seu Fenômenos, no começo. Assim também os escritores sagrados: como São Paulo em At, 17,27,28; 10 14,2; Moisés, em Dt 4,39; 10,14; Davi, em SI 139, 7.8.9; Salomão, em Rs 8,27; lá 22, 12.13.14; ler 23, 23.24. Os idólatras supunham o sol, lua e estrelas, as almas dos homens e outras partes do mundo serem partes do Deus supremo, e portanto serem adoráveis; mas erroneamente”. (Nota do Autor) são todas as coisas contidas e movidas; todavia nenhum afeta o outro: Deus não sofre nada do movimento dos corpos; os corpos não encontram nenhuma resistência da onipresença de Deus. É admitido por todos que o Deus Supremo existe necessariamente; e pela mesma necessidade ele existe sempre e em todos os lugares. De onde ele é todo similar, todo olho, todo ouvido, todo cérebro, todo braço, todo poder para perceber, entender e agir; mas de certo modo não é, em absoluto, humano, de certo modo não é, em absoluto, corpóreo, de certo modo é totalmente desconhecido para nós. Assim como um homem cego não tem ideia das cores, nós também não temos ideia da maneira pela qual o todo-sábio Deus percebe e entende todas as coisas. Ele é completamente destituído de todo corpo e figura corporal, e não pode portanto nem ser visto, nem ouvido, nem tocado; nem deve ser ele adorado sob a representação de qualquer coisa corporal. Temos ideias de seus atributos, mas o que a substância real de qualquer coisa é nós não sabemos. Nos corpos, vemos somente suas figuras e cores, ouvimos somente os sons, tocamos somente suas superfícies exteriores, cheiramos somente os cheiros, e provamos os sabores; mas suas substâncias interiores não deverão ser conhecidas nem por nossos sentidos, nem por qualquer ato reflexo de nossas mentes: muito menos, temos qualquer ideia da substância de Deus. Nós o conhecemos somente por suas invenções mais sábias e excelentes das coisas e pelas causas finais; o admiramos por suas perfeições; mas o reverenciamos e adoramos por causa de seu domínio: pois nós o adoramos como seus serventes; e um deus sem domínio, providência e causas finais não é nada além de Destino e Natureza. A necessidade metafísica cega, que certamente é a mesma sempre e em todos os lugares, não poderia produzir nenhuma variedade de coisas. Toda aquela diversidade das coisas naturais que encontramos adaptadas a tempos e lugares diferentes não se poderia originar de nada a não ser das ideias e vontade de um Ser necessariamente existente. Mas, para servir de alegoria, Deus é dito ver, falar, rir, amar, odiar, desejar, dar, receber, regozijar-se, estar faminto, lutar, inventar, trabalhar, construir; pois todas as nossas noções de Deus são tomadas dos caminhos da humanidade por certa similitude, que, apesar de não ser perfeita, tem, entretanto, alguma semelhança. E dessa forma muito do que concerne a Deus, no que diz respeito ao discurso sobre ele a partir das aparências das coisas, certamente pertence à filosofia natural. Até aqui explicamos os fenômenos dos céus e de nosso mar pelo poder da gravidade, mas ainda não designamos a causa desse poder. É certo que ele deve provir de uma causa que penetra nos centros exatos do sol e planetas, sem sofrer a menor diminuição de sua força; que opera não de acordo com a quantidade das superfícies das partículas sobre as quais ela age (como as causas mecânicas costumam fazer), mas de acordo com a quantidade da matéria sólida que elas contêm, e propaga sua virtude em todos os lados a imensas distâncias, decrescendo sempre no quadro inverso das distâncias. A gravitação com relação ao sol é composta a partir das gravitações com relação às várias partículas das quais o corpo do sol é composto; e ao afastar-se do sol diminui com exatidão na proporção do quadrado inverso das distâncias até a órbita de Saturno, como evidentemente aparece do repouso do apogeu dos planetas; mais ainda, e mesmo para os mais remotos apogeus dos cometas, se estes apogeus estão também em repouso. Mas até aqui não fui capaz de descobrir a causa dessas propriedades da gravidade a partir dos fenômenos, e não construo nenhuma hipótese; pois tudo que não é deduzido dos fenômenos deve ser chamado uma hipótese; e as hipóteses, quer metafísicas ou físicas, quer de qualidades ocultas ou mecânicas, não têm lugar na filosofia experimental. Nessa filosofia as proposições particulares são inferidas dos fenômenos, e depois tomadas gerais pela indução. Assim foi que a impenetrabilidade, a mobilidade e a força impulsiva dos corpos, e as leis dos movimentos e da gravitação foram descobertas. E para nós é suficiente que a gravidade realmente exista, aja de acordo com as leis que explicamos e que sirva abundantemente para considerar todos os movimentos dos corpos celestiais e de nosso mar. E agora poderíamos acrescentar algo concernente a certo espírito mais sutil que penetra e jaz escondido em todos os corpos sólidos; um espírito através de cuja força e ação as partículas dos corpos se atraem entre si a distâncias próximas, e se unem, se contíguas; e os corpos elétricos operam a distâncias maiores tanto repelindo como atraindo os corpúsculos vizinhos; e a luz é emitida, refletida, refratada, infletida, e esquenta os corpos; e toda sensação é excitada e os membros dos corpos animais movem-se ao comando da vontade, notadamente pela vibração desse espírito, mutuamente propagada ao longo dos filamentos sólidos dos nervos, dos órgãos exteriores dos sentidos até o cérebro, e do cérebro até os músculos. Mas essas são coisas que não podem ser explicadas em poucas palavras, nem estamos providos daquela suficiência de experimentos que é requerida para uma determinação precisa e para uma demonstração das leis pelas quais esses espíritos elétricos e elásticos operam.